RESUMO: O presente artigo busca analisar o direito à informação como instrumento de completude da democracia, sobretudo quando inserido nos contornos jurídicos do Estado moderno e nos documentos internacionais já assinados sobre o tema. Enfatiza-se a importância do debate e do livre acesso às informações na conscientização da proteção ao meio ambiente, trazendo-se um panorama legislativo sobre o tema no Brasil.
Palavras-chave: Meio ambiente. Democracia. Direito à informação.
1 - Introdução
Ao longo da evolução do Estado e sua ligação com o Direito, a preocupação com a proteção do meio ambiente tem se tornado bastante frequente, sobretudo nas últimas décadas, com o despertar das nações para a escassez dos recursos naturais e a grandeza dos impactos causados pela atividade humana habitualmente devastadora. O surgimento de movimentos sociais articulados marca o início dessa atenção diferenciada com a saúde do meio ambiente e com a busca do desenvolvimento sustentável, refletida notadamente na assinatura de pactos e acordos internacionais, além de inclusão da temática nas Constituições nacionais.
No Brasil, o legislador constituinte de 1988 elevou normativamente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado à condição de direito fundamental, através da redação do artigo 225 da Constituição Federal, status jamais alcançado no ordenamento jurídico. Isto é: equipara-o ao próprio direito à vida, à liberdade, à propriedade e aos direitos sociais e econômicos, a exigir do intérprete um panorama de relação eficiente entre eles, sem que ocorra um indesejável desprestígio constitucional de seus conteúdos.
Há que se buscar meios, portanto, para fomento da ampla participação pública na construção de políticas ambientais, de maneira que a implementação do desenvolvimento sustentável dependerá necessariamente do envolvimento ativo dos setores público e privado, pautados sempre na transparência das ações.
2 – O dever de transparência na administração dos recursos e o direito à informação ambiental
Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, até a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20), passando pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – ECO/92 e pela criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS) na ONU, o ser humano tem demonstrado uma inquietação crescente aos problemas naturais. O tema ganha bastante relevo porque umbilicalmente ligado ao estudo das produções industriais dos países, ao manejo de técnicas agrícolas sustentáveis, à existência de aglomerações de poluição nos centros urbanos e ao crescimento de polos de pobreza, sobretudo nos países menos desenvolvidos. Ou seja, o desenvolvimento econômico dos países e a erradicação da pobreza possuem relação direta como a forma como esses países enfrentam seus problemas ambientais e assim dialogam com a população.
A Conferência de Estocolmo (1972), por exemplo, proclamou que o homem é ao mesmo tempo criatura e construtor do seu meio ambiente que lhe dá sustento físico e lhe oferece a oportunidade de crescimento intelectual, moral, social e espiritual. Embora ainda realizada no campo teórico, consenso ideológico foi importante para encaixe da peça do ambientalismo nas ações de governo, o que era impensável há alguns anos no quebra cabeça da política mundial. Mais ainda: a discussão ganhou repercussão social, e trouxe consigo o nascimento de vários movimentos de lutas sobre a questão ambiental.
Sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável, conceito popularizado pelo chamado Relatório Brundtland de 1987 (Nosso Futuro Comum), constatou-se que a importância da satisfação das presentes necessidades e aspirações do homem sem que se reduza a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas. Muitos Estados e organismos internacionais o adotaram para marcar uma nova filosofia do desenvolvimento que combina eficiência econômica com justiça social e prudência ecológica.
Por sua vez, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20), que culminou em uma declaração final denominada de o “Futuro Que Queremos” (2012), reconheceu que a erradicação da pobreza é o maior desafio global que o mundo enfrenta hoje e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, havendo necessidade de uma melhor integração dos aspectos econômicos, sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável em todos os níveis, em todas as suas dimensões. O combate à pobreza, agora, entra também na pauta ambiental.
Ou seja, longe de se mostrar uniforme e estagnado, o estudo das questões ambientais foi se adaptando com os avanços da ciência, repercutindo nos compromissos internacionais e constitucionais existentes, e principalmente ajustando-se ao modelo democrático adotado em diversos países. Nessa perspectiva, impossível não relacionar a temática ambiental com o dever de transparência na administração dos recursos e o direito à informação da população, um dos pilares sob os quais se erguem e se sustentam as democracias constitucionais modernas.
