RESUMO: O presente trabalho pretende analisar a importância da aplicação da Lei nº 8.429/92 - Lei de Improbidade Administrativa - a todos os agentes públicos, inclusive aos agentes políticos. Foi sustentado que a Lei nº 1.079/50 - Lei dos Crimes de Responsabilidade -, mostra-se insuficiente no papel de coibição e punição dos atos corruptos por parte dos administradores da coisa pública, sendo de grande relevância a utilização da Lei de Improbidade Administrativa de forma cumulativa com a Lei nº 1.079/50. Destaca-se, que não obstante o Supremo Tribunal Federal quando da apreciação da Reclamação nº 2.138-6/DF ter decido pela não aplicação da Lei nº 8.429/92 aos Ministros de Estado, entendendo pela incompetência do juiz de 1º grau para o julgamento de atos praticados por esses agentes, em virtude de prerrogativa constitucional do foro privilegiado que possuem, referido entendimento não foi compartilhado por todos os Ministros que participaram do julgamento, havendo discordância até hoje quanto a esse posicionamento.
Palavras-chave: Agentes políticos. Atos de Improbidade. Crimes de Responsabilidade. Reclamação nº 2.138-6/DF.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho faz um estudo da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos Agentes Políticos, tema de grande autoridade e discussão, uma vez que é de extrema importância a aplicação dos diplomas que preveem penalidades a agentes políticos que não cumpram com seus deveres funcionais, sobretudo com o dever de moralidade no desempenho de suas atribuições no Poder Público.
Sem a intenção de esgotar o assunto ora tratado, busca-se apenas aclarar pontos importantes no tocante à improbidade administrativa, abordando a questão do bis in idem na responsabilização por improbidade administrativa e por crime de responsabilidade.
Cuida, também, de analisar as consequências práticas do entendimento adotado na Reclamação nº 2.138-6/DF, enfrentando o fato de que alguns ministros expuseram em seus votos a importância da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa a todos os agentes públicos, não obstante a decisão final de referida reclamação tenha sido pelo não enquadramento deste diploma legal aos Ministros de Estado.
2. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A improbidade é contrária a tudo que se espera de um administrador público pois como gestor da coisa comum, deve utilizar os bens e serviços públicos da melhor forma para atender o anseio da sociedade. O interesse da população tem que ser a prioridade em qualquer governança administrativa e quando este interesse é mitigado em detrimento de um interesse privado, se está diante da chamada improbidade administrativa.
Segundo Oscar Valente (2011, p. 26):
A improbidade administrativa é a conduta desonesta, maliciosa, e possui um conteúdo mais amplo do que a imoralidade, porque compreende a violação a qualquer princípio da Administração Pública (e não apenas a moralidade).
A Constituição Federal de 1988 não estabeleceu a definição de ato de ímprobo. Os artigos da Constituição que tratam da matéria se limitam a estabelecer as sanções cabíveis a quem pratica os atos de improbidade (§ 4º, do artigo 37 da CF). Outrossim, a Lei nº 8.429/92, que foi editada com o objetivo de disciplinar referido dispositivo constitucional, também não cuidou de trazer uma definição do que venha a ser ato ímprobo.
Por outro lado, a Lei de Improbidade estabeleceu, de forma exemplificativa, tipos de improbidade administrativa, ou seja, trouxe em seus artigos 9º, 10 e 11, circunstâncias em que estão presentes atos de improbidade, que são praticados por agentes públicos por configurarem uma das três espécies de improbidade.
Comentando a técnica adotada pela Lei, Mattos (2010, p. 28) asseverou que “tal qual o ato de tipificação penal, era dever indelegável da Lei nº 8.429/92 identificar com clareza e precisão os elementos definidores da conduta de improbidade administrativa, para, após fixar os seus tipos”.
Para Emerson Garcia e Rogério Alves (2010, p. 296):
A técnica legislativa adotada pela Lei nº 8.429/1992, ao tipificar os atos de improbidade, denota que os ilícitos previstos nos incisos assumem relativa independência em relação ao caput, sendo normalmente desnecessária a valoração dos conceitos indeterminados previstos no caput dos preceitos tipificadores da improbidade, pois o desvalor da conduta, o nexo de causalidade e a potencialidade lesiva foram previamente sopesados pelo legislador, culminando em estatuir nos incisos as condutas que indubitavelmente importam em enriquecimento ilícito, acarretam dano ao erário ou violam os princípios administrativos.
