Resumo: O presente artigo visa firmar posição sobre amplo e longo debate que ainda ocorre na doutrina autorizada sobre o relacionamento entre a adjudicação e a homologação. Discorda-se, aqui, de ilustres juristas que capitaneiam a corrente que defende que a adjudicação precede à homologação. Busca-se apresentar noções sobre a adjudicação e a homologação, para, ao fim, sustentar da precedência do segundo sobre o primeiro, em seu aspecto procedimental.
Palavras-chave: direito subjetivo, Direito Administrativo, Administração Pública.
Sumário: 1. Introdução; 2. Análise Crítica Sobre o Último Ato do Procedimento Licitatório; 3. Noções Sobre a Adjudicação e a Homologação; 4. A Adjudicação Como Último Ato do Certame Licitatório; 5 Conclusões; 6 Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa firmar posição sobre amplo e longo debate que ainda ocorre na doutrina autorizada sobre o relacionamento entre a adjudicação e a homologação. Por esta razão, pergunta-se, em matéria procedimental administrativa, o que deve ocorrer primeiro, a homologação ou a adjudicação?
Para a análise proposta, faz-se importante apresentar noções sobre a adjudicação e a homologação, para, ao fim, sustentar da precedência do segundo sobre o primeiro, em seu aspecto procedimental. Entende-se, embasado no entendimento de notável doutrina, que esta perspectiva de abordagem evidenciará a antecedência lógica da homologação em face da adjudicação.
2 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O ÚLTIMO ATO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO
Inicialmente, vale dizer que esta quizila hermenêutica, como atestam Dallari (2000, p. 148) e Sundfeld (1995, p. 168), não surgiu com a promulgação do Estatuto Geral de Licitações e Contratos Administrativos. Se bem posicionadas as coisas, observa-se que a discussão advém antes mesmo da promulgação do Decreto-Lei 2.300/86, diploma regulador das licitações e contratos administrativos no país até a Lei 8.666/93.
E foi naquele diploma normativo que o legislador infraconstitucional intentou resolver o debate com a simples supressão da palavra adjudicação do texto legal. Mas o sempre percuciente Dallari (2000, p. 148) avisou que isso em nada alterava o panorama da discussão:
Como o problema da adjudicação (que era uma fase prevista na legislação anterior) era realmente difícil, como havia muita controvérsia sobre o que é e o que não é adjudicação, o legislador federal de 1986, ao editar o Decreto-Lei n. 2.300, suprimiu o vocábulo “adjudicação”, pretendendo assim ter eliminado o problema. E substituiu a adjudicação por esta expressão: “deliberação pela autoridade competente”. O que é deliberação pela autoridade competente? A autoridade vai deliberar sobre o quê? Sobre se vai indicar ou não a melhor proposta como vencedora? Afinal, para que serve a adjudicação?
A “solução” encontrada, por óbvio, foi tremendamente insatisfatória. Afinal, não seria um mero jogo de palavras que iria alterar as reais circunstâncias do problema. A discussão certamente não se cinge, unicamente, ao nome que cada ato administrativo recebe pelo ordenamento jurídico, mas à substância dos mesmos; toda esta discussão representa, pois, a importância de cada uma destas fases do procedimento licitatório.
E o legislador do diploma 8.666/93, cônscio desta crítica, reviveu as expressões “adjudicação” e “homologação” em sede dos artigos 38, VII, e 43, VI, referindo-se em ambos os casos, como não poderia deixar de ser, aos atos finais da licitação.
Acontece que, ao assim fazer, a legislação em nada ajudou no avance do debate travado em sede doutrinária e jurisprudencial. Pelo contrário. Expôs a própria incerteza hermenêutica que paira entre os administrativistas do país, à medida que, em sede do primeiro dispositivo, aduziu que a adjudicação viria primeiro que a homologação, e, no segundo, a relação inversa: a homologação, e posteriormente, a adjudicação. Vejamos os dispositivos em cotejo:
Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva,a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: (...)
VII – atos de adjudicação do objeto da licitação e da sua homologação;
VI – deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação.
Desta confusão legislativa resultou a anotação de Sundfeld (1995, p. 86), na esteira do que agora defendemos:
A imprecisão legislativa é reflexo da divergência doutrinária existente na matéria. Parte dos estudiosos entende a adjudicação como ato da Comissão Julgadora, subsequente ao julgamento e antecedente da aprovação (homologação). Outros visualizam-na como ato da autoridade competente para decidir pela contratação, por meio do qual se atribui ao melhor classificado o objeto do certame, após a constatação de sua regularidade formal e da conveniência da celebração do ajuste.
Fácil aferir, portanto, que a polêmica persiste. E com ela a renitente pergunta: afinal, qual a sequência procedimental existente? O que se realiza primeiro, a adjudicação ou a homologação?
