À luz do art.37, caput, da Constituição Federal, a Administração Pública deve ser guiada pelo princípio da eficiência. Em sintonia com esse mandamento nuclear, o Poder Público incorporou, para si, o fenômeno da terceirização.
Ocorre que não é a mera triangularização jurídica envolvendo tomador, prestador e trabalhador que irá garantir o sucesso desse sistema. Ao contrário, a opção pela terceirização, sem planejamento, pode ocasionar maiores problemas do que soluções, caso os direitos dos trabalhadores não sejam respeitados pelas empresas contratadas, o que desaguará em milhares de ações judiciais repercutindo também sobre a Administração.
A finalidade do presente artigo é buscar elaborar uma visão sistemática do tema, destacando a importância do modelo da terceirização na busca pela administração de resultados, estabelecendo os seus requisitos de validade e as formas de precauções que deve ter o administrador a fim de rechaçar a responsabilidade subsidiária.
Conforme a doutrina especializada[1][i], a terceirização apresenta-se como fenômeno típico do mercado globalizado e altamente competitivo, que aparece, em diferente intensidade, em quase todo mundo moderno.
Superficialmente, é a transferência de serviços a uma empresa especializada. O objetivo desta prática é fazer com que a tomadora do serviço concentre seus esforços em atividade que pertence, finalisticamente, ao seu desiderato, desincumbindo-se das atividades auxiliares, para que possa tornar-se mais eficiente, reduzindo, assim, seus custos de produção e aumentando seus lucros.
O intuito do instituto é, em suma, aumentar o foco na atividade empresarial desenvolvida teleologicamente pela empresa contratante, que procura aumentar sua especialização, com objetivo de aperfeiçoar seus resultados. Para tanto, flexibiliza seus recursos produtivos, delegando tarefas a outras empresas que poderão executá-las com maior agilidade.
Numa palavra: o fenômeno da terceirização busca resultados com maior eficiência.
Com fulcro nesse olhar, é que ela foi transportada para o setor público, em meados da década de 1960, mediante a edição do Decreto-Lei n. 200/1967[ii][iii], que no § 7°, do art. 10, previa a transferência de serviços operacionais a terceiros. Neste sentido:
Decreto-Lei 200/1967: Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. (...) § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
Andou bem o legislador, eis que, ao invés de envidar esforços em atividades de apoio administrativo (“atividades-meio”, ou seja, aquelas atividades que não tratam do objeto-fim específico do serviço público, como limpeza, segurança, manutenção, etc), a máquina pública concentra-se apenas em seu desiderato institucional.
É dizer: quando a Administração realiza a terceirização, ela envida seus esforços nas atividades principais de sua competência, desincumbindo-se daquelas meramente de apoio, evitando, assim, o crescimento descontrolado da máquina pública, com a importância de promover economicidade e melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis[iv].
Esse atuar vai ao encontro da chamada “Administração Gerencial”, que se apresenta como “uma nova forma de gestão da coisa pública, mais compatível com os avanços tecnológicos, mais ágil, mais descentralizada, mais voltada para o controle dos resultados do que o controle dos procedimentos”[v].
A eficiência é o critério central para que se legitime qualquer atuação administrativa, sempre na busca da otimização da produção, na melhor ponderação entre custos e benefícios, no uso racional dos recursos humanos, e da redução da máquina pública.
Portanto, a terceirização encontra fundamento no princípio da eficiência administrativa, expressamente previsto no art. 37 CF/88, segundo o qual se exige dos gestores públicos não apenas a utilização dos meios legais para a realização de sua competência institucional, mas que sejam utilizados os melhores meios legais para atingir tal desiderato, tendo como norte a perfeição, a presteza e o rendimento funcional.
Cada ente federal possui autonomia constitucional para promover sua organização administrativa e, nesse contexto, delimitar quais atividades serão objeto de terceirização de suas pessoas de direito público.
Ocorre que ainda não existe, de forma completa, um diploma normativo que discipline as regras sobre terceirização. É sabido que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 4330/04, que regulamenta a terceirização tanto no setor privado quanto no setor público, inclusive com proposta de sua implementação na atividade fim[vi] das empresas privadas e nas pessoas de direito privado da Administração.