Destaca-se que há previsão de responsabilização do administrador público por culpa (negligência, imprudência e imperícia) nos atos que acarretam dano ao erário, de modo que o dolo não é elemento necessário para tipificação de improbidade administrativa em todos os casos. Destarte, pode o agente público está sujeito às sanções por improbidade mesmo sem ter tido a intenção de praticar um ato ímprobo.
A Lei de Improbidade está na verdade em conformidade com a Constituição Federal que dispõe sobre a assunção do agente que provocar uma lesão ao erário por dolo ou culpa.
Salienta-se que é possível a prática de um único ato que acarrete, ao mesmo tempo, enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e viole os princípios da Administração. Nesse caso, cabe ao aplicador da norma à função de observar no caso concreto en que grupo de improbidade o ato vai se enquadrar, ou seja, se a subsunção do ato a norma vai ocorrer nos artigos 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/1992.
Para tanto, deve-se observar com que escopo foi praticado o ato, para o correto enquadramento, pois a verdadeira pretensão é a que deve prevalecer. A título de exemplo, é possível visualizar a hipótese em que o agente tenha violado um princípio na prática de um ato que tinha por escopo o auferimento de vantagem indevida. Nessa situação, deverá ser enquadrado no artigo 9º da Lei de Improbidade Administrativa.
2.1. SUJEITOS DO ATO DE IMPROBIDADE
2.1.1. Sujeitos passivos do ato de improbidade
Sujeito passivo é o possuidor do bem jurídico atingido pela conduta de outrem, ou seja, é aquele que é proprietário do bem que está sob ameaça ou foi violado pelo ilícito. O artigo 1º, caput, e parágrafo único da Lei nº 8.429/92 preveem os sujeitos passivos dos atos de improbidade, abaixo reproduzidos:
Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta, ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei.
Parágrafo Único. Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos
É cediço que cada vez mais o Poder Público presta serviços à população, não apenas por intermédio de seus órgãos, mas também através de particulares parceiros. Ora, para a prestação de serviços de interesse social por pessoas jurídicas de direito privado, a Administração Pública termina por participar da custeando de alguma forma estas entidades ou dando-lhes subvenção, benefício ou incentivo. Tal realidade fez com que a Lei de Improbidade Administrativa, de maneira acertada, estabelecesse como sujeitos passivos dos atos de improbidade, não só a Administração Pública, em sentido amplo, mas também pessoas jurídicas que de alguma forma sofrem relevantes intervenções do Estado.
Em relação às entidades previstas no parágrafo único do dispositivo a pouco referido, Garcia e Alves (2010, p. 232) esclarecem:
[...] somente permitirão o enquadramento da conduta do agente como ato de improbidade quando sua prática se der em detrimento do patrimônio das entidades ali referidas, o que exige a ocorrência de dano.
Assim sendo, as entidades privadas, mesmo não integrando a Administração Pública, podem ser sujeitos passivos, na hipótese de receberem fomento do Poder Público para o desempenho de suas atividades econômicas, desde que esta atividade tenha uma finalidade que seja do interesse comum. De fato, a Lei de Improbidade preserva o patrimônio das entidades que prestam serviços de interesse social, seja entidade que componha a própria Administração, seja entidade privada que tenha recebido investimentos públicos para conseguir seus fins.
Por todo o exposto em relação à repressão de atos de má índole contra empresas particulares que de alguma maneira o Poder Público tenha participação no desempenho de suas funções, estas do interesse comum, é que não se deve olvidar da importância de tal repressão no que diz respeito às entidades públicas que desempenham suas atribuições de forma centralizada ou por meio de outorga legal, onde há a descentralização das funções para as entidades da Administração Indireta.
Destaca-se, ainda, que são justamente os sujeitos passivos e o Ministério Público que possuem a legitimidade para entrar com uma ação de improbidade administrativa, haja vista possuírem interesse jurídico e direto com a causa.
