Resumo: No Estado Democrático de Direito brasileiro a discricionariedade deve estribar-se na moralidade e nos princípios norteadores da Administração Pública, que limitam a valoração subjetiva de conveniência e oportunidade conferida pelo legislador ao administrador, de sorte que se o administrado entender que o ato praticado pela Administração é violador de direito, ele poderá invocar o Poder Judiciário para analisar a legalidade do ato, ainda que ao juiz não caiba realizar um exame meritório do ato administrativo.
Palavras-Chave: Discricionariedade. Controle Judicial. Limites. Novas Tendências.
Abstract: The Democratic Brazilian law state discretion must lean to on the morality and the guiding principles of public administration, which limit the subjective convenience valuation and opportunity afforded by the legislator to the administrator, so that if given to understand that the action taken by management is a violator of law, it may invoke the judiciary to review the legality of the act, even if the judge fit not make a worthwhile examination of the administrative act.
Keywords: Discretion. Judicial Control. Limits. New Tendencies.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de Discricionariedade. 3. Controle Judicial do Ato Administrativo e Teorias. 4. Posição dos Tribunais. 5. Conclusão. 6. Referências.
1 – INTRODUÇÃO:
Ab initio, cumpre observar que ao longo do seu desenvolvimento o direito administrativo passou por diversas fases, mormente no que toca o controle dos seus atos, até culminar no estágio em que se encontra o direito brasileiro, que reconhece o controle jurisdicional inclusive dos atos administrativos discricionários.
Como veremos ao desenrolar do presente trabalho, nem sempre foi assim, pois argumentava-se em favor da separação dos poderes como entrave ao judiciário da análise do mérito do ato, ou seja, dizia-se que o exame dos critérios de conveniência e oportunidade era exclusivo do poder executivo, ou melhor, do poder que praticava o ato administrativo, que ao praticá-lo deveria subjetivamente avaliar o que seria mais favorável ao interesse da administração pública.
Neste sentido, veremos que houve uma significativa mudança no entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto, que paulatinamente foi admitindo o controle judicial dos atos administrativos discricionários.
Nos dias coevos, com a consolidação do Estado Democrático de Direito, não há mais quem duvide da sindicabilidade do ato administrativo, inclusive discricionário, ao crivo do judiciário, afinal a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, deixou claro no seu art. 5°, inciso XXXV, que não se excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.
O que se discute aqui são os limites do controle judicial do ato administrativo discricionário, sob a ótica da moralidade, “retomando o sempre atual e inesgotável problema da discricionariedade, a partir de uma aproximação juspolítica, isto é, valendo-nos de conhecimentos e de métodos interdisciplinares para situá-la não apenas como um fenômeno interno do Direito Administrativo, nem mesmo da Teoria Geral do Direito, mas como um fenômeno que se situa na confluência da Ciência do Direito com a Ciência Política”[1].
2 – CONCEITO DE DISCRICIONARIEDADE:
Em que pese o fato de haver notória discrepância doutrinária no quesito conceitual, entendemos por bem adotar o entendimento esboçado pelo ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello, quando estatui que “discricionariedade é a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente”[2].
Por seu turno, o renomado Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma com magistral sabedoria que “a discricionariedade é uma técnica jurídica desenvolvida para permitir que a ação administrativa precise um conteúdo de oportunidade e de conveniência que se produza o mérito suficiente e adequado para que se satisfaça um interesse público específico, estabelecido como sua finalidade na norma legal”[3].
3 – CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO E TEORIAS:
Conforme asseveramos em linhas acima, com a consolidação do Estado Democrático de Direito, não há mais quem duvide, nos dias coevos, da sindicabilidade do ato administrativo discricionário quando um administrado invoque a jurisdição estatal sob a alegação de que está sofrendo uma lesão ou ameaça de lesão a um direito, afinal a Constituição Republicana de 1988 traz expressamente, em seu Art. 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Ademais, há que se observar ainda que o sistema federativo brasileiro encampa os postulados desenvolvidos pela doutrina norte-america do “checks and balances”, ou seja, de freios e contrapesos, como forma de limitar o uso abusivo do poder por qualquer dos seus órgãos (executivo, legislativo e judiciário).
Neste diapasão, entendemos ser juridicamente possível o controle exercido pelo judiciário sobre os atos praticados pela Administração Pública, que é o objeto do presente estudo. Aliás, mesmo quando o ato praticado pelo administrador seja discricionário, acreditamos ser possível a análise pelo judiciário da suposta ilegalidade do ato quando questionada em juízo pelo particular.
