RESUMO: O presente trabalho aborda o Direito do Consumidor sob dois espectros, o histórico e jurisprudencial. No aspecto histórico do direito do consumidor, anotou-se a existência de um nítido relacionamento entre o surgimento do comércio e sua massificação e da profundidade das normas relativas ao consumo. Já no jurisprudencial, verificou-se que o Código de Defesa dos Consumidores tem sido efetivamente aplicado e efetivado.
Inicialmente, se traçará uma linha investigava histórica acerca da evolução do Direito do Consumidor até o seu desenvolvimento atual, ato contínuo, será esboçados os aspectos fundamentais da dogmática (princípios e regras) do Direito Consumidor.
Ao fim, serão analisados os precedentes jurisprudências que têm resultado da atuação jurisdicional dos Tribunais, tecendo-se comentários acerca do que há de mais relevante atualmente na jurisprudência, inicialmente através do Superior Tribunal de Justiça e, após, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
2.0 Histórico e linhas gerais do atual sistema de defesa do consumidor
A história do direito do consumidor está umbilicalmente ligada com a o desenvolvimento do modelo industrial de produção, tendo em vista que apenas a partir desse momento histórico que o consumo passa a se massificar.
Norat explica como se deu o fenômeno da revolução industrial:
(...) a Revolução Industrial se inicia na Inglaterra e se espalha por toda a Europa e Estados Unidos, contribuindo diretamente para a transformação dos grandes centros urbanos. Assim sendo, a ampliação do consumo era inevitável, e para atender toda a demanda foram criadas grandes fábricas que iniciam a produção em larga escala dos produtos que, agora, eram iguais para todos os consumidores – são os produtos em série (2013).
Não se deve olvidar, entretanto, que existiram durante a história – desde o nascimento do comércio até a massificação do consumo - regras ou regramentos que podem ser reportados com verdadeiros precedentes.
Por exemplo, podemos exemplificar, na linha de Norat (2013): 1) Na Índia antiga, haviam punições estabelecidas para casos de adulteração de alimentos no Código de Manu; Em Roma à época do Império, destacam-se aindas práticas do controle de abastecimento de produtos, principalmente nas regiões conquistadas, bem como a decretação de congelamento de preços, no período de Deocleciano; Na Grécia antiga, por sua vez, haviam uma preocupação muito grande com os pesos e medidas, no que se incumbia a fiscais a missão de fiscalizar a adequação dos pesos e medidas dos produtos.
Retomando-se o que se disse, foi com revolução industrial que se deu a massificação da produção e com essa massificação restava necessário o aumento do consumo, em uma relação em que o consumo condicionava o aumento da indústria e vice-versa. De tal fenômeno, resultaram empresas especialmente fortes, no que se ampliou a hipossuficiência dos consumidores em face à empresas com enorme poder de barganha econômico e inclusive político.
Em contrapartida, o movimento consumerista surgiu, com a clara missão de buscar regramentos que proporcionassem direitos capazes de diminuir a hipossuficiência dos consumidores face às grandes corporações. Anote-se que o desenvolvimento dos direitos do consumidor estava relacionada com a pressão exercidas pelos sindicatos, os quais buscavam melhores condições trabalho para os empregados frente as empresas (NORAT, 2013).
Diante disso, Norat revela que:
Em 1960 surgiu a IOCU – Organization of Consumers Unions, que foi inicialmente constituída por organizações de cinco países: Austrália, Bélgica, Estados Unidos, Holanda e Reino Unido. Atualmente a IOCU é designada como CI – Consumers International, uma federação mundial de grupos de consumidores que atua em 115 países distribuídos por todos os continentes do Planeta e congrega mais de duzentas e vinte associações de proteção e defesa do consumidor. Inclusive, o Brasil é representado na Consumers International através do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e pelo PROCON. A organização é reconhecida pela ONU – Organização das Nações Unidas (2013).
No Brasil, por sua vez:
Na trajetória de nosso ordenamento jurídico destacam-se o Decreto-Lei nº 22.626 de 07/04/1933 conhecido como a Lei da Usura (ainda em vigor) que praticamente inaugura o direito consumerista no Brasil, logo depois temos o Decreto-Lei n.869 de 18/11/1938 que versava sobre Crimes Contra a Economia popular (FERREIRA, 2007).
Nessa toada, destacam-se a Lei Delegada nº 4/62, pois institui a intervenção estatal no âmbito econômico, para assegurar a livre distribuição de produtos necessário ao consumo (NORAT, 2013), bem como a Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico, que instituiu o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) .
