RESUMO: O presente artigo apresenta um estudo acerca da inexistência de direito adquirido do servidor público com a possível alteração abstrata do regime jurídico aplicada aos servidores públicos, com exceção da irredutibilidade salarial.
PALAVRAS-CHAVE: Regime Jurídico dos Servidores Públicos. Alteração. Inexistência de Direito Adquirido. Irredutibilidade de vencimentos ou subsídio.
ABSTRACT: This article presents a study on the lack of entitlement of public servants with the possible abstract change the legal regime applied to civil servants, with the exception of salary irreducibility.
KEYWORDS: Legal Regime of Public Servants. Change. Acquired absence of law. Irreducibility of salary or allowance.
1 INTRODUÇÃO
Nas reformas constitucionais, um tema que sempre provoca acalorosos debates é acerca da extensão da garantia constitucional do direito adquirido e, sobretudo, dos limites da aplicação desta aos direitos dos servidores públicos. Assim, com relação a este tema, algumas assertivas têm se mostrado correntes, tais como a que diz que o servidor público não tem direito adquirido à manutenção de regime jurídico ou de que considera adquirido o direito para cujo exercício o servidor preencheu todos os requisitos necessários à época da vigência da lei que a instituía.
Tais assertivas têm como exemplos a possibilidade de alteração do regime de aposentação, extinção de direitos do servidor, como a licença-prêmio e adicionais de tempo de serviço. Assim, somente após o servidor preencher todos os requisitos impostos em Lei, o instituto jurídico incorporar-se-á ao patrimônio do mesmo, tornando-se imutável, sob o primado do direito adquirido.
Entretanto, se não há o preenchimento dos requisitos, existe apenas a perspectiva de se alcançar a incorporação do instituto, podendo haver modificação constitucional ou legislativa tendente a abolir do ordenamento, sem que haja ofensa ao direito adquirido de mantença de determinado instituto jurídico ao servidor.
Dessa maneira, é importante frisar que tais alterações do regime jurídico imposta ao servidor público impede a Administração de proceder diminuição dos vencimentos ou do subsidio, consoante a sua estrutura remuneratória, consoante preceituado pelo artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal de 1988.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico e que, por essa razão, não há direito adquirido a inalterabilidade de um determinado regime legal de composição dos vencimentos, desde que a alteração introduzida preserve o seu montante global, de forma a não ferir o princípio da irredutibilidade dos vencimentos, previsto no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal.
Essa interpretação, solidamente consolidada no seio do Excelso Pretório, obviamente não é nova. Já há mais de cinqüenta anos, no RE 24362-DF, o STF já decidira que o funcionário público não tinha direito adquirido à manutenção do regime estatutário vigorante ao tempo de sua investidura. Eis o teor do acórdão:
“AUTARQUIA. REGIME DE ACESSO DE SERVIDORES. ALTERABILIDADE POR CONVENIENCIA DO SERVIÇO. NÃO SE VERIFICA OFENSA A QUALQUER TEXTO LEGAL, COM O PROCLAMAR O ACÓRDÃO SUB-CENSURA O PRINCÍPIO DE QUE O FUNCIONÁRIO PÚBLICO NÃO TEM DIREITO ADQUIRIDO A MANUTENÇÃO DO REGIME ESTATUTARIO VIGORANTE AO TEMPO DE SUA INVESTIDURA.” (STF, RE 24362/DF, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator Min. RIBEIRO DA COSTA, Julgamento: 26/08/1954, Órgão Julgador: Primeira Turma, DJU 02/12/1954, pág. 14.907, EMENTÁRIO VOL-00196-02, PP-00615)
O entendimento acima esposado se embasa no fundamento de que a relação jurídica entre o servidor público e ente estatal não é de natureza contratual, não decorre de vontade das partes e não se submete a livre negociação de valores salariais (ou tais negociações se restringe as lindes traçadas pela lei) ou regime de trabalho. Os direitos, deveres e o regime de trabalho não são definidos por meio de acordo de vontades. Cuida-se, com efeito, de relação jurídica estatutária, que advém, portanto, de uma lei (estatuto) e, por essa razão, é impessoal. O regime jurídico não é, pois, de propriedade individual do servidor, não se incorpora ao seu patrimônio.
