RESUMO: Em que pese haja mais de uma modalidade de sucessão post mortem no direito civil brasileiro, o crescente desuso na atualidade da modalidade de sucessão testamentária faz com que os operadores do direito deixem de aprofundar seus estudos sobre esta modalidade de sucessão que, muitas vezes, melhor atende aos interesses do autor da herança, já que permite a esse dispor de parte de seu patrimônio para depois de sua morte como entender melhor ou, quem sabe, mais justo. Desta forma, conhecer as espécies de sucessão, suas modalidades, assim como as características específicas de cada uma é que se pretende através do estudo esposado neste trabalho.
PALAVRAS CHAVE: Espécies de sucessão. Sucessão post mortem. Sucessão legítima. Sucessão testamentária.
INTRODUÇÃO
O direito sucessório brasileiro é regido por suas modalidades de sucessão: legítima e testamentária. A primeira comporta regras de natureza cogente, não abrindo margem a manifestação de vontade já que quando de sua aplicação não é possível fugir do que estritamente definido na lei. Trata-se, pois, de modalidade de sucessão mais próxima a natureza de ato jurídico, onde não se há manifestação de vontade dos envolvidos, mas tão somente, incidência das disposições legais e produção dos efeitos que lhes são atinentes. A segunda, por sua vez, abre margem para que o autor da herança manifeste sua vontade no tocante à disposição de seu patrimônio para depois da morte, tendo, portanto, a natureza jurídica mais assemelhada a dos negócios jurídicos, incidindo sobre si, inclusive, o regime das nulidades civis.
1 ESPÉCIES DE SUCESSÕES PÓS-MORTE
A sucessão tem por finalidade dar continuidade à relação jurídica de propriedade patrimonialmente valorada com a transmissão dos bens do de cujus para os seus sucessores.
Por expresso comando constitucional, as dívidas do falecido não são repassadas aos herdeiros, senão até o limite do patrimônio transmitido para esses na sucessão.
Existem dois tipos de sucessão em caso de morte, a sucessão testamentária no caso de o falecido ter deixado disposição de última vontade quanto ao seu patrimônio e a legítima que advém dos preceitos legais, cujas disposições devem ser estritamente observadas. Resumidamente, a sucessão pode ser legítima ou testamentária.
Assim dispõe o artigo 1.786 do Código Civil:
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.
Também neste sentido ensina Washington Monteiro de Barros:
Efetivamente, o art. 1.786 do Código Civil de 2002, a exemplo do que dispunha o de 1916, preceitua que “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”. Prevista se acham, neste dispositivo legal, as duas formas de sucessão do nosso ordenamento jurídico, a legítima, resultante da lei, e a testamentária, decorrente do testamento. (MONTEIRO, 2003, p.10).
Vejamos em separado cada uma delas com as suas definições e principais características.
2 SUCESSÃO LEGÍTIMA
A sucessão legítima, também conhecida como sucessão ab intestato ou ainda não testamentária, é aquela decorrente das disposições legais. Não havendo testamento, necessariamente a sucessão será legítima, passando o patrimônio do falecido na ordem da vocação hereditária às pessoas indicadas pela lei, chamados herdeiros (CAHALI, 2003, p. 28). Regra geral, a presença uma classe de herdeiros mais próxima por vínculos hereditários ou legais com o autor da herança conforme enumeração legal exclui a classe subseqüente da partilha.
Sobre esse tipo de sucessão, Washington de Barros assim se pronuncia:
Se não há testamento, se o falecido não deixar qualquer ato de última vontade, a sucessão é legítima ou ab intestato, deferido todo o patrimônio do de cujus às pessoas expressamente indicadas pela lei, de acordo com a ordem de vocação hereditária (CCB, art. 1829). Assim estabelece o art. 1788: ‘morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo. A essas hipóteses acrescenta-se a revogação do testamento (MONTEIRO, 2003, p.9).
Em outras três hipóteses a sucessão também será realizada pelas disposições da legítima. Primeira, quando em seu ato de última vontade o autor da herança não dispõe da integralidade de seus bens, isto é, consta parte deles em testamento e sobre outra parte nada manifesta. Segunda, caso houver caducidade do testamento ou, por fim, se o testamento for considerado nulo. Nesse caso, a sucessão será deferida na ordem legal de vocação hereditária às pessoas expressamente indicadas no art. 1.829 do CC. Sucessão legítima, portanto, é a que é deferida por determinação legal (MONTEIRO, 2003, p. 9).
Preceitua o art. 1.829 do CC:
Art. 1.829 - A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III- ao cônjuge sobrevivente;
IV- aos colaterais.
A partilha do patrimônio do autor da herança é realizada por classes, havendo hierarquia de preferência da primeira em relação às demais que lhe estão abaixo, da segunda em relação às demais que lhe estão abaixo e assim por diante, de acordo com a ordem hierárquica de parentesco estabelecida pela lei. Há uma presunção de que a relação escalonada de preferências na ordem de vocação hereditária seria o desejo do autor da herança.
Assim, o artigo 1.829 do Código Civil adotou a seguinte ordem de preferência no chamamento à herança: descendentes, ascendentes, cônjuge e colateral até o quarto grau, sendo que o cônjuge concorre com descendentes, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou com os ascendentes, em não havendo descendentes (TARTUCE, 2012, p. 1275).