Mas é com a Constituição de 1998, a constituição cidadã, que instituiu em várias disposições direitos ao consumidor, bem como a necessidade de defesa ao consumidor. Deve-se sublinhar, nesse sentido, o art.5º, XXXII, que torna o direito do consumidor em direito fundamento, a ser promovido pelo Estado, na forma da Lei, bem como o art. 170, V, que adota como um dos princípios da ordem econômica a defesa do consumidor.
Em 1990, a Lei nº 8.078 a instituiu a primeira e única codificação brasileira sobre os direitos do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Diversas são as inovações trazidas nesse código, entre as quais, podemos destacar a criação de uma Política Nacional de Relações de Consumo, com o fito de proporcionar atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo (art. 4º, caput, da Lei n.º 8.078).
Agrega-se a isso que o CDC passou a definir legalmente inclusive a figura do consumidor, afirmando em seu art. 2º e parágrafo único, que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária final, equiparando-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Por óbvio, o CDC instituiu diversos direito aos consumidores, de um modo geral, Hugo Mazzilli lista tais direitos:
Segundo o CDC, que a propósito não apresenta rol taxativo são direitos básicos do consumidor: a) proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; b) a educação e a divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; c) a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com a especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; d) a proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; e) a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, ou a sua revisão em razão dos fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; f) a efetiva prevenção e a reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; h) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação, ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência; i) a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em gerais (2011, p. 173)
De fato, foram inúmeros os direitos outorgados aos consumidores em face às empresas, observe-se, por exemplo, a possibilidade de inversão do ônus da prova, nas hipóteses de verossimilhança ou hipossuficiência, dentro do processo civil, bem como a possibilidade de modificação ou exclusão de cláusulas abusivas constantes dos contratos adesão. Fora isso, a proteção do consumidor não se dá apenas dentro da relação contatual, mas pode se fora desta, estando protegido o consumidor acerca de propagandas enganosas ou abusivas, ou seja, a proteção se estende a relação extracontratual.
Por fim, o CDC proporciona a proteção coletiva dos consumidores, por meio do instrumento da Ação Civil Pública[1], nos casos de interesses ou direitos difusos, individuais homogêneos ou coletivos (art. 81, caput e parágrafo único, do CDC).
3.0 Entendimentos jurisprudências sobre o Direito do Consumidor
Durante o presente capítulo serão vistos e analisados alguns entendimentos e precedentes jurisprudenciais que tem sido ventilado nos tribunais.
Como se viu, o CDC, quando conceitua o consumidor, coloca entre eles a pessoa jurídica. Dessa forma, pode-se indagar: é possível considerar consumidor quem adquire um bem ou serviço para usá-lo em sua atividade profissional?
O professor Hugo Nigro Mazzilli, pesquisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, verificou precedente da 2ª Turma no sentido positivo. Leia-se:
Como anotado pela 2ª Turma do STJ, a jurisprudência dessa Corte tem adotado conceito subjetivo ou finalista do consumidor, restrito à pessoa física ou jurídica que adquire o produto no mercado a fim de consumi-lo. Contudo, a teoria finalista pode ser abrandada para autorizar a aplicação das regras do CDC na proteção de alguns profissionais que adquirem o bem para usá-lo no exercício de sua profissão como as microempresas e os empresários individuais. Para tanto, há necessidade de demonstrar sua hipossuficiência (vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica). (2007, p. 172)
Assim, verifica-se que o conceito finalista do consumidor pode ser obtemperado, desde que se verifique a situação de vulnerabilidade da microempresa ou empresário individual, para que seja incluído como consumidor, tendo toda a proteção outorgada pela legislação consumerista.
Em tema de Direito Coletivo, tendo em vista a abrangência da legitimação ativa outorgada ao Ministério Público, pode haver o seguinte questionamento: o reajuste de mensalidade escolar exorbitantes podem ser combatidas pela via da ação civil pública, ainda que os interesses em questão possam ser considerados individuais homogêneos?