O professor Paulo Modesto inclusive nos ensina acerca do tema:
“É pacífica a jurisprudência dos tribunais superiores quanto à inexistência de direito adquirido a regime jurídico por parte dos servidores públicos ocupantes de cargo público. Diz-se, nestes casos, que a relação jurídica que o servidor mantém com o Estado é legal ou estatutária, ou seja, objetiva, impessoal e unilateralmente alterável pelo Poder Público. A disciplina geral da função pública é considerada inapropriável pelo servidor público e, portanto, tida como sujeita a modificação com eficácia imediata tanto no plano constitucional quanto infraconstitucional.”(Reforma Administrativa e Direito Adquirido, Revista Diálogo Jurídico, Ano I, vol. I, nº 8)
As condições de desempenho das atribuições do cargo são dispostas em lei e, portanto, cogentes, tanto para os servidores quanto para a Administração Pública. Modificações ulteriormente efetuadas por leis são unilateralmente impostas pelo Estado em razão das conveniências impessoais de interesse público, com aplicação imediata e atingem todos os servidores enquadrados em suas disposições, respeitadas as garantias constitucionais. [1]
Pelas mesmas razões, não há também direito adquirido a regime jurídico que disponha sobre a composição dos vencimentos dos servidores, desde que respeitada a irredutibilidade na forma do art.37, inciso XV, da Constituição Federal. O direito à percepção dos vencimentos só se adquire com a realização do trabalho sob a regência do estatuto vigente. As vantagens permanentes relativas ao cargo e as pro labore faciendo (pelo trabalho a ser feito) podem sim ser alteradas pela lei superveniente, sem que se lhes possa contrapor alegação de direito adquirido a esta ou aquela vantagem.
Assim, as vantagens pecuniárias (gratificações e adicionais) podem ser reduzidas ou absorvidas pelo vencimento básico, desde que vinculadas apenas aos cargos, ou que, conforme esclareceu Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo,1993, pág. 130) “qualquer que neles esteja preposto as receberá pelo fato de exercê-los, sem que, para tanto, tenha que concorrer alguma circunstância ou incidente associável aos particulares eventos da vida funcional do agente ou às invulgares condições de trabalho em que preste sua atividade.”
Nesse sentido, novas tabelas de vencimentos dos cargos podem absorver as parcelas anteriormente percebidas pelos servidores; pode-se também reenquadrá-los sob novos padrões, reposicioná-los na estrutura administrativa e superveniência deste novo regime de natureza reestruturatória não necessita observar ou preservar enquadramento anteriores, nem nomenclatura de cargos ou competência atributiva (desde que observada a compatibilidade com o grau de escolaridade exigido no ingresso – CF, art.37, inciso II), desde que a eventual modificação introduzida pelo ato legislativo superveniente preserve o montante global dos vencimentos e, em conseqüência, não provoque decesso pecuniário, inexistindo direito adquirido à irredutibilidade de cada parcela recebida pelo exercício de um cargo, e sim à irredutibilidade dos vencimentos, considerados de forma no seu todo.
No entanto, se não há direito adquirido[2] a regime jurídico do servidor, forçoso reconhecer que o regime jurídico dá ensejo a situações pessoais em que direitos se adquirem, pessoalmente ou por interposta pessoa, de maneira que passam a integrar o patrimônio jurídico do servidor de forma definitiva, de forma que não podem ser modificados por arbítrio alheio.
Por oportuno, citamos aqui que, na análise pelo STF do Mandado de Segurança n° 24.875/DF, onde se discutia se as vantagens pessoais dos Ministros aposentados do STF estavam sujeitas ao teto constitucional, o Ministro Ayres Britto interveio, quando o Ministro Gilmar Mendes afirmara que não haveria direito adquirido a determinado regime jurídico, para acrescentar oportunamente “que efetivamente não há direito adquirido a um dado regime jurídico e, sim, direito adquirido no interior de todo e qualquer regime jurídico.”
