E lá se foram quase 50 anos da edição do Decreto Lei 911 de outubro de 1969, legislação que estabeleceu normas de processo sobre alienação fiduciária e trouxe outras providências, tal decreto foi editado 4 anos antes da entrada em vigor do atual e condenado Código de Processo Civil, sofreu algumas modificações com a Lei 10.931 de 2004, porém não tão significativas quanto a lei 13.043 de novembro de 2014 e agora em 2016 com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, lei 13.105 de 2015.
O instituto da alienação fiduciária em garantia tem fundamental importância na economia nacional, nele o credor detém a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem alienado, enquanto o devedor possui a posse direta, sendo este, via de regra, garantia de um empréstimo, é a modalidade mais utilizada no financiamento automobilístico, pois proporciona melhores condições contratuais (taxas e encargos) para o consumidor, bem como facilita a recuperação do bem pelo credor em caso de inadimplemento.
Com o passar dos anos a legislação sofreu alterações, ambas com objetivo de agilizar o procedimento de recuperação do bem e assim por consequência diminuir as taxas e encargos aplicados no contrato.
Hoje estamos prestes a recepcionar um novo código de processo civil, lei 13.105 de 16 de março de 2015, bem como temos em vigor a recente lei 13.043 de 13 de novembro de 2014, ou seja, duas alterações significativas em menos de 5 meses (novo código possuí vacatio legis de 1 ano), assim, como ficará o procedimento levando-se em conta ambas as legislações?
Ressalto que o presente trabalho não busca esgotar todas as discussões sobre as leis em questão, mas de uma forma mais clara e sintética uma visão geral de como ficará o procedimento.
A CONSTITUIÇÃO EM MORA
Requisito essencial para propositura da ação de busca e apreensão é a constituição em mora do devedor, antes da Lei 13.043 o §2º do artigo 2º do Decreto Lei 911 previa que a mora decorreria do “simples vencimento do prazo para pagamento” e poderia ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.
Esse requisito trazia grandes problemas para o credor, visto que o judiciário apenas aceitava a intimação postal do devedor, o que muitas vezes era impossível, pois este poderia não estar em casa no momento da entrega ou mesmo mudado, assim, a opção era o protesto do título, hipótese cara para as partes, já que a baixa é precedida de pagamento de altas taxas cartorárias.
A Lei 13.043 trouxe inovação e facilitou a constituição em mora, pois agora pode ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, “não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja do próprio devedor”. Aqui não há mais a necessidade de assinatura exclusiva do devedor, pois basta o envio da carta para o endereço informado no contrato. Porém, no caso de endereço inexistente, o aconselhável é recorrer ao protesto, já em relação a “casa vazia” ou “mudou-se”, a constituição se dará de plano, pois se a lei aceita outra assinatura, por analogia tais opções também devem ser aceitas, já que em tese deveria o devedor informar eventuais alterações nos seus dados.
A AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO
Ainda hoje, em fevereiro de 2016, um mês antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, utilizamos para retomada do bem dado em garantia na alienação fiduciária a ação cautelar de Busca e Apreensão, tal medida vem disciplinada nos artigos 839 à 843 do CPC e mesmo sendo uma cautelar, possuí característica satisfativa, conforme disciplina o parágrafo 8º do artigo 3º do Decreto Lei 911/1969:
§ 8o A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004)
A inicial deve conter os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, bem como demonstrar o débito vencido, valor este que deve ser aplicado com “valor da causa”, nos termos do artigo 2º, §1º da Lei 13.043/2014 e artigo 292, §1º do novo Código de Processo Civil.
Ocorre que o panorama irá mudar, a partir da entrada em vigor do novo código o processo cautelar deixa de existir, porém não significa drástica mudança, já que as medidas urgentes serão baseadas na “nova” tutela provisória de urgência, ou seja, acabam-se os nomes (cautelares típicas e atípicas) e passamos a ter o procedimento condicionado a urgência e relevância.
A tutela cautelar de urgência toma o lugar das cautelares, conforme artigo 294 do novo Código de Processo Civil:
Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
Desta forma, o novo código não se preocupou com o formalismo, mas sim com o a efetividade, as cautelares passaram a ter por base “a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”, ou seja, em linhas gerais, o fumus boni iuris e o periculum in mora, tais elementos devem estar em consonância com os requisitos da petição inicial, artigo 319 do novo código e os ditames do Decreto Lei 911/69, ou seja, em que pese o novo código tenha abolido as cautelares, o Decreto Lei mantém o instituto, porém agora adaptado as novas regras.