2.1.2 Sujeitos ativos do ato de improbidade
A improbidade administrativa tem como principais sujeitos ativos os agentes públicos, que podem realizar atos ímprobos sozinhos ou com a contribuição de terceiros. Para fins da Lei nº 8.429/1992:
Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior (BRASIL, 1992).
Ou seja, a Lei nº 9.429/92 - Lei de Improbidade Administrativa - espera probidade administrativa do agente público, considerando este em sentido amplo, superando até mesmo o conceito de funcionário público previsto no artigo 327, caput, do Código Penal (MARTINS JÚNIOR, 2009, p. 297).
A esse respeito, leciona Di Pietro (2009, p. 815):
Os membros da Magistratura, do Ministério Público e do Tribunal de Contas incluem-se também como sujeitos ativos, sejam eles considerados servidores públicos, como querem alguns, ou agentes políticos, como preferem outros. De uma forma ou de outra, podem ser sujeitos ativos dos atos de improbidade, consoante conceito amplo que decorre do art. 2º da lei. O fato de gozarem de vitaliciedade não impede a aplicação das sanções previstas na lei, inclusive a perda do cargo, já que uma das hipóteses de perda do cargo, para os servidores vitalícios, é a que decorre de sentença transitada em julgado [...].
A Lei de Improbidade aplica-se também aos particulares que induzam, concorram ou se beneficiem do ato, conforme dispõe o artigo 3º da Lei nº 8.429/92, “as disposições desta Lei são aplicáveis no que couber àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou nele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta” (BRASIL, 1992).
Observa-se que é preciso para se caracterize um ato ímprobo o envolvimento de um agente público. No entanto, é possível a responsabilização de particulares que auxiliem ou induzam o administrador público na pratica de referido ato.
3. RECLAMAÇÃO nº 2.138-6/DF
O entendimento a que se chegou quando do julgamento da Reclamação nº 2.138-6/DF foi no sentido de que os Ministros de Estados que podem ser penalizados por atos tipificados como crime de responsabilidade não estão sujeitos a Lei de Improbidade Administrativa
Expôs o Supremo Tribunal Federal que os atos de improbidade previstos na Lei nº 8.429/92 estariam abrangidos pelos crimes de reponsabilidade, devendo a responsabilidade político-administrativa dos Ministros de Estados limitar-se a Lei nº 1.079/50, em observância ao princípio da especialidade.
A Reclamação nº 2.138-6/DF foi proposta pela Advocacia-Geral da União visando preservar a competência originária do Supremo Tribunal Federal com relação aos que usufruem de prerrogativas funcionais. O inquérito civil público presidido por Procuradores da República do Distrito Federal, que acabaram decidindo pela propositura de ação por ato de improbidade contra o Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos - SAE, da Presidência da República, Ronaldo Mota Sardemberg, pelo uso inadequado de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) e fruição de Hotel de Trânsito da Aeronáutica.
No 1ª grau de jurisdição, o magistrado singular condenou o Ministro de Estado nas sanções do artigo 12 da Lei de Improbidade.
Embora tenha apelado da decisão ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Ronaldo Sardemberg não obteve a sua reforma, o que ensejou a Reclamação no Supremo Tribunal Federal em face do Juiz Federal e do Relator da Apelação Cível no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sob a alegação de usurpação de competência da Suprema Corte, uma vez que, de acordo com a fundamentação utilizada, os atos de improbidade administrativa praticados por Ministros de Estado seriam, em verdade, crime de responsabilidade, que é da competência do Supremo Tribunal Federal.
A decisão colegiada que julgou a sobredita reclamação foi assim ementada:
EMENTA: RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS.
(...)
1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo.
2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos
praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade específicos ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, “c”, da Constituição.
3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, “c”; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992).
4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, “c”, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.
5.Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa a ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, “c”, da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE (sic) (BRASIL, Ac nº 1999.34.00.016727-9 TRF 1ª R. Rel. Nelson Jobim).
É imperioso destacar que o único agente político a que diz respeito a Reclamação nº 2.138-6/DF é o Ministro de Estado. Deve ficar claro, portanto, que o Supremo Tribunal Federal não se pronunciou expressamente com relação aos outros agentes políticos.