Observe-se que na dicção da Lei de Introdução ao Código Civil, o direito adquirido é aquele que seu titular pode exercer, por não lhe faltar nenhuma das condições estabelecidas pela lei para seu exercício. Seu titular preencheu todas as exigências, inclusive aquelas que só o seriam exigíveis depois de determinado tempo, certa formalidade, condição ou termo.
No regime jurídico dos servidores existem disposições legais que contém requisitos que, uma vez preenchidos, dão ensejo a direitos que, uma vez incorporados ao patrimônio individual do servidor, não podem ser prejudicados por lei posterior que altere o referido regime jurídico, a teor do que determina o art. 5ª, inciso XXXVI, da Constituição Federal, isto se dá, principalmente, nas vantagens pro labore facto (por serviços já realizados) e vantagens deferidas ex facto temporis (em razão do tempo trabalhado).
O insuperável e saudoso Professor Hely Lopes Meirelles já asseverava que “...as vantagens irretiráveis do servidor só são as que já foram adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto), ou pelo transcurso do tempo de serviço (ex facto temporis)...” (Direito Administrativo Brasileiro, 1996, 21ª ed. p. 406).
Os exemplos se multiplicam: o art.87 do Regime Jurídico da União (Lei Federal 8.112/90), dispunha que após cada qüinqüênio ininterrupto de exercício, o servidor faria jus a três meses de licença, a título de prêmio por assiduidade, com a remuneração do cargo efetivo. A licença-prêmio, nos moldes em que era concedida, foi revogada pela Lei n° 9.527, em 1997. Obviamente, os servidores federais abrangidos pelo regime jurídico modificado, não puderam se insurgir contra essa revogação posto que, como explicado, não há direito adquirido a vantagens e benefícios previstos no regime jurídico. Entretanto, os servidores que, antes da revogação da licença-prêmio, já tinham preenchido todos os requisitos exigidos para a sua fruição, mesmo que ainda não a tivessem gozado, não foram atingidos pela revogação, em relação ao tempo anterior à promulgação da lei revogadora, porque já eram titulares de direito adquirido, incorporado ao seu patrimônio, nos termos e condições estabelecidos na lei revogada.
A jurisprudência uníssona também reconhece ao titular de uma vantagem pessoal o direito de não tê-las retiradas do seu patrimônio jurídico, inclusive quando muda de cargo dentro da mesma Administração. Vejamos os precedentes:
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MAGISTRADO. PERCEPÇÃO DE QUINTOS JÁ INCORPORADOS. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Os quintos incorporados antes do ingresso na magistratura tornam-se vantagens pessoais insuscetíveis de serem retiradas do patrimônio jurídico de seus beneficiários.
2. Precedentes.
3. Recurso provido.”
(STJ, SEXTA TURMA, RMS 19798/DF, relator Ministro NILSON NAVES, relator p/acórdão Ministro HAMILTON CARVALHIDO, julgado em 09/10/2007, publicado no DJU de 04/08/2008)
“RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. "QUINTOS" ADQUIRIDOS EM ATIVIDADE ANTERIOR AO EXERCÍCIO DA JUDICATURA. DIREITO ADQUIRIDO. PRECEDENTES.
I - "Consoante entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, tendo os interessados adquirido o direito à incorporação dos "quintos" em razão do exercício de cargo em comissão, o ingresso na magistratura não lhes restringe tal vantagem, nem mesmo sob a invocação do art. 65, § 2º da LOMAN, pois não se trata de concessão de vantagem, e sim de manutenção de um direito adquirido, nos moldes da garantia constitucional." Precedentes.
II - O reconhecimento do direito à incorporação de vantagens pessoais não inviabiliza a aplicação da Resolução nº 14, de 21.03.2006, do e. Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre o teto remuneratório a que se refere o artigo art. 37, XI, da Constituição Federal, com a nova redação estabelecida pela Emenda Constitucional nº 41/03.