Com efeito, vale lembrar que “no Brasil, ao contrário do que ocorre em inúmeros países europeus, vigora o sistema de jurisdição única, de sorte que assiste exclusivamente ao Poder Judiciário decidir, com força de definitividade, toda e qualquer contenda sobre a adequada aplicação do Direito a um caso concreto, sejam quais forem os litigantes ou a índole da relação jurídica controvertida. Assim, o Poder Judiciário, a instâncias da parte interessada, controla, in concreto, a legitimidade dos comportamentos da Administração Pública, anulando suas condutas ilegítimas, compelindo-a àquelas que seriam obrigatórias e condenando-a a indenizar os lesados, quando for o caso”[4].
Outrossim, se um jurisdicionado alega que um determinado ato administrativo, mesmo sendo discricionário, causou-lhe lesão ou ameaça-lhe um direito, o judiciário, pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, não poderia abster-se de analisar a suposta invalidade do ato.
O problema maior surge no exato momento em que o administrado, supostamente lesado, exige do judiciário exame meritório da demanda, forçando o juiz a apreciar critérios de conveniência e oportunidade, que a princípio pertence àquele agente público que pratica o ato.
De fato, não se pode olvidar que o legislador não consegue prever, de antemão, todos os acontecimentos ou hipóteses fáticas capazes de enquadrar o comportamento humano in totum.
Destarte, a atividade legiferante emanada no ordenamento estabelece situações normativas abstratas, de caráter geral e de cunho eminentemente subjetivo, que outorga ao administrador público a faculdade, em verdade, o dever, de adotar no caso concreto uma das hipóteses previstas na lei, aqui entendida em seu sentido lato.
Como bem explica o insigne José dos Santos Carvalho Filho, “a lei não é capaz de traçar rigidamente todas as condutas de um agente administrativo. Ainda que procure definir alguns elementos que lhe restringem a atuação, o certo é que em várias situações a própria lei lhes oferece a possibilidade de valoração da conduta. Nesses casos, pode o agente avaliar a conveniência e a oportunidade dos atos que vai praticar na qualidade de administrador dos interesses coletivos”[5]. E complementa o autor afirmando que “nessa prerrogativa de valoração é que se situa o poder discricionário. Poder discricionário, portanto, é a prerrogativa concedida aos agentes administrativos de elegerem, entre várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o interesse público”[6].
Vale ressaltar, por fim, que essa liberdade de escolha de uma dentre as várias hipóteses permitidas pela lei, mediante análise da conveniência e oportunidade no caso concreto, deve estribar-se sempre no fim colimado na lei, entendida no seu sentido amplo, sob pena de amesquinhar o interesse público em prol do elemento volitivo particular do próprio administrador. Nesse caso, deixaria de haver discricionariedade e ocorreria arbitrariedade, manifestada no alvedrio do administrador em detrimento do princípio da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.
Se impera no ordenamento pátrio o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o juiz não pode escusar-se a decidir uma contenda, a grande questão é saber quais são os limites impostos ao Judiciário ao julgar uma lide em que um particular alega ofensa ou ameaça a um direito decorrente de uma decisão administrativa lastreada em conteúdo discricionário, na qual o agente público administrativo baseou-se subjetivamente nos critérios de conveniência e oportunidade para decidir uma determinada situação.
TEORIAS QUE LIMITAM O CONTROLE JUDICIAL
Como temos sustentado, a doutrina moderna tem reconhecido a limitação do poder discricionário, com um maior controle do judiciário sobre atos discricionários, pois não existe poder que seja absoluto e ilimitado.
Sendo assim, como preleciona o emérito Celso Antônio Bandeira de Mello, “não há como conceber nem como apreender racionalmente a noção de discricionariedade sem remissão lógica à existência de limites a ela, que defluem da lei e do sistema legal como um todo – salvante a hipótese de reduzi-la a mero arbítrio, negador de todos os postulados do Estado de Direito e do sistema positivo brasileiro -, cumpre buscar os pontos que lhe demarcam a extensão”[7].
Para tanto, tendo por escopo delimitar a extensão do controle sobre os atos discricionários, a doutrina desenvolveu diversas teorias e princípios concernentes ao tema para servir de parâmetro ou suporte ao deslinde das controvérsias e dúvidas atinentes à discricionariedade.
O que se pretende é examinar até que ponto o controle exercido pelo judiciário sobre atos discricionários é legal, sob a ótica da moralidade, ou seja, traçar as linhas mestras que limitem o poder discricionário da Administração sem que isso resulte em invasão do mérito pelo judiciário, provocando crise à separação e independência dos poderes.
Sem pretender por termo à balbúrdia correlata ao instituto da discricionariedade, passamos agora à análise das teorias e princípios supracitados para tentar elucidar a questão.
1°) Teoria dos Motivos Determinantes:
Consoante doutrina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a teoria dos motivos determinantes ocorre “quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá de examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência. Por exemplo, quando a lei pune um funcionário pela prática de uma infração, o Judiciário pode examinar as provas constantes do processo administrativo, para verificar se o motivo (a infração) realmente existiu. Se não existiu ou não for verdadeiro, anulará o ato”[8].
