Resumo: O presente artigo trata sobre o instituto da responsabilidade civil do Estado e a tese da dupla garantia que impede que a ação indenizatória seja proposta contra a Fazenda Pública, contra o servidor, ou até mesmo contra ambos. Visa abordar, em especial, as controvérsias jurisprudenciais existentes sobre o assunto, a exemplo dos entendimentos do STF e do STJ os quais divergem sobre a aplicação da tese da dupla garantia. Por fim, será feita uma análise, tendo em vista as decisões mais recentes, sobre qual posicionamento prevalece nos Tribunais pátrios, e se pode concluir pela superação da tese da dupla garantia.
Palavras-chave: “Responsabilidade Civil”; “Fazenda Pública”; “Ação de Indenização”; “Servidor Público”; “Dupla Garantia”.
Abstract: This article deals with the liability of the Institute of State and the thesis of the double guarantee that prevents the indemnity action is brought against the Treasury, against the server, or even against both. It aims to address in particular the existing jurisprudence controversies about it, like the understanding of the Supreme Court and the Supreme Court of Justice which differ on the application of the double guarantee thesis. Finally, an analysis will be made, in light of the most recent decisions on which position prevails in patriotic Courts, and one can conclude that overcoming the double guarantee thesis.
Keywords: “Liability”; “Treasury”; “Indemnity Action”; “Civil Servants”; “Double Guarantee”.
Sumário: 1. Introdução. 2. Responsabilidade objetiva do Estado: risco administrativo. 2.1. Responsabilidade do Agente Público. 3. Sujeito passivo da ação de reparação de dano. 3.1. Circunstâncias atuais: superação da tese da dupla garantia. 4. Conclusões. Referências.
1. Introdução
A responsabilidade civil do Estado, por si só, não é um tema controvertido, posto que é pacífico o entendimento de que, em regra, o Estado responde objetivamente pelos danos causados por seus atos comissivos que venham trazer algum prejuízo para o particular.
A controvérsia surge no instrumento disponibilizado ao lesado para requerer a indenização devida decorrente da ação estatal, se ele pode se utilizar de uma ação indenizatória tendo como sujeito passivo somente a Fazenda Pública, ou se poderia demandar também em face do agente público causador do dano.
E tal embate surge por conta da redação final do art. 37, § 6º[1], da Constituição Federal de 1988, a qual se pode extrair o direito de regresso do Estado contra o servidor público, aludindo ser este o único meio cabível para responsabilizar o agente causador do dano, após a aferição da existência da culpa ou do dolo.
Nesse sentido, inclusive, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que há muito vem explanando em seus julgados a necessidade de se propor ação de indenização primeiramente contra o Estado, para que este, após dilação probatória em ação autônoma (ação de regresso), possa responsabilizar o servidor que provocou o dano.
E partindo desse trâmite, que o STF cunhou a expressão da dupla garantia, pois agindo dessa maneira o particular estaria garantido ao pleitear a ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, com maior possibilidade de êxito na demanda; bem como traria uma garantia ao servidor estatal de só ser demandado administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional pertencesse.
Na contramão do que vinha julgando o STF, o Superior Tribunal de Justiça, em precedente mais recente, reconheceu a possibilidade de ajuizar a ação de indenização tanto contra o Estado, quanto contra o servidor, ou até mesmo contra ambos, conjuntamente, o que causou expectativas diversas acerca da superação (ou não) da teoria da dupla garantia preconizada anteriormente.
O presente trabalho, portanto, visa esclarecer alguns institutos que giram em torno da controvérsia, trazendo entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto, que ainda não é um tema pacífico em nossos tribunais.
Assim, verificar-se-á que, não obstante o STJ tenha aberto o leque de soluções numa tentativa de viabilizar o ressarcimento da vítima do dano, percebe-se também que o mesmo pode ter colocado o particular em situação conflitante de escolha entre a celeridade x satisfação de sua pretensão, à medida que opte por demandar contra o particular ou contra o Estado; em contrapartida, importante ressaltar o entendimento do STF, que traz maior segurança às partes envolvidas, às quais estariam abarcadas por uma dupla garantia.