Recurso especial provido.”
(STJ, QUINTA TURMA, REsp 846653/DF, rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 23/08/2007, publicado no DJU de 01/10/2007, p. 359)
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. TRANSFORMAÇÃO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA EM DEFENSORIA PÚBLICA. ADICIONAL DE ESTABILIDADE FINANCEIRA. VANTAGEM PESSOAL DO SERVIDOR. SUPRESSÃO DA VANTAGEM INCORPORADA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO.
1. O Agravante não trouxe argumento capaz de infirmar as razões consideradas no julgado agravado, razão pela qual deve ser mantido por seus próprios fundamentos.
2. As vantagens pessoais, uma vez incorporadas pelo servidor público, integram seu patrimônio jurídico, não podendo ser suprimidas por posterior legislação, sob pena de frontal ofensa ao direito adquirido.
3. Não se trata, na espécie, ao contrário do concebido pelo Agravante, de manutenção de antigo regime jurídico, o que, aí sim, seria inconcebível, mas de preservação de vantagem pessoal incorporada definitivamente ao patrimônio jurídico do servidor público.
4. O fato de haver sido conferido ao servidor o direito de opção não supre a inconstitucionalidade da determinação de supressão das vantagens pessoais definitivamente incorporadas ao patrimônio do servidor optante.
5. Agravo regimental desprovido.”
(STJ, QUINTA TURMA, AgRg no RMS 16297/PE, rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em 09/03/2006, publicado no DJU de 03/04/2006, p. 368)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. QUINTOS INCORPORADOS. SUPRESSÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que os chamados "quintos”, uma vez incorporados, tornam-se vantagens pessoais, insuscetíveis de serem retiradas do patrimônio de seus beneficiários.
2. Agravo regimental improvido.”
(STJ, SEXTA TURMA, AgRg no RMS 19834/DF, relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Processo nº 2005/0054289-1, julgado em 09/12/2005, publicado no DJU 06/02/2006, p. 320)
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MAGISTRADO.INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES COMISSIONADAS. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DIREITO ADQUIRIDO. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento segundo o qual aqueles que obtiveram incorporação de quintos por exercício de função comissionada têm direito ao recebimento dessa vantagem, ainda que tenha ingressado posteriormente na magistratura. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN não pode se sobrepor a um direito adquirido. Precedentes.
2. Recurso especial conhecido e provido.”
(STF, REsp 766739/DF, QUINTA TURMA, RECURSO ESPECIAL, 20050116985-6, relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, julgado em 06/12/2005, publicado no DJU de 03/04/2006, p. 404)
Para que não se alegue leviandade, citamos a seguir alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe:
“Reexame Necessário. Ação Revisional de Proventos da Inatividade. Aposentadas dos quadros da Fundação Renascer. Preliminares. Ilegitimidade passiva ad causam. Possibilidade jurídica do pedido. Rejeitadas. Mérito. Supressão de vantagem pessoal. Aplicabilidade do art. 2º parágrafo único da Lei Estadual nº5279/04. Observância do art. 5º XXXV e art. 37 XV da Constituição Federal de 1988. Ofensa aos princípios da irredutibilidade de vencimentos e segurança jurídica no que tange ao pedido formulado por uma das autoras. Inexistência de provas que embasem a pretensão das demais demandantes referentes à incorporação do Adicional de Desempenho rogado, na forma da legislação de regência e conseqüente ofensa ao princípio da irredutibilidade dos seus respectivos vencimentos.Possibilidade de mudança no regime jurídico de remuneração destas demandantes. Aplicabilidade do art. 333 inciso I do Código de Processo Civil. Sucumbência recíproca caracterizada. Observância do art. 21 caput do Código de Processo Civil. Reforma parcial da sentença reexaminada. Precedentes jurisprudenciais.