Com efeito, quando a Administração pautar-se nos critérios de conveniência e oportunidade para a prática dos seus atos, será permitido ao judiciário proceder à análise da matéria de fato que ensejou a prática do ato administrativo, para ver se os motivos elencados são verdadeiros.
Não se afirma, portanto, que ao judiciário caberá o exame meritório do ato, ou seja, o controle da conveniência e oportunidade, mas sim o controle da legalidade ampla do ato, que no caso sob análise recairá nas razões de fato e nos motivos alegados como fundamentadores do ato, o que configura a teoria dos motivos determinantes.
Sendo assim, se os motivos elencados pela Administração não forem verdadeiros, ao Poder Judiciário será atribuída a função de invalidar o ato administrativo, mediante anulação, posto que ilegal, se a própria Administração assim não proceder por meio da autotutela administrativa.
2°) Desvio de Poder ou Desvio de Finalidade:
O abuso de poder é dividido pela doutrina em duas vertentes: o excesso de poder e o desvio de poder, sendo ambos considerados ilegais pelo ordenamento jurídico.
Ocorre excesso de poder quando a autoridade que pratica o ato excede os poderes que lhe são conferidos e exorbita o campo da legalidade, ou seja, o ato que deveria ser legal transmuta-se de plena ilegalidade e deverá ser retirado do ordenamento.
Por seu turno, ocorre desvio de finalidade quando o agente público ao praticar o ato esquiva-se da observância que se faz obrigatória do fim colimado em lei, ou seja, o princípio da finalidade pública é aviltado em face de interesses outros que não justificam o proceder administrativo.
Ainda citando a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o desvio de poder ou desvio de finalidade “ocorre quando a autoridade usa do poder discricionário para atingir fim diferente daquele que a lei fixou. Quando isso ocorre, fica o poder judiciário autorizado a decretar a nulidade do ato, já que a Administração fez uso indevido da discricionariedade, ao desviar-se dos fins de interesse público definidos na lei”[9].
3°) Noções Imprecisas, Vagas, ou Conceitos Legais Indeterminados:
Não obstante pareça paradoxal, as próprias noções imprecisas são capazes de delimitar o alcance das normas jurídicas.
Como assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, “a imprecisão das noções práticas vazadas no pressuposto ou na finalidade legal é sempre relativa. Nunca existe imprecisão absoluta, por mais vagas e fluidas que sejam as noções manipuladas pela lei. Sobretudo dentro de um sistema de normas, há sempre referenciais que permitem circunscrever o âmbito da significação das palavras vagas e reduzir-lhes a fluidez a um mínimo[10]”. E arremata o referido autor afirmando que “em suma: haverá sempre, como disse Fernando Sainz Moreno, uma ‘zona de certeza positiva’, ao lado da ‘zona de certeza negativa’, em relação aos conceitos imprecisos, por mais fluidos que sejam, isto é: ‘el de certeza positiva (lo que es seguro que es) y el de certeza negativa (lo que es seguro que no es[11]).
Consoante preceitua a Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “alega-se que, quando a Administração emprega esse tipo de conceito, nem sempre existe discricionariedade; esta não existirá se houver elementos objetivos, extraídos da experiência, que permitam a sua delimitação, chegando-se a uma única solução válida diante do direito. Neste caso, haverá apenas interpretação do sentido da norma, inconfundível com a discricionariedade. Por exemplo, se a lei prevê o afastamento ex officio do funcionário incapacitado para o exercício de função pública, a autoridade tem que procurar o auxílio de peritos que esclareçam se determinada situação de fato caracteriza incapacidade; não poderá decidir segundo critérios subjetivos”[12].
4°) Princípio da Proporcionalidade:
Embora o princípio da proporcionalidade não esteja elencado expressamente na nossa Constituição Republicana de 1988, podemos afirmar inequivocamente que o mesmo não é rechaçado pela ordem constitucional, pois o próprio §2º, do Art. 5º, da CRFB/88, estatui que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
As normas jurídicas se dividem em regras e princípios, ou seja, o conceito amplo de legalidade, por óbvio, engloba também os princípios jurídicos, o que proporciona inequivocamente a possibilidade de controle judicial dos atos administrativos com fulcro no exame dos princípios, sem que isso caracterize invasão do mérito administrativo.
Ao contrário das regras jurídicas que estabelecem situações específicas de aplicação, com preceitos determinados e efeitos específicos, os princípios trazem em seu bojo um menor grau de determinação e uma maior generalidade abstrativa, traçando normas-vetores e diretivas do ordenamento, que servirão de arcabouço jurídico interpretativo do sistema.
