Resumo: O presente artigo tem por objetivo fazer uma breve análise sobre as teorias filosóficas e políticas à luz dos pensamentos da aclamada Hannah Arendt, que se tornou conhecida pelo simples fato de expressar suas ideias muito bem fundamentadas e abrir espaço para inúmeras discussões. Para tanto, a metodologia utilizada no presente trabalho é empírico-analítica, utilizando-se da revisão bibliográfica e documental. Concluindo na observância da criação de sólidos fundamentos por parte de Arendt a partir das ideias propostas por outros famosos pensadores, opondo-se a eles com maestria e deixando uma gama de reflexões com, praticamente, incontáveis ramificações.
Palavras-chave: Arendt; Nascimento; Condição Humana; Banalidade do Mal; A Vida do Espírito.
Introdução
Hannah Arendt viveu durante a 1ª e 2ª Guerra Mundial, acompanhou bem de perto o nazismo, teve um relacionamento secreto durante anos com Martin Heidegger – o que a auxiliou em algumas obras, pelo fato de posicionar-se contra seu próprio amante, além de ser possível afirmar que o mesmo foi seu “objeto de estudo” e de ter a influenciado parcialmente em sua linha de pensamento – e ter sido uma dos incontáveis refugiados judeus alemães, tendo em vista as atrocidades que os nazistas cometiam contra esse povo, além de, posteriormente, ter se tornado uma apátrida que buscou moradia e proteção jurídica nos EUA e logo após alguns anos foi naturalizada, após lá residir alguns anos ilegalmente. Arendt acompanhou o julgamento de Adolf Eichmann, o que a auxiliou na escrita de uma de suas famosíssimas obras (A banalidade do mal), porém, infelizmente, veio a falecer, deixando sua obra A vida do espírito incompleta, sendo a mesma lançada posteriormente.
1. Da vida e obra de Hannah Arendt (breves análises)
1.1 . Nascimento do ser
Arendt, como profunda admiradora, sempre citava em sua obra a seguinte frase de Agostinho de Hipona: “Para que houvesse um início o homem foi criado.” Tendo tal pensamento em vista, Hannah dizia que a partir do nascimento o ser vem ao mundo com o objetivo de demonstrar sua singularidade, mas para isso deve ser protegido durante seu crescimento, ou até mesmo, como analisado pelo autor Adriano Correia, protegido durante seu desenvolvimento.
Para ela, o nascimento salva o mundo das ruínas, pois prossegue com o ciclo infindável da vida, com nossa capacidade de agir e, continuamente, começar algo novo. Arendt acreditava que “o fato decisivo determinante do homem como um ser desejante foi a morte ou a mortalidade” (ARENDT, 1996, p.51).
Esse fato decisivo leva o indivíduo a sentir a necessidade de demonstrar e utilizar seus dons e habilidades, no intuito de afirmar a singularidade proposta por Arendt, mesmo que no meio de uma coletividade, contribuindo, assim, para o próprio desenvolvimento humano.
1.2 . Judaísmo
Arendt era filha de pais provenientes de famílias judias russas que, posteriormente, emigraram para Königsberg (sua cidade natal), Alemanha. Ela também era judia, mas não demonstrava tal amor, pois, como ela mesma disse, ela nunca “amou” uma coletividade, acreditava apenas no amor por pessoas próximas (familiares e amigos).
Esta declaração foi feita em resposta a Gershom Scholem – estudioso moderno do misticismo judaico –, que a acusava de não amar o povo de que ela mesma fazia parte, alegando que ela renegava uma parte de si mesma, renegava sua origem. Após Arendt publicar sua manifestação, os dois não voltaram a entrar em contato.
1.3 . Apátrida
Em 1933, Hannah Arendt fugiu da Alemanha tendo como infeliz fato propulsor o nazismo, que perseguiu judeus, homossexuais, ciganos, comunistas etc.
Como apátrida ela perdeu todos seus direitos, deixou de estar sob a tutela do Estado e nos leva à seguinte indagação: a perda dos direitos positivos é sinônimo de deixar os direitos humanos de lado, consequentemente, fazendo com que o apátrida se torne um nada? Onde estão os direitos espontâneos, básicos e inerentes ao ser e à sua dignidade?
