Resumo: O presente artigo apresenta um estudo acerca do princípio da continuidade dos serviços públicos, analisando as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais que envolvem a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nesta seara, tecendo, ainda, considerações a respeito da possibilidade de interrupção do serviço público em virtude do inadimplemento do usuário.
Palavras-chave: Serviço Público. Continuidade. Código de Defesa do Consumidor. Interrupção. Inadimplemento.
1- Introdução
Em virtude de o Estado assumir o papel de promover e satisfazer os direitos fundamentais dos cidadãos, bem como pelo fato de a população apresentar, de forma permanente, a necessidade de usufruir de certas comodidades, o serviço público deve ser prestado com continuidade, sem interrupção[1].
Daí decorre a exigência de que a prestação do serviço público seja regular. O Estado ou o delegatário do serviço público deve prestar o serviço de forma adequada e regular, de acordo com as normas aplicáveis à espécie, respeitando-se, ainda, os termos do contrato de concessão, quando for o caso. Convém lembrar, neste ponto, que apesar da finalidade privada da concessão ser a obtenção de lucro, ganha relevo sua finalidade pública, que é a prestação de um serviço adequado aos usuários.
Não se pode concluir, todavia, que a prestação de todo e qualquer serviço público deva ocorrer diariamente, em período integral, sem qualquer interrupção. Apenas nos casos em que a população necessita permanentemente da disponibilidade do serviço, como, por exemplo, nos casos de distribuição de água ou serviços de saúde em hospitais, é que sua prestação deve ocorrer de forma ininterrupta. Do contrário, havendo apenas necessidade relativa da população, o serviço pode ser prestado em dias e horários pré-definidos pelo Poder Público, como ocorre no caso de quadras de esportes e museus.
Com efeito, tratando-se de expressão com textura aberta, não é simples determinar com precisão quais e em que medida ou graus são essenciais os serviços públicos. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por exemplo, em seu art. 22, determina que os serviços essenciais sejam prestados de forma contínua, porém não esclarece o que seriam esses serviços.
Por sua vez, o art. 10 da lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos empregados regidos pela Consolidação das Leis do trabalho, aponta como serviços considerados essenciais: o (I) “tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis”; (II) “assistência médica e hospitalar”; (III) distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos”; (IV) “funerários”; (V)” transporte coletivo”; (VI) “captação e tratamento de esgoto e lixo”; (VII) “telecomunicações”; (VIII) “guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares”; (IX) “processamento de dados ligados a serviços essenciais”; (X) “controle de tráfego aéreo” e (XI) “compensação bancária”.
Importante notar que a continuidade pode deixar de ser observada em algumas situações, na forma autorizada pela legislação. Nessa direção, o art. 6°, § 3°, da lei 8.987/95 assevera não configurar descontinuidade do serviço a interrupção levada a efeito em situações de emergência ou, após aviso prévio, quando (I) “motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações” ou (II) “por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”.
Em relação à aplicação concreta do princípio da continuidade, pretende-se discutir mais adiante a polêmica possibilidade de interrupção dos serviços públicos em caso de inadimplemento do usuário. Antes de chegar ao cerne da controvérsia, e sem pretender esgotar os assuntos, parece de fundamental importância analisar mais detidamente a aplicabilidade ou não do CDC (lei nº 8.078/90) ao regime dos serviços públicos, bem como as diversas ponderações que envolvem a matéria, o que passaremos a fazer a seguir.
2- Serviços públicos e o CDC
Segundo leciona Alexandre Santos de Aragão[2], há uma teoria pela qual a relação entre o cidadão e o prestador do serviço público é de direito privado e outra que sustenta ser a mesma de direito público, tendo o direito positivo pátrio adotado um posicionamento misto em relação à categorização jurídica do usuário do serviço público.
De fato, dúvidas não há quanto à aplicabilidade do CDC aos serviços públicos. Isso porque, o art. 7° da lei n° 8.987/95 dispõe expressamente que à prestação de serviços públicos é aplicável o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90). O CDC, outrossim, faz alusão aos serviços públicos nos artigos 4°, VII (“racionalização e melhoria dos serviços públicos”); 6°, X (“a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”); e 22 (“Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”).