Diógenes Gasparine, seguindo doutrina de Celso Antônio Bandeira da Mello, afirma em seu livro que “os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão”[13]. E arremata o Diógenes, citando Celso Antônio, que “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”[14].
Com efeito, o princípio da proporcionalidade assume importância vital no ordenamento jurídico e servirá de suporte para o Poder Judiciário controlar os atos administrativos praticados pelo executivo que afrontem a legalidade.
Assevera o insigne José dos Santos Carvalho Filho que “o grande fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso de poder, e o fim a que se destina é exatamente o de conter atos, decisões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes representativos do Estado”[15].
Neste diapasão, a doutrina divide o princípio da proporcionalidade em três níveis: Exigibilidade; Adequação; e Proporcionalidade em sentido estrito.
Nesse sentido assevera José dos Santos Carvalho Filho que “segundo a doutrina alemã, para que a conduta estatal observe o princípio da proporcionalidade, há de revestir-se de tríplice fundamento: 1) adequação, significando que o meio empregado na atuação deve ser compatível com o fim colimado; 2) exigibilidade, porque a conduta deve ter-se necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público, ou seja, o meio escolhido é o que causa o menor prejuízo possível para os indivíduos; 3) proporcionalidade em sentido estrito, quando as vantagens a serem conquistadas superarem as desvantagens”[16].
Com efeito, o princípio da proporcionalidade impõe o balanceamento, o equilíbrio entre o sacrifício imposto ao administrado e a vantagem geral obtida, mediante sopesamento racional.
5°) Princípio da Razoabilidade e da Realidade:
Pelo princípio da razoabilidade entendemos que a Administração, no exercício dos seus poderes discricionários, deve atuar dentro de limites tidos como aceitáveis, pois se exorbitar esse limite fulminará em algum vício de legalidade.
É cediço que esse limite do razoável deve ser entendido como o limite do racional, que não discrepa do senso comum, geral, de pessoas equilibradas e normais. Logo, no proceder discricionário, as condutas praticadas pela Administração não podem estar calcadas em medidas desarrazoadas, incoerentes, que transgridam a sensatez protuberante do homem médio e acarrete, por conseqüência, vício de legalidade do ato administrativo.
Assevera José dos Santos Carvalho Filho que “razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. Ora, o que é totalmente razoável para uns pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos standards de aceitabilidade”. E conclui dizendo que “dentro desse quadro, não pode o juiz controlar a conduta do administrador sob a mera alegação de que não a entendeu razoável”, pois se o fizesse haveria “óbice da separação de funções, que rege as atividades estatais”[17].
Resta claro, portanto, que a Administração deve observar peremptoriamente o princípio da razoabilidade na prática de seus atos, sob pena de revesti-los de ilicitudade, que ensejaria controle judicial.
Por outro lado, não podemos olvidar as preciosas lições do Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que elenca ainda o princípio da realidade como limite ao poder discricionário.
Segundo o eminente autor, “o entendimento do princípio da realidade parte de considerações bem simples: o direito volta-se à disciplina da convivência real entre os homens e todos os seus atos partem do pressuposto de que os fatos que sustentam suas normas e demarcam seus objetivos são verdadeiros”. Sendo assim, “o direito público, ramo voltado à disciplina da satisfação dos interesses públicos, tem, na inveracidade e na impossibilidade, rigorosos limites à discricionariedade. Com efeito, um ato do Poder Público que esteja lastreado no inexistente, no falso, no equivocado, no impreciso e no duvidoso não está, por certo, seguramente voltado à satisfação de um interesse público; da mesma forma, o ato do Poder Público que se destine à realização de um resultado fáctico inalcançável não visa a satisfazer a um interesse público”. E arremata dizendo que “o perigo da violação do princípio da realidade é, ainda por cima, a desmoralização da ordem jurídica pela banalização da ineficiência e a vulgarização do descumprimento, além do pesado tributo do ridículo”[18].
Ou seja, do exposto conclui-se que tanto o princípio da razoabilidade como o princípio da realidade servirão de suporte e limite para o controle da atividade discricionária da Administração.
6°) Princípio da Moralidade Administrativa.
Chegamos ao ponto crucial do nosso trabalho, haja vista ser este o objeto do nosso estudo, qual seja, o limite imposto ao controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos discricionários, tendo por supedâneo o princípio da moralidade.
Ainda que o conceito de moral não seja uno e universal, podemos considerá-la no presente trabalho como um conjunto valorativo que traça os preceitos, regras e deveres a serem observados nas ações humanas, perquirindo sempre a justiça e a eqüidade.
Relembrando Diógenes Gasparine que o sistematizador do princípio da moralidade foi Hauriou, ele diz que o referido princípio “extrai-se do conjunto de regras de conduta que regulam o agir da Administração Pública”[19].