2. Responsabilidade objetiva do Estado: risco administrativo.
A responsabilidade objetiva do Estado encontra seu preceito disciplinador maior no art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988[2]. Para o presente tópico, interessa somente a primeira parte, a qual preconiza serem as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responsáveis pelos danos que seus agentes causaram a terceiros.
Do dispositivo mencionado, percebe-se a clara intenção do legislador, mais precisamente ao que tange aos danos causados por atos comissivos do Estado, de atribuir a modalidade do risco administrativo à Administração Pública.
Para a teoria do risco administrativo, não é necessário demonstrar o elemento subjetivo, culpa ou dolo, tampouco o agente causador do dano, bastando tão somente a demonstração de que a o dano foi decorrente de uma atuação estatal, sem qualquer participação do lesado.
A responsabilidade objetiva reconhece, portanto, a desigualdade jurídica existente entre o particular e o Estado, cabendo a este as prerrogativas de direito público necessárias para fazer prevalecer o interesse da coletividade em detrimento dos interesses privados.
No intuito de corrigir possíveis injustiças em relação às pessoas que viessem a sofrer danos patrimoniais ou morais oriundas das atividades estatais, nada mais sensato que não fosse atribuído aos particulares encargo ainda maior de terem que comprovar a existência de culpa da Administração.
Porém, nem sempre foi assim. A evolução da responsabilidade do Estado passou por diversas fases, desde a irresponsabilidade total do Estado, personificado na figura do rei, o qual tudo podia, não cometia erros; passando pela responsabilidade com culpa civil comum do Estado, onde a obrigação de indenizar existiria somente se os agentes tivessem agido com dolo ou culpa, devendo o particular, primeiramente arcar com o ônus de comprovar tais elementos subjetivos; para, por fim, chegar-se ao risco administrativo.
Assim, atualmente, diante de um ato comissivo do Estado, o lesado terá somente que provar: o fato do serviço (conduta do agente público, sem precisar comprovar dolo ou culpa); o dano sofrido; o nexo de causalidade entre o fato e o dano. Tais elementos configuram os requisitos necessários para a apuração da responsabilidade estatal.
2.1 Responsabilidade do Agente Público.
Não obstante o Estado responder objetivamente pelos atos praticados que afetem a esfera material ou moral do particular, o mesmo não é válido para o servidor público causador do dano.
Isto porque, para a responsabilização do agente público é necessária a aferição do liame subjetivo existente na conduta, ou seja, é preciso verificar se houve culpa ou dolo por parte do servidor estatal. Sem a configuração de algum desses elementos não é possível responsabilizá-lo.
Esta responsabilidade subjetiva do agente está calcada na noção de culpabilidade, à medida que preconiza que cada indivíduo deve responder pelo prejuízo que causou, pelas consequências de suas condutas, mediante a comprovação de que agiu com negligência, imperícia ou imprudência.
A responsabilidade subjetiva do agente público fica ainda mais embasada quando se percebe a peculiar diferença na relação existente entre Estado-particular e Estado-servidor público, uma vez que a Administração Pública estabelece com este último uma relação de caráter interno e não somente patrimonial. O seu intuito não é apenas ser indenizado e ressarcido por prejuízos de atos que lhe foram imputados, até mesmo porque, pela teoria do órgão, quem agiu na figura do servidor público foi o próprio ente estatal, logo, a relação entre ambos é muito mais umbilical.
E por esse motivo, não poderia o Estado, mediante ação regressiva, simplesmente responsabilizar objetivamente o seu agente, isso não traria nenhuma vantagem educacional, nem obedeceria ao preceito constitucional estampado no §6º, art. 37, da CF/88, que concede ao servidor público a garantia de somente ser responsabilizado pela Administração através de ação regressiva na qual se comprove o dolo ou a culpa do causador do dano.