Capitaneando uma primeira corrente, a qual defende que a adjudicação precede a homologação, podemos encontrar Figueiredo (2007, p. 67), Dallari (2000, p. 152), Sundfeld (1995, cit.) e Niebuhr (2008, p. 350).A linha de raciocínio destes doutrinadores, como se pode perceber até do último excerto transcrito, segue o caminho de que a adjudicação é ato administrativo de competência da Comissão de Licitação (ou pregoeiro, se for o caso), a ser realizado no bojo do certame. Em sendo assim, após o julgamento e classificação das propostas, realizar-se-ia a adjudicação em favor do primeiro colocado, particular detentor da proposta mais vantajosa à Administração Pública.
A transcrição de Dallari (2000, p. 152) é imprescindível para expressar este argumento:
Finalmente, depois de muito tempo, depois de inúmeras discussões em infindáveis debates acadêmicos, entendemos a razão pela qual o inesquecível Hely Lopes Meirelles sempre incluiu entre os princípios da licitação exatamente o da “adjudicação compulsória ao vencedor’, dizendo que a classificação em primeiro lugar fazia nascer para tal licitante “o direito subjetivo à adjudicação”. (...)
Assim, acompanhando esse querido mestre (com quem aprendemos também a reformular entendimentos e a consignar expressamente tal ocorrência), entendemos que a comissão julgadora, que supostamente já verificou a conformidade da proposta com o edital, sua viabilidade, exeqüibilidade e aceitabilidade (em face dos termos do edital), deve obrigatoriamente adjudicar o objeto posto em disputa ao licitante autor da proposta classificatória em primeiro lugar.[1]
Em que pese julgarmos difícil divergir de doutrinadores deste quilate, entendemos que assim não se passa na licitação.
Antes de combater este posicionamento, no entanto, faz-se importante apresentar noções sobre a adjudicação e a homologação, para, ao fim, sustentar da precedência do segundo sobre o primeiro, em seu aspecto procedimental. Entendemos, com Justen Filho (2011, p. 603), que esta perspectiva de abordagem evidenciará a antecedência lógica da homologação em face da adjudicação.
3 NOÇÕES SOBRE A ADJUDICAÇÃO E A HOMOLOGAÇÃO
Já no tocante à adjudicação, costuma-se entender ser este o ato pelo qual a autoridade atribui o objeto da licitação a eventual licitante, tido como detentor da proposta hábil a satisfazer o interesse público imiscuído na licitação. É declarado, pois, o vencedor do certame, condição esta que confere ao particular uma certa gama de direitos. Nas palavras de Dallari (2000, p. 174):
Enquanto na classificação se procede a um cotejo entre as propostas, na adjudicação é dada a um licitante a especialíssima condição de vencedor do certame, condição essa que, em princípio, deve ser respeitada e que somente em situações muito especiais, diante de expressa motivação e cabal justificativa, poderá vir a ser desconstituída.
Algumas importantes consequências da adjudicação são elencadas por Meirelles (1994, p. 139), relevando considerar aqui as seguintes: a) a aquisição do direito de contratar com a Administração por meio da proposta apresentada e aprovada no certame; b) a vinculação do adjudicatário a todos os encargos estabelecidos no instrumento convocatório[2]; c) a sujeição do adjudicatário às penalidades previstas no edital em caso de convocação para o contrato, e o mesmo não celebrar, injustificadamente, a avença; d) o impedimento de a Administração contratar com pessoa diversa o objeto licitado; e) a liberação dos demais licitantes dos encargos provenientes do certame; e, por fim, f) o direito de não ser preterido em face dos demais licitantes quando a Administração se dispuser a contratar.
Por estas últimas considerações, já se pode perceber que a adjudicação, de fato, é posterior à homologação, no que resulta na adoção da sequência exposta no art. 43, VI, da Lei 8.666/93. E isto porque o conteúdo jurídico e os efeitos decorrentes da adjudicação são por demais importantes para conceber o seu exercício pela Comissão de Licitação. Atribuir o objeto que se está licitando, reconhecendo o pleno atendimento ao interesse público, ao nosso sentir, parece transbordar os limites da competência atribuída legalmente ao órgão julgador.
A este último, por certo, se reserva a possibilidade de julgar as propostas em conformidade com o edital, classificando-as e posicionando-as do primeiro ao último lugar. Finalizada esta atividade, no entanto, parece existir o exaurimento de sua competência, restando à autoridade superior aferir a lisura do certame e da contratação, e, em caso de juízo positivo quanto a estes determinantes, a atribuição do objeto ao primeiro colocado da lista firmada pela Comissão de Licitação. Um exemplo trazido por Justen Filho (2010, p. 604) ajuda na compreensão deste posicionamento:
Suponha-se a licitação para executar uma obra de grandes dimensões. A homologação confirma que a classificação adotada pela Comissão foi correta e que a proposta classificada em primeiro lugar era, dentre as examinadas, a mais vantajosa. A adjudicação significa um pronunciamento acerca da proposta vencedora. A Administração não se preocupa mais em cotejar a proposta vencedora com as demais, pois verifica que atende suas necessidades e exigências. A adjudicação é a proclamação formal de que, além de ser a vencedora, uma determinada proposta atende às conveniências e necessidades da Administração e que a contratação administrativa será realizada com o adjudicatário.