Após levantamento jurisprudencial, Mazzilli aduziu que:
O STJ, em diversos julgamentos admitiu, p. ex., a legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública versando a discussão sobre aumentos indevidos de mensalidades escolares “uma vez caracterizados na espécie o interesse coletivo e a relevância social”. Por sua vez, o plenário do Supremo Tribunal Federal também reconhece a legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de interesses coletivos ligados ao reajuste de mensalidade escolares, ressaltando a “extrema delicadeza e o conteúdo social” da matéria. E esse é o critério. (2007, p. 180)
Dessa forma, observa-se que o relevante para a propositura de ação civil pública, com substituição processual, portanto, é a caracterização do interesse coletivo e da relevância social, no caso, observados pelo desrespeito dos consumidores, especificamente no reajuste indevido de mensalidades escolares.
Nas relações, regidas pela Lei nº 8245/91, em que há o aluguel de um imóvel, é possível se visualizar a figura do consumidor e, sem solução de continuidade, aplicação do CDC? A jurisprudência do STJ responde acerca desta possibilidade:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. PROCESSO CIVIL. FIADOR. AUSÊNCIA DO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO DE DESPEJO. INTERESSE DE AGIR DO LOCADOR. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS COBERTOS PELO CONTRATO DE FIANÇA. MULTA MORATÓRIA. ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL. LIVRE PACTUAÇÃO ENTRE OS CONTRATANTES. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS RELAÇÕES LOCATÍCIAS. IMPOSSIBILIDADE.
1. O interesse de agir do locador em cobrar despesas do fiador relacionadas ao contrato de fiança subsiste desde que o fiador não tenha participado do pólo passivo da ação de despejo. Precedentes.
2. A revisão do percentual da multa moratória exigiria o reexame fático-probatório da questão, o que é vedado pelo Enunciado 7/STJ.
3. O Superior Tribunal de Justiça entende ser incabível a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações locatícias regidas pela Lei 8.245/91, porque se tratam de microssistemas distintos, pertencentes ao âmbito normativo do direito privado.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 660449 / MG AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2005/0026927-5, Rel. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma)
Logo, o que se entende é são microssistemas do Direito Civil que não se confundem e que, portanto, são especiais em seus âmbitos inconfundíveis de incidência. Daí que as partes constantes da relação locatícia não podem invocar os direitos contidos no CDC.
Consideram-se as relações com as instituições bancárias como pertinentes às relações consumerista, sendo aplicável, assim, o CDC?
O entendimento acerca dessa celeuma já foi pacificado pelo STJ no enunciado n. 297 de sua súmula, que diz: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
Já no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: aplica-se ou não o CDC para os contratos de mútuos regida sob o Sistema Financeira da Habitação (SFH)? Observem-se os seguintes julgados:
CIVIL E ADMINISTRATIVO. SFH. CDC. DECRETO-LEI 70/66. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. 1. É assente na jurisprudência desta Corte no sentido de que é possível a aplicação das regras consumeristas aos contratos de financiamento habitacional firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, desde que comprovada à existência de ilegalidade ou abusividade a justificar a intervenção judicial. Não há falar em aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor nas relações contratuais de mútuo habitacional quando não se tem presente práticas de atos ilegais ou abusivos, ou eventual ônus excessivo, desvantagem exagerada, enriquecimento ilícito, ofensa aos princípios da boa-fé e da transparência, ou mesmo qualquer outra irregularidade capaz de saneamento pelas normas consumeristas. 2. Assim, na ausência de registros maculadores do pacto contratual, a pretensão de manutenção da moradia pleiteada na via judicial não pode amparar-se em desobediência aos contratos regularmente ajustados entres as partes, sob pena de ocasionar verdadeiro tumulto à ordem jurídica. 3. A insistência em tratar da questão referente à constitucionalidade do Decreto-Lei 70/66 reveste-se de fundamental importância inclusive após a edição da EC nº 26/2000, que inseriu o direito à moradia no rol dos direitos sociais. É que o preceito constitucional já foi atendido com a própria implantação do Sistema Financeiro da Habitação e das normas a ele inerentes, e, o direito à moradia não significa a rescisão ou anulação de um contrato de mútuo e o enriquecimento ilícito do mutuário, em detrimento da sobrevivência e viabilidade do sistema, de flagrante inspiração social, ainda que tenha havido deturpações e desvios de finalidade no curso de sua existência. 4. Ademais, examinar o cumprimento das formalidades para o início e prosseguimento da execução extrajudicial nos moldes do Decreto-Lei nº 70/1966, é função inerente ao poder da autoridade judiciária em conhecer o direito e formular a melhor solução para a questão submetida ao seu prudente escrutínio, hipótese que não desbordou dos limites do pedido. 5. Não há nulidade do procedimento de execução extrajudicial se está demonstrado ter havido a notificação pessoal dos devedores para purgar a mora e a intimação para ciência das datas designadas para leilão do imóvel, além da publicação de editais de intimação. 6. Recurso de apelação a que se nega provimento.
