Resumo: Este artigo científico visa apresentar as conclusões obtidas no projeto de pesquisa intitulado “Estudo da natureza jurídica da norma prevista no art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil e discussões acerca da sua constitucionalidade”, desenvolvido entre agosto de 2011 e julho de 2012, no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Foram analisadas as principais teorias acerca na natureza jurídica do instituto em apreço, tais sejam: desapropriação judicial, usucapião coletiva, contra-direito processual e posse-trabalho. Em seguida, buscou-se analisar qual teoria adéqua-se melhor ao caso e confere maior compatibilidade constitucional aos dispositivos mencionados. Ademais, foram analisados os aspectos processuais pertinentes e a aplicabilidade prática do instituto, chegando-se às conclusões finais quanto à sua constitucionalidade e utilidade frente a institutos semelhantes, a exemplo da usucapião especial urbana e rural.
Palavras-chave: desapropriação judicial; constitucionalidade; função social da posse e propriedade.
1. Considerações iniciais
Essa pesquisa foi iniciada com o intuito de perquirir sobre a natureza jurídica do instituto previsto pelos §§ 4º e 5º do Código Civil, com vistas a verificar qual das teorias propostas seria capaz de garantir-lhe maior compatibilidade constitucional. Isso porque, além de haver intenso debate quanto à qualificação jurídica, muitos entendiam pela inconstitucionalidade dessa norma, a qual teria instituído hipótese de transferência compulsória da propriedade não prevista pela Constituição Federal.
De acordo com os referidos dispositivos, o proprietário pode vir a perder o seu direito de propriedade sobre determinada área reivindicada, desde que ela seja extensa e tenha sido ocupada por um número considerável de pessoas, tendo estas atuado de boa-fé e realizado obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante, por um período de tempo superior a cinco anos.
Inicialmente, partiu-se de quatro concepções básicas, de acordo com as quais a possibilidade em comento poderia ser entendida como desapropriação judicial, usucapião coletiva, contra-direito processual e posse-trabalho. Na primeira fase dessa pesquisa, todavia, verificou-se que esta última possibilidade, comumente denominada de posse pro labore e apontada pela doutrina como atribuível a Maria Helena Diniz, na verdade não encerra uma teoria propriamente dita, e sim uma forma de qualificar a posse exigida para fins de aquisição da propriedade de acordo com o § 4º do art. 1.228 do Código Civil. Inclusive, a própria autora sustenta tratar-se de desapropriação judicial (DINIZ, 2009, p. 784-789).
Dando continuidade à pesquisa, foram encontradas algumas posições menos expressivas e por isso não menos interessantes, destacando-se especialmente aqueles que entenderam tratar-se de uma possível desapropriação especial, desapropriação indireta ou mesmo uma acessão invertida social.
Entretanto, ao contrário do que se imaginou, o estudo pormenorizado dessas teorias não foi capaz de evidenciar uma compatibilização constitucional do instituto em exame, em que pese ter sido fundamental para sua devida compreensão. Dessa forma, foi necessário analisar a questão da constitucionalidade por outro viés, o que foi feito por meio do estudo acerca do próprio direito à propriedade e da sua função social, como outros autores já tinham realizado, tendo sido de grande valia a análise de um julgado da lavra do Supremo Tribunal Federal no qual esse assunto foi tangencialmente tratado.
A parte mais interessante dessa pesquisa, no entanto, consistiu no estudo acerca dos aspectos práticos e processuais. Quanto aos últimos, na esteira do pensamento de Glauco Gumerato Ramos (RAMOS apud DIDIER JUNIOR, 2006, p. 434-435), é imprescindível a processualização dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Diploma Civil, posto que “somente pelas regras processuais garantidoras do due processo of Law legitimador da atuação do Poder Judiciário, é que essa nova forma de intervenção estatal na propriedade privada, chamada de desapropriação judicial, poderá atender aos propósitos maiores da função social da propriedade exigida constitucionalmente”.
Dessa forma, pesquisou-se o significado e alcance das expressões “considerável número de pessoas”, “extensa área”, “boa-fé”, “obras e serviços” e “interesse social e econômico relevante”; a necessidade ou não de haver ação reivindicatória; o valor da indenização devida, o momento de exigi-la e o responsável pelo seu pagamento; além de algumas questões processuais, a exemplo das partes envolvidas na demanda, do pedido a ser realizado e da possibilidade de intervenção de terceiros.
Após essa fase, tendo em vista as enormes dificuldades de aplicação desse instituto, constatou-se que este não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, porém, devido à imprecisão dos termos utilizados na redação da norma, a sua utilização resta quase inviabilizada ou mesmo desnecessária, especialmente em face da existência de outras modalidades “sociais” de aquisição da propriedade, tais como a usucapião especial urbana e rural.
Desse modo, na fase final dessa pesquisa, buscou-se entender a razão pela qual o legislador optou por incluir os dispositivos em estudo no Novo Código Civil de 2002, chegando-se à conclusão de tratar-se de uma norma com função preponderantemente simbólica, utilizando-se o marco teórico de Marcelo Neves (NEVES, p. 5-54, 2007).
Assim, partindo das premissas até então expostas, neste artigo serão analisadas as principais teorias relativas à natureza jurídica do instituto em apreço, a sua constitucionalidade, aspectos processuais e aplicabilidade prática, bem como a posição da norma pesquisada em relação a institutos semelhantes e a sua função no ordenamento jurídico pátrio. Por fim, serão apresentadas as conclusões obtidas.
2. Constitucionalização do Direito Civil: principais aspectos
Sem dúvida alguma, os §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil de 2002 estão incluídos no contexto do que Orlando Gomes (1986, p. 148) denominou de “emigração do Direito Civil para o Direito Constitucional” e que atualmente a doutrina consagra como a “constitucionalização do Direito Civil”[1].
Com efeito, em que pese o objeto dessa pesquisa não seja analisar esse fenômeno em profundidade, algumas considerações sobre o mesmo são imprescindíveis.
Com base no célebre conceito de José Joaquim Gomes Canotilho (1993, p. 51), o constitucionalismo pode ser sinteticamente definido como o movimento que tem como objetivo difundir constituições que promovam a limitação do poder e a garantia de direitos, destacando-se a especial importância dos chamados direitos fundamentais. Em aforismo clássico, diz o ilustre doutrinador português que o constitucionalismo moderno representa uma “técnica específica de limitação de poder com fins garantísticos”.
Nesse contexto, a constituição passa a adquirir papel central nos ordenamentos jurídicos nacionais, suplantando a antiga hegemonia do Código Civil, e deixa de ser entendida como mera carta política sem qualquer conteúdo vinculativo.
No âmbito do Direito Civil, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, a influência desse fenômeno expressa-se na superação da rígida dicotomia entre o direito público e o privado, bem como na descodificação do Direito Civil, traduzida na desconcentração da regulamentação referente às relações privadas por meio do surgimento dos microssistemas de proteção, tais como o Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Diante disso, fez-se necessário promover uma releitura dos ramos Direito Privado à luz dos valores constitucionalmente consagrados. Nesse sentido, PIERANGIELI (2008, p. 137) entende tal método como essencial para se proceder a uma funcionalização dos institutos do Direito Civil e “individuar uma nova ordem científica que não freie a aplicação do direito e seja mais aderente às escolhas de fundo da sociedade contemporânea”.
No caso brasileiro, imprescindível a filtragem dos cânones civilistas, a exemplo da propriedade, empresa e família, em face do princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social, da redução das desigualdades, da erradicação da pobreza e dos direitos fundamentais. Quanto a estes últimos, inclusive, chega-se a falar em eficácia horizontal, impondo-se a sua observância no âmbito das relações privadas de forma direta[2].
Plasmou-se então o chamado Direito Civil-Constitucional, sendo interessante destacar que apesar de o Novo Código Civil ter sido aprovado em 2002, o seu projeto foi elaborado em 1973, tendo a sua aprovação sido concebida por boa parte da doutrina como “um duro golpe na recente experiência constitucional brasileira”[3]. Diante disso, mais importantes se tornam as reflexões acerca dos reflexos constitucionais nos institutos previstos pelo Diploma Civil atual.
