Resumo: O presente artigo trata, de maneira sintética, do controle judicial da Administração Pública. A exposição tem início com a conceituação de controle judicial e a delimitação de seus objetivos e aspectos, segundo a doutrina nacional. Em seguida, passa-se à análise dos sistemas de controle existentes, enfatizando-se que, atualmente, apenas subsistem o sistema único e o sistema dual. Posteriormente, adentra-se na discussão acerca dos limites do controle judicial e, por fim, mencionam-se os meios disponíveis para o exercício de tal controle.
Palavras-chave: Controle judicial da Administração Pública. Estado Democrático de Direito. Princípio da separação de poderes. Sistema de jurisdição uma. Controle de legalidade. Ampliação dos limites.
1. Introdução
No Estado Democrático de Direito, o princípio da separação dos poderes não mais se revela um dogma absoluto, como era considerado no Estado Liberal.
A partir do século XIX, os ideais liberais de não intervencionismo estatal resultam em uma enorme crise econômico-social. Com isso, o Estado se vê obrigado a intervir em áreas nas quais não atuava. Assim, crescem os poderes da Administração e, consequentemente, a necessidade de vinculá-los aos limites da lei, para que não haja um retrocesso para o modelo de Estado Absolutista.
Esta exigência mais intervencionista por parte dos poderes constituídos resultou na instituição do sistema de “freios e contrapesos”. Nesses moldes, muitos países elaboraram diversos sistemas de controle. No Brasil, vigoram três sistemas: 1) o controle realizado pela própria Administração; 2) o controle exercido pelo Poder Legislativo; 3) o controle realizado pelo Poder Judiciário.
2. Conceito, objetivo e aspectos do controle judicial
O controle judicial é o exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário quando realiza atividade administrativa. Trata-se de um controle, via de regra, exercido a posteriori e mediante provocação, adstrito à conformidade do ato com a norma legal que o rege.
Tal controle veio se fortalecer entre nós com o advento da Constituição Federal de 1988, conforme previsão do inciso XXXV, do artigo 5º, que assim declara: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se do princípio da inafastabilidade da jurisdição ou princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário. Dessa forma, sempre que alguém tiver um direito violado ou ameaçado de violação, poderá recorrer ao Poder Judiciário e requerer providências, de modo a afastar uma lesão ou possibilidade de lesão a direito.
Juntamente com o princípio da legalidade, este controle constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito, pois, conforme ensina Di Pietro, “de nada a adiantaria sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados”[1].
O direito brasileiro adotou o sistema da jurisdição una, que concede ao Poder Judiciário o monopólio da função jurisdicional (só ele pode decidir em caráter definitivo).
O professor Diogenes Gasparini informa que o controle judicial é externo, provocado e direto. “É externo por se realizar por órgão que não integra a mesma estrutura organizacional da Administração Pública. É provocado porquanto só excepcionalmente o Judiciário atua de ofício. É direto porque incide, precípua e imediatamente, sobre os atos e atividades administrativas. Além disso, é, notadamente, repressivo, dado incidir sobre medida que já produziu ou está produzindo efeitos. Extraordinariamente, pode ser preventivo. É o que ocorre, por exemplo, com a ação declaratória, o habeas corpus e o mandado de segurança preventivos”[2].
O objetivo do controle judicial é o exame da legalidade do ato ou atividade administrativa, confirmando-os, em caso de legalidade, ou anulando-os, em caso de violação ao ordenamento jurídico. Não cabe ao Judiciário, portanto, analisar a conveniência e a oportunidade do agir administrativo, sendo-lhe vedado adentrar no mérito. Nesse sentido, vide precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR. ATO DE REDISTRIBUIÇÃO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. I - O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do servidor para as novas atividades. II - O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Precedentes. Segurança denegada[3]
ADMINISTRATIVO – ANISTIA – PROCESSO ADMINISTRATIVO – DEMORA NA APRECIAÇÃO – OMISSÃO. 1. É certo que não incumbe ao Judiciário adentrar no mérito administrativo substituindo o juízo de valor a ser proferido pela Administração Pública. Sem embargo, insere-se no âmbito do controle judicial a aferição da legalidade dos atos administrativos. Donde sobressai a necessidade de o Estado cumprir os prazos legais e regulamentares de tramitação e apreciação do processo administrativo, notadamente quando envolvem interesses de particular. 2. No caso presente, o processo perdura há mais de quatro anos; tempo suficiente a ensejar um pronunciamento da Administração Pública. O acúmulo de serviço não representa uma justificativa plausível para morosidade estatal, pois o particular tem constitucionalmente assegurado o direito de receber uma resposta do Estado à sua pretensão. Precedente: MS 10792/DF; Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 21.8.2006. Ordem concedida, para determinar que a autoridade coatora aprecie o processo administrativo do impetrante em 60 dias.[4]
A despeito disso, conforme se verá adiante, há controvérsia a respeito do limite do controle judicial sobre a Administração Pública. Há quem entenda que o Judiciário pode analisar os motivos, a finalidade e a causa do ato administrativo, sem que configure uma invasão no mérito. Tal entendimento vem sendo adotado pelos Tribunais, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça.