Em relação aos pedidos, passam a obedecer os ditames do artigo 322 do novo CPC, porém sem grandes alterações significativas.
PROCEDIMENTOS
Nesta parte afunila-se o presente trabalho exclusivamente aos procedimentos previstos na Lei 13.043 de 2014 e novo Código de Processo Civil.
DISTRIBUIÇÃO E LIMINAR
A distribuição da ação e o cumprimento de seus atos ganhou destaque com a lei 13.043, já que ela trouxe a possibilidade da liminar ser apreciada no plantão judiciário. O novo CPC dá maior ênfase ao procedimento das tutelas de urgência, pois o artigo 214, II e 215, III, dispõe que a tutela de urgência poderá ser realizada durante as férias forenses.
Desta forma temos que os processos poderão ser distribuídos e apreciados liminarmente durante o recesso, bem como seus atos também poderão ser cumpridos durante este período e nos plantões judiciais.
Para a concessão da liminar, como já explanado, deverão estar presentes os requisitos básicos da petição inicial, os requisitos das tutelas de urgência e os elementos contidos no DL911/69 (memória de cálculo, descrição do bem, etc..).
Não concedida a liminar, nos termos do artigo 303, §6º, do novo código, deverá o autor aditar a inicial em 5 dias ou interpor Agravo de Instrumento no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 1.015, I, não realizada nenhuma das medidas, será o processo extinto sem resolução de mérito.
Concedida a liminar, a apreensão será realizada por dois oficiais, nos termos do artigo 536, §2º, ressaltando que neste artigo o código traz expresso o termo “busca e apreensão”, soma-se ainda a possibilidade de utilização policial, agora no artigo 846, §2º do novo código.
Outro ponto de grande relevância trazido pela Lei 13.043 é a questão da carta precatória. O novo CPC praticamente manteve os termos do código de 1973, incluindo apenas questões ligadas ao processo digital, porém a Lei 13.043 permitiu o cumprimento da liminar, ou mesmo a concessão desta na comarca em que se encontrar o bem objeto da busca e apreensão:
§ 12. A parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo da comarca onde foi localizado o veículo com vistas à sua apreensão, sempre que o bem estiver em comarca distinta daquela da tramitação da ação, bastando que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
Tal parágrafo trouxe uma das maiores inovações do procedimento, já que o tempo entre a expedição da carta precatória e seu efetivo cumprimento era longo, agora, com uma petição é possível realizar a apreensão do bem de forma mais célere.
Nesta petição a lei prevê duas hipóteses: já ter a liminar e a mesma ter objetivo apenas de cumprir a decisão; e de não ter a liminar ainda e o juízo onde estiver o veículo conceder a decisão e já ordenar a apreensão.
Aqui poderá haver divergência de decisões, se não houver uma comunicação entre os juízos, uma vez que negada a decisão no juízo de origem, não poderá o credor, sob pena de ato atentório a dignidade da justiça tentar decisão diferente em outra comarca, deverá buscar a reversão com o remédio adequado (aditamento ou agravo de instrumento).
DEFESA, SENTENÇA E FASE RECURSAL
Para fins didáticos, neste tópico vamos considerar a apreensão do veículo, a seguir trataremos da hipótese de não localização e a possibilidade de conversão em execução.
Apreendido o bem, nos termos do §1º, do artigo 3º do Decreto Lei 911/69 alterado pela Lei 10.931/2004, terá o réu o prazo de 5 (cinco) dias para purgar a mora e ter seu veículo restituído sem ônus.
Purgada ou não a mora, poderá o réu apresentar defesa no prazo de 15 dias após o cumprimento da liminar. Aqui não houve alterações, exceção apenas para a contestação que passa a seguir ditames dos artigos 335 e seguintes do novo código (as exceções passam a ser arguidas no corpo da peça de defesa).
Após a defesa, não havendo outras matérias que exijam dilação probatória (cálculo equivocado, nulidade nos procedimentos de constituição em mora ou judiciais) passará o processo para a prolação da sentença, agora nos artigos 485 e 487 do novo diploma, extinção sem e com resolução de mérito, respectivamente. Tratando-se de sentença de improcedência poderá o magistrado fixar multa em caso de alienação do bem, caso contrário ocorrerá a devolução e eventuais prejuízos poderão ser discutidos em ação autônoma.