Tendo isso em vista seria possível propor a criação de um Código Internacional que vise, pelo menos, a proteção – mesmo que mínima – e a dignidade do apátrida, a partir do momento que, mesmo sem direitos positivados e regulamentados formalmente, ele também é um ser humano assim como os que estão sob a imposição e proteção de normas estatais.
1.4 . A condição humana
Uma renomada obra de Arendt é a A condição humana, na qual a filósofa...
...já anuncia que seu propósito não era fornecer respostas teóricas às perplexidades do nosso tempo, mas pensar no que estamos fazendo e reconsiderar a condição humana a partir de nossas experiências e nossos temores mais recentes. Isso significa, antes de tudo, considerar as implicações das transformações operadas no domínio político e da vitória do animal laborans, da conversão do trabalhador em modelo do humano, para a compreensão da vida humana e para o domínio público. (CORREIA, 2007, p. 41)
Quando ela se refere à compreensão da vida humana – ou exame da vida activa –, ela sugere três termos: as condições de existência humana, as atividades humanas e a localização dessas atividades.
Para Arendt, uma das condições é a vida, a partir do nascimento até a imprevisível e temida morte. As atividades humanas são o trabalho (labor) – produz tudo que é vital para o homem –, a fabricação (work ou fabrication) – que produz um mundo artificial de coisas não ligadas ao ambiente natural. É importante ressaltar que o planeta já existia, entretanto, o mundo foi criado pelo homem; é a satisfação das necessidades básicas inerentes ao ser humano, como o simples ato, porém necessário, de escovar os dentes, alimentar-se e banhar-se – e a ação – é a única prática realizada entre os homens que não depende de matéria, que possui como veículo a palavra.
O que garante a durabilidade do mundo é a atividade do fabricante (homo faber), que visa à satisfação das necessidades vitais humanas. Há também o animal laborans, que sobrepõe o consumo sobre o uso.
“A vitória do animal laborans traduz o apequenamento da estatura e dos horizontes do homem moderno, para quem a felicidade se mostra como saciedade, e não como grandeza ou perfeição” (CORREIA, 2007, p.48).
Pode-se concluir que a partir dessa afirmação feita por Adriano Correia baseando-se em Arendt, tal saciedade é a infeliz e profundamente enraizada cultura da necessidade do ser por status, resumindo-se em alegria – ou não – momentânea. Isso traduz a natureza competitiva do ser que, mesmo sendo inerente a ele, é negativa e destrutiva.
Tal destruição torna-se perceptível e ainda mais embasada quando se afirma que:
“...uma sociedade de consumidores possivelmente não é capaz de saber como cuidar de um mundo e das coisas que pertencem de modo exclusivo ao espaço das aparências mundanas, visto que sua atitude central em relação a todos os objetos, a atitude de consumo, condena à ruína tudo em que toca.” (CORREIA, 2007, p. 48)
1.5 . A banalidade do mal
Segundo Arendt, o mal pode ser evitado através do pensamento, uma vez que temos consciência de nossos atos e suas possíveis consequências. Também é possível estabelecer uma ligação entre pensamento e moralidade, visando a capacidade do ser de discernir o bem do mal.
Para ela, o “mal radical” kantiano, seria a concretização de males considerados extremos ou até mesmo inimagináveis. Porém, com o passar do tempo, Arendt considera essa expressão não muito ampla e prefere utilizar o termo “banalidade do mal”, pelo fato do mal estar presente em todos os seres, além de usar como exemplo Adolf Eichmann – responsável pelo extermínio de milhões de pessoas no Holocausto, principalmente dos judeus; ela usa esse exemplo pelo fato de ter acompanhado o julgamento dele e por ter observado que não ele não era uma pessoa insana (isso poderá ser visto mais claramente no filme intitulado Hannah Arendt, que tem como ideia central a cobertura desse julgamento) –, que era considerado uma pessoa normal, assim como todos.
Através disso, é visível que para praticar um ato considerado horrendo, não é necessário que o indivíduo seja estupidamente intelectual e/ou, exclusivamente, tenha mau-caráter. O mal e seu verdadeiro perigo encontram-se nas pessoas “terrível e assustadoramente normais” (CORREIA, 2007, p. 51).