3. Direito à propriedade versus função social da propriedade
A possibilidade instaurada pelo § 4º do art. 1.228 do Código Civil[4] resolve, de forma prévia e mediante o pagamento de uma justa indenização[5], um possível conflito entre o direito de propriedade de alguém que reivindica determinada área extensa e a função social da posse exercida pelos sujeitos que, através do seu trabalho, realizaram obras e serviços relevantes social e economicamente.
A partir disso, muito se questionou acerca da legitimidade dessa norma, posto que, como apontado no acima, os direitos fundamentais possuem eficácia direta no âmbito das relações privadas e, por sua vez, a Constituição Federal assegura ser inviolável a propriedade no seu art. 5º, caput.
Como a constitucionalidade da norma em apreço será analisada em momento posterior, neste tópico se abordará apenas a própria possibilidade da sua previsão.
Com efeito, a propriedade, direito subjetivo e real por excelência, traduz-se na relação travada entre o seu titular, o bem ao qual se refere e a coletividade de pessoas. Na esteira do pensamento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 177), do ponto de vista da relação jurídica, a sua compreensão reclama a ideia de domínio, o qual “repousa na relação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder do seu titular, mediante o senhorio, pelo exercício das faculdades de uso, gozo e disposição”. A seu turno, no aspecto subjetivo está incluída a famosa noção de oponibilidade erga omnes ou o chamado deve geral de abstenção, valendo observar que “a pretensão reivindicatória emerge da lesão ao direito subjetivo de propriedade e traduz o conteúdo jurídico do direito subjetivo” (Op.cit, 2008, p. 177).
Assim, o proprietário tem as prerrogativas de usar, gozar e dispor da coisa que lhe pertence, bem como de requerer ao Poder Judiciário que cesse quaisquer ingerências indevidas. Aqui, destaca-se o fato de a propriedade ser tradicionalmente concebida como um direito fundamental de primeira geração, enquadrando-se como uma “liberdade” a impor abstenção da coletividade e tutela do poder público.
Num primeiro momento, as faculdades acima citadas foram concebidas de forma absoluta, conferindo enorme amplitude ao exercício desse direito no contexto da chamada autonomia da vontade privada. A sociedade como um todo, portanto, apenas se obriga a não interferir, sendo discretamente protegida por meio dos direitos de vizinhança e das limitações impostas administrativamente.
Ao longo do tempo, no entanto, constatou-se a impossibilidade fática e social da estruturação clássica da propriedade, fazendo-se necessário instituir determinados limites dentro dos quais seria legítima a atuação do proprietário. Nas palavras de Frederico Henrique Viegas de Lima, “a interferência do Estado Social na propriedade garante a existência deste conteúdo mínimo e, diante da elasticidade e plasticidade do instituto, este é capaz de se modelar e mover dentro dos parâmetros situados entre seu conteúdo mínimo e máximo (2008, p. 205).
Em que pese o referido autor não ter explicitado qual seria o limite máximo, parece óbvia a conclusão de que este consiste na vedação ao abuso do direito, o qual, em se tratando de propriedade, concretiza-se na proibição aos atos emulativos, prevista no art. 1228, § 2º, do Código Civil[6]. Por outro lado, o conteúdo mínimo refere-se justamente à funcionalização do direito à propriedade, objeto que demanda maior análise em sede desse artigo.
Nesse contexto, a nossa Constituição optou por também abrigar sob o manto da fundamentalidade a imposição da função social da propriedade no inciso XXIII do seu art. 5º, em plena consonância com a concepção de que “a propriedade obriga”[7]. Inclusive, como bem ressaltam diversos autores[8], o legislador constitucional não agiu acidentalmente quando optou por prever o direito à propriedade e, em seguida, a sua função social, posto que são unidos por relações de complementariedade e, ao contrário do que se pode maliciosamente imaginar, não há que se falar em prevalência do primeiro em relação ao segundo, estando ambos na mesma hierarquia. Assim, o direito à propriedade não se funda numa análise meramente formal e individualista segundo a qual a sua titularidade esgota-se no porte de um registro comprobatório. Ao contrário, exige-se uma “titularização material” conforme os valores e princípios constitucionais, sob pena de submissão a diversas sanções, podendo chegar a perder desse direito.
Estabelecidas essas premissas, resta então verificar com clareza o que, no ordenamento jurídico brasileiro, constitui esse conteúdo mínimo. Nesse ponto, vale mencionar a observação de Andersen Schreiber (2011, p. 23-24), segundo a qual, diante da imensidão de leis e diplomas normativos, eventuais conflitos não podem ser solucionados pelo critério simplista da especificidade, e sim “à luz do inteiro ordenamento jurídico e, em particular, de seus princípios fundamentais, considerados como opções de base que o caracterizam”.
Em louvável esforço, Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 441), sintetizou os parâmetros oferecidos pela carta política e por diversos diplomas normativos, chegando à seguinte conclusão:
Em consonância, a função social (da propriedade ou da posse) será atendida quando a utilização do respectivo bem (móvel ou imóvel) estiver, direta ou indiretamente, adequada e em consonância com os preceitos constitucionais voltados à política urbana, à política agrícola e fundiária e da reforma agrária, à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, à ordem e à atividade econômica, cumprindo, em qualquer hipótese, suas finalidades sociais e econômicas, sem intenção deliberada de causar prejuízos a terceiros, e sempre tendo em vista os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e a concretização da dignidade humana.
Frederico Henrique Viegas (2008, p. 209-2010), por outro lado, sustenta que “a garantia da propriedade visa proteger os proprietários” e, nesse sentido, emergem a chamada função individual e a função institucional desse direito. A primeira consistiria na proteção aos direitos de alienação, conservação e fruição da coisa, enquanto a segunda assegura a liberdade econômica e a autonomia das partes. Porém, o mesmo autor reconhece serem densas as relações em torno desse direito e, em face disso afirma a existência de uma pluralidade de funções a serem reconhecidas em cotejo com as regras fixadas pelo direito ordinário ou comum.
Voltando à análise dos dispositivos pesquisados, entende-se que, a priori, não há qualquer problema de incompatibilidade dos mesmos com a carta política nacional. Isso porque, como analisado, a função social é valor que legitima e pressupõe a própria existência do direito à propriedade, de sorte que existe autorização constitucional para sancionar o descumpridor dessa exigência. Dessa forma, tendo em vista a própria função social da posse, não parece justo tutelar o proprietário desidioso em detrimento de um considerável número de pessoas que, através do seu trabalho, atribuíram sentido e relevância social a uma extensa área, contribuindo para a realização dos valores acima pontuados.
4. Natureza jurídica: importância acadêmica e prática
Indagar a respeito da natureza jurídica de um instituto significa entender o que ele representa para o Direito e, a partir disso, extrair possíveis desdobramentos. Embora esse seja um primeiro passo obrigatório e corriqueiro para qualquer aluno ou estudioso, às vezes esquecemos a sua importância fundamental na resolução de problemas de grande complexidade.
Por sua vez, no que tange a questões extremamente complexas, talvez não haja um melhor exemplo no âmbito do Direito Civil contemporâneo do que a possibilidade instaurada pelo art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil de 2002.
A proposta desse trabalho não foi pesquisar isoladamente a questão da qualificação jurídica, buscando apenas subsumir a norma analisada a uma das hipóteses a respeito da sua natureza jurídica e, a partir de então, determinar quais efeitos poderão advir dessa subsunção. Partiu-se do pressuposto de que a análise da natureza jurídica do instituto ora discutido seria uma forma de averiguar a respeito da sua própria constitucionalidade, entendendo-se que os fundamentos aptos a justificar a sua classificação jurídico-normativa seriam capazes de também ensejar a sua adequação constitucional, sob pena de não aplicabilidade ou ineficácia material.
No entanto, esse método não foi capaz de oferecer as respostas buscadas. Com efeito, o debate em torno da técnica de elaboração da norma, do alcance dos seus conceitos e dos seus aspectos processuais revelou-se muito mais proveitoso e, no que tange ao cerne da pesquisa, tal seja, a perquerição acerca da sua constitucionalidade, foram suficientes as reflexões referentes à constitucionalização do Direito Civil e à função social da propriedade, como adiante será demonstrado. Quanto ao estudo da natureza jurídica, por sua vez, verificou-se intenso e improdutivo debate doutrinário que não ofereceu respostas concretas quanto à utilidade da norma e a sua compatibilidade constitucional, especialmente em razão de as principais teorias de fato não oferecerem muitas contribuições para tanto.