A despeito da literalidade dos dispositivos mencionados, a aplicação do CDC na seara dos serviços públicos deve ser objeto de relevantes ponderações. Primeiramente, convém mencionar que muito controverte a doutrina sobre quais serviços públicos se submetem à lei n° 8.078/90.
Na tentativa de alcançar a resposta para esse questionamento, torna-se imperioso relembrar a festejada classificação doutrinária que distingue os serviços públicos em duas espécies: (I) - serviços públicos uti universi ou gerais; (II) serviços públicos uti singuli ou individuais.
Os serviços públicos uti universi ou gerais são aqueles prestados aos membros da coletividade sem distinção, divisibilidade ou qualquer especificidade, não sendo possível determinar os usuários, tampouco mensurar a sua utilização, razão pelo qual, em regra, são remunerados por impostos. É o que ocorre, por exemplo, nos casos da segurança pública e iluminação pública. Já os serviços públicos uti singuli ou individuais são prestados a usuários determinados, havendo a possibilidade de mensurar as quantidades por eles usufruídas de forma individual e separada, sendo remunerados, por isso, por meio de taxa ou tarifa.
Há autores que adotam um posicionamento ampliativo, sustentando a aplicabilidade do CDC a qualquer espécie de serviço público, seja uti singuli ou uti universi, uma vez que a referida lei não teria feito tal distinção, não cabendo, portanto, ao intérprete fazê-la. Por outro lado, há quem assuma uma visão restritiva, pugnando pela aplicação do CDC apenas aos serviços uti singuli[3], com fulcro no art. 3°, § 2°, que ao apresentar definição de serviço, exige a sua remuneração, que para alguns pode se dar tanto por taxa como por tarifa. Para o professor Rafael Carvalho Rezende Oliveira[4], no entanto, o CDC apenas deve ser aplicado aos serviços uti singuli remunerados por meio de tarifa.
Nessa linha, confira-se julgado em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela inaplicabilidade do CDC aos serviços de saúde prestados por hospitais públicos, tendo em vista inexistir remuneração específica e direta:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE REMUNERAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO-CONFIGURADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. Hipótese de discussão do foro competente para processar e julgar ação indenizatória proposta contra o Estado, em face de morte causada por prestação de serviços médicos em hospital público, sob a alegação de existência de relação de consumo.
2. O conceito de "serviço" previsto na legislação consumerista exige para a sua configuração, necessariamente, que a atividade seja prestada mediante remuneração (art. 3º, § 2º, do CDC).
3. Portanto, no caso dos autos, não se pode falar em prestação de serviço subordinada às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, pois inexistente qualquer forma de remuneração direta referente ao serviço de saúde prestado pelo hospital público, o qual pode ser classificado como uma atividade geral exercida pelo Estado à coletividade em cumprimento de garantia fundamental (art. 196 da CF).
4. Referido serviço, em face das próprias características, normalmente é prestado pelo Estado de maneira universal, o que impede a sua individualização, bem como a mensuração de remuneração específica, afastando a possibilidade da incidência das regras de competência contidas na legislação específica.
5. Recurso especial desprovido.
(REsp 493.181/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 01/02/2006, p. 431) (grifo nosso)
Cumpre destacar que o STJ, em diversas oportunidades, vem reiteradamente apontando como relações de consumo aquelas relações das quais são participantes usuários de serviços públicos específicos (uti singuli) e remunerados (por tarifa). Nesse sentido, já foram proferidas decisões em relação aos usuários de serviços de distribuição de água potável (REsp 263.229/SP), usuários pagantes de pedágio pela manutenção de rodovias (Resp 467883RJ), fornecimento domiciliar de energia elétrica (REsp 772486/RS), e outros. Por todos, confira-se o seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – ENERGIA ELÉTRICA – TARIFAÇÃO – COBRANÇA POR FATOR DE DEMANDA DE POTÊNCIA – LEGITIMIDADE.
1. Os serviços públicos impróprios ou UTI SINGULI prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação a concessionários, como previsto na CF (art. 175), são remunerados por tarifa, sendo aplicáveis aos respectivos contratos o Código de Defesa do Consumidor.