Na falta de todos os herdeiros listados nos incisos do art. 1.829 ou de companheiro ou em caso de renuncia de todos eles, o direito sucessório será transmitido ao Município ou ao Distrito Federal. Os bens passam ao domínio do Poder Púbico por meio de sentença declaratória de vacância dos bens após cinco anos da abertura da sucessão.
Vale ressaltar que o Poder Público não é considerado herdeiro, não lhe sendo reconhecido o direito de saisine que decorre do conhecido Princípio da Saisine segundo o qual a herança transmite-se automaticamente no momento da abertura da sucessão, ou seja, no momento da ocorrência do evento morte. Por isso, não entra na posse e propriedade da herança pelo fato da abertura da sucessão, mas sim por força de sentença. (CARVALHO, 2002, p. 74).
3 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
Testamento pode ser definido como negócio jurídico solene pelo qual alguém, nos termos da lei, dispõe de seus bens, no todo ou em parte, para depois de sua morte (CAHALI, 2003, p. 28).
Neste sentido dispõe o artigo 1.857 do Código Civil:
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
Há maior número de artigos regulamentando a sucessão testamentária do que a sucessão legítima em nossa lei civil.
Em síntese, a sucessão testamentária é conduzida pelo testamento, sendo que este instrumento pode contemplar herdeiros, que sucedem a título universal, ou legatários, que sucedem a título singular.
Além disso, o testamento assume natureza de negócio jurídico por se tratar de uma declaração de vontade que produz efeitos jurídicos, ainda que post-mortem. Assume também o caráter de instrumento solene, pois somente pode ser escrito e sempre atendendo as formalidades previstas na lei, sob pena de ser declarado inválido (GAMA, 2006, p. 364).
Há limites ao direito de testar. O autor da herança tem grande liberdade, mas a lei impõe limites a serem observamos em favor dos herdeiros necessários.
É neste sentido o texto do artigo 1.846 do Código Civil:
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
É possível que o testamento contenha cláusulas extra-patrimoniais, como é a cláusula que reconhece a paternidade ou estabelece determinações sobre o funeral via testamento, porém, a regra, é que se disponha via testamento de bens patrimoniais do autor da herança (Código Civil, artigos 1.857, 1.609, III e 1.634, IV).
Merecem destaque, ainda, as seguintes características do testamento (RODRIGUES, 2002, p. 145).
Primeira. O testamento é revogável. Seu autor pode se arrepender e mudar alguma disposição testamentária ou mesmo revogá-lo por completo. Assim dispõe o Código Civil:
Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo.
Vale anotar, inclusive, que não é possível ao autor da herança renunciar o direito de revogar o testamento, sobretudo porque este instrumento de disposição de últimas vontades apenas produz efeitos após a sua morte (TARTUCE, 2010, p. 296).
Segunda. O testamento é ato pessoal, ou seja, só o autor da herança pode testar, de modo individual e exclusivo, não se admitindo testamento por terceiros, ainda que com procuração. Também não se admite testamento feito em comunhão por duas ou mais pessoas. Neste sentido é a norma do Código Civil (GAMA, 2006, p. 365):
Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo.
Também é característica do testamento a possibilidade de dispor que filhos não concebidos até a morte do testador podem também adquirir parte de seu patrimônio se houver previsão, desde que o testador indique a pessoa que conceberá seu filho e esta esteja viva quando da abertura da sucessão. Integram este rol os filhos nascidos por reprodução assistida. Assim estabelece a previsão legal do Código Civil:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
4 CONCLUSÃO
Com base das definições, conceituações e características das modalidades de sucessão descritas acima, podemos concluir que na legislação brasileira, a sucessão patrimonial não se reduz à sucessão legítima, uma vez que, ainda que em desuso, a sucessão testamentária conta com ampla regulamentação legal e, muitas das vezes, vem de encontro aos interesses do autor da herança, possibilitando-lhe manifestá-los através de sua disposição de última vontade.
5 REFERÊNCIAS
CAHALI, F. J., Curso Avançado de Direito Civil: Direito das Sucessões. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, p. 28, 2003.
CARVALHO, L. C. P., Saisine e astreinte. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: v. 802, 2002.
CARVALHO NETO, I. Introdução ao direito das sucessões. In: Cassetari, Christiano; Menin, Márcia Maria (Coords.). Hironaka, Giselda M. Novaes (Org). Direito das Sucessões. v. 8, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
GAMA, R. Dicionário Básico Jurídico. Editora Russel. Campinas, 2006.
MONTEIRO, W. B. Curso de Direito Civil: direito das sucessões. Editora Saraiva, São Paulo, p. 1-32, 1998.
MONTEIRO, W. B. Curso de Direito Civil Direito das Sucessões. Editora Saraiva, São Paulo, ed 35, v.6, p. 9-10, 2003.
RODRIGUES, S. Direito Civil. Editora Saraiva. São Paulo. Ed 25, v.7, p.3-25. 2002.
TARTUCE, F. Manual de Direito Civil – Volume Único. Editora Método. São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HORACIO, Lincoln. Espécies de Sucessão no Direito Civil brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46202/especies-de-sucessao-no-direito-civil-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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