Com efeito, uma das tendências mais fortes das democracias contemporâneas[1] é a abertura que elas estabelecem à vida da Administração Pública e ao cotidiano de suas ações, permitindo a participação dos cidadãos e da comunidade política, o que impõe necessariamente a busca de fórmulas que garantam o direito à informação dos administrados. Em matéria ambiental, sobretudo diante das consequências sociais diretamente envolvidas, esse direito se encontra ainda mais presente.
Pela sua própria história, percebe-se que a normatização ambiental tem uma das vertentes de sua origem nos movimentos reivindicatórios dos cidadãos e, como tal, é essencialmente democrático. O princípio democrático materializa-se através dos direitos à informação e à participação, sendo aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração das políticas públicas ambientais (ANTUNES, 2005, p. 80).
O direito à informação, com vinculação direta à sobrevivência da democracia, é tido como um direito de quarta geração. Dele depende a concretização da sociedade aberta ao futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo se inclinar no plano de todas as relações de convivência. O modelo que se constrói (pelo menos no plano das ideias) é de uma democracia direta, materialmente possível em razão dos avanços da tecnologia de comunicação e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. (BONAVIDES, 2007, p. 571).
Pautados no sistema constitucional português (Constituição Portuguesa de 1976), Canotilho e Moreira (1993, p. 189) asseveram que o direito à informação integra três níveis, quais sejam: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado. O direito de informar consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de difundi-las sem impedimentos, mas pode também revestir de forma positiva, enquanto direito a informar, ou seja, direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de recolha da informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito de ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação e pelos poderes públicos.
Essas ponderações se aliam ao princípio da transparência informacional do Estado, que se fundamenta na obrigação de que o poder público se obriga a informar (dever de informar) o conteúdo dos seus atos e as perspectivas e os resultados de suas ações, e o administrado possui a certeza de receber a informação correta (direito de ser informado). Em face disso, as informações precisam ser disponibilizadas para o domínio público, isto é, publicizadas (princípio da publicidade, artigo 37 caput da Constituição Federal)[2].
Há, sem dúvida, uma necessidade de participação democrática da população na defesa do meio ambiente equilibrado, o que só aguça o dever de transparência e publicidade das ações administrativas. À luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, da soberania popular e do meio ambiente equilibrado como dever da coletividade, é impossível que se construam ações socioambientais legítimas sem a participação direta da sociedade, ciente que esteja dos riscos envolvidos no empreendimento e dos ganhos oriundos de sua realização.
Os ensinamentos de Milaré (2012, p. 154) afirmam que a participação comunitária em matéria ambiental é tida como um princípio constitucional e encontra-se positivada no Direito brasileiro no art. 225 da CF, o qual estabelece que cabe não somente ao Poder Público, mas também à coletividade o dever de proteger e preservar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. De fato, o cidadão bem informado dispõe de valiosa ferramenta de controle social do Poder. Isto porque, ao se deparar com a informação e compreender o real significado da questão ambiental, o ser humano é resgatado de sua condição de alienação e passividade. E, assim, conquista sua cidadania, tornando-se apto para envolver-se ativamente na condução de processos decisórios que hão de decidir o futuro da humanidade sobre a Terra.
Não por outra razão, o documento final da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento conclama a participação popular na proteção do meio ambiente, de maneira que a melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. Essa participação pressupõe que cada indivíduo deva ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar de processos decisórios. Dessa forma, os entes públicos devem facilitar e estimular a conscientização e participação pública, colocando a informação à disposição de todos.
Em igual sentido, a Agenda 21 (Rio 2012) indica a necessidade de acesso à informação para a tomada de decisões e elaboração de planos de proteção ambiental, ao afirmar que, no desenvolvimento sustentável, cada pessoa é usuária e provedora de informação, considerada em sentido amplo, o que inclui dados, informações e experiências e conhecimentos adequadamente apresentados. A importância de informação surge em todos os níveis, desde o de tomada de decisões superiores, nos planos nacional e internacional, ao comunitário e individual, havendo sempre uma melhoria da disponibilidade de dados e de informações.