Entretanto, não obstante a falha do método escolhido, a pesquisa em torno dessa temática contribuiu bastante para o conhecimento aprofundado da norma e dos seus aspectos estruturais, razão pela qual foi mantida a abordagem nesse artigo.
Dessa forma, existem basicamente quatro posições. As mais tradicionais apontam essa possibilidade como hipótese de “desapropriação judicial”, pois deve ser fixada justa indenização em favor do proprietário; ou como usucapião coletivo, já que a propriedade é adquirida com o exercício da posse por um número considerável de pessoas durante lapso temporal superior a cinco anos. Com menor repercussão, alguns acreditam tratar-se de um “contra-direito” processual, em virtude da necessidade de ação reivindicatória para o seu reconhecimento; e, por fim, outros o concebem como uma figura mista denominada de “posse-trabalho”.
Na primeira fase desse estudo, verificou-se que a chamada “posse-trabalho” não se tratava propriamente de uma teoria, e sim de uma forma de qualificar a posse exigida para fins de aquisição da propriedade de acordo com o § 4º do art. 1.228 do Código Civil. Inclusive, a própria autora sustenta tratar-se de desapropriação judicial, acompanhando os raros casos já apreciados judicialmente.
Num segundo momento, foram encontrados entendimentos minoritários que na verdade constituíam inovações teóricas muito discretas, vinculando-se, na verdade, à teoria da desapropriação judicial. Nestes casos, entendeu-se tratar de “desapropriação indireta”, acolhendo a teoria já construída pelo Direito Administrativo em torno da matéria, e “desapropriação especial”. Por fim, mais interessante foi o enquadramento da norma como sendo uma acessão invertida social.
Todas os entendimentos brevemente narrados serão tratados nos subtópicos a seguir.
4.1 Teorias explicativas
4.1.1. Desapropriação judicial
A doutrina mais significativa aponta a hipótese ora tratada como “desapropriação judicial”, tendo em vista que a norma contida no art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil de 2002 evoca “razões de ordem social”, o que tem sido interpretado como algo semelhante ao “interesse social” exigido para a desapropriação tratada pelo Direito Administrativo. Além disso, esse entendimento se fundamenta na previsão de que deve ser fixada justa indenização em favor do proprietário que perderá a demanda, o que também se assemelha à desapropriação tradicional, exceto pelo fato de que neste último caso a indenização deve ser prévia e independe de processo judicial para ser fixada, salvo quando há discordância quanto ao seu valor. Por fim, seria judicial, pois sua fixação caberia ao juiz da causa.
Quanto ao fato de ser determinada pelo juiz, a doutrina em geral entende não haver impedimentos legais para tanto, invocando-se por analogia a desapropriação indireta, na qual a Fazenda Pública, demandada em ação possessória por esbulhar propriedade de particular sem respeitar o procedimento da desapropriação, pode alegar a utilização do imóvel em função do interesse público e ter reconhecida para si a propriedade em virtude de decisão judicial[9].
Essa tese é defendida pela maioria dos autores pesquisados, dentre os quais se destacam: Carlos Alberto Dabus Maluf (2002, p. 1097), Mônica Aguiar (2003, p. 3), Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (2011, p. 973), Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 434), James Eduardo Oliveira (2010, p. 1097) e Alex Sandro Ribeiro (2002).
Em discreta divergência doutrinária, BARBOSA e PAMPLONA (2004) entendem que é mais adequado utilizar o termo “desapropriação especial”, pois a desapropriação, nos termos do Direito Administrativo, refere-se a ato do Poder Público por meio do qual o agente que a determina também arca com o valor da sua indenização, o que não ocorre nessa hipótese quanto à figura do juiz.
Também como pequena divergência, podem ser apontados os entendimentos de Leonardo Gomes de Aquino (2011), que utiliza a expressão “desapropriação judicial indireta” embora se atenha aos mesmos argumentos dos demais autores citados, e de Marco Aurélio da Silva Viana, que expressamente afirma tratar-se de uma “desapropriação indireta em favor do particular” (2003, p. 49).
É interessante destacar o posicionamento de Maria Helena Diniz. Em geral, essa autora é apontada como adepta da teoria da posse-trabalho, pois corrobora com o entendimento que o Professor Miguel Reale expressou na Exposição de Motivos do Código Civil de 2002. Todavia, no seu Código Civil Anotado (DINIZ, 2003, p. 787-788), ao tratar do dispositivo em comento, a autora colaciona a teoria de Celso Antônio Bandeira de Melo e dedica mais espaço ao tema da desapropriação e requisição administrativas que à “posse pro labore”, chegando inclusive a dizer expressamente que o instituto em questão “trata-se da desapropriação judicial” (DINIZ, 2003, p. 788). Diante disso, a incluímos também como adepta deste posicionamento, em contrariedade ao que expõe a maior parte dos autores que se dedicaram a esse tema.
Em sede jurisprudencial a única teoria adotada é a da desapropriação judicial, valendo destacar a escassa apreciação judicial sobre esse tema. Foram encontrados apenas quatro julgados sobre o tema, oriundos dos Tribunais de Justiça de São Paulo, Santa Catarina e Paraná (dois). O que surpreende, contudo, é que em todos eles o tema na natureza jurídica sequer foi considerado duvidoso, adotando-se, de forma pacífica, a teoria da desapropriação judicial.
Nesse ponto, é interessante destacar que essa questão ainda não foi levada à discussão nos tribunais superiores, os quais, portanto, ainda não se posicionaram sobre o assunto. Porém, foi encontrado um julgado no Supremo Tribunal Federal (Rcl 3437, DJE-078) que trata de forma acidental e breve sobre o instituto, também considerando-o como espécie de desapropriação ordenada pelo juiz. Por ora apenas faremos referência a este importante precedente, que adiante será melhor analisado.
4.1.2. Usucapião coletiva
A segunda teoria entende ser o caso de usucapião coletivo, já que a propriedade é adquirida com o exercício da posse por um número considerável de pessoas durante lapso temporal superior a cinco anos.
Seus principais defensores são: Washington de Barros Monteiro, em versão atualizada por Carlos Alberto Dabus Maluf (apud BARBOSA E PAMPLONA FILHO, 2004), Eduardo Cambi (2011) e Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 355).
Contra essa posição, de forma geral, argumenta-se que o usucapião, em qualquer de suas modalidades, é gratuito, não exige o requisito da realização de obras e serviços e pode ser objeto de ação autônoma com pedido declaratório (embora haja divergências quanto à natureza da sentença que o reconhece).
Nesse sentido, Armando Antônio Lotti (2011) argumenta que o legislador optou por tratar deste instituto após abordar todas as espécies de usucapião, sendo incompatível pensar em modalidade que exija o pagamento de justa indenização. Além disso, entende ser um modo derivado de aquisição da propriedade.
Como dito, a parca jurisprudência sobre o tema o classifica como “desapropriação judicial”. Utilizando-se a expressão “usucapião coletivo” para realizar as buscas, em todos os julgados ele foi utilizado para designar a usucapião especial urbana, prevista no art. 10 do Estatuto da Cidade. Nenhum julgado foi encontrado nos tribunais superiores (STJ e STF).
4.1.3. Contra-direito processual
Com menor repercussão, Fredie Didier Junior e Teori Albino Zavascki (2002) acreditam tratar-se de um “contra-direito” processual com repercussão na esfera material daqueles a quem beneficia, em virtude da necessidade de ação reivindicatória para o seu reconhecimento. Para estes autores, como a norma exige que os beneficiários sejam réus em ação reivindicatória, no bojo da qual poderão exercer esse direito como matéria de defesa, trata-se, portanto, apenas de um direito processual, exercido em contraponto a uma pretensão reivindicatória, que irá repercutir na esfera material dos beneficiários, conferindo-lhes o direito de propriedade sobre determinada área após o pagamento da indenização fixada.
Essa teoria, como visto, não possui muitos adeptos, embora seus expoentes sejam de grande respeitabilidade no meio acadêmico, e sofre críticas por fixar-se excessivamente no aspecto procedimental da norma, em detrimento dos seus aspectos materiais e sociais, especialmente em se tratando de ter sido veiculada no Código Civil, e não no código de processo. Inclusive, como adiante será demonstrado, boa parte da doutrina já entende pela possibilidade de reconhecimento desse tipo de aquisição em ação autônoma, sem que seja necessária ação reivindicatória.