3 Sujeito Passivo da Ação de Reparação de Dano.
A segunda parte do §6º do art. 37 da Constituição Federal de 1988 dispõe terem as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público “assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”, pelos danos que seus agentes causarem a terceiros.
Há bastante controvérsia acerca da possibilidade da vítima propor a ação diretamente contra o servidor causador do dano, ao invés de demandar primeiramente o Estado.
No julgamento do RE 327.904, o STF decidiu que a pessoa que sofra o dano não pode ajuizar ação, diretamente, contra o agente público, conforme ementa abaixo transcrita:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO.RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: §6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA.ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO.
O §6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. (RE 327904. Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 15/08/2006, 1? Turma)
Essa posição do STF foi denominada tese da dupla garantia, tendo sido confirmada posteriormente nos julgados RE 344133, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 09/09/2008; RE 720275/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 10/12/2012.
RESPONSABILIDADE - SEARA PÚBLICA - ATO DE SERVIÇO - LEGITIMAÇÃO PASSIVA. Consoante dispõe o § 6º do artigo 37 da Carta Federal, respondem as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, descabendo concluir pela legitimação passiva concorrente do agente, inconfundível e incompatível com a previsão constitucional de ressarcimento - direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (RE 344133, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 09/09/2008, DJe-216 DIVULG 13-11-2008 PUBLIC 14-11-2008 EMENT VOL-02341-05 PP-00901 RTJ VOL-00207-03 PP-01203)
Decisão: Vistos. Pedro Selito Fabre interpõe recurso extraordinário contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim do: “AGRAVO DE INSTRUMENTO — ARGUIÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM — AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA CONTRA O ESTADO E O AGENTE PÚBLICO — POSSIBILIDADE — FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO — RECURSO DESPROVIDO — MANTIDA.” Rejeitados os embargos de declaração. Contra-arrazoado, o recurso extraordinário foi admitido. Sustenta a parte recorrente violação do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, haja vista ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação. Decido. A Emenda Constitucional nº 45, de 30/12/04, que acrescentou o § 3º ao artigo 102 da Constituição Federal, criou a exigência da demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário. A matéria foi regulamentada pela Lei nº 11.418/06, que introduziu os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil, e o Supremo Tribunal Federal, através da Emenda Regimental nº 21/07, dispôs sobre as normas regimentais necessárias à sua execução. Prevê o artigo 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, na redação da Emenda Regimental nº 21/07, que, quando não for o caso de inadmissibilidade do recurso extraordinário por outra razão, haverá o procedimento para avaliar a existência de repercussão geral na matéria objeto do recurso. Esta Corte, com fundamento na mencionada legislação, quando do julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, firmou o entendimento de que os recursos extraordinários interpostos contra acórdãos publicados a partir de 3/5/07, data da publicação da Emenda Regimental nº 21/07, deverão demonstrar, em preliminar do recurso, a existência da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no apelo. No caso em tela, o recurso extraordinário possui a referida preliminar e o apelo foi interposto contra acórdão publicado em 24/5/10 (fl. 371), quando já era plenamente exigível a demonstração da repercussão geral. Os artigos 543-A, § 3º, do Código de Processo Civil e 323, § 1º, in fine, do RISTF, na redação da Emenda Regimental nº 21/07, prevêem que haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante desta Corte, o que, efetivamente, ocorre no caso dos autos. Colhe-se do acórdão impugnado a seguinte fundamentação: “Nos casos em que os danos causados a terceiros comprometem ou empenham a responsabilidade do Estado por ato doloso ou culposo de seus servidores, aquele que tem legitimidade ativa ad causam pode ajuizar a ação contra o Estado e seu servidor, em litisconsórcio ativo facultativo; apenas contra o Estado, ou apenas contra o servidor. (In: Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 1175). Como se viu, nada impede que os autores demandem, conjuntamente, contra o agente público supostamente causador do dano e a Administração, à luz dos princípios inerentes ao Estado de Direito. Destaca-se que o fato de haver no mesmo processo a discussão sobre a responsabilidade na modalidade objetiva no que se refere ao Estado, e na modalidade subjetiva com relação ao agente público, não obsta a formação do litisconsórcio