Ou seja, no ordenamento jurídico pátrio a própria idéia de moralidade administrativa é oriunda da Administração e está arraigada no “bom agir” da Administração, não podendo ser desvirtuada da idéia do “bom administrador”.
Por “bom administrador” entendemos que seja aquele que pratica o ato discricionário da melhor forma possível, sem lesar terceiros, com obediência à lealdade, à eqüidade, à boa-fé, à justiça e à eficiência, enfim, é aquele que valora as razões de conveniência e oportunidade com o devido respeito aos direitos subjetivos fundamentais do cidadão.
O administrador público deverá zelar, portanto, pela lealdade e boa-fé ao praticar atos administrativos. Aliás, esses valores são inerentes ao próprio sistema normativo como um todo.
A questão da moralidade ganhou maior apreço no ordenamento jurídico com a promulgação da Constituição Republicana de 1988, a qual elevou a moralidade ao patamar de princípio, que deve nortear o agir da Administração.
Neste passo, a antiga divisão entre Direito e Moral da ciência jurídica clássica, viu-se mitigada, pois a moral tornou-se norma jurídica, mais especificamente um princípio constitucional.
Com efeito, o princípio da moralidade, por ter sido elevado ao condão de princípio, o qual integra o gênero “norma jurídica”, terá força cogente, com observância obrigatória, posto que decorre da própria Constituição da República, estando, portanto, no topo da hierarquia das normas jurídicas.
Sendo assim, todo o agir da Administração Pública deve pautar-se no princípio da moralidade e o agente público não pode ignorá-lo, sob pena de fulminar um preceito constitucional de suma importância.
Isso acarretará no devido respeito pelo administrador à finalidade pública dos seus atos, pois caso esta prescinda em prol da vontade, dos desejos ou dos sonhos do agente público, restará claro a violação à própria Lei Maior, e o judiciário não poderá abster-se de controlar e fiscalizar a correta aplicação do princípio da moralidade, o qual, frise-se, possui amplo caráter normativo, sendo norma cogente de observância obrigatória.
José dos Santos Carvalho Filho, quando trata do assunto, afirma que “o princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma de conduta deve existir não somente nas relações entre a Administração e os administrados em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a Administração e os agentes públicos que a integram”[20].
Percebe-se, portanto, a dupla dimensão assumida pelo princípio da moralidade, qual seja, (i) a voltada para a própria administração nos seus assuntos internos e de seus servidores e (ii) a voltada para a relação estabelecida entre a administração e os particulares, que são os administrados e destinatários dos serviços públicos.
Foi com fulcro no princípio da moralidade, dentre outros como a igualdade e a impessoalidade, que o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante de nº 13, que veda a nefasta e inescrupulosa prática do nepotismo, e assim versa:
“a nomeação do cônjuge, companheiro, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.
Com essa medida, o órgão de cúpula do Poder Judiciário veio moralizar a Administração Pública contra a prática vexatória dos detentores do poder em favorecer seus parentes, com nomeações em cargos comissionados e até mesmo elevação do cargo ocupado, em detrimento de pessoas mais qualificadas e melhor preparadas.
O nepotismo é por demais pernicioso, pois viola não só o princípio da moralidade, como também os princípios da igualdade, impessoalidade e eficiência insculpidos na Carta Política. Resta claro, portanto, que qualquer forma de nepotismo, seja direto ou cruzado (indireto), viola o princípio da moralidade e por isso deve ser combatido.
Por seu turno, também haverá violação do princípio da moralidade se um prefeito, por exemplo, construir um hospital e colocar seu próprio nome nele, tendo por objetivo sua promoção pessoal. Isso certamente irá transgredir a moralidade administrativa, bem como outros princípios, como o da impessoalidade, pois o ato praticado deve ser imputado ao órgão ou entidade administrativa e não à pessoa do administrador.
Entender o contrário implica em admitir fim diverso do colimado em lei, que decerto não se coaduna com o Direito.
No entanto, apenas nos casos em que ocorre manifesta violação da moralidade, com superação dos padrões aceitáveis, é que o Poder Judiciário poderá controlar o ato discricionário. Até porque do contrário haveria invasão no mérito do ato, o que é amplamente rechaçado pelo sistema normativo.