3. Sistemas de controle
Sistemas são os regimes de controle de legalidade dos atos administrativos adotados pelo Estado para conservá-los ou desfazê-los, em caso de vícios. A doutrina costuma distinguir três sistemas: o sistema da administração-juiz, o sistema único e o sistema dual. Atualmente, só os dois últimos persistem.
No sistema da administração-juiz, as funções de administrar e julgar estavam concentradas no mesmo órgão.
Já no sistema de jurisdição única, as funções de administrar e julgar são atribuídas a órgãos distintos, pertencentes a Poderes diversos. O Poder Judiciário é o responsável por dirimir todos os litígios, e o único competente para dizer o direito aplicável em determinado caso de forma imutável e definitiva, constituindo a coisa julgada.
Assim, o Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas apenas no tocante ao aspecto da legalidade e da moralidade.
O sistema de jurisdição dual ou dupla nasceu na França. Ele consagra duas ordens jurisdicionais: a que cabe ao Judiciário e a que cabe a um órgão do Executivo, denominado contencioso administrativo. Neste sistema, a Administração tem uma jurisdição própria e fora do Poder Judiciário, cabendo-lhe conhecer e julgar em caráter definitivo as lides em que a Administração Pública é parte ou terceira interessada, competindo ao Poder Judiciário a resolução das demais causas.
4. Limites do controle jurisdicional
Quanto aos limites do controle do Poder Judiciário, entende-se que este não deverá incidir sobre os aspectos que são reservados à apreciação subjetiva da Administração Pública, conhecidos como o mérito administrativo – conveniência e oportunidade.
No entanto, isto não exclui da apreciação judicial os atos discricionários, tendo em vista que a competência constitui matéria de legalidade, tão sujeita ao confronto da Justiça como qualquer outro elemento do ato vinculado. Assim, Hely Lopes Meirelles [5]afirma que o Judiciário deve examinar o ato discricionário primeiramente para verificar se realmente o é e, em segundo lugar, para apurar se a dita discricionariedade não desbordou para o arbítrio.
Neste ponto, a doutrina diverge quanto à fixação de um limite para a apreciação judicial dos atos administrativos. Alexandrino e Paulo [6]consideram que o Judiciário não pode invalidar a escolha feita pelo administrador - resultado de sua valoração de oportunidade e conveniência administrativas - e os elementos motivo e objeto desses atos - que formam o chamado mérito administrativo. Di Pietro, por sua vez, entende que “não há invasão de mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário”[7]. Neste sentido também é o posicionamento do STJ:
Nada há de surpreendente, então, em que o controle judicial dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e insuperavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio - e, de resto fundamental - pelo qual se pode garantir o atendimento da lei, a afirmação do direito. (...) Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária." (Celso Antônio Bandeira de Mello acerca dos atos discricionários e seu controle, in Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 15ª Edição, páginas 395/396 - 836/837).[8]
5. Meios de controle jurisdicional
Os instrumentos de controle judiciário ou judicial dos atos administrativos de qualquer dos Poderes são as vias processuais de procedimento ordinário e sumário ou especial de que dispõe o titular do direito lesado ou ameaçado de lesão para obter a anulação do ato ilegal em ação contra a administração pública.
São esses meios que proporcionam aos órgãos jurisdicionais o controle da legalidade dos atos e atividades administrativos, sendo os principais, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança individual, mandado de segurança coletivo, a ação popular, o mandado de injunção, a ação civil pública.
6. Conclusão
O controle judicial dos atos administrativos é instrumento que concretiza o princípio da separação de poderes e, portanto, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
O Brasil adota o sistema de jurisdição una, segundo o qual compete ao Judiciário decidir definitivamente as lides administrativas. Tal sistema coaduna-se com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Por fim, a questão mais relevante a ser mencionada em relação ao tema tratado é a evolução doutrinária e jurisprudencial no tocante aos limites do controle judicial. Inicialmente, entendia-se que o controle deveria sempre se restringir aos elementos vinculados do ato administrativo. Atualmente, já se admite que o Judiciário analise aspectos referentes aos motivos e a finalidade, posto que sua falsidade ou inexistência configuram flagrante ilegalidade. Louvável, pois, a evolução do entendimento, haja vista possibilitar maior controle contra as arbitrariedades.
Referências bibliográficas
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Atlas, 2013.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Atlas, 2013, p. 615.
[2] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 673.
[3] STJ - MS: 12629 DF 2007/0029109-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 22/08/2007, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 24.09.2007 p. 244 (destaque ausente no original).
[4] STJ - MS: 10478 DF 2005/0031960-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 28/02/2007, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 12/03/2007 p. 185 (destaque ausente no original).
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004.
[6] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Atlas, 2013, p.619.
[8] STJ - RMS: 20271 GO 2005/0105910-7, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 26/05/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/08/2009 (destaque ausente no original).
advogada, graduada em direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBUQUERQUE, Lorena Barros. Controle judicial da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46268/controle-judicial-da-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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