4.1.4. Posse-trabalho
Concebe-se ainda a norma como uma figura mista denominada de “posse-trabalho” ou “posse pro labore”. A expressão, utilizada por Miguel Reale na Exposição de Motivos do Código Civil de 2002, foi apropriada por Maria Helena Diniz (2003, p. 788) para referir-se a este instituto por conta da exigência de que tenham sido realizadas “obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”, o que qualificaria a posse normalmente exercida para fins de usucapião. Para a autora, trata-se de “posse traduzida em trabalho criador” (2003, p. 788) e, pelo que foi dito anteriormente, seria o caso de se pensar em usucapião, mas, em virtude da qualificação operada pelo trabalho, acabou se criado um novo instituto.
Ocorre que, conforme dito anteriormente, Maria Helena Diniz na verdade entende que se trata de hipótese de desapropriação judicial, referindo-se à “posse pro labore” apenas para caracterizar o requisito fundamental exigido pela norma para que se decida pela propriedade em favor dos reivindicados, que através do seu trabalho a tornaram produtiva.
Dessa forma, em virtude do aprofundamento no estudo do tema, entende-se que não se trata de mais uma teoria criada para explicar esse instituto, retificando o que foi dito no projeto desta pesquisa e pela maioria dos autores que tratam dessa questão.
4.1.5. Acessão Invertida Social
Em interessante análise sobre o tema, Pablo Rentería vislumbra a hipótese em apreço como sendo uma “acessão invertida social”. Desde logo, vale transcrever o seguinte trecho da sua obra (2008, p. 73):
O debate doutrinário travado sobre a qualificação do instituto previsto nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil não tem se mostrado muito frutífero e, a bem da verdade, pouco tem a oferecer para a solução dos inúmeros problemas oriundos da imprecisão técnica contida nos aludidos preceitos. Isto porque a discussão se polarizou em torno de duas posições que, por serem pouco satisfatórias, não ajudam a compreender o instituto em questão.
Para este autor, toda a problemática se resolve através da aplicação do raciocínio referente à aquisição da propriedade imobiliária por acessão e, especificamente, da acessão por construções e plantações.
Com efeito, a acessão consiste na incorporação de uma coisa outra e na posterior formação de um todo indivisível, cuja propriedade caberá a um dos antigos proprietários de uma das partes. Por sua vez, a chamada acessão artificial ocorre quanto se edifica ou planta em terreno alheio, podendo haver o posterior reconhecimento do domínio com pertencente àquele que edificou ou plantou. Tais possibilidades, no ordenamento jurídico pátrio, estão reguladas pelos arts. 1.228, inciso IV e 1.253-1.259 do Código Civil.
No caso em tela, tratar-se-ia de uma acessão invertida, uma vez que ou autores das obras e serviços realizados no imóvel teriam a propriedade reconhecida em seu favor, coletivamente e sob a forma de condomínio, em detrimento do dono do terreno. Em seguida, seria social, pois o critério a ser utilizado não seria o econômico, baseado no acréscimo de valor produzido pelo “quanto aderido” e sim a relevância social e econômica da acessão efetuada. Por fim, a teor do texto legal, a eficácia dessa hipótese estaria condicionada ao exercício da posse ininterrupta por mais de cinco anos e ao pagamento da indenização ao antigo proprietário.
5. Da adequação constitucional
No que tange à constitucionalidade, como dito, o método inicialmente previsto, que partia das teorias acerca da natureza jurídica do instituto, não se mostrou capaz de oferecer subsídios significativos para esta análise, especialmente em razão do confuso debate doutrinário e de as teses principais não oferecerem respostas concretas aos principais problemas em torno da norma.
No entanto, em que pese a constatação exposta acima, nesse campo as pesquisas foram bastante frutíferas e interessantes. Quando este projeto de pesquisa foi escrito, não haviam sido encontrados muitos autores que se manifestassem sobre isso.
Em seu artigo, Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 360-361) posiciona-se contrariamente à adequação constitucional da norma, em virtude da sua manifesta inviabilidade e pelo uso excessivo de conceitos abertos e indeterminados na sua elaboração. Além disso, Carlos Alberto Dabus Maluf (2002, p. 1099) compartilha do seu entendimento, mas defende a inconstitucionalidade por considerar que o dispositivo aniquila o direito de propriedade, protegido pela Constituição Federal, configurando verdadeiro confisco. Ademais, afirma que, assim como a usucapião especial urbana, a norma em análise “incentiva a invasão de terras urbanas, subtrai a propriedade de seu titular, sem ter ele direito a qualquer indenização”. Nesse sentido, corrobora com a visão de Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, 1973 apud RENTERÍA, 2008, p. 75), de acordo com o qual se criou hipótese não de privação da propriedade prevista constitucionalmente, o que não se admitiria tendo em vista que esta goza de status constitucional.
Em sentido contrário, todavia, posiciona-se a maioria da doutrina, a qual, para tanto, concebe que os dispositivos em apreço resolvem previamente a aparente antinomia entre o direito do proprietário de reivindicar a coisa em nome de quem injustamente a possua propriedade e a função social da propriedade. Assim, em verdade, afirma o Código Civil que não é injusta a posse continuada daqueles que conferiram função social à propriedade alheia, desde esse reconhecimento esteja condicionado ao pagamento de justa indenização.
Adotando esse posicionamento, destacam-se especialmente Miguel Reale (Exposição de Motivos do Código Civil), Mônica Aguiar (2003), Leonardo Gomes de Aquino (2011), James Eduardo Oliveira (2010, p. 1098), Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (2011, p. 973), Maria Helena Diniz (2003, p. 789) e Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 446-447).
Ainda em sede doutrinária, é imprescindível pontuar o entendimento expresso no enunciado n. 82 da I jornada de Direito Civil, ora transcrito: “é constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil”.
Com o aprofundamento da pesquisa, encontrou-se precedente do STF que serviu como importante guia para a realização dessa pesquisa. Como foi dito anteriormente, esse assunto nunca chegou a ser discutido nos tribunais superiores. Todavia, na Reclamação Constitucional n. 3437/2008, o Ministro Ricardo Lewandowski, ao tratar da boa-fé de possuidores em processo de desapropriação administrativa, refere-se ao instituto em estudo como “desapropriação judicial” e afirma que o Código Civil de 2002 estabeleceu uma nova forma de “desapropriação, a judicial da posse-trabalho”. O tema foi trazido como reflexão quanto à questão da boa-fé e da função social da posse, citando-se o jurista Miguel Reale.
Embora a referência tenha sido incidental e breve, o posicionamento favorável do ministro quanto à importância dessa norma, bem como o acompanhamento dessa postura pelos demais membros (a questão foi julgada pelo plenário) pode ser interpretado como um sinal de que o STF, uma vez instado a se manifestar, entenda pela constitucionalidade dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil.
Em conclusão, entendeu-se que a norma em estudo não apresenta qualquer problema de incompatibilidade constitucional. Com efeito, esta se encontra devidamente resguardada pela função social da propriedade e da posse, as quais possuem inegável status constitucional e fundamental[10]. Ademais, não são necessárias maiores indagações para se concluir que a propriedade não é um direito absoluto, restando autorizada a sua limitação ou mesmo supressão quando houver confronto com outros interesses também constitucionalmente consagrados.
Dessa forma, não é possível acolher o argumento do professor Pablo Stolze, visto que a excessiva utilização de conceitos abertos e indeterminados e até mesmo a inviabilidade prática da norma não têm o condão de torná-la inconstitucional, conforme os argumentos acima expostos, mesmo porque a Constituição não possui dispositivo que disponha nesse sentido.
Também não é possível sustentar a tese da inconstitucionalidade sob o argumento de que a norma incentiva a invasão de terras urbanas ou prevê hipótese de perda da propriedade não prevista pela Constituição, na esteira do que defende Carlos Alberto Dabus Maluf e Caio Mário da Silva Pereira, respectivamente. Isso porque, em primeiro lugar, não há um incentivo ao desrespeito à propriedade, e sim o reconhecimento de que o imóvel reivindicado apenas após o trabalho dos possuidores adquiriu função social, não havendo que se falar em confisco ou prejuízo ao proprietário desidioso, pois este, embora sancionado com a perda do direito, será indenizado.