No caso de procedência, caso ainda não tenha consolidado a propriedade do bem para o credor, será feito em sentença e poderá ser realizada a alienação (A consolidação da propriedade ocorre de plano caso não ocorra o pagamento no prazo de 5 dias após a apreensão, consolidar-se-á a propriedade em favor do credor e este poderá alienar o bem, porém por sua conta e risco, visto a pendência da sentença e do trânsito em julgado).
Havendo interesse em recorrer, a medida cabível permanece a Apelação, agora no artigo 1.009 do novo código. Em relação ao efeito atribuído, em que pese o artigo 1.012 fale em efeito suspensivo, deve-se aplicar o disposto no artigo 3, §5º do Decreto Lei 911/69 que dispõe: “Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo”. O recurso será encaminhado para o Tribunal e lá será apreciada as razões recursais, podendo manter ou reverter a decisão de primeiro grau. Após o trânsito em julgado resta apenas a execução de honorários advocatícios, matéria alheia ao objetivo deste trabalho, mas que pode ser facilmente compreendida com a leitura do artigo 85 do novo código.
CONVERSÃO EM AÇÃO EXECUTIVA
O artigo 4º do Decreto Lei 911/69 foi modificado pela Lei 13.043 de novembro de 2014 e passou a vigorar com o seguinte texto:
Art. 4o Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
Conforme exposto, a lei de 2014 alterou significativamente esta parte, pois o Decreto previa em seu texto original, em caso de não localização do bem, a possibilidade de distribuição de ação de depósito, com a entrada em vigor do atual CPC em 1974 o citado artigo foi alterado e passou a prever a conversão em ação de depósito, já a lei de 2014 alterou para conversão em ação executiva, devendo ser observado agora o disposto nos artigos 771 e seguintes do novo diploma.
CONCLUSÃO
O novo CPC gerou grande expectativa e esperança de um processo mais célere, porém as inovações trazidas no mesmo não possuem grande impacto no procedimento da Busca e Apreensão, mas em contrapartida a lei 13043 de novembro de 2014 e a implantação do processo eletrônico acabaram por dar nova cara e agilidade ao procedimento.
O CPC que entrará em vigor no mês de março de 2016 acabou com o procedimento cautelar, porém basicamente passou a chamar de tutela de urgência, os requisitos foram mantidos e as mudanças ficaram mais para novos nomes que procedimentos efetivos.
Já a Lei 13043 de novembro de 2014 trouxe inovações substanciais, as quais ressaltamos a possibilidade de apreensão do bem em comarca distinta através de petição, sem a necessidade de esperar por dias a confecção e distribuição da precatória, a possiblidade de enviar notificação para o endereço informado no contrato e ser aceito como constituição em mora, mesmo não sendo o devedor que venha a receber, entre outros avanços, que somados a agilidade do processo eletrônico deram maior efetividade ao procedimento.
As inovações são recentes e possuem questionamentos, porém estão em vigor (o novo código entra em vigor em março de 2016), o judiciário ainda está sedimentando as alterações, distribuir, conseguir uma liminar e apreender um bem durante o recesso forense é de se comparar ao filme “Missão Impossível”, porém a tendência é a adequação que deverá ocorrer a médio prazo, visto que chegou o novo CPC e com ele novos procedimentos para implantação.
REFERÊNCIAS:
BUENO C. S., MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, Inteiramente estruturado à Luz do Novo CPC, Saraiva, São Paulo, 2015
In, http://www.planalto.gov.br - acesso em 11/02/2016
In, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm - acesso em 11/02/2016
In, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm - acesso em 11/02/2016
In, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm - acesso em 11/02/2016
In, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13043.htm - acesso em 11/02/2016
In, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.931.htm - acesso em 11/02/2016
In, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0911.htm - acesso em 11/02/2016
Pós graduado em processo civil e direito tributário - Gerente Jurídico do escritório Pinho Advogados Associados Cidade de domicílio: Bauru - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRADO, André Luis. Busca e apreensão em alienação fiduciária - aspectos relevantes da Lei 13.043/2014 e do novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46153/busca-e-apreensao-em-alienacao-fiduciaria-aspectos-relevantes-da-lei-13-043-2014-e-do-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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