(AC 0020937-29.2011.4.01.3800 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MOREIRA ALVES, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.), SEXTA TURMA, e-DJF1 p.127 de 02/04/2013) CIVIL E PROCESSO CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL SUSPENSÃO. DIREITO SOCIAL DE MORADIA. IMPOSSIBILIDADE. INADIMPLÊNCIA. AUSÊNCIA DE DEPÓSITOS. CDC. I - Assentou esta colenda Turma, em harmonia ao egrégio Supremo Tribunal Federal, que é constitucional o procedimento o Decreto-Lei nº 70/1966, instrumento legal que regula o processo de execução extrajudicial no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. II - O direito social de moradia, constitucionalmente assegurado no art. 6º da Constituição da República, não se confunde necessariamente com o direito à propriedade imobiliária (RE 407688/AC). Ele convive no mundo jurídico com outros direitos também fundamentais, entre eles, o direito à liberdade, materializado, no caso concreto, pela autonomia da vontade, expressa na faculdade que cada pessoa tem em obrigar-se contratualmente e, por conseguinte, suportar o ônus dessa livrem manifestação de vontade. III - Na ausência de registros maculadores do pacto contratual, a pretensão de manutenção da moradia pleiteada na via judicial não pode amparar-se em desobediência aos contratos regularmente ajustados entre as partes, sob pena de ocasionar verdadeiro tumulto à ordem jurídica. IV - O Código de Defesa do Consumidor é aplicado aos contratos de financiamento regidos pelo SFH desde que configurada a existência de ilegalidade ou abusividade a justificar a intervenção no contrato. Não se verificando práticas de atos ilegais ou abusivos e nem mesmo eventual ônus excessivo, desvantagem exagerada, enriquecimento ilícito, ofensa aos princípios da boa-fé e da transparência, ou qualquer outra irregularidade capaz de saneamento pelas normas consumeristas, não há falar em aplicação das regras do CDC aos contratos de mútuo firmados no âmbito do sistema financeiro da habitação. V- Em face da longa inadimplência (79 prestações) a CEF deu início ao procedimento de execução extrajudicial, deixando os mutuários de depositar em juízo as prestações vincendas, mesmo após determinação judicial em sede de medida liminar. V - Recurso de apelação a que se nega provimento.
(AC 0019888-89.2007.4.01.3800 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MOREIRA ALVES, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.), SEXTA TURMA, e-DJF1 p.118 de 02/04/2013)
Aqui a situação cinge-se a mais de uma possibilidade, tendo em vista que a regra geral é da inaplicabilidade do CDC, mas que pode ser excepcionada por duas situações específicas, quais sejam, existência de ilegalidade ou abusividade a justificar a intervenção no contrato. Vale dizer, após a ocorrência de uma destas situações, o contrato passa a sofrer, para todos os fins, os influxos da legislação consumerista.
Quanto às costumeiras situações de espera em filas bancárias, o TRF da 1ª Região já assentou:
PROCESSUAL CIVIL. LEI MUNICIPAL 680/2002. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF. TEMPO DE ESPERA EM FILA PARA ATENDIMENTO EM INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Curto período de tempo em espera na fila de agência bancária não caracteriza desrespeito à dignidade, humilhação ou constrangimento perante terceiros, da pessoa que se encontra em fila de banco. Demonstra apenas mero aborrecimento, incômodo trazidos no dia-a-dia para os clientes que usam os serviços bancários, visto que isso não acarreta direito a indenização por dano moral. 2. Recurso de apelação não provido.
(AC 0001820-32.2009.4.01.3603 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MOREIRA ALVES, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.), SEXTA TURMA, e-DJF1 p.100 de 25/03/2013)
Dessarte, o período não excessivo ou exagerado na fila de agências bancarias não conduzem à indenização por danos morais, porquanto considera-se que não há respeito aos direitos de personalidade.