Além disso, em que pese a ausência de previsão expressa, a possibilidade em análise está autorizada constitucionalmente em razão da obrigatoriedade em relação à função social, como amplamente discutido, e mesmo porque a nossa carta proíbe a restrição ou perda de qualquer direito sem o devido processo legal, e não sem a sua autorização expressa.
6. Principais aspectos práticos e processuais
Superada a questão relativa à constitucionalidade, passa-se à análise dos aspectos práticos e processuais mais problemáticos da norma, perquerindo-se acerca dos seus requisitos. Na esteira do pensamento de Anderson Schreiber (2011, p. 24), “a aplicação direta de normas de elevado grau de abstração exige um exercício de identificação de parâmetros a serem empregados na especificação concreta do seu conteúdo”.
Para tanto, faz-se necessária a sua transcrição:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. […]
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
6.1. Da necessidade de ação reivindicatória
Conforme se depreende da leitura do parágrafo 4º, fala-se em imóvel reivindicado. Assim, inicialmente, é possível concluir tratar-se apenas de uma exceção (defesa), impossível de ser conhecida de ofício pelo magistrado, a ser alegada pelos possuidores demandados em ação reivindicatória.
Apenas por precisão teórica, vale ressaltar que a chamada ação reivindicatória é uma ação real que visa restituir coisa injustamente possuída por pessoa distinta do proprietário. Assim, exercitando uma das faculdades inerentes ao seu domínio, o dono ingressa no Poder Judiciário para reaver a coisa e, para tanto, alega a existência do direito à propriedade em seu favor. Não é, portanto, uma ação fundada essencialmente no fato da posse, posto que, nesse sentido, o proprietário age apenas na condição de possuidor indireto, como bem observa Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 436).
Em seguida, é necessário destacar que, tendo em vista as especificidades relativas aos bens públicos, a priori, não é possível a arguição dessa matéria de defesa em se tratando de ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público. Isso porque, os bens públicos são imprescritíveis, inalienáveis e impenhoráveis e, em que pese os entes estatais possam adquirir a propriedade de bens particulares mesmo sem observar o devido procedimento para tanto, como ocorre na desapropriação indireta, a recíproca não é verdadeira. Corroborando esse entendimento, tem-se o Enunciado de n. 83, aprovado na I Jornada de Direito Civil, segundo o qual “nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil”.
Em seguida, porém, passou-se a entender pela possibilidade de aplicabilidade dessa previsão quando os bens, embora públicos, sejam dominicais, ou seja, não utilizados para o cumprimento de uma destinação pública específica (art. 99, inciso III, do Código Civil), a exemplo dos terrenos baldios e das terras devolutas. Mantém-se o entendimento, no entanto, quanto aos bens de uso comum do povo e de uso especial (art. 99, incisos I e II, do Código Civil)[11].
Ademais, é necessário salientar a imprescindibilidade de atuação do Ministério Público na condição de custos legis, em analogia ao que ocorre com a ação de usucapião, pois tal matéria amplia a discussão da demanda quanto à questão da função social da propriedade em relação a um considerável número de pessoas, acrescentando-lhe inegável interesse público. Por óbvio, não poderá atuar como autor, visto que a ação reivindicatória encerra interesse individual – direito de propriedade relativo a imóvel particular – e, mesmo se admitindo a hipótese de ação autônoma, a iniciativa de ajuizamento caberá necessariamente aos possuidores, também por analogia à ação de usucapião[12]. Além disso, “poderá o juiz determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o licenciamento ambiental e urbanístico”, a teor do enunciado de n. 307, aprovado na IV Jornada de Direito Civil.
Um aspecto muito interessante diz respeito à forma de arguição dessa matéria. Como regra geral, se o juiz acolhe o argumento do demandado em ação reivindicatória no que diz respeito à aquisição da propriedade por usucapião, o pedido reivindicatório será julgado improcedente, mas essa sentença não poderá ser levada a registro pelo possuidor, pois “ao julgar a lide, o juiz só pode usar a defesa do réu como argumento lógico para repelir o pedido do autor. Nunca, porém, lhe será permitido julgar a contestação como se fora uma reconvenção, para deferir pedidos do demandado”, conforme doutrina de Humberto Theodoro Junior (2009, p. 181).
Por sua vez, quanto à possibilidade ora em estudo, entende-se, na esteira do pensamento de Glauco Gumerato Ramos (20026, p. 454), que os sujeitos passivos da relação processual, em litisconsórcio passivo necessário (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 208-209), podem formular pretensão em seu favor através de reconvenção ou pedido contraposto (quando este último for admitido, a exemplo do que ocorre no procedimento sumário). Nesse caso, devem requerer a “desapropriação judicial” e a fixação de indenização, a qual, uma vez paga, permitirá a aquisição da propriedade do imóvel reivindicado e ensejará o reconhecimento da improcedência do pedido reivindicatório[13].
Nesse ponto, vale a ressalva de que, conforme entendimento doutrinário expresso no enunciado de n. 310, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, a expressão “imóvel reivindicado” deve ser compreendida em sentido amplo, abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no possessório. Nesse caso, devem ser analisadas algumas possibilidades, cabendo desde já ressaltar que somente será possível se pensar em ação possessória de força velha, posto que o lapso de tempo aqui exigido é de cinco anos, e em ação de reintegração de posse, visto que os possuidores, por óbvio, precisam estar na posse e não terem realizado mera turbação.
Assim, se o proprietário ajuíza uma reintegratória ao invés de uma reivindicatória, não há óbice à alegação desta matéria, uma vez que, se é possível opor a posse pro labore numa ação fundada no domínio, certamente o será numa demanda em que estão em jogo dois direitos de posse – o do proprietário, como possuidor indireto, e o dos possuidores. Por sua vez, se a demanda de reintegração é proposta por pessoa distinta do proprietário – alguém que eventualmente possui o direito de posse fundado em um contrato de locação, por exemplo –, é possível a utilização desse argumento, todavia, a aquisição da propriedade somente será possível caso o proprietário seja chamado a integrar a lide, na condição de assistente litisconsorcial.
Questão tormentosa diz respeito à possibilidade de reconhecimento do direito à “desapropriação judicial” em ação autônoma. Como dito alhures, o Código Civil fala em “imóvel reivindicado”, o que levou Fredie Didier e Teori Albino Zavascki (2002) a concluir tratar-se de um contra-direito processual com repercussão na esfera material dos beneficiários.
Na esteira do raciocínio utilizado por Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 451-458), é necessário identificar a existência de duas situações distintas. Do ponto de vista do proprietário, de fato, entende-se pela possibilidade de reconhecimento em ação autônoma, em clara analogia ao que ocorre na chamada ação de desapropriação indireta, na qual o particular ingressa já com pedido indenizatório por saber da impossibilidade de ter de volta o seu imóvel indevidamente expropriado pela Administração Pública[14].
Dessa forma, o dono da extensa área pode: i) ingressar com uma demanda reintegratória, requerendo, alternativa ou subsidiariamente, o pagamento de indenização, caso o seu pedido reivindicatório seja julgado improcedente; ou ii) ingressar diretamente com uma demanda indenizatória. Esta última hipótese, no entanto, deve ser excepcional e concebida apenas em respeito à função social da posse, de acordo com o entendimento de RAMOS (2006, p. 447, 451 e 453).
Por outro lado, o autor mencionado acima repudia a hipótese oposta, não admitindo que os possuidores ingressem em juízo requerendo a fixação de indenização a ser paga e, em seguida, o reconhecimento da propriedade em seu favor (RAMOS, 2006, p. 456-457). Tal possibilidade, portanto, seria contrária ao âmbito de proteção expresso no Código Civil, pois este visou conferir um mecanismo de defesa apenas ao possuidor ameaçado, em atendimento à função social da propriedade. Assim, se este não vier a ser ameaçado, poderá ter reconhecido o seu direito à propriedade por uma das modalidades de usucapião.