Ademais os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello, quando do pronunciamento de seus votos, defenderam a aplicação da Lei de Improbidade a todos os agentes políticos, fazendo ressalvas, porém, na aplicação das sanções de perda da função pública e da suspensão dos direitos políticos (AGUIAR, 2010, p. 257).
Ora, a defesa de que os agentes políticos estão submetidos a uma responsabilidade específica, a Lei nº 1.079/50, e que por isso a inaplicabilidade da Lei de Improbidade a eles, nada mais faz do que privilegiar um determinado grupo de administradores públicos em desfavor dos demais gestores públicos
Acertadamente assevera Guilherme Fraga (2009, p. 40-47):
Com efeito, à exceção do entendimento majoritário formulado perante o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento de mérito da Reclamação nº 2.138-6/DF, a quase unanimidade da doutrina pátria admite, ao menos, a incidência da Lei nº 8429/92 aos agentes políticos, mesmo que de forma não integral, excluindo a possibilidade jurídica (CPC, art. 267, VI) de se impingir a sanção de perda da função pública.
Os agentes políticos, especialmente pela importância das funções que desempenham, deveriam se sujeitar aos dois institutos. Assim, seriam responsáveis político-administrativamente quando da prática dos crimes de responsabilidade praticados de encontro a Constituição, como também deveriam ser responsabilizados administrativamente ao praticarem atos contrários à probidade administrativa (FRAGA, 2009, p. 40-47).
É fácil perceber que não se servir da Lei de Improbidade para alguns agentes políticos é um juízo político, uma vez que a aplicação da Lei nº 8.429/92 concomitante com a Lei nº 1.079/50 não caracteriza o “bis in iden”, face a comprovada natureza distinta dos dois diplomas.
Indispensável à análise de fragmento proveniente do voto exarado na Reclamação nº 2.138-6/DF pelo Min. Joaquim Barbosa:
[...] Vista de outro ângulo, a proposta que vem obtendo acolhida até o momento nesta Corte, no meu modo de entender, além de absolutamente inconstitucional, é a histórica e reacionária, na medida em que ela anula algumas das conquistas civilizatórias mais preciosas obtidas pelo homem desde as revoluções do final do século XVIII. Ela propõe nada mais nada menos do que o retorno à barbárie da época do absolutismo, propõe o retorno a uma época em que certas classes de pessoas tinham o privilégio de não se submeterem às regras em princípio aplicáveis a todos, tinham a prerrogativa de terem o seu ordenamento jurídico próprio, particular. Trata-se, como já afirmei, de um gigantesco retrocesso institucional. Na perspectiva da notável evolução institucional experimentada pelo nosso país nas últimas duas décadas, cuida-se, a meu sentir, de uma lamentável tentativa de REBANANIZAÇÃO DA nossa República! [...].
É notório que quanto mais relevante a função de um administrador público maior a sua responsabilidade, por conseguinte maior deveria ser a fiscalização sobre as atividades por ele desempenhadas. Ocorre que com esse entendimento o Supremo ao invés de reforçar a punição com aqueles que ocupam elevadas funções, terminou por abrandar a obrigação que eles devem ter para com os administrados.
4. ABRANGÊNCIA DA RECLAMAÇÃO Nº 2.138-6/DF E TENDÊNCIA JURISPRUDENCIAL
Os efeitos do julgamento da Reclamação nº 2.138-6/DF não são erga omnes, mas tão somente “inter partes”, além de não ser vinculante, tendo em vista que não foi elaborado em sede de controle de constitucionalidade concentrado. Por conseguinte, o único agente político que por força de tal reclamação não está sujeito às sanções da Lei de Improbidade é o Ministro de Estado.
Isto posto, é plenamente possível que em outro posicionamento sobre o tema o Supremo adote posicionamento diverso, já que nada o vincula a decisão anteriormente tomada. Corrobora com essa possiblidade, o fato de vários Ministros que participaram do julgamento desta Reclamação não mais comporem a Corte.