Desta feita, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “não cabe ao magistrado substituir os valores morais do administrador público pelos seus próprios valores, desde que uns e outros sejam admissíveis como válidos dentro da sociedade; o que ele pode e deve invalidar são os atos que, pelos padrões do homem comum, atentam manifestamente contra a moralidade. Não é possível estabelecer regras objetivas para orientar a atitude do juiz. Normalmente, os atos imorais são acompanhados de grande clamor público, até hoje sem sensibilizar a Administração. Espera-se que o Judiciário se mostre sensível a esses reclamos”. E finaliza a eminente doutrinadora afirmando que “essa tendência que se observa na doutrina, de ampliar o alcance da apreciação do Poder Judiciário, não implica invasão na discricionariedade administrativa; o que se procura é colocar essa discricionariedade em seus devidos limites, para distingui-la da interpretação (apreciação que leva a uma única solução, sem interferência da vontade do intérprete) e impedir as arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob o pretexto de agir discricionariamente”[21].
Resta claro, portanto, que o princípio da moralidade servirá de limite à atuação discricionária da Administração Pública, isso porque a conduta administrativa deverá necessariamente observar a magnitude da dupla dimensão imposta pelo referido princípio.
Destarte, qualquer ato administrativo que atente contra a moralidade pública poderá ser controlado pelo judiciário e até mesmo invalidado, sem que isso acarrete violação à separação dos poderes.
Basta observar que a própria Constituição Republicana brasileira, em seu Art.5º, inciso LXXIII, assegura o direito de qualquer cidadão ser parte legítima em ação que tenha por escopo anular ato lesivo ao patrimônio público que atente contra a moralidade administrativa, senão vejamos:
CF/88, Art. 5º, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (Grifei).
Outrossim, cumpre ressaltar que a moralidade pública também é tutelada pela Lei 8429/92 (Lei da Improbidade), que coloca o princípio da moralidade pública como de observância obrigatória, senão vejamos:
Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.
O administrador público, portanto, poderá ser responsabilizado e vir a responder por condutas imorais, incompatíeis com a moralidade pública, podendo até mesmo perder o cargo e ter seus direitos políticos suspensos caso seja condenado por improbidade.
Neste sentido, por mais árduo que seja conceituar moralidade, pela própria vagueza conceitual dos princípios jurídicos, acreditamos não ser muito difícil constatar na prática quando ocorre desvio de finalidade do ato praticado, mediante lesão do princípio da moralidade.
No entanto, a doutrina não se esquiva do seu dever de ao menos tentar conceituar o princípio da moralidade, como observamos nos dizeres do ilustre Marçal Justen Filho, quando afirma que “a moralidade administrativa consiste num conjunto de imposições éticas norteadoras do exercício da função administrativa, impositivas dos deveres de lealdade e de honestidade na gestão dos recursos e no exercício das competências”[22].
Logo, ainda que haja vagueza ou fluidez conceitual dos princípios, e em especial do princípio da moralidade, o administrador não poderá deixar de observá-lo quando da prática dos seus atos no exercício da função.
Diógenes Gasparine, por sua vez, leciona que “o ato e a atividade da Administração Pública devem obedecer não só à lei, mas à própria moral, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme afirmavam os romanos”[23].
4 – POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS:
Por longos anos, afirmou-se que ao Poder Judiciário não era cabível exercer o controle meritório dos atos administrativos discricionários, visto que essa função era exclusiva da Administração Pública ao ponderar os juízos de conveniência e oportunidade. Assim entendia o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCESSÃO DE HORÁRIO ESPECIAL. ATO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE OU ABUSO. INEXISTÊNCIA.
- Foge ao limite do controle jurisdicional o juízo de valoração sobre a oportunidade e conveniência do ato administrativo, porque ao Judiciário cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo-lhe vedado substituir o Administrador Público. (Grifei).
- Recurso ordinário desprovido." (STJ, SEXTA TURMA, RMS 14967/SP, Rel. Min. VICENTE LEAL, DJ 22.04.2003 p. 272)
Vale ressaltar, no entanto, que ancorado na evolução da doutrina acerca do instituto da discricionariedade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem remodelando seu entendimento sobre o tema, adotando posição que destoa do exposto acima, consoante observamos no julgado abaixo:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.
1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.
3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.
4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.
5. Recurso especial provido." (STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570 / GO ; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004 p. 277 RSTJ vol. 187 p. 219) (Grifei).
Observamos no julgado acima a nova orientação jurisprudencial adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, na qual se permite que o Judiciário analise as razões conveniência e oportunidade, sem que isso caracterize afronta ao princípio da separação dos poderes, concebido como cláusula pétrea pela Constituição.