2. A prestação de serviço de energia elétrica é tarifado a partir de um binômio entre a demanda de potência disponibilizada e a energia efetivamente medida e consumida, conforme o Decreto 62.724/68 e Portaria DNAAE 466, de 12/11/1997.
3. A continuidade do serviço fornecido ou colocado à disposição do consumidor mediante altos custos e investimentos e, ainda, a responsabilidade objetiva por parte do concessionário, sem a efetiva contraposição do consumidor, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito.
4. Recurso especial provido pela divergência.
(AgRg no REsp 1089062/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 22/09/2009) (grifo nosso)
Por fim, quanto a esta questão, deve-se ressaltar que a inaplicabilidade do CDC aos serviços individuais remunerados por taxa se explica pela natureza tributária, e não contratual, da relação jurídica em questão. Dito de outro modo: não se pode confundir a figura do contribuinte com a do consumidor, sendo certo que as relações entre Estado e contribuinte são regidas pelo direito tributário e não pelas regras previstas no CDC.
No mais, pode-se apontar, ainda, outras limitações para a aplicação do CDC aos serviços públicos, sobretudo em razão de serem as relações jurídicas de serviços públicos e as de consumo regidas por normas, algumas vezes, distintas e opostas.
Assim, é preciso lembrar que os serviços públicos são dotados de um significado coletivo muito mais forte e amplo do que o encontrado nas atividades econômicas privadas, sendo, por vezes, utilizados como forma de distribuir renda e efetivar a dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 1º, III). A título de exemplo, cabe apontar o financiamento da expansão de um serviço público a pessoas que a ele não tem acesso, oferecendo gratuidades a determinados grupos, através da majoração de tarifas pagas pelos usuários que já tem acesso ao serviço[5]. Sob a ótica unicamente privatista do CDC isso não seria admitido, visto que essas tarifas seriam consideradas abusivas (CDC, artigos 39, V e 51, IV), uma vez que ultrapassam o valor da utilidade fruída individualmente pelo usuário do serviço.
Além disso, a dificuldade de compatibilizar as normas do CDC com o regime dos serviços públicos também é acentuada pela mutabilidade (jus variandi) que caracteriza a prestação dos serviços públicos. O Poder concedente pode, por exemplo, alterar regras relacionadas a serviços de telefonia fixa, com reflexos para os usuários-consumidores, de maneira que essas determinações provocarão variações nas relações da concessionária com o usuário, que não poderá, sob a ótica do direito administrativo, invocar a seu favor direito adquirido ou mesmo em ato jurídico perfeito para fazer valer a manutenção das condições iniciais.
Convém salientar que, além das importantes diferenças materiais entre as atividades econômicas em sentido estrito e os serviços públicos, há, ainda, diferenças de cunho formal, eis que decorre da própria Constituição Federal o tratamento jurídico diferenciado entre usuários de serviços públicos e os consumidores. Enquanto o art. 5º, XXXII e o art. 48 do ADCT embasam a existência do CDC, o art. 175, § único, II determina que o legislador ordinário defina os direitos dos usuários dos serviços públicos, o que levou à promulgação da lei nº 8.987/95. Posteriormente, o art. 27 da EC nº 19/98 fixou o prazo de 120 dias, já há muito tempo ultrapassado, para o Congresso Nacional elaborar a lei de defesa do usuário de serviços públicos.
Levanta-se, ainda, um problema federativo na aplicação indiscriminada e sem ressalvas do CDC quando os Estados ou Municípios forem o poder concedente, uma vez que, na hipótese, se estaria diante de uma lei da União subordinando as leis de outros entes federados em relação a seus próprios serviços públicos.
As peculiaridades do regime dos serviços públicos não recomendam, portanto, a aplicação automática e completa do CDC nesta seara, sendo necessário um exame acerca da compatibilidade entre os institutos. Em eventual conflito, no entanto, defende-se a prevalência do direito administrativo sobre o direito do consumidor.