Como ainda não houve o término do processo legislativo em comento, não se vai aqui discorrer sobre ele.
De qualquer modo, a legislação que regulamenta, ainda que de modo insuficiente, a terceirização, no âmbito da União, é o Decreto Federal n°. 2.271/97. A regulamentação dos demais entes será feita pelas regras estatais, distritais e municipais, nos limites de suas competências constitucionais.
O artigo 37, XXI, da Constituição Federal trata sobre o processo de licitação para contratação de serviços. A União editou a Lei 8.666/93 para regulamentar tal inciso. Assim, o artigo 6°, II, da referida Lei de Licitações conceitua serviços, que serão objetos da terceirização, como
[...] toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, vitais como, demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico profissionais.
O serviço objeto de contratação pela Administração Pública da União deverá ser de utilidade para a Administração, devendo-se afastar o processo de desestatização e a mera contratação de mão-de-obra.
O rol exemplificativo trazido pela norma permite a extração de características comuns. Todas as atividades descritas no inciso são instrumentais, de apoio administrativo e não burocráticas, ou seja, todas são atividades-meio (transitórias ou permanentes).
Atualmente, não é possível a terceirização em atividade-fim[vii] (burocrática) da Administração, ou seja, não poderá ser objeto do contrato de prestação de serviço aquelas atividades que estão inseridas na cadeia operacional produtiva permanente de competência do órgão público.
Aliás, o Decreto Federal 2.271/97 é bastante claro neste sentido. Senão vejamos:
Decreto 2.271/97.
Art. 1. No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
A partir daí, tem-se, como primeira limitação à Administração Pública para a realização da terceirização: não é possível terceirizar atividade-fim. E mais: como o poder público está submetido ao regime jurídico administrativo, é necessário que tais contratações nas atividades meios sejam submetidas ao devido procedimento licitatório, à luz do art. 37, XXI, da CF/88.
A segunda limitação diz respeito a ausência de subordinação que deve existir entre o tomador do serviço (Administração) e o empregado da empresa terceirizada.
Explicando melhor[viii]: na estrutura da terceirização do setor público, temos três participes: trabalhador, prestador (empregador do trabalhador) e tomador (Poder Público), que foram duas relações jurídicas distintas.
Uma delas ocorre entre o tomador e o prestador, mediante contrato administrativo; a outra se dá entre o prestador e o trabalhador, onde se forma o clássico contrato de emprego.
Percebe-se, pois, que inexiste relação jurídica entre o Poder Público e o trabalhador encarregado de prestar os serviços da atividade meio.
Assim, a prestadora de serviços deve colocar um preposto no âmbito da tomadora de serviços encarregado de dirigir e fiscalizar a prestação de serviços de seus empregados à tomadora. A prestadora detém o poder de comando e os seus empregados são a ela subordinados. Não se admite que a tomadora detenha essa posição.
A terceira e última limitação, cinge-se a ausência de pessoalidade. É que na terceirização, pouco importa ao tomador as características pessoais do trabalhador que irá prestar as atividades. O importante é que o trabalho seja desenvolvido, sendo irrelevante quem o realiza.
Assim, caso haja a presença da subordinação ou pessoalidade na relação entre o Poder Público e o trabalhador, estar-se-á perante uma terceirização ilícita, o que gerará repercussões para Administração, a ser demonstrada adiante.
Responsabilidade primária é aquela que é imposta diretamente à pessoa jurídica ou física a que pertence o sujeito que ocasionou o dano. Por outro lado, responsabilidade subsidiária se verifica quando o responsável primário não possui condições para lograr reparação dos danos por ele provocados, havendo, nesse particular, descolamento da responsabilização para o garante secundário.
No que concerne ao Estado, a responsabilidade será primária quando o dano for causado por um dos seus órgãos ou agentes, devendo ser acionada a pessoa jurídica estatal vinculada ao agente ou órgão provocador do dano.
A responsabilidade será subsidiária quando a conduta lesiva for praticada por pessoas da Administração Indireta, por pessoas prestadoras de serviços públicos por delegação, como também por empresas que realizam obras e serviços públicos mediante contratos administrativos.