É possível que um plano de saúde negue um procedimento cirúrgico, diante da comprovação de uma determinada doença? No âmbito do Estado do Maranhão, a 4ª Turma do Tribunal de Justiça já resolveu expressamente essa questão:
EMENTA - CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. GASTROPLASTIA. ABUSIVIDADE. 1. Configura-se abusiva a conduta da operadora de planos de saúde que, ante a comprovação de quadro de obesidade associado a outras co-morbidades, se nega a autorizar a realização de gastroplastia (cirurgia bariátrica), procedimento necessário à melhora da qualidade de vida do paciente. 2. Agravo conhecido e improvido. Unanimidade.
(Agravo de Instrumento, Processo n. 29.912/2012, Rel. Paulo Sérgio Velten Pereira, 4ª Turma, Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão)
Logo, deve ser considerada como abusiva a conduta de plano de saúde que negue um procedimento cirúrgico, especificamente a gastroplastia, quando a doença possa causar agravo da qualidade de vida do paciente.
Observe-se outro excerto jurisprudência do TJ/MA:
REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DO BEM PELO DEVEDOR FIDUCIÁRIO 1. A discussão judicial da dívida mediante o ajuizamento de revisional de contrato não é suficiente para obstar a inscrição do devedor nos cadastros de proteção ao crédito nem para autorizar a manutenção da posse do bem, que pode ser retomada pelo credor fiduciário através de ação judicial própria. 2. Sem a demonstração da hipossuficiência técnica do consumidor, não cabe a inversão do ônus da prova. 3. Agravo conhecido e provido. Unanimidade.
(Rel. Paulo Sérgio Velten Pereira, 4ª Turma, Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Acórdão n. 90.641/2010)
Tal excerto relevante, porquanto induza a duas interesses conclusões, a saber: 1) o ajuizamento de ação, com o fim de discutir judicialmente uma dívida, não obsta a inscrição do consumidor em cadastro de proteção ao crédito, daí se nota que consumidor apenas poderá pedir a retirada do seu nome de tais cadastros caso tenha sua ação ao final provida ou receba uma providência cautelar; 2) a inversão do ônus da prova, prevista no CDC, não se dá automaticamente, mas para ela devem ser demonstrado os requisitos autorizados (já vistos nesse trabalho), a exemplo da hipossuficiência.
Entretanto, necessário asseverar que havendo inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito, retornando-se a jurisprudência do TRF da 1ª Região, deve haver reparação dos danos morais decorrentes:
RESPONSABILIDADE CIVIL. CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF. FIES. SERASA. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DAS AUTORAS EM CADASTROS DE RESTRIÇÃO DE CRÉDITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDA. 1. A orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional é no sentido da responsabilidade civil da instituição bancária por dano moral causado ao consumidor em razão da inscrição indevida de seu nome em cadastro de restrição ao crédito. 2. É ilícita a inscrição do nome da parte em cadastro de restrição ao crédito, promovida pela instituição bancária, em razão de suposto inadimplemento de uma parcela de contrato de financiamento estudantil, quando esta parcela já houver sido liquidada junto à ré em data anterior ao vencimento, ainda que existam débitos supervenientes não inscritos pela instituição financeira nos cadastros restritivos. Não há controvérsia nos autos quanto a esse fato, de modo que se deve reconhecer ter havido negligência da Caixa Econômica Financeira - CEF. 3. Recurso de apelação provido.
(AC 0000617-86.2006.4.01.3814 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MOREIRA ALVES, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.), SEXTA TURMA, e-DJF1 p.85 de 25/03/2013)
Assim, também entende o próprio TJ/MA:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO DE NOME EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO DE CRÉDITO. DÍVIDA INDEVIDA. NEGLIGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. JUROS E CORREÇÃO.
I – A lide comporta análise à luz da teoria da responsabilidade objetiva, consagrada no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor.
II – Mostra-se acertada a sentença combatida em que o primeiro apelante foi condenado em pagar indenização por danos morais, na medida em que, além de terem sido reputados por verdadeiros os fatos apresentados na inicial, em decorrência da revelia do Banco, houve a demonstração dos danos e transtornos por enfrentados pela segunda apelante.
II - Diante das circunstâncias que norteiam o caso em apreço, entendo que o montante arbitrado pelo juiz singular a título de danos morais deve ser majorado.
III - Os honorários advocatícios, nos termos do art. 20, §3º, do Código de Processo Civil, devem ser fixados sobre o valor da condenação.
IV - Os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, versando os autos sobre responsabilidade contratual, deve ter como marco inicial de incidência a data da citação, E na correção monetária, calculada pelo INPC/IBGE, o dies a quo é a data do arbitramento da reparação.