(TJSE, 1ª Câmara Cível, REEXAME NECESSÁRIO Nº 0119/2007, Origem: 12ª VARA CíVEL DA COMARCA DE ARACAJU, Relator: DESA. CLARA LEITE DE REZENDE, Julgado em 07/04/2008) grifamos
Do bem elaborado voto da Decana da Casa citamos, por ser absolutamente pertinente, o seguinte excerto:
“É bem ver que na hipótese em apreço, a sistemática advinda com a questionada Gratificação de Atividade Funcional provoca uma paulatina e real minoração dos vencimentos daquela autora com o passar do tempo, em razão do congelamento de parcela vencimental anteriormente percebida vinculada ao seu vencimento básico, razão pela qual consideramos plausível a argumentação pertinente à ofensa ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos, consubstanciado no art. 37 inciso XV da Constituição Federal de 1988.”
............................................
“Corroborando o nosso pensar, elucidativo é o precedente adiante colacionado oriundo do Supremo Tribunal Federal, cuja votação unânime no Recurso Extraordinário nº 204860/SE, abordou de forma específica o tema em questão, relativa a mudança de regime jurídico de remuneração, mediante a substituição de parcela mutável, de acordo com o valor de vencimento básico, por outra parcela vencimental de valor fixo, estabelecido por lei posterior:
“Vencimentos - Irredutibilidade. Implica transgressão ao princípio da irredutibilidade de vencimentos a supressão de parcela calculada a partir de percentagem incidente sobre o salário básico e a satisfação em valor nominal, como vantagem pessoal, afastada a reposição do poder aquisitivo.”
(STF, RE 204860/SE, Recurso Extraordinário, Relator: Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 28/11/2000, Segunda Turma, Publicação: publicado no DJU de 04/05/2001)”
Na ocasião assentou o eminente ministro relator que:
“....decorre da moldura fática delineada soberanamente pela Corte de origem que a citada gratificação veio a ser suprimida.Reconheceu-se , é certo que, o direito de aqueles que a alcançaram virem a perceber-lhe o valor nominal, que permaneceria congelado, tudo ocorrendo a título de vantagem pessoal. Pois bem, esse procedimento da administração pública revelou, a mais não poder, a existência de situação jurídica devidamente constituída. Todavia, não se observou, de forma harmônica com a Carta da República, considerando especialmente o princípio da irredutibilidade remuneratória, tal quadro.É que se procedeu ao reconhecimento de maneira parcial, ou seja, abandonando-se os parâmetros da gratificação, no que prevista na base de quarenta por cento do vencimento-básico, para tomar-se o valor nominal à época da supressão praticado, esvaziado a seguir com o congelamento. O caso reflete menosprezo á segurança jurídica, não se podendo enveredar por superada ótica, segundo a qual a administração pública é possível alterar, a qualquer momento, os padrões remuneratórios estabelecidos. Isso não se coaduna com o princípio da irredutibilidade dos vencimentos. Bem andou o Juízo ao acolher o pedido formulado”
Por fim, a nível federal, a questão não é diferentemente tratada, a Administração procurando suprimir, reduzir ou congelar vantagens pessoais e o Judiciário garantindo o direito adquirido pelo servidor:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO INFIRMADO NAS RAZÕES DO APELO NOBRE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LEI N.º 8.270/91. GRATIFICAÇÃO DE HORAS EXTRAS INCORPORADAS. TRANSFORMAÇÃO EM VANTAGEM PESSOAL NOMINALMENTE IDENTIFICADA – VPNI. SUPRESSÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
1. Inexistência, nas razões do apelo nobre, de insurgência no que tange ao fundamento segundo o qual não há qualquer fundamentação legal que autorize a supressão da vantagem quando da implantação do reajuste geral, incidindo a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal.
2. A Lei 8.270/91 não traz qualquer autorização expressa no sentido de que seja suprimida a Gratificação de Horas Extras Incorporadas, transformada em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada – VPNI – pela Lei 8.270/91. Precedente do STJ.
3. Agravos regimental desprovido.”
(STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp 921323/PB, rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em 07/10/2008, publicado no DJU de 03/11/2008)
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. TRANSFORMAÇÃO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA EM DEFENSORIA PÚBLICA. ADICIONAL DE ESTABILIDADE FINANCEIRA. VANTAGEM PESSOAL DO SERVIDOR. SUPRESSÃO DA VANTAGEM INCORPORADA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO.