Nesses casos, a responsabilidade principal ou primária deve ser imputada a pessoa jurídica a que se vincula o autor da lesão. Porém, muito embora a impossibilidade de imputação de responsabilidade principal ao Estado, ele poderá ser acionado de forma subsidiária, quando o responsável primário não possuir solvência econômica suficiente para a reparação do prejuízo causado.
Na responsabilidade subsidiária, a obrigação apenas será transmitida ao garante secundário, se o responsável principal estiver em situação de insolvência. O devedor subsidiário poderá exigir que os bens do devedor primário sejam executados com preferência em relação aos seus.
Com efeito, existirá responsabilidade solidária quando houver pluralidade de sujeitos no pólo passivo da relação (correspondência horizontal), podendo se exigir a totalidade dos créditos a qualquer dos devedores, como se fossem um único.
Como se vê, ela difere da responsabilidade subsidiária, em que o lesado deve exigir a satisfação de seu crédito prioritariamente ao devedor principal, para só depois poder acionar o devedor subsidiário.
Ocorre, enfim, responsabilidade solidária quando a Administração concorre, por negligência ou por omissão administrativa, com a pessoa causadora do dano. Pode, nesse caso, ser demandada em conjunto com o agente causador do dano.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem caminhado no sentido de que o inadimplemento dos encargos trabalhistas aos obreiros terceirizados, por parte do prestador de serviços, não transfere ao Poder Público a responsabilidade pelo pagamento dessas verbas, salvo na excepcionalidade de ter a Administração atuado com culpa na escolha da empresa prestadora do serviço (culpa in eligiendo) ou na fiscalização do contrato (culpa in vigilando).
Pela importância do julgado que firmou esse entendimento, transcreve-se o teor de sua ementa:
EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, §1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. (STF, ADC 16. Min.
Com efeito, se houver o inadimplemento das verbas trabalhistas ocorridos na relação entre a empresa prestadora de serviços e seus empregados, durante a terceirização, esse fato não implicará, automaticamente, a responsabilidade para o setor público.
Alguns argumentos fundamentam esse entendimento:
(a) Não existe ingerência do Poder Público no contrato do prestador com seu obreiro;
(b) O Estado só pode ser responsabilizado quando é o próprio empregador inadimplente, diretamente vinculado ao trabalhador. É dizer: o risco do empreendimento é de quem conduz a atividade, ou seja, é do empregador prestador (artigo 2 ° CLT) e não do tomador de serviços;
(c) A imputação da responsabilidade à Administração vai de encontro à própria lógica de economicidade e eficiência que autoriza a terceirização no serviço público. Atribuir responsabilização ao ente estatal pelo mero inadimplemento do prestador, onera o tomador duplamente, além do dever de adimplir a obrigação contratual com o prestador, deverá solver os débitos trabalhistas que vinculam o terceirizado a empresa contratada e
(d) Em termos de responsabilidade civil perante o Estado, a teoria que prevalece é a do risco criado (risco administrativo), ou seja, não basta a comprovação do dano para que haja a responsabilização do poder público, sendo devido, ainda, a comprovação de conduta apta a ensejá-lo (nexo causal).
Indo ao encontro do que decidido pelo STF, na ADC 16/DF, o Tribunal Superior do Trabalho ajustou o inciso V, da Súmula 331, que passou a ter o seguinte teor:
Súmula 331:
(...)
V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
A partir do exposto, verifica-se que, de modo geral, a responsabilidade pelas verbas trabalhistas recairá perante a empresa prestadora dos serviços que contratou o trabalhador.
Excepcionalmente, ocorrerá a responsabilização do ente público tomador de serviços diante de sua omissão na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço, desde a fase licitatória até o término do contrato administrativo.
Mas, mesmo assim, é preciso demonstrar a culpa do Poder Público (responsabilidade subjetiva), o que impossibilita, de pronto, a possibilidade de existir responsabilidade objetiva em face da Administração.