Em que pese a qualidade dos argumentos expostos, entende-se que estes não devem prevalecer. Tal limitação não coaduna com a tão propalada eficácia direta dos direitos fundamentais e com os mandamentos constitucionais acerca da sua maximização, mesmo porque o possuidor não ameaçado também deve ter a função social da sua posse reconhecida, podendo requerer esse reconhecimento por meio de exceção ou pelo ajuizamento de ação autônoma ou incidental (reconvenção ou demanda declaratória incidental)[15]. Ademais, seria uma hipótese perfeitamente aceitável de ampliação interpretativa já consagrada pela maioria da doutrina[16], restando apenas a indagação quanto à possível instituição de um litisconsórcio ativo necessário, posto que a norma exige um “considerável número de pessoas” para este tipo de aquisição.
Por fim, destaca-se que os dispositivos em apreço nada dizem sobre o imóvel reivindicado ser urbano ou rural, não se afigurando razoável qualquer restrição nesse sentido.
6.2. Exercício da posse em “extensa área” por “considerável número de pessoas” atuando de boa-fé
Embora tenha o legislador se valido de conceitos indeterminados, a doutrina tem oferecido interessantes parâmetros de limitação ao alcance da norma.
Quanto à extensa área, Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 443) entende que “poderá ser considerada a área urbana ou rural que tenha sido grande o suficiente para albergar várias pessoas que, em conjunto ou separadamente, empreitaram obras e serviços de interesse social e econômico através da posse-trabalho”, não sendo necessário que o imóvel tenha “proporções latifúndicas”. Por sua vez, Marco Aurélio da Silva Viana (2003, p. 50) pondera que devem ser consideradas as especificidades do local e os conceitos e princípios de urbanismo, sendo indispensável a realização de exame pericial.
Em seguida, os autores citados utilizam os mesmos argumentos quanto ao considerável número de pessoas, entendendo pela necessidade de uma análise casuística. Para RAMOS (2006, 444), uma vez mais será necessário verificar o número suficiente de pessoas para, através da posse-trabalho, realizar obras e serviços de interesse social e econômico relevante. Nesse caso, a depender das obras e serviços, o número pode ser maior ou menor, podendo haver o reconhecimento em favor de três ou quatro possuidores. Parece, no entanto, não ser admissível o reconhecimento em favor de um único indivíduo.
De forma mais específica, Pablo Rentería (2008, p. 90-91) assinala que, quanto à previsão de “extensa área”, em se tratando de imóvel localizado em zona urbana, deve-se utilizar o parâmetro de 250 metros quadrados, trazido pelo art. 10 do Estatuto da Cidade para a hipótese de usucapião especial coletiva. Estando em zona rural, deve possuir mais de 50 hectares, em analogia ao disposto no art. 191 da Constituição Federal para a usucapião rural individual. No que tange ao “considerável número de pessoas”, este seria composto por mais de dez famílias, nos termos do art. 2º, inciso IV, da Lei n. 4.132/1962.
Por fim, no que tange à boa-fé, exige-se uma análise um pouco mais cuidadosa, embora a sua verificação também ocorra casuisticamente. Com efeito, o Código Civil, especialmente em seu art. 1.201, adotou a concepção negativa da boa-fé, exigindo a total ignorância do vício ou obstáculo que impede a aquisição do imóvel. Por outro lado, a doutrina consolidou o entendimento de que essa teoria não se aplica à chamada “desapropriação judicial”[17], devendo-se adotar o entendimento objetivo. Nesse sentido, afirma-se que “o conceito de posse de boa-fé para a aplicação do instituto da desapropriação privada por posse-trabalho não é o conceito subjetivo de boa-fé, mas sim o objetivo, ou seja, a boa-fé dos ocupantes deve ser relacionada à sua conduta, e não no plano intencional” (TARTUCE, 2008 apud DOS SANTOS e PAVESI, 2011).
Desse modo, inegável a aferição desse requisito por meio das obras e serviços realizados pelos possuidores no imóvel, considerado este como o solo e suas acessões. Por óbvio, dispensa-se a presença de justo título.
6.3. Da indenização: quantia e responsabilidade pelo pagamento
Desde logo, é necessário pontuar que a doutrina é unânime quanto à imprescindibilidade do pagamento da indenização para a perfectibilização dessa modalidade de aquisição da propriedade imobiliária. Se por um lado a Constituição Federal obriga o proprietário a conferir função social ao seu imóvel, por outro lhe assegura o direito à propriedade, devendo-se salvaguardar o equilíbrio entre este e as exigências do interesse geral (NERY JÚNIOR e NERY, 2011). Sobre isso, inclusive, OLIVEIRA (2010, p. 1097) afirma terminantemente que “fora do raio de abrangência dos preceitos legais em foco, não pode o juiz negar ao proprietário a tutela jurisdicional que lhe é expressamente conferida. Se assim fosse, a posse acabaria por suplantar a propriedade, em manifesta contrariedade ao direito vigente”.
Estabelecida essa premissa, inicialmente se analisa o conteúdo e o valor do preço a ser pago. Tendo a função de compensar a perda do proprietário reivindicante, o qual será forçosamente condenado a realizar uma venda forçada, é evidente a constatação de que a compensação deve corresponder ao valor do bem. Porém, o valor a ser considerado é o que o imóvel possuía antes de ser ocupado, com vistas a evitar que o proprietário seja prejudicado duplamente devido à provável desvalorização sofrida pela propriedade após a ocupação[18]. Por outro lado, tal solução se afigura justa também na remota hipótese de haver valorização, pois não seria justo beneficiar o proprietário desidioso por meio do trabalho alheio.
Ademais, o preço estabelecido não deve ter como critério exclusivo a avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário e, ao contrário do que ocorre na desapropriação judicial do Direito Administrativo, não serão devidos juros compensatórios, a teor do disposto no enunciado n. 240, aprovado na III Jornada de Direito Civil.
Questão mais complexa diz respeito à responsabilidade pelo pagamento dessa indenização. Nesse caso, se descortinam duas possibilidades: os possuidores e o Estado. Quanto aos primeiros, tal imputação é evidente, visto que serão os novos proprietários do local onde desenvolveram obras e serviços relevantes[19]. Assim, fixado o valor da indenização por acordo entre os demandantes[20] ou por decisão judicial, os demandados teriam determinado prazo para efetuar o pagamento e, fazendo-o, poderiam efetuar o registro da propriedade reconhecida em seu favor[21].
Do ponto de vista processual, desde já se identifica um possível problema concernente na impossibilidade de prolação de sentença condicional, como bem apontado por Marco Aurélio da Silva Viana (2003, p. 54). Com efeito, seguindo à risca esse entendimento, na sentença, seria fixado determinado preço a ser pago pelos possuidores e, caso houvesse tal pagamento, estaria autorizado o registro. Do contrário, seria reconhecido o direito de propriedade em favor do reivindicante.
No entanto, não é possível estabelecer restrições ou condições ao direito ali reconhecido. Assim, não pode o magistrado decidir pela existência de obras e serviços relevantes prestados pelos possuidores e determinar o pagamento da indenização, mas, na eventualidade de inadimplemento, reverter o reconhecimento do direito em favor do proprietário.
Diante disso, pensa-se na possibilidade de a fixação ocorrer por meio de decisão interlocutória ou da instauração de um incidente processual, com a ressalva de o pagamento implicar necessariamente decisão final favorável aos demandados.
Ocorre que, como regra geral, a hipótese discutida nos parágrafos anteriores será remota, pois haverá uma impossibilidade fática de realização desse pagamento em razão da imensa probabilidade de serem pessoas de baixíssima renda, a qual, inclusive, em muitos casos será proveniente da utilização da própria área ocupada.
Diante disso, a doutrina assinala a responsabilização solidária do Estado. Para RAMOS (2006, p. 451), isso se justifica pois “será o próprio Estado, através do Judiciário, que fará a desapropriação fundada no interesse social (CR, art. 5º, XXIV)”. Dessa forma, o responsável específico seria a União ou o Estado, a depender de a demanda ter tramitado perante a justiça federal[22] ou estadual.
Em posicionamento distinto e aqui entendido como mais correto, Mônica Aguiar (2003) sustenta que, estando o imóvel localizado em área rural, cabe à União, por força dos arts. 184 a 186 da Constituição Federal e dos critérios estabelecidos pela Lei 8.629/1993. Por sua vez, localizando-se em área urbana, será do município que o abrigue, a quem compete determinar o seu plano diretor.