Por seu turno, no Supremo Tribunal Federal (STF) a questão ventilada vai ao encontro do exposto acima, ou seja, também é reconhecida ao Poder Judiciário a possibilidade jurídica de examinar os atos discricionários praticados pela Administração Pública, à luz das teorias e princípios que limitam a valoração subjetiva das razões de conveniência e oportunidade. Ademais, a fundamentação do ato é tomada como critério para aferição de sua legalidade. É o que observamos nos julgados abaixo:
"ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MAGISTRADO. PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE. RECUSA. INDISPENSABILIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 93, X, DA CF. Nulidade irremediável do ato, por não haver sido indicada, nem mesmo na ata do julgamento, a razão pela qual o recorrente teve o seu nome preterido no concurso para promoção por antiguidade. Recurso provido." (STF, Primeira Turma, RE 235487 / RO, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Publicação: DJ 21-06-2002 PP-00099 EMENT VOL-02074-04 PP-00685)
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESSUPOSTO ESPECÍFICO DE RECORRIBILIDADE. A parte sequiosa de ver o recurso extraordinário admitido e conhecido deve atentar não só para a observância aos pressupostos gerais de recorribilidade como também para um dos específicos do permissivo constitucional. Longe fica de vulnerar o artigo 6º, parágrafo único, da Constituição de 1969, acórdão em que afastado ato administrativo praticado com abuso de poder, no que revelou remoção de funcionário sem a indicação dos motivos que estariam a respaldá-la. Na dicção sempre oportuna de Celso Antonio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível" (Discricionariedade e Controle judicial). (STF, Segunda Turma, RE 131661 / ES, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Publicação: DJ 17-11-1995 PP-39209 EMENT VOL-01809-06 PP-01393)
Percebe-se, portanto, que a jurisprudência hodierna dos Tribunais Superiores admite o controle jurisdicional do ato administrativo discricionário, quando houver lesão ou ameaça de lesão aos direitos do administrado.
5 – CONCLUSÃO:
Em últimas palavras, podemos concluir que no Estado Democrático de Direito não vislumbramos a idéia de poder absoluto, nem de discricionariedade (oriunda do poder discricionário) absoluta e ilimitada. Pelo contrário, entendemos que o exercício da discricionariedade deve ser feito nos limites impostos pelo sistema normativo.
Ademais, como o ordenamento pátrio estrutura-se no sistema de jurisdição única em detrimento do sistema do contencioso administrativo, entendemos que, em observância ao Art.5º, inciso XXXV, da CRFB/88, que esboça o princípio da inafastabilidade da jurisdição, nenhuma lesão ou ameaça de lesão pode ser excluída da apreciação judicial.
Com efeito, se o administrado é afetado por um ato administrativo discricionário que julgue ser ofensor de seus direito individuais, poderá invocar o Judiciário para examinar os limites impostos ao subjetivismo atribuído pelo legislador ao administrador na análise dos motivos de conveniência e oportunidade.
Entendemos ainda que isso em nada viola o princípio da separação (na verdade, distinção) de poderes elencado na Constituição, em seu Art. 2º, quando preceitua que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Outrossim, ainda que o ato discricionário praticado pela Administração derive de conceitos abertos, indeterminados, oriundos da vagueza conceitual de moralidade, a aferição da legalidade do ato poderá ser feita pelo Judiciário, ao qual incumbe a precípua função de garimpar qualquer resquício de ilegalidade.
À guisa de conclusão, sem ter por fito pôr termo ao tema ora debatido, citamos o ensinamento do ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim leciona:
“Com efeito: a lei tanto pode ser ofendida à força aberta como à capucha. No primeiro caso o administrador expõe-se afoitamente à repulsa; no segundo, por ser mais sutil não é menos censurável. Vale dizer: a ilegitimidade pode resultar de manifesta oposição aos cânones legais ou de violação menos transparente, porém tão viciante quanto a outra. Isto sucede exatamente quando a Administração, em nome do exercício de atividade discricionária, vai além do que a lei lhe permitia e, portanto, igualmente a ofende.
Esta forma de ilegalidade não é menos grave que a anterior. Pelo contrário, revela maior grau de periculosidade para o sistema normativo e para a garantia da legalidade, justamente porque, não sendo tão perceptível, pode, às vezes, escapar das peias da lei, propiciando à Administração subtrair-se indevidamente ao crivo do Poder Judiciário, se este se mostrar menos atento às periculosidades do Direito Administrativo ou cauteloso em demasia na investigação dos atos administrativos”[24].
Como visto, resta claro que o ato discricionário praticado pela Administração não pode resultar em arbitrariedade, pois a liberdade conferida por lei ao agente que pratica o ato é em função do interesse público, o qual é indisponível. Ou seja, a liberdade é outorgada por lei e processa-se em função da lei.
Destarte, a apreciação subjetiva dos conceitos indeterminados ou das razões de conveniência e oportunidade continua nas mãos da Administração Pública e não pode ser subtraída pelo Judiciário, sob pena de violar a separação dos poderes. No entanto, essa discricionariedade deve necessariamente atender os princípios da administração, como proporcionalidade, razoabilidade, moralidade, dentre outros, para que não haja abuso ou desvio de poder.