Por fim, um alerta: o tema a respeito da responsabilidade subsidiária dos entes públicos na terceirização ainda não está completamente pacificado, haja vista que pende, no STF, análise da Repercussão Geral n. 246 (RE 760931, Min Rosa Weber), que irá decidir definitivamente a respeito dele, nos casos que não houve registro algum sobre culpa; em que esta foi presumida ou nas quais se adotou a tese da responsabilidade objetiva.
Conforme a Excelsa Corte, muito embora o julgamento da ADC 16/DF tenha ocorrido em data posterior ao reconhecimento da Repercussão Geral em comento, não há que se falar em prejudicialidade. À título de ilustração:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. SUPERVENIENTE JULGAMENTO DE PROCESSO OBJETIVO. EFEITOS.
1. No atual estado da jurisprudência, o reconhecimento da repercussão geral de determinada questão não é prejudicado nem tem seu julgamento concluído pela superveniente apreciação de processo objetivo sobre a mesma questão.
2. Nessa linha, à primeira vista, o julgamento da ADC 16 não implicou conclusão de mérito parcial do tema 246 da repercussão geral, devendo o Tribunal de origem manter o sobrestamento dos recursos extraordinários sobre a questão até apreciação do respectivo paradigma pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.
3. Medida liminar deferida. (MC Rcl 19907 DF - DISTRITO FEDERAL, Min. Luís Roberto Barroso, Dje 26/03/2015)
Nessa senda, é preciso aguardar o pronunciamento da Corte Maior, porque a partir dele, todos os outros processos sobrestados serão julgados de acordo com o novo entendimento.
Em que pese seja a responsabilidade da Administração excepcional e subsidiária, o fato é que há muitas decisões no âmbito trabalhista aplicando a responsabilização automática ao poder público, sob o fundamento genérico de que houve culpa in vigilando ou culpa in elegendo. Pior: exigindo-se do Poder Público a comprovação de que ele não se omitiu no seu dever de fiscalização.
A fim de evitar futuras condenações, o administrador deve procurar seguir algumas medidas acautelatórias.
Inicialmente, é preciso que a precaução já ocorra durante o procedimento licitatório. Com efeito, é sabido que no setor público, em regra, as obras, os serviços, as compras e as alienações devem ser contratados mediante processo de licitação pública no qual se assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento e exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (art. 37, XXI, da CF).
Assim, cabe à Administração Pública, ao contratar prestadores de serviços para a realização da terceirização na licitação, exigir, com fulcro no art. 27, IV c/c art.29, IV e V, da Lei 8666/93, prova da habilitação trabalhista consubstanciada na regularidade do FGTS e na Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT).
Com as referidas exigências, reduz-se ou mesmo afasta-se eventuais condenações subsidiárias da administração pública, repelindo-se a idéia de culpa in eligiendo.
Na fase contratual, de igual forma, deverá o poder público permanecer vigilante durante a execução do contrato, a fim de evitar a culpa in vigilando.
Para isso, é preciso sublinhar, em breves linhas, três medidas que deve ser utilizadas pelo Poder Público para preservar as condições financeiras do prestador (Lei 8666/93, art.27, III).
Destaca-se, inicialmente, a exigência de garantia do contratado (caução em dinheiro ou títulos da dívida pública; seguro garantia e fiança-bancária), previsto no artigo 56 da Lei 8666/93[ix].
Esta garantia se reveste como umas das prerrogativas (cláusulas exorbitantes) que a Administração possui para assegurar a adequada execução do contrato, na hipótese de o prestador de serviços (empresa contratada) perder as condições de solvência no adimplemento de suas obrigações, inclusive as trabalhistas.
Para melhor acautelar os direitos do Poder Público e dos trabalhadores terceirizados, outra garantia diz respeito ao instituto da conta vinculada, previsto no art. 19-A, caput e inc. I, da Instrução Normativa nº 02/2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - SLTI/MPOG.