Nesse contexto, é importante anotar que há forte tendência de mudança de entendimento nos Tribunais Superiores a respeito da questão aqui tratada. O Superior Tribunal de Justiça, quando instado a se manifestar sobre a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, tem revelado que outro caminho a ser trilhado pela jurisprudência pátria. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I, CPC. INEXISTÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUJEIÇÃO DE AGENTE POLÍTICO MUNICIPAL. POSSIBILIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA. PROVA INQUISITORIAL. NULIDADE NÃO EVIDENCIADA. FATO INCONTROVERSO. ÔNUS DA PROVA. DOLO GENÉRICO. ELEMENTOS CONFIGURADORES RECONHECIDOS NA ORIGEM. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE SERVIDORES. ART. 11, V, DA LEI 8.429/92. SUFICIÊNCIA DO DOLO GENÉRICO.
(…) 2. Há plena compatibilidade entre os regimes de responsabilização pela prática de crime de responsabilidade e por ato de improbidade administrativa, tendo em vista que não há norma constitucional que imunize os agentes políticos municipais de qualquer das sanções previstas no art. 37, § 4º, da CF. Precedentes.
(…) 8. Agravo regimental a que se nega provimento, ficando prejudicado o pedido de antecipação de tutela.
(AgRg no REsp 1294456/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 18/09/2014)
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE DE VEREADORES QUE PERCEBERAM SUBSÍDIOS EM DESACORDO COM O ART. 29, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O ART. 5º DA RESOLUÇÃO 775/1996. ALEGAÇÃO DE QUE A LEI 8.429/92 IMPÕE AOS AGENTES POLÍTICOS DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO. INOCORRÊNCIA DIANTE DA NÃO COINCIDÊNCIA DAS SANÇÕES DO DL 201/67 COM AQUELAS PREVISTAS NA LEI DE IMPROBIDADE. (…) 2. A controvérsia sobre a aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos foi superada, no julgamento da Rcl 2.790/SC, pelo STJ, quando entendeu que “não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza” (Rel. Min. Teori Zavascki).
3. É inadequada a incidência no caso dos autos do precedente firmado na Rcl 2.138/STF, Min. Gilmar Mendes, pois a ratio decidendi daquele julgamento estava em evitar o chamado duplo regime sancionatório, tendo em vista que, naquela hipótese, o processo voltava-se contra Ministro de Estado cujos crimes de responsabilidade se sujeitam ao regime especial de que trata o art. 52 da Constituição. 4. O art. 12 da Lei 8.429/92 prevê inúmeras sanções que em nada coincidem com a única penalidade imposta no art. 7º do DL 201/67 – cassação de mandato -, de modo que não há risco de duplicidade sancionatória dos vereadores. Precedentes do STF. 5. Assentada a aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos atos praticados pelos legisladores municipais, consequentemente, tem-se como perfeita a relação de pertinência subjetiva evidenciada pela ação de improbidade que busca responsabilizar aqueles agentes políticos pelo recebimento ilegal de subsídios no período compreendido entre os anos de 1997 e 2000, mostrando-se impertinente a extinção do feito por ilegitimidade de parte passiva. Violação do art. 267, VI, do CPC.
6. Recurso Especial provido. (REsp 1314377/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 18/09/2013)
5. CONCLUSÃO
A conduta honesta, proba, como demonstrado, deve ser exigida de todos que atuam em prol do bem comum, e foi com o intuito de inibir atos prejudiciais ao interesse público que foi editada a Lei nº 8.429/92.
Esta lei, repise-se, não exclui qualquer pessoa que atue direta ou indiretamente com o Poder Público. Não obstante, o Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Reclamação nº 2.138-6/DF posicionou-se pela não aplicação deste instituto aos Ministros de Estados, sob o argumento de que estes já estão submetidos a um regime especial, qual seja, a Lei nº 1.079/50 - Lei dos Crimes de Responsabilidade.
Espera-se, contudo, que os precedentes do Superior Tribunal de Justiça referidos acima denotem verdadeira guinada na jurisprudência pátria, a fim de que nenhum agente público, seja ela agente político ou não, escape do campo de incidência da Lei de Improbidade Administrativa.
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Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALDIR DE FREITAS MATIAS JúNIOR, . Aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos Agentes Políticos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46354/aplicacao-da-lei-de-improbidade-administrativa-aos-agentes-politicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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