Nesse sentido, decidiu o STJ ao analisar a possibilidade de interrupção de serviço público concedido quando do inadimplemento do usuário. A Corte Superior, resolvendo o conflito entre os artigos 22 e 42 do CDC e os artigos 6º, § 3º, II, da lei nº 8.987/95, afastou as disposições do CDC, aplicando a legislação especial dos serviços públicos, que admite o corte, observados os requisitos legais[6]. Com a edição do verbete sumular nº 356, o STJ novamente se manifestou pela prevalência dos princípios que norteiam os serviços públicos em detrimento das normas consumeristas, ao afirmar a legitimidade da cobrança de tarifa básica pelo uso de serviços de telefonia fixa. Por oportuno, passemos a analisar de forma um pouco mais detida a questão relativa ao corte do serviço público em virtude do inadimplemento do usuário.
3- Interrupção do serviço público por inadimplemento do usuário
Resumidamente, pode-se separar, de um lado, os argumentos invocados por aqueles que sustentam a impossibilidade de interrupção do serviço público quando inadimplente o usuário, e, de outro, aqueles aduzidos pelos que entendem ser possível o corte.
Notadamente, pela impossibilidade de suspensão do serviço público costuma-se levantar os seguintes fundamentos: (I) princípio da dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 1°, III), uma vez que o corte do serviço poderia privar o usuário do acesso a um serviço básico, afetando o núcleo essencial de sua dignidade; (II) o dever de observar o princípio da continuidade nos serviços essenciais está disposto no art. 22 do CDC, sendo defensável a tese de que todos os serviços públicos são essenciais, o que justificaria até mesmo a retirada das respectivas atividades da livre iniciativa.
Além disso, (III) o corte do serviço representaria uma forma abusiva de execução privada pela empresa concessionária; (IV) a vedação de tratamento constrangedor ou ameaçador na cobrança de débitos ou que exponha o usuário/consumidor inadimplente a ridículo, conforme preceituado no art. 42 do CDC; (V) princípio da vedação do retrocesso, na medida em que a lei 8.987/95 não poderia revogar as normas consumeristas que vedam a interrupção do serviço público, visto que estas consubstanciariam direitos fundamentais que devem ser efetivados progressivamente, revelando-se inconstitucional qualquer atuação do legislador que represente retrocesso em matéria de direitos fundamentais.
Não obstante os fundamentos acima esposados, observa-se que tem predominado o entendimento a favor da interrupção do serviço público em virtude do inadimplemento do usuário, tendo por fundamento: (I) a literalidade do art. 6°, § 3°, II da lei n° 8.987/95, que permite a interrupção do serviço público, após prévio aviso, no caso de inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade; (II) a necessidade de preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, visto que a delegatária conta apenas com as receitas provenientes da tarifa paga pelos usuários uti singuli para manter a estrutura necessária à continuidade do serviço, sabendo-se que admitir a prestação dos serviços mesmo quando ausente o pagamento da tarifa levaria à ruína a rede prestadora que a concessionária mantém por sua conta e risco (art. 2°, II, lei 8.987/95); (III) aplicação do critério da especialidade, devendo a lei n° 8.987/95 (art. 6°, § 3°, II) ser considerada especial em relação ao CDC (art. 22); (IV) a continuidade do serviço público facultativo tem como pressuposto o cumprimento dos deveres do usuário, sobretudo o pagamento da remuneração (tarifa).
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça[7] se manifestou na decisão a seguir colacionada:
ADMINISTRATIVO - ENERGIA ELÉTRICA - CORTE – FALTA DE PAGAMENTO - É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (L.8.987/95, Art. 6º, § 3º, II).
(REsp 363943/MG, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/12/2003, DJ 01/03/2004, p. 119) (grifo nosso)
Cabe observar que esse também é o posicionamento consagrado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na súmula n° 83: “É lícita a interrupção do serviço pela concessionária, em caso de inadimplemento do usuário, após prévio aviso, na forma da lei” [8].
Importante consignar a situação em que o próprio Poder Público aparece como usuário do serviço público prestado pela concessionária, o que ocorre quando o Estado faz uso, por exemplo, de serviços de energia elétrica, água e telefonia, remunerando a empresa concessionária por meio do pagamento de tarifa. Nesse caso, questiona-se a possibilidade de suspender a prestação do serviço quando o Estado/usuário torna-se inadimplente.