Na construção do Estado Democrático, conforme Morato Leite (2011, p. 24) informa que deve imperar um sistema legislativo que viabilize a coletividade a participar das decisões ambientais e obter informações indispensáveis à tomada de consciência e a emitir opiniões sobre o tema. Ou seja, é preciso que se criem meios para o debate público nos espaços sociais e para a interlocução direta de seus diferentes atores, em ordem a democratizar e amadurecer as discussões existentes sobre o tema.
Sob a ótica constitucional brasileira, o principio da informação ganha especial relevo dentro dos direitos e das garantias individuais, com os seguintes incisos pertinentes ao tema:
XIV- assegura a todos o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XXXIII- confere a todos o direito a receber dos órgãos públicos a informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
XXXIV- Garante a todos, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal.
Concretizando ainda mais esse princípio dentro da ótica ambiental, o Brasil deu importante passo na matéria com a Lei n.º 10.650/2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do SISNAMA. De acordo com o artigo 2º dessa lei federal, os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do SISNAMA, ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda sobre diversos aspectos, tais como planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental, planos e ações de recuperação de áreas degradadas, emissões de efluentes líquidos, produção de resíduos sólidos etc.
Nesse contexto, não se pode esquecer o papel dos entes do terceiro setor, formado pelos movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Associações, Cooperativas e Sindicatos, por meio do qual a sociedade civil ergue seu foco no interesse público, no bem comum, mas não estatal. Eles conseguem canalizar, defender e representar direitos não individuais – a exemplo do meio ambiente equilibrado –, conseguindo ampliar a representação e a legitimidade das decisões em processos que contam com sua participação. Em que pese as críticas sobre esses movimentos coletivos, sobretudo no que concerne à corrupção e ao desvirtuamento do compromisso de sua ações, eles têm prestado significativa contribuição na solução de problemas emergentes.
3 – Conclusão
Enfim, à luz da previsão constitucional de gestão compartilhada do meio ambiente e da efetiva transparência das ações públicas, os diversos atores sociais, sejam eles individuais e coletivos, públicos ou privados, devem encontrar no caminho estreito do diálogo as soluções para a degradação do meio ambiente. A identificação das melhores estratégias para a construção do desenvolvimento sustentável não pode ficar a mercê dos ventos que sopram nas ideologias unilaterais desse ou daquele que está momentaneamente no poder. O modelo de democracia participativa, pautado na transparência pública, na soberania popular e na pluralidade das decisões, exige um compromisso democrático multicolorido, de modo a permitir que a população saiba dos riscos e das consequências de suas ações no campo ambiental, materializando o conteúdo do direito à informação.
4 – Referências
AGENDA 21. Disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/agenda21.pdf. Acesso em 12 de Setembro de 2014.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Estado de Direito. In: Cadernos Democráticos. Nº. 7. Lisboa: Gradiva, 1998.
CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE HUMANO, Estocolmo, 1972. Relatório da Delegação do Brasil à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente - Volume II - Estocolmo, 72. Brasília (DF), 1971.
HABERMAS, Juergen. Três modelos normativos de democracia. São Paulo: Loyola, 2004.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
RIO +20 - Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - Rio de Janeiro, Brasil , 20 a 22 de Junho de 2012. Tradução: Júlia Crochemore Restrepo. Texto em português: 12 de agosto de 2012
[1] HABEMAS discorre sobre as diferenças e semelhanças das variada formas de sociedade aptas à realização do ideal democrático, chamando-as de forma republicana e forma liberal de democracia, além de apresentar uma nova proposta (forma deliberativa) (2004, p. 280).
[2] Segundo BANDEIRA DE MELO (2002, p. 94), o princípio da publicidade consagra o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.
Assessora Jurídica da 1ª Circunscrição Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, Especialista em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci de Santa Catarina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Aline Pecorelli da Cunha. O dever de transparência na Administração e o direito à informação ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46331/o-dever-de-transparencia-na-administracao-e-o-direito-a-informacao-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
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