passivo.Trata-se, em verdade, de opção da vítima.” Verifica-se, assim, que o acórdão recorrido está em desconformidade com a jurisprudência desta Corte, que se firmou no sentido de não reconhecer a legitimidade passiva do agente público em ações de responsabilidade civil fundadas no artigo 37, § 6º,da Constituição Federal. Sobre o tema, anote-se: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AGENTE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da RE n. 327.904, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 8.9.06, fixou entendimento no sentido de que "somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento” (RE nº 470.996/RO-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 11/9/09). “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO POR ATOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUCUMBÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. ART. 37, § 6º, DA CF/88. 1. A legitimidade passiva é da pessoa jurídica de direito público para arcar com a sucumbência de ação promovida pelo Ministério Público na defesa de interesse do ente estatal. 2. É assegurado o direito de regresso na hipótese de se verificar a incidência de dolo ou culpa do preposto, que atua em nome do Estado. 3. Responsabilidade objetiva do Estado caracterizada. Precedentes. 4. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 5. Agravo regimental improvido” (AI nº 552.366/MG-AgR, Segunda Turma,Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 29/10/09). “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento” (RE nº 327.904/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 8/9/06). No mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas: RE nº 549.126/MG, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 9/9/11; RE nº 235.025, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 19/11/10; e RE nº 601.104/DF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 15/9/09. Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento para excluir Pedro Selito Fabre do polo passivo deste feito. Por conseguinte, condeno os recorridos no pagamento de honorários advocatícios em favor do ora recorrente fixados,nos termos do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil, em R$ 2.000,00, observada, se for o caso, a gratuidade judiciária. Publique-se. Brasília, 10 de dezembro de 2012.Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente (STF - RE: 720275 SC, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 10/12/2012, Data de Publicação: DJe-023 DIVULG 01/02/2013 PUBLIC 04/02/2013)
A linha defensiva dessa tese remete à possibilidade de duas garantias que estariam consagradas no §6º do art. 37 da CF/88. A primeira garantia seria em favor do particular lesado, uma vez que este pode ajuizar ação de indenização contra o Estado sem precisar provar que o agente público agiu com dolo ou culpa. Ademais, quem tem recursos para pagar é o Estado, o que lhe traz maior segurança para a satisfação de sua pretensão.
A segunda garantia seria em favor do agente público que causou o dano. Isto porque, a parte final do dispositivo supramencionado, traz a hipótese de ação regressiva, somente sendo o servidor responsabilizado pelo dano se for demandado pelo próprio Estado. Logo, o particular não poderia propor uma ação diretamente contra o servidor.
No entanto, recentemente o STJ passou a entender, bem como a doutrina majoritária, que o particular pode sim demandar ação indenizatória tanto contra o Estado, como contra o agente público causador do dano, ou até mesmo contra ambos, em litisconsórcio, veja-se:
RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA PUBLICADA ERRONEAMENTE. CONDENAÇÃO DO ESTADO A MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE DA SERVENTUÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. DANO MORAL.
PROCURADOR DO ESTADO. INEXISTÊNCIA. MERO DISSABOR. APLICAÇÃO, DO PRINCÍPIO DO DUTY TO MITIGATE THE LOSS. BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER DE
MITIGAR O PRÓPRIO DANO.
1. O art. 37, § 6º, da CF/1988 prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de outra forma, em regresso, perante a Administração.
2. Assim, há de se franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar. A avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios. Doutrina e precedentes do STF e do STJ.
3. A publicação de certidão equivocada de ter sido o Estado condenado a multa por litigância de má-fé gera, quando muito, mero aborrecimento ao Procurador que atuou no feito, mesmo porque é situação absolutamente corriqueira no âmbito forense incorreções na comunicação de atos processuais, notadamente em razão do volume de processos que tramitam no Judiciário. Ademais, não é exatamente um fato excepcional que, verdadeiramente, o Estado tem sido amiúde condenado por demandas temerárias ou por recalcitrância injustificada, circunstância que, na consciência coletiva dos partícipes do cenário forense, torna desconexa a causa de aplicação da multa a uma concreta conduta maliciosa do Procurador.