Neste passo, o princípio da moralidade servirá de supedâneo, de alicerce do sistema normativo, funcionando como arcabouço axiológico que irradiará os valores éticos compatíveis com a ordem pública e com os fins maiores da República Federativa do Brasil, de forma a impedir arbitrariedades e ilegalidades na Administração Pública.
Por fim, frisamos que o ato discricionário deverá perquirir a ratio legis, buscando alcançar sempre o espírito da lei, como forma de proteger direitos individuais subjetivos e consagrar a efetivação do Estado Democrático de Direito.
6 – REFERÊNCIAS:
LOPES MEIRELLES, Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. Malheiros Editores, 2007.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. Malheiros Editores, 2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Ed, São Paulo, Editora Atlas S. A., 2007.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 5ª Ed. Editora Saraiva, 2000.
NETO, Diogo Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 14ª Ed. Editora Forense, 2006.
JUSTEN FILHO, MARÇAL. Curso de Direito Administrativo. 2ª Ed. Editora Saraiva, 2006.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10ª Ed. Editora Revista dos Tribunais, 2006.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ª Ed. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2005.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A Constitucionalização do Direito Administrativo – O princípio da Juridicidade, a Releitura da Legalidade Administrativa e a Legitimidade das Agências Reguladoras. Editora Lumen Juris, 2009.
NETO, Diogo Figueiredo Moreira. Mutações do Direito Administrativo: novas considerações (avaliação e controle das transformações). Revista eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 2, junho/ julho/ agosto, 2005. Disponível na Internet: www.direitodoestado.com.br .
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 19ª reimpressão. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira . Legitimidade e Discricionariedade. Ed. Forense.
TORRES, José. Controle Jurisdicional do Ato Administrativo discricionário- Da legalidade strita à lógica do razoável. Ed. Fórum.
[1]Legitimidade e Discricionariedade, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, 2 ª Edição, Editora Forense, p. 01.
[2] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 26 ª Edição, Malheiros Editores, p. 963.
[3] Legitimidade e Discricionariedade – Novas Reflexões Sobre os Limites e Controle da Discricionariedade, Editora Forense, 2ª Edição, p. 32
[4] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 26ª Edição, Malheiros Editores, p. 936 – 937.
[5] José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, 17ª Edição, Editora Lúmen Juris, p. 42).
[6] José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 17ª Edição, Editora Lúmen Juris, p. 42).
[7] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 26ª Edição, Malheiros Editores, p. 963.
[8] Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª Edição, Editora Atlas S.A, p. 202 - 203.
[9] Maria Sylvia Zanella Di Petro, Direito Administrativo, 13ª Edição, Editora Atlas S.A, p. 202.
[10] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 26ª Edição, Malheiros Editores, p. 964 e Conceptos Jurídicos, Interpretación y Discrecionalidad Administrativa, 4ª Edição, Madri, Civitas, 1976, PP 70 e 71.
[11] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 26ª Edição, Malheiros Editores, p. 964 e Conceptos Jurídicos, Interpretación y Discrecionalidad Administrativa, 4ª Edição, Madri, Civitas, 1976, PP 70 e 71.
[12] Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª Edição, Editora Atlas S.A, p. 203.
[13] Celso Antônio Bandeira de Mello,RDP, 15:284; Diógenes Gasparine, Direito Administrativo, Editora Saraiva, 5ª Edição, p. 7.
[14] Celso Antônio Bandeira de Mello,RDP, 15:284; Diógenes Gasparine, Direito Administrativo, Editora Saraiva, 5ª Edição, p. 7.
[15] José dos Santos Carvalho Filho, Editora Lumem Juris, 17ª Edição, p. 33.
[16] José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, Editora Lumem Juris, 17ª Edição, p. 33.
[17] José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, Editora Lúmen Juris, 17ª Edição, p. 31.
[18] Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discricionariedade – Novas Reflexões Sobre os Limites e Controle da Discricionariedade, Editora Forense, 2ª Edição, p. 37.
[19] Diógenes Gasparine, Direito Administrativo, Editora Saraiva, 5ª Edição, p. 9.
[20] José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, Editora Lúmen Juris, 17ª Edição, p. 18.
[21] Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, Editora Atlas S.A, 13ª Edição, p.204.
[22] Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, Editora Saraiva, 2ª Edição, p. 792.
[23] Diógenes Gasparine, Direito Administrativo, Editora Saraiva, 5ª Edição, p. 9.
[24] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 26 ª Edição, p. 981 e 982.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Pós-Graduado em Direito Público. Cidade de Domicílio: Vitória/ES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASQUES, Lécio José de Oliveira Moraes. Controle Judicial da Discricionariedade Sob a Ótica da Moralidade - Limites e Tendências Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46137/controle-judicial-da-discricionariedade-sob-a-otica-da-moralidade-limites-e-tendencias. Acesso em: 23 dez 2024.
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