Definindo os contornos do referido instituto, assim pronunciou-se o parecerista da Advocacia da União[x]:
“(...) a conta vinculada não equivale a um fundo de reserva e, por conseguinte, não representa uma garantia imprevista na legislação, o que a tornaria ineludivelmente inexigível, mas uma forma diferenciada de pagamento, na qual os valores que se destinam ao pagamento de décimo- terceiro salário, férias e rescisão contratual aos trabalhadores terceirizados são separados pelo ente público contratante dos valores de outras verbas trabalhistas e depositados' em uma conta bancária distinta, que só poderá ser movimentada pela empresa contratada quando "da ocorrência dos eventos previstos nas alíneas a e b do inciso I do art. 19-A, acima transcrito.”
Com efeito, trata-se de excelente ferramenta que tem caráter dúplice: um de cunho social, resguardando as verbas alimentícias dos trabalhadores terceirizados; outro de proteção ao erário, porque rechaça qualquer conduta omissiva por parte do Poder Público.
Por fim, como terceira medida acautelatória, tem-se o pagamento direto, que ocorre diante do inadimplemento de verbas rescisórias após 2 meses do encerramento da vigência do contrato. Inteligência do art.19-A, IV, da Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 2/2008. Eis o seu teor:
Art. 19-A. O edital deverá conter ainda as seguintes regras para a garantia do cumprimento das obrigações trabalhistas nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra: (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013):
IV - a obrigação da contratada de, no momento da assinatura do contrato, autorizar a Administração contratante a reter, a qualquer tempo, a garantia na forma prevista na alínea “k” do inciso XIX do art. 19 desta Instrução Normativa; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013).
Art. 19. Os instrumentos convocatórios devem o conter o disposto no art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, indicando ainda, quando couber:
XIX - exigência de garantia de execução do contrato, nos moldes do art. 56 da Lei no 8.666, de 1993, com validade durante a execução do contrato e 3 (três) meses após o término da vigência contratual, devendo ser renovada a cada prorrogação, observados ainda os seguintes requisitos: (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
k) deverá haver previsão expressa no contrato e seus aditivos de que a garantia prevista no inciso XIX deste artigo somente será liberada ante a comprovação de que a empresa pagou todas as verbas rescisórias trabalhistas decorrentes da contratação, e que, caso esse pagamento não ocorra até o fim do segundo mês após o encerramento da vigência contratual, a garantia será utilizada para o pagamento dessas verbas trabalhistas, conforme estabelecido no art. 19-A, inciso IV, desta Instrução Normativa, observada a legislação que rege a matéria.(Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
Mas para que seja realizado o pagamento direto, deve o poder público possuir a documentação necessária ao correto adimplemento das verbas trabalhistas do prestadores de mão de obra terceirizadas, o que deve ser feito com a cooperação da empresa prestadora.
Diante de falhas, inconsistências ou excessos da documentação fornecida pela contratada ou no caso de completa omissão, não resta outra opção senão ajuizar ação de consignação de pagamento, a ser movida na Justiça do Trabalho, conforme decidido recentemente pelo STJ[xi].
Cumpre ressaltar que todos esses 3 formas de garantia estão previstas na IN IN/SLTI/MP Nº 02/2008 e em sintonia com o Acórdão nº 1214/2013 - TCU - Plenário, datado de 22/05/2013.
Portanto, embora com previsão expressa para a Administração Pública Federal, os institutos da conta vinculada e pagamento direto devem ser reproduzidos para os demais níveis federativos, a fim de não só evitar futuras ações na justiça do trabalhista em face do Poder Público, como também para salvaguardar os interesses dos trabalhadores.
Por todo o exposto, verifica-se a complexidade que rege o tema da terceirização.
Se é certo que a Administração Pública deve primar pelo princípio da eficiência no seu atuar, para obtenção de resultados, não menos certo é que esse agir requer também a observância de cautelas, tanto para a preservação do direitos do trabalhadores de mão de obra terceirizada, como para evitar responsabilização subsidiária do Poder Público, caso atue com omissão na fiscalização durante a licitação (culpa in eligiendo) ou no contrato administrativo (culpa in vigilando).
Diante do vácuo legislativo que rege o tema, coube aos tribunais (principalmente STF e TST) definir alguns requisitos para que a terceirização seja desenvolvida de forma lícita. Nesse contexto, teve protagonismo o julgado da ADC 16/DF, no qual a Excelsa Corte destacou a impossibilidade de responsabilização automática do Poder Público, no caso de inadimplemento de verbas trabalhistas.