Traçadas as noções acerca dos atos de adjudicação e homologação do procedimento licitatório, passa-se a exposição do posicionamento adotado neste artigo.
4 A ADJUDICAÇÃO COMO ÚLTIMO ATO DO CERTAME LICITATÓRIO
Após as lições esposadas no tópico anterior, conclui-se que não há e sequer poderá existir, nos termos do art. 43, VI, da Lei 8.666/93, uma adjudicação anterior à homologação. Não se pode, simplesmente, entregar o objeto da licitação, e, por sua vez, conferir uma ampla gama de direitos ao particular, para sujeitar, após, esta decisão a uma autoridade superior. A decisão acerca da legalidade e da conveniência da contratação por esta autoridade é parte integrante do procedimento licitatório e necessariamente deve ser exercida antes da atribuição do objeto ao particular.
Melhor assumir, assim, que antes de entregar o objeto da licitação a um vencedor, a Administração não só pode, como deve realizar juízo de controle sob o certame. Sob este viés, se afigura evidente a precedência lógica da homologação em face da adjudicação, sendo este o último ato formal do procedimento administrativo previsto no Estatuto Geral de Licitações e Contratos Administrativos.
Mas que se registre aqui, por fim, uma última advertência. Em que pese todos os comentários acima delineados, não se quer, com esta breve exposição, procurar uma diferenciação extrema de ambos os institutos. Justamente por cada figura estudada estar imersa em um procedimento administrativo, não se deve levar ao absoluto tais diferenciações.
No caso da homologação e adjudicação, esta interdependência se faz ainda mais evidente. Mais do que figuras jurídicas relacionadas, são, a homologação e a adjudicação, atos administrativos complementares (JUSTEN FILHO, 2010, p. 804). E complementares no sentido de que o primeiro pressupõe e desemboca no segundo. Como aqui se defende, apenas se entrega um objeto licitado a um particular após realizada a homologação do certame.
Assim, nada obstante representarem atos administrativos distintos e de funções diferentes para o término da licitação pública, estão intrinsecamente imbrincados, inter-relacionados, quase que se apresentando como um só ato. Daí porque Justen Filho pontua mais uma vez com extrema clareza: “não há cabimento em homologar-se o resultado sem, como conseqüência, adjudicar o objeto ao vencedor” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 804). A junção destes dois atos administrativos, por sua vez, põe fim à atividade no processo administrativo em estudo.
5 CONCLUSÕES
Diante de todo o exposto, conclui-se que, com base no entendimento de que os efeitos da adjudicação são por demais importantes para atribuir a sua competência à Comissão de Licitação, e, ancorado na ideia de que não há sentido em se atribuir o objeto da licitação ao particular para depois se realizar exame da existência de fato superveniente ou de irregularidade ocorrida no certame, com o que poderia ser suprimido o objeto do suposto adjudicatário, entendemos pela precedência da homologação à adjudicação, sendo este último o ato final do prélio.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Vade Mecum Saraiva. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DALLARI, Adílson Abreu. Aspectos Jurídicos da licitação. 5ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1989.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.
_____________. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010.
_____________. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. São Paulo: Forum, 2011.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2006.
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994.
[1] Talvez o mais interessante deste comentário de Dallari (2000) é a consideração de que, da leitura obrigatória da obra de Meirelles, o qual julga ser o doutrinador que o impeliu a considerar que a adjudicação acontece antes da homologação, depreende-se que o reportado autor defende a posição contrária: a adjudicação é tratada de forma subseqüente à homologação, sendo esta última pressuposto daquela. Para aprofundamento sugere-se a leitura das ps. 137 a 139, da sua monografia Licitação e Contrato Administrativo (1994, p. 137/139).
[2] Ao tratar deste requisito, o jurista apõe que além dos encargos previstos no edital, o particular também se vincula àqueles previstos em sua proposta. Acontece que, se o edital é a lei da licitação e a esta está a Administração vinculada, não pode a proposta do particular transbordar o quanto previsto no instrumento convocatório, classificando-o em primeiro lugar por força de proposta assim formulada. Entendemos que estes encargos prometidos na proposta do particular violam, por sua vez, o princípio da vinculação ao edital, previsto no caput do art. 3° da Lei 8.666/93. Por estas razões suprimimos, propositadamente, esta parcela do escólio do doutrinador.
Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Fernando Filgueiras de. O último ato do procedimento administrativo licitatório: homologação ou adjudicação? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46182/o-ultimo-ato-do-procedimento-administrativo-licitatorio-homologacao-ou-adjudicacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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