V – Primeiro apelo improvido e segundo apelo parcialmente provido.
(Apelação Cível n. 30250/2011, Rel. Raimunda Santos Bezerra, 5ª Câmara Cível, TJ/MA)
Ademais, dentro da relação consumerista, o TJ/MA já afirmou a responsabilidade da empresa pelo ônus probatório relativo à existência do contrato, de modo que, se não provado tal existência, cabe indenização por danos morais, observe-se:
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONSUMIDOR. FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DE LINHA DE TELEFONIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. DANO IN RE IPSA. MAJORAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO. QUANTUM PACIFICADO NO STJ. PRELIMINAR DE DESERÇÃO. XÉROX DO PREPARO. REJEIÇÃO.
I – A juntada do pagamento do preparo em cópia legível não atrai a deserção do recurso se são identificáveis os dados que comprovam o efetivo pagamento e a referência ao processo, merecendo ser rejeitada a preliminar de deserção pela mera juntada do preparo em xérox.
II - É de ser mantida a sentença que condenou a operadora de telefonia ré ao pagamento de indenização por danos morais em virtude de não ter comprovado a contratação do serviço pelo próprio autor da demanda, nem se desincumbiu de demonstrar a adoção de todas as medidas de segurança necessárias a evitar a fraude por terceiro, sendo-lhe reconhecida a responsabilidade objetiva pela jurisprudência do STJ.
III – O STJ já pacificou o entendimento de que é razoável a condenação a até 50 (cinqüenta) salários mínimos por indenização decorrente de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito. A esse fato deve ser somado a ocorrência de fraude na contratação do serviço de telefonia, porém observando-se a existência de outras anotações cuja legalidade ainda está sendo discutida judicialmente, razão pela qual deve ser mantido o valor da condenação, a fim de observar também o caráter pedagógico da medida.
Apelação não provida.
(Apelação Cível n. 30130/2012, Rel, Jamil de Miranda Gedeon Neto, 3ª Câmara Cível, TJ/MA)
Por tudo o que se viu, verifica-se que a existência de farta jurisprudência atinente às mais diversas matérias relativas ao direito do consumidor, de modo que o CDC tem sido observado com bastante efetividade pelo STJ, TRF da 1ª Região e TJ/MA.
Durante o presente trabalho analisou-se o aspecto histórico do direito do consumidor, no que se anotou a existência de um nítido relacionamento entre o surgimento do comércio e sua massificação e da profundidade das normas relativas ao consumo.
No Brasil, conforme se viu, que as principais legislações disciplinando a matéria são recentes, devendo-se destacar o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição de 1988. Bem de ver que o CDC introduziu diversas inovações, todas tendentes a fortalecer o consumidor, tendo em vista sua hipossuficiência perante as empresas, na relação de consumo.
Ao fim, adentrou-se na seara jurisprudencial, lendo-se entendimentos relativos ao Superior Tribunal de Justiça, ao TRF da 1ª Região e ao Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
Acerca do que se viu, a melhor conclusão que se pode retirar: é que não se tem negado eficácia ao CDC e tem ele concretamente sido aplicado pelos tribunais, o que só vem a fortalecer o Estado de Direito, no que concerne a figura do consumidor também como cidadão.
Se este caminho continuar sendo trilhado, é provável que num futuro as grandes corporações, sem perder suas posições, passem a considerar o consumidor individualmente como portador de respeito de suas garantias constitucionais e legais, diminuindo-se, assim, os abusos que ainda são diuturnamente cometidos nas relações de consumo.
FERREIRA, Eduardo Oliveira. Breve histórico do direito do consumidor. Revista Liberdade, ano 1, nº2, Montes Claros/MG, Ago/2007.
NORAT, Markus Samuel Leite. Evolução histórica do direito do consumidor. Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9474>. Acesso em: 05.04.13.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 24 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.
[1] Em relação a Lei da Ação Civil Público e o CDC, vale ressaltar que: “(...) o sistema do CDC e o da LACP integram-se completamente, de forma que cabe ação civil pública ou coletiva para a defesa de quaisquer interesses individuais homogêneos, sejam ou não consumerista os lados” (MAZZILLI, 2011, p. 186)
Advogado, graduado pela UFMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Ramon de Sousa. Novas tendências do direito do consumidor à luz de entendimentos jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46077/novas-tendencias-do-direito-do-consumidor-a-luz-de-entendimentos-jurisprudencial. Acesso em: 23 dez 2024.
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