Nesse caso, a pessoa jurídica de direito público deverá integrar o processo por meio de denunciação da lide efetuada pelo autor da demanda, quando o processo tramitar pelo rito ordinário. Não tendo integrado a lide e não tendo havido pagamento por parte dos possuidores em razão de insuficiência de recursos, será possível o ajuizamento de ação de regresso.
Por fim, é importante ressalvar que o pagamento da compensação pecuniária pelo Poder Público é medida excepcional e só se justifica em hipótese extrema de impossibilidade de pagamento por parte dos demandados, razão pela qual, a priori, não se vislumbra possível a sua cobrança direta em ação indenizatória. Isso porque não é justo onerar o Estado em razão de interesses não inteiramente, mas essencialmente privados[23]. Inclusive, não parece suficiente atribuir essa responsabilidade somente em razão de a desapropriação, nesse caso, ser proferida por meio de decisão judicial. Se assim o fosse, o Estado deveria responder por qualquer inadimplemento das suas ordens. Parece razoável, entretanto, conceber essa possibilidade em razão de lhe caber o papel de assegurar a todos o direito moradia e emprego, bem como o de efetivar a reforma agrária. Dessa forma, se alguém chegou a perder o seu direito de propriedade devido à não satisfação dessas obrigações, excepcionalmente, o ente inadimplente deve responder, sendo importante ressaltar que, em caso de omissão, a responsabilidade civil do Estado é aferida por meio da teoria da culpa anônima, exigindo-se a comprovação da má prestação do serviço público[24] e, em se tratando de ato jurisdicional, somente é admitida em caso de prisão indevida por erro judiciário[25].
Inclusive, na hipótese de não pagamento por parte dos possuidores e do Estado, “ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente, estará autorizada a expedição de mandado para registro da propriedade em favor dos possuidores”, nos termos do enunciado de n. 311, aprovado na IV Jornada de Direito Civil.
7. Do simbolismo da norma
Os aspectos acima abordados e a imensa dificuldade de aplicação dos dispositivos em apreço foram responsáveis pela instauração do seguinte questionamento: por que razão foi instituída norma merecedora de tantos elogios e, ao mesmo tempo, capaz de provocar tamanhos descontentamentos e frustrações?
Em breve histórico, assinala-se que o art. 1.228 correspondia ao art. 524 do Código Civil de 1916. No entanto, os seus parágrafos 4º e 5º, em que pese terem sido incluídos desde o projeto de 1973, não encontravam correspondência com qualquer dispositivo do diploma anterior. Foram, sem dúvida, acrescidos com o intuito de demonstrar que o anteprojeto coadunava com as mudanças impostas pela então “recente” perspectiva do Direito Civil Constitucional e da função social dos direitos, especialmente da propriedade.
Como demonstração inequívoca desse fato, na exposição de motivos foi assim consignado: “Trata-se, como se vê, de inovação do mais alto alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade, implicando não só novo conceito desta, mas também novo conceito de posse, que se poderia qualificar como sendo de posse- trabalho”.
Ocorre que, desde o início da elaboração do novo código, foram apontadas as limitações técnicas dessa norma, equivocadamente repleta de conceitos jurídicos indeterminados, supostamente utilizados para conferir mais liberdade de atuação ao magistrado e, com isso, maior possibilidade de realização da função social da posse e propriedade.
Nesse sentido, relata Pablo Rentería (2008, p. 72) que o professor português José Oliveira Ascensão, em seu artigo publicado sobre o tema em 1976, advertia que “A preocupação social nem sempre encontrou a formulação técnica adequada. A imprecisa disposição do § 4º do art. 1.266 […] é elucidativa” (ASCENSÃO, 1976 apud RENTERÍA, 2008).
A título exemplificativo, é possível pensar na imprescindibilidade do pagamento da indenização e, por outro lado, a evidente impossibilidade de pagamento por parte dos seus beneficiários, em geral pessoas de baixa renda que se agrupam e passam a constituir verdadeiras favelas, quando o fazem nos centros urbanos. Além disso, é importante pontuar a necessidade de boa-fé por parte dos adquirentes, limitando demasiadamente a incidência do instituto, o qual não poderá abarca as chamadas ocupações consolidadas, de acordo com o posicionamento de Armando Antônio Lotti (2012). Desse modo, é muito mais vantajoso pleitear o reconhecimento da usucapião especial de imóvel urbano, em suas modalidades individual ou coletiva[26], ou da usucapião especial rural, as quais dispensam o pagamento de contraprestação pecuniária e a presença de boa-fé, exigindo, dentre outros, a utilização do bem para fins de moradia, o que geralmente ocorre nas chamadas “invasões”. Inclusive, mesmo que o Estado seja considerado devedor solidário da indenização, haverá inúmeros requisitos a serem demonstrados e longa será a espera do antigo dono expropriado, especialmente se for estabelecido o pagamento como devido pelo ente municipal, tendo em vista as péssimas condições econômico-financeiras pelas quais passam os municípios brasileiros.
Assim, partindo-se da inevitável conclusão de que os equívocos e problemas apontados ao longo deste trabalho não foram acidentais ou frutos de decisão impensada do legislador, defende-se a posição de que a norma contida nos §§ 4º e 5º, do art. 1.228, do Código Civil pode ser enquadrada no que Marcelo Neves chama de “legislação simbólica”.
Afirma o mencionado autor que, em determinados diplomas normativos, “o significado latente prevalece sobre o seu significado manifesto”, havendo enorme “confusão entre o agir e a satisfação da respectiva necessidade”, de sorte que “em contraposição à atitude expressiva e semelhantemente à ação instrumental, a postura simbólica não é caracterizada pela imediatidade da satisfação das respectivas necessidades e se relaciona com o problema da solução de conflito de interesses” (2007, p. 22).
Em termos mais simples, entende-se que, no caso em apreço, o legislador buscou mais “demonstrar” a nova orientação constitucional do diploma civil, do que efetivamente garantir meios de concretização aos novos comandos protetivos da função social da posse e propriedade. Nesse ponto, inclusive, vale ponderar que todo direito possui uma função simbólica, visto que a sua previsão necessariamente veicula e positiva valores e interesses, servindo também à pacificação social. No entanto, na chamada legislação simbólica, essa função aparece hipertrofiada, enquanto a instrumentalidade, ou seja, a possibilidade de levar à efetiva realização dos fins previstos, é colocada em segundo plano.
Adotando o modelo tricotômico de Kiendermann, Marcelo Neves sustenta que a legislação simbólica pode ter como conteúdo: i) a confirmação de valores sociais; ii) a demonstração da capacidade de ação do Estado; iii) o adiamento de conflitos sociais através de compromissos dilatórios (2007, p. 33).
Em que pese seja possível identificar traços da terceira possibilidade, é inquestionável a conclusão acerca do enquadramento do instituto em comento como forma de confirmação de valores sociais, afinal, como dito, o velho e ultrapassado diploma civil de 1916 precisava de uma nova roupagem, passando a albergar valores que até então gozavam de pouco prestígio normativo mas de crescente aceitação e exigibilidade social. Nesse caso, o legislador pátrio foi convocado a posicionar-se diante do conflito de interesses entre o predomínio absoluto do direito à propriedade, os reclames da sua funcionalidade, as novas exigências de redistribuição fundiária, dentre outros. Optando por aparentemente privilegiar estes últimos, conferiu vitória normativa e certa superioridade aos seus defensores.
Vale, no entanto, observar que, embora simbólica, essa espécie normativa possui inegáveis efeitos: i) convence as pessoas e grupos, tranquilizando-os no sentido de que os seus interesses foram incorporados pelo direito e estão por ele garantidos; ii) afirma publicamente uma norma moral, conduzindo as principais instituições da sociedade a seguirem a sua orientação, pois, por menor que seja a eficácia e vigência social da lei, é mais difícil impor condutas que lhe são contrárias; e iii) diferencia, “com relevância institucional”, as culturas e valores dominantes, sendo, nesse sentido, “potencial geradora de profundos conflitos” (NEVES, 2007, p. 54).
Porém, em que pese o relevante papel desse tipo de norma, constata-se que, ao invés de fortalecer os valores veiculados, acaba por torná-los iníquos, oferecendo à sociedade uma “pacificação artificial” não fundada na efetiva solução dos problemas, e sim na mera conjecturação no plano normativo. Dessa forma, cria-se uma descrença política na atuação estatal como um todo, posto que o Estado não foi capaz de elaborar soluções viáveis, tampouco de fazer valer as suas próprias metas, mantendo-se apenas apaziguados os conflitos sociais.