Na introdução da obra A vida do espírito, Arendt retoma a ideia que propôs em A Banalidade do mal ao dizer que “os homens maus agem por inveja, [...], pela fraqueza, [...]. Ou ainda, ao contrário, pelo ódio poderoso que a maldade sente pela pura bondade [...] ou pela cobiça” (ARENDT, 2000, p. 5).
É inegável que o mal se encontra dentro de todos os seres, além de poder vir a ser praticado de diferentes formas e intensidades. Hannah também demonstra as facetas que o ser possui e evidencia a difícil compreensão da mente humana, devido à sua imprevisibilidade e particularidades extremas.
1.6 . A vida do espírito
Para Arendt, a vida do espírito é o pensamento, é o diálogo estabelecido entre “eu e mim mesmo”, é uma espécie de “dualidade ligada à consciência”.
O pensamento é espontâneo – como um raio: primeiramente o vemos, para, posteriormente, escutarmos seu ruidoso e selvagem estrondo – e inerente, a partir dele, pois, libera-se um querer e, posteriormente – mas não necessariamente –, um juízo.
Além do mais, o pensamento é de natureza reflexiva e não contemplativa, ou seja, quando, por exemplo, apenas observamos uma obra de arte, estamos a contemplando devido à sua explosão de cores, até mesmo pelo fato de ser natureza-morta ou por ser confortável aos olhos admirá-la. Já quando observamos essa mesma obra e nos damos tempo para pensar sobre qual ideia ou mensagem ela deseja e/ou tem por objetivo exprimir, estamos refletindo, conversando com nós mesmos, abusando de nossa capacidade racional para melhor entendimento do que vemos.
É importante ressaltar que essa obra de Hannah Arendt não foi concluída devido à sua morte – 4 de dezembro de 1975, aos 69 anos – e, até os atuais dias gera calorosas discussões no intuito de criar hipóteses do que poderia ter sido escrito, tentando seguir sua linha de pensamento e, até mesmo, tendo embasamento em palestras, ministradas por ela, no intuito de estabelecer um possível raciocínio arendtiano.
Considerações Finais
Fazendo um apanhado das obras de Hannah Arendt, é possível afirmar que essa aclamada filósofa – ou até mesmo teórica política, como preferia ser chamada, mesmo sendo uma real e importantíssima filósofa – criou sólidos fundamentos a partir das ideias propostas por outros famosos pensadores, opondo-se a eles com maestria e deixou uma gama de reflexões com, praticamente, incontáveis ramificações.
Por ser ousada, assim como Nietzsche, Arendt tornou-se uma filósofa extratemporal e, dificilmente, suas rígidas teorias serão derrubadas por completo.
Em relação ao nascimento do ser e seu objetivo de mostrar sua singularidade – como ela mesma pregava –, Hannah Arendt deixou sua marca e mostrou-se única como indivíduo, contribuindo para a sociedade da forma que pôde e instituiu um legado de aspirantes a entendedores de suas perspicazes e extremamente muito bem fundamentadas obras.
Referências
ASSIS, Olney Queiroz. O dom na sociedade do "animal laborans". Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-dom-na-sociedade-do-animal-laborans/8646> (acessado em 05/02/2016)
ARENDT, Hannah. A vida do espírito, 4ª edição, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2000.
CORREIA, Adriano. Hannah Arendt, Coleção Passo a Passo, Jorge Zahar Editor Ltda, Rio de Janeiro, 2007.
Gershom Scholem. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/scholem/> (acessado em 20/02/2016)
MOREIRA, Pedro Alexandre. O direito a ter direitos como primeiro direito fundamental: Uma análise da situação dos apátridas a partir de Hannah Arendt. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19974/o-direito-a-ter-direitos-como-primeiro-direito-fundamental> (acessado em 05/02/2016)
Advogado. Pós-graduado em Ciências Criminais pela PUC/MG. Pós-graduando em Direito Penal Econômico Aplicado: Teoria e Prática pela PUC/MG. Membro de Institutos e Associações de Direito Penal e Procesual Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Vinícius Borges Meschick da. Breves análises do pensamento Arendtiano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46220/breves-analises-do-pensamento-arendtiano. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
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