Conforme entendimento já sedimentado no STJ[9], o corte poderá ser efetuado, com exceção das hipóteses em que o órgão ou entidade presta um serviço considerado essencial à população, como hospitais, escolas, creches, postos de saúde, uma vez que, neste caso, a interrupção colocaria em risco a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais pelo próprio Estado. Ressalte-se, no entanto, que é admitida a interrupção do serviço no tocante aos serviços não essenciais, como em uma quadra esportiva ou piscina municipal.
Embora o referido Tribunal, em regra, reconheça a impossibilidade de interrupção do serviço público apenas em relação ao Estado quando na qualidade de prestador de serviços essenciais, há quem entenda, como o faz o professor Rafael Carvalho Rezende Oliveira, que, em algumas situações, esse limite também deve ser estendido aos cidadãos/usuários.
Sustenta-se, então, que deve ser analisada a situação no caso concreto, distinguindo o usuário que não paga a tarifa por não ter condições financeiras de fazê-lo daquele que, podendo, simplesmente opta por não efetuar o pagamento. Além disso, não é defensável o corte em hipóteses sérias e extremas, nas quais a interrupção poderia causar uma séria violação ao núcleo essencial de direitos fundamentais do particular, colocando em risco, por exemplo, a saúde ou mesmo a vida de uma pessoa internada em casa, que dependa do auxílio de aparelhos movidos a energia elétrica.
4- Conclusão
Ao longo do presente artigo, restou demonstrado que o CDC não deve ser aplicado indiscriminadamente aos serviços públicos, tendo em vista não se tratar de atividades econômicas comuns, em que há liberdade de empresa, existindo, na verdade, uma maior preocupação com a manutenção de um sistema prestacional coletivo, daí a importância do adimplemento das tarifas pelos usuários.
Sabe-se que alguns reputam necessária a criação de um estatuto especial próprio para a defesa dos usuários dos serviços públicos. Isso não obstante, até que sobrevenha o regulamento específico, deve o CDC ser aplicado, no que couber, descartando-se, portanto, sua incidência automática, pura e simples.
Cumpre destacar, por fim, no que tange à possibilidade de interrupção do serviço público em razão do inadimplemento do usuário, que, além de se observar os requisitos legais, deve-se privilegiar a técnica da ponderação de interesses, de modo a verificar o valor preponderante no caso concreto, levando em conta, por exemplo, o grau de essencialidade do serviço e as condições financeiras do usuário/consumidor inadimplente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 20a ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
MOREIRA, Egon Bockmann. Concessão de Serviços Públicos: Breves Notas sobre a Atividade Empresarial Concessionária. Revista de direito – (edição especial). In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, (Edição Especial), 2012, p. 100-112.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Administração pública, concessões e terceiro setor. 2.ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
__________. Princípios do direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Relações entre Concessionárias de Serviços Públicos e seus Usuários: do regular exercício ao abuso do direito. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, (Edição Especial), 2012, p. 121-172.
[1] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 141/142.
[2] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 384.
[3] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 376.
[4] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Administração pública, concessões e terceiro setor. 2.ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 230.
[5] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 385.
[6](REsp 510478/PB, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/06/2003, DJ 08/09/2003, p. 312).
[7] Confiram-se, ainda, os recentes julgados: AgRg no AREsp 146.988/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe 24/09/2012; AgRg no AREsp 243.389/PE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/12/2012, DJe 04/02/2013; REsp 1298735/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 09/03/2012; AgRg no AREsp 266.103/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 20/03/2013.
[8] Sobre o tema dos serviços públicos, interessante verificar, também, as Súmula 412 e 407 do STJ e Súmula 82 e 84 do TJ/ RJ.
[9] Confiram-se: REsp 460271/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2004, DJ 21/02/2005, p. 127); EREsp 845.982/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe 03/08/2009); (AgRg na SS 1.764/PB, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 27/11/2008, DJe 16/03/2009).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Caroline Vale dos. Serviço público: princípio da continuidade e aplicação do Código de Defesa do Consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46341/servico-publico-principio-da-continuidade-e-aplicacao-do-codigo-de-defesa-do-consumidor. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Erick Labanca Garcia
Por: Erick Labanca Garcia
Precisa estar logado para fazer comentários.