Diante do exposto, conclui-se pela necessidade de alteração legislativa apta a tornar eficaz e operacionalizar os dispositivos pertinentes à “desapropriação judicial”, valendo pontuar, nesse sentido, a existência do Projeto de Lei n. 6.960/2002, atualmente arquivado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, e as inúmeras propostas advindas da doutrina, tal como a proposta de Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 457-458).
8. Conclusão
Em que pese o relevante papel social do instituto em apreço, constata-se que a preponderância absoluta do seu aspecto político, ao invés de fortalecer os valores veiculados, em especial a função social da propriedade e da posse, acaba por torná-los iníquos, oferecendo à sociedade uma “pacificação artificial” não fundada na efetiva solução dos problemas, e sim na mera conjecturação no plano normativo. Dessa forma, cria-se uma descrença política na atuação do Poder Público como um todo, posto que o Estado não foi capaz de elaborar soluções viáveis, tampouco se mostra capaz de fazer valer as suas próprias metas, principalmente por meio das dificuldades de aplicação a serem enfrentadas pelo Poder Judiciário, mantendo-se apenas apaziguados os conflitos sociais.
Nesse contexto, não se trata de conceber como inconstitucional a norma analisada em virtude da sua manifesta inviabilidade e pelo uso excessivo de conceitos abertos e indeterminados na sua elaboração, como entende Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 360-361). Em verdade, verifica-se um descuido técnico intencional que, se não foi motivado por uma espécie de “má-fé” legislativa ou política, ocasiona um sentimento frustrado de solução efetiva, uma espécie de “consolo normativo” muito distante do que se espera quanto ao reconhecimento de valores tão fundamentais.
Diante do exposto, é importante pontuar a necessidade de se promover uma alteração legislativa apta a tornar eficaz e operacionalizar os dispositivos pertinentes à “desapropriação judicial”, valendo mencionar, nesse sentido, a existência do Projeto de Lei n. 6.960/2002, atualmente arquivado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, e as inúmeras propostas advindas da doutrina, especialmente a de Glauco Gumerato Ramos.
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[1] Nesse sentido, GAGLIANO, 2006, p. 360 e FACHIN, GONÇALVES, 2008, p. 141.
[2] Nesse ponto, bastante ilustrativas são as considerações de Anderson Schreiber (2011, p. 3): “O termo ‘releitura’ não deve, contudo, ser entendido de modo restrito. Não se trata apenas de recorrer à Constituição para interpretar as normas ordinárias de direito civil (aplicação indireta da Constituição), mas também de reconhecer que as normas constitucionais podem e devem ser diretamente aplicadas às relações jurídicas estabelecidas entre particulares. (…) Trata-se, muito ao contrário, de superar a segregação entre a Constituição e o direito civil, remodelando os seus institutos a partir das diretrizes constitucionais, em especial dos valores fundamentais do ordenamento jurídico”.
[3] Nesse sentido, TEPEDINO, 2001 apud SCHREIBER, 2011.
[4] Art. 1.228. § 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
[5] Art. 1.228. § 5º. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
[6] Art. 1.228, § 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
[7] Afirmativa contida no art. 142, 2º, da Constituição de Weimar, de 1919. (apud DE FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 202).
[8] Por exemplo, DE FARIAS e ROSENVALD, 2008, p. 203; OLIVEIRA, 2012, p. 1098.
[9] Nesse sentido, MALUF, 2002, p. 1097.
[10] Sobre tal tema, vale pontuar que a Constituição Federal apenas prevê expressamente, no rol de direitos fundamentais, a função social da propriedade. No entanto, partindo do entendimento de Glauco Gumerato Ramos (2006) e Fredie Didier Junior (2009), a função social da posse está intimamente relacionada à da propriedade, decorrendo desta, de sorte que deve ser considerada implicitamente prevista e protegida constitucionalmente. Sendo assim, vale pontuar que O objetivo deste pequeno ensaio é demonstrar que “a consagração constitucional da função social da propriedade, como princípio que estrutura a ordem econômica brasileira e como um direito fundamental, tornou imperiosa a reestruturação do regramento infraconstitucional da tutela processual da posse. É preciso, a partir de então, exigir como pressuposto para a tutela da posse a demonstração de cumprimento da sua função social. Tratase de pressuposto implícito, decorrente da eficácia direta e imediata do princípio constitucional da função social da propriedade”.
[11] Nesse sentido, tem-se o enunciado de n. 304, aprovado na IV Jornada de Direito Civil: Art.1.228. São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens públicos dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos.
[12] Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior 2009, p. 166), “compete a ação de usucapião ao possuidor”. Ademais, corroborando a tese ora exposta, destaca-se o enunciado de n. 305, aprovado na IV Jornada de Direito Civil: “Tendo em vista as disposições dos §§ 3º e 4º do art. 1.228 do Código Civil, o Ministério Público tem o poder-dever de atuação nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que envolvam relevante interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos envolvidos”.
[13] Nesse sentido, o enunciado de n. 306 da IV Jornada de Direito Civil: “A situação descrita no § 4° do art. 1.228 do Código Civil enseja a improcedência do pedido reivindicatório”.
[14] Sobre este tema, válidas as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 170-171): “Desapropriação indireta é a que se processa sem observância do procedimento legal; costuma ser equiparada ao esbulho e, por isso mesmo, pode ser obstada por meio de ação possessória. No entanto, se o proprietário não o impedir em momento oportuno, deixando que a Administração lhe dê uma destinação pública, não mais poderá reivindicar o imóvel, pois os bens expropriados, uma vez incorporados ao patrimônio público, não podem ser objeto de reivindicação (art. 35 do Decreto-lei nº 3.365/41 e art. 21 da Lei Complementar nº 76/93)”.
[15] Adotando esse posicionamento, NERY JÚNIOR e NERY, 2011, p. 973-947.
[16] Nesse sentido, vale conferir o enunciado de n. 491, aprovado na V Jornada de Direito Civil: “O conteúdo do art. 1.228, §§ 4º e 5º, pode ser objeto de ação autônoma, não se restringindo à defesa em pretensões reivindicatórias”.
[17] Demonstrando esse posicionamento, vale citar o enunciado de n. 309, aprovado na IV Jornada de Direito Civil: “O conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201 do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228”.
[18] Nesse sentido, RENTERÍA, 2008, p. 88-89.
[19] Esse foi o entendimento exposto no enunciado de n. 84, aprovado na I Jornada de Direito Civil: “A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização”.
[20] Possibilidade apresentada por RENTERÍA, 2008, p. 89.
[21] É o que dispõe o enunciado de n. 241, aprovado na III Jornada de Direito Civil: O registro da sentença em ação reivindicatória, que opera a transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com fundamento no interesse social (art. 1.228, § 5o), é condicionada ao pagamento da respectiva indenização, cujo prazo será fixado pelo juiz.
[22] Quando a demanda reivindicatória for proposta, por exemplo, em face de possuidores indígenas (RAMOS, 2006, p. 452).
[23] Nesse sentido, vale conferir o enunciado de n. 308, da IV Jornada de Direito Civil: A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5°) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.
[24] Sobre o tema, Maria Silvia Zanela di Pietro (2001, p. 519) destaca: “Porém, neste caso, entende-se que a responsabilidade não é objetiva, porque decorrente do mau funcionamento do serviço público; a omissão na prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du service); é a culpa anônima, não individualizada; o dano não ocorreu de atuação do agente público, mas de omissão do poder público (cf. acórdão in RTJ 70/704, RDA 38/328, RTJ 47/378)”.
[25] Art. 5º. LXXV, Constituição Federal: o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
[26] Nomenclatura utilizada por Benedito Silvério Ribeiro (2004, p. 33).
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia e, atualmente, atua como servidora do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, estando lotada no Ministério Público de Contas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Ediara de Souza. A constitucionalidade da chamada "Desapropriação Judicial", prevista no art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil, à luz do estudo acerca da sua natureza jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 abr 2016, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46344/a-constitucionalidade-da-chamada-quot-desapropriacao-judicial-quot-prevista-no-art-1-228-4o-e-5o-do-codigo-civil-a-luz-do-estudo-acerca-da-sua-natureza-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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