1. O Agravante não trouxe argumento capaz de infirmar as razões consideradas no julgado agravado, razão pela qual deve ser mantido por seus próprios fundamentos.
2. As vantagens pessoais, uma vez incorporadas pelo servidor público, integram seu patrimônio jurídico, não podendo ser suprimidas por posterior legislação, sob pena de frontal ofensa ao direito adquirido.
3. Não se trata, na espécie, ao contrário do concebido pelo Agravante, de manutenção de antigo regime jurídico, o que, aí sim, seria inconcebível, mas de preservação de vantagem pessoal incorporada definitivamente ao patrimônio jurídico do servidor público.
4. O fato de haver sido conferido ao servidor o direito de opção não supre a inconstitucionalidade da determinação de supressão das vantagens pessoais definitivamente incorporadas ao patrimônio do servidor optante.
5. Agravo regimental desprovido.”
(STJ, QUINTA TURMA, AgRg no RMS 16297/PE, 20030064321-9, rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em 09/03/2006, publicado no DJ 03/04/2006, p. 368)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, como visto anteriormente neste estudo, não há direito adquirido com a supressão de direitos do servidor sem tê-lo incorporado ao seu patrimônio, uma vez que ainda há somente expectativa de direito, ou seja, o servidor público não tem direito a um regime jurídico imutável.
Sobrevindo modificações constitucionais ou legislativas, a ele cabe apenas a preservação do poder de compra, com a aplicação da irredutibilidade de vencimentos ou do subsídio, se o servidor não preencheu todas as condições para adquirir o direito a determinado instituto jurídico.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Significado Constitucional da Irredutibilidade de Vencimentos. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, vol. 28, 1999.
BRASIL. Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília-DF, 19/04/1991, P. 8269.
CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. 2ª edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes et. al. Direito Administrativo Brasileiro, 37ª edição, São Paulo: Malheiros, 2011.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 21º edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006.
MODESTO, Paulo. Reforma Administrativa e Direito Adquirido. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 8, novembro, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 06 de março de 2016.
[1] Segundo Seabra Fagundes “seria absurdo que se pretendesse imutáveis as regras disciplinadoras do serviço público, pois que essa imutabilidade tornaria o aparelho administrativo, dentro de alguns anos, imprestável à sua finalidade; a intangibilidade dos interesses privados do funcionário redundaria na impossibilidade da adaptação do mecanismo administrativo às novas exigências do serviço público.” (RT 34/276). Celso Antônio Bandeira de Mello, no entanto, ao discorrer sobre a inexistência de direito adquirido a regime jurídico em termos similares aos supra expostos, acrescenta que “isto não significa, todavia, que da relação de função pública jamais surjam direitos adquiridos para o funcionário em face do Estado. As próprias normas estatutárias podem figurar e figuram inúmeras vezes situações que se concretizam em favor do funcionário, consolidando direitos que se integram em seu patrimônio.” (Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, 2ª ed., pág. 21).
[2] Segundo Carlos Maximiliano, direito adquirido, é “o direito que se constituiu regular e definitivamente e a cujo respeito se completaram os requisitos legais e de fato para integrar no patrimônio do respectivo titular, quer tenha sido feito valer, quer não, antes de advir norma posterior em contrário” (Comentários à Constituição Brasileira, 5ª ed., pág. 49)
Segundo De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico, 1ª ed., vol. II, p.77) “Derivado de acquisitus, do verbo latino acquirere (adquirir, alcançar, obter), adquirido quer dizer obtido,já conseguido, incorporado.”
Bacharel em direito pela Universidade Tiradentes, pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguerra(UNIDERP. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Carlos Adolfo Costa Prado. Direito adquirido e alteração abstrata do regime jurídico dos servidores públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46208/direito-adquirido-e-alteracao-abstrata-do-regime-juridico-dos-servidores-publicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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