4. Não fosse por isso, é incontroverso nos autos que o recorrente, depois da publicação equivocada, manejou embargos contra a sentença sem nada mencionar quanto ao erro, não fez também nenhuma menção na apelação que se seguiu e não requereu administrativamente a correção da publicação. Assim, aplica-se magistério de doutrina de vanguarda e a jurisprudência que têm reconhecido como decorrência da boa-fé objetiva o princípio do Duty to mitigate the loss, um dever de mitigar o próprio dano, segundo o qual a parte que invoca violações a um dever legal ou contratual deve proceder a medidas possíveis e razoáveis para limitar seu prejuízo. É consectário direto dos deveres conexos à boa-fé o encargo de que a parte a quem a perda aproveita não se mantenha inerte diante da possibilidade de agravamento desnecessário do próprio dano, na esperança de se ressarcir posteriormente com uma ação indenizatória, comportamento esse que afronta, a toda evidência, os deveres de cooperação e de eticidade.
5. Recurso especial não provido. (grifos nossos)
(REsp 1.325.862-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/9/2013, 4? Turma)
Depreende-se, portanto, que em que pese o §6º, do art. 37 da CF/88 dispor que a ação de indenização é proposta diretamente contra o Estado pelo lesado, o STJ passou a entender que tal assertiva não implica, no entanto, em uma proibição do particular demandar também contra o agente público causador do dano.
A decisão sobre a melhor forma de ver satisfeita sua pretensão caberia ao lesado, que deverá analisar os prós e contras em demandar apenas contra o Estado, contra o servidor ou ambos.
A vantagem de ajuizar a ação somente contra o Estado advém do fato de não se precisar provar dolo ou culpa, uma vez que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, sendo a chance de êxito da ação praticamente certa, no entanto, a morosidade de um processo que envolve a Fazenda Pública, bem como a sua execução por meio de precatórios, acaba se tornando uma desvantagem para quem pretende resolver a lide de forma célere.
Esta celeridade, todavia, pode ser usufruída se a ação de indenização for proposta diretamente contra o agente público, no entanto, a parte terá que demonstrar dolo ou culpa, o que pode ser uma tarefa árdua, bem como sofrer o risco de o referido agente não dispor de patrimônio para ressarcir o prejuízo que causou.
3.1 Circunstâncias atuais: superação da tese da dupla garantia.
Diante das explanações feitas linhas acima, depreende-se a controvérsia nos posicionamentos adotados pelo STF e STJ acerca da possibilidade do particular demandar ação de reparação de dano, também, contra o servidor publicou que provocou o dano.
Contudo, ao analisar mais profundamente o assunto, percebe-se que a questão não gira em torno tão somente em saber quem integrará o polo passivo de uma possível lide, e sim nos valores que a Constituição Federal quis preservar, nas garantias estabelecidas por ela.
O último pronunciamento sobre o tema foi exposto pelo STJ, cuja decisão recente, apontou para um sentido diametralmente oposto ao que decidiu o STF, tendo levado aos operadores do direito a se questionar se houve uma superação do entendimento do Supremo, ou seja, se a tese da dupla garantia estaria superada.
Ocorre que após as mencionadas decisões do STJ, o STF não voltou a discorrer acerca do assunto, e diante de tal circunstância não tem como seguramente afirmar que houve uma prevalência da jurisprudência da Corte Cidadã.
O fato é que ambos os entendimentos são igualmente bem intencionados. O STF, como guardião da Constituição Federal, seguiu mais à risca o que diz o preceito constitucional e criou a tese da dupla garantia, uma em favor do particular, que pode demandar objetivamente contra a Administração pública e ter seguramente seu crédito satisfeito; outra em favor do servidor público, que terá a prerrogativa de não ser acionado diretamente pelo lesado, apenas sendo responsabilizado mediante ação regressiva promovida pelo Estado, após averiguar a presença do dolo ou da culpa.