O tema, todavia, não se encontra exaurido, haja vista que permanece em análise do Supremo Tribunal Federal o RE 760931, Min Rosa Weber (Repercussão Geral n. 246), que definirá os contornos da reponsabilidade subsidiária do Poder Público.
Enquanto não se conclui o julgamento, algumas prudências já vem sendo tomadas pela Administração Pública Federal para evitar futuras ações com responsabilidade subsidiária, conforme se destacou, brevemente, com a análise dos institutos da conta vinculada e pagamento direto.
Interessante que essas medidas acautelatórias sejam observadas pelos demais entes federativos, o que se revela como excelente estratégia a garantir a execução célere das atividades institucionais (atividades fins) dos entes públicos, que é, como visto, a razão de ser da terceirização.
[i] AMORIM, Helder Santos. AMORIM, Helder Santos. A terceirização no serviço público: à luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr, 2009, p.34.
[ii] Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
(...)§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
[iii] Atualmente regulamentado pelo Decreto Federal n. 2.271/1997.
[iv] art. 2°, III, Decreto 2.271/97.
[v] Pereira Bresser apud Marcelo Alexandrino. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito dministrativo/Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo. 18.ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.132.
[vi] É preciso destacar que a Lei 6019/74 permite a terceirização da atividade fim, desde que seja de modo temporário e nas condições por ela prevista: acréscimo de serviço e substituição de pessoal permanente.
[vii] É preciso sublinhar que o conceito de atividade fim, no âmbito das relações privadas, está para ser decidido no STF, no julgamento do ARE 713211 RG, Min. LUIZ FUX, Dje 15/05/2014.
[viii] Neiva, Rogerio. Direito e Processo do Trabalho-Aplicados à Administração Pública e Fazenda Pública. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2012, p.63.
[ix] Lei 8666/93. Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que previsto no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras”
[x]PARECER NQ 73/2013/DECOR/CGU/AGU, página 15. Disponível em http://www.google.com.br/url?url=http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/22980242&rct=j&frm=1&q=&esrc=s&sa=U&ei=P8l_VKv5CcGYgwSd3YKoCA&ved=0CBQQFjAA&usg=AFQjCNH4tnANPAEFdAcF8frw0NwC4fLYTg Acesso em: 22 de fev. de 2016.
[xi] STJ. 2ª Seção. CC 136.739-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 23/9/2015 (Info 571)
AMORIM, Helder Santos. A terceirização no serviço público: à luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr, 2009.
ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo/Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo. 18.ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
Neiva, Rogerio. Direito e Processo do Trabalho-Aplicados à Administração Pública e Fazenda Pública. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2012.
PARECER NQ 73/2013/DECOR/CGU/AGU. Disponível em http://www.google.com.br/url?url=http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/22980242&rct=j&frm=1&q=&esrc=s&sa=U&ei=P8l_VKv5CcGYgwSd3YKoCA&ved=0CBQQFjAA&usg=AFQjCNH4tnANPAEFdAcF8frw0NwC4fLYTg Acesso em: 22 de fev. de 2016.
Advogado (2011- 2015). Graduado em Direito pela UFPB (2005-2010).. Ex-assessor do Procurador Geral do Estado da Paraíba (2015). Atualmente, é Oficial de Justiça, no TJPE. Autor do Livro "A PARTICIPAÇÃO JUDICIAL NA EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS". 1ª ed. João Pessoa: Editora Idea, 2014. Aprovado dos concursos: Procurador da Assembléia Legislativa da Paraíba- 14º Lugar; Procurador do Município de Recife- 56º Lugar; Analista Judiciário-Execução de Mandados-Tribunal Regional Federal-5 Região- 26º Lugar, entre outros;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUSTAVO AFONSO GONçALVES, . Visão sistemática da terceirização: fundamentos, requisitos, responsabilidades e medidas acautelatórias para evitar a responsabilidade da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46306/visao-sistematica-da-terceirizacao-fundamentos-requisitos-responsabilidades-e-medidas-acautelatorias-para-evitar-a-responsabilidade-da-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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