O STJ, por sua vez, na tentativa de dar dinamismo e celeridade ao processo, asseverou ser cabível a propositura da ação de indenização por danos decorrentes da atividade estatal tanto contra a pessoa jurídica de direito público, ou particular prestadora de serviços públicos, quanto contra o servidor público responsável pelo dano causado ao particular.
A verdade é que, conforme tópico anterior, ambos tem suas vantagens e desvantagens, e diante de poucas manifestações dos tribunais pátrios em casos semelhantes, ainda não há como afirmar se houve uma superação do que vinha entendendo o STF, até mesmo porque, o mais importante regramento jurídico que rege a responsabilidade civil do Estado se encontra no art. 37 da CF/88, a qual incube à Corte Suprema a sua vigilância.
4 Conclusão
As pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicas respondem objetivamente no que tange à responsabilidade pelos atos que seus agentes venham causar a terceiros e, em ação separada, de maneira regressiva, após a verificação de dolo ou culpa por parte do agente causador do dano, é que este será responsabilizado, consoante prevê o §6º, do art. 37, da CF/88.
O §6º, do art. 37, da CF/88 se dividiu, portanto, em dois momentos distintos. Em primeiro lugar está a responsabilidade civil objetiva do Estado, que independente de culpa ou dolo do seu agente, irá responder perante o particular em uma possível ação de indenização, com fulcro na teoria do risco administrativo.
Em segundo lugar, estaria a responsabilidade subjetiva do agente público, que somente seria responsabilizado em ação regressiva proposta pela Administração Pública, com direito ao contraditório e à ampla defesa, e após a verificação da existência dos elementos subjetivas do dolo ou da culpa.
Com base nesse artigo e nessa divisão que o mesmo consagraria, o STF lançou a tese da dupla garantia, afirmando que a Constituição, ao fazer essa diferenciação no mesmo dispositivo, quis atribuir duas garantias distintas, uma ao particular, que não precisará comprovar dolo ou culpa para que o Estado seja responsabilizado pelos danos decorrentes de sua atividade, e outra ao servidor público, que só seria demandado judicialmente pela Administração ao qual se encontraria vinculado, não sendo permitido que fosse acionado diretamente pelo particular.
O STJ, numa tentativa de dar celeridade às ações de indenização decorrentes de danos causados pelo ente público, em recente jurisprudência do Tribunal, admitiu a propositura direta da demanda pelo particular contra o agente causador do dano.
Tal entendimento causou certa insegurança jurídica às partes envolvidas, uma vez que não há ao certo uma definição ainda se o polo passivo da ação de reparação de dano causado pelo Estado pode ser o agente público ou não.
Parte da doutrina defende que teria ocorrido uma superação da tese da dupla garantia em prol da celeridade processual e da satisfação da pretensão. Mas os julgados existentes são poucos para se acreditar nisso.
Diante do exposto, percebe-se que, em que pese o STJ tenha aberto o leque de soluções numa tentativa de viabilizar o ressarcimento da vítima do dano, ao mesmo tempo pode ter colocado o particular em situação conflitante de escolha entre a celeridade x satisfação de sua pretensão, à medida que opte por demandar contra o particular ou contra o Estado; em contrapartida a posição do STF traria maior segurança às partes envolvidas, às quais estariam abarcadas por uma dupla garantia.
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______. Supremo Tribunal Federal. RE: 720275 SC, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 10/12/2012, Data de Publicação: DJe-023 DIVULG 01/02/2013 PUBLIC 04/02/2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24.SCLA.+E+720275.NUME.%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/a53cztu. Acesso em: 09 dez. 2015.
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[1] Art. 37, § 6º - “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
[2] Art. 37, § 6º - “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Advogada, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET e pós-graduanda em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, Fernanda Machado de. Responsabilidade civil do Estado e a tese da dupla garantia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46098/responsabilidade-civil-do-estado-e-a-tese-da-dupla-garantia. Acesso em: 23 dez 2024.
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