RESUMO: Esse artigo tem como objetivo traçar uma análise sobre o instituto do jus postulandi como meio de acesso à Justiça, questionando a eficácia do instituto quanto ao fim a que se propõe. Para tanto, analisou-se o contexto histórico em que instituiu-se o jus postulandi na Justiça do Trabalho brasileira, a fim de entender o porquê de sua existência. Além disso, houve o confronto do instituto com o objetivo atual do acesso à Justiça, através de posicionamentos doutrinários, favoráveis e contrários, e, por fim, a análise das possíveis alternativas, existentes ou não, para atingir de forma eficaz a finalidade pretendida. Utilizou-se como referência, posicionamentos da doutrina de maior referência, artigos científicos, a própria legislação pátria sobre o assunto bem como Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. O trabalho utiliza uma pesquisa explicativa, do ponto de vista dos objetivos, e bibliográfica, quanto aos procedimentos técnicos. Por fim, há o uso da abordagem pelo método dedutivo para uma análise sistemática do jus postulandi como instrumento de acesso à Justiça.
Palavras-chave: Jus Postulandi. Acesso à Justiça. Justiça do Trabalho. CLT.
O instituto do jus postulandi é um instrumento que foi incorporado a Justiça do Trabalho do Brasil com o intuito de garantir o acesso à Justiça àqueles hipossuficientes de recursos para contratar advogado. Contudo, o referido instituto tornou-se alvo de inúmeras e crescentes críticas ao longo do tempo, questionando-se, principalmente, sua eficácia ante a nova concepção do que é o acesso à justiça.
Nesta esteira, o presente trabalho pretende, primeiramente, destrinchar a denominação e conceituação do jus postulandi, destacando o efeito almejado na Justiça do Trabalho: tornar possível a parte que não queira, ou não possa, se fazer acompanhar de advogado, ingressar ou se defender em juízo.
Após conceituar o instituto, se destrinchará o panorama histórico do seu surgimento.
O artigo em comento também analisará a definição do que é o acesso à Justiça, que inclusive foi prestigiado pela Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXV. O conceito seguiu por várias fases até chegar no denominado “Acesso à justiça efetivo”. A análise fará um cotejamento doutrinário para concluir se o acesso à justiça efetivo foi alcançado.
Necessário abordar neste trabalho a importância dos advogados em uma lide e que desvantagens possui o indivíduo que demanda sem auxílio técnico.
Sucessivamente, frisa-se a importância de questionar o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, no que tange, mais especificadamente, a garantia constitucional de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados pelo Estado. Destaca-se que a assistência jurídica integral e gratuita não correspondente integralmente a assistência prestada pelos sindicatos nas demandas trabalhistas. Por fim, analisam-se possíveis alternativas ao jus postulandi.
O objetivo principal desta monografia será realizar uma análise crítica sobre o jus postulandi como instrumento de acesso à Justiça.
1 CONCEITO E ORIGEM DO JUS POSTULANDI
A explicação acerca da denominação do jus postulandi é perfeitamente ensinada por Sergio Pinto Martins, “[...] jus postulandi é uma locução latina que indica o direito de falar, em nome das partes, no processo, que diz respeito ao advogado."(MARTINS, 2010, p. 185).
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite (2010, p. 385-386), o instituto também é chamado de capacidade postulatória, visto que é a capacidade reconhecida pelo próprio ordenamento jurídico a pessoa, para que possa praticar pessoalmente, de maneira direta, atos processuais.
Em sentido diverso, Sergio Pinto Martins (2010, p. 185) esclarece que apesar de na prática, muitas vezes, existir confusão entre as noções de capacidade postulatória com o ius postuland, na verdade, a primeira refere-se ao sujeito e a segunda ao exercício do direito possibilitado pela capacidade de estar em juízo.
Divergências à parte, como regra, no ordenamento jurídico, tal capacidade é atribuída ao advogado, o qual defende o interesse do cidadão comum em juízo, através da prática de atos processuais, sendo no processo civil, inclusive, a representação do patrono, um pressuposto processual. Contudo, a Justiça do Trabalho é uma das exceções a essa regra, permitindo, o processo trabalhista, que as partes possam ingressar em juízo independentemente de estarem patrocinadas por advogado.
Destaca Bolivar Viégas Peixoto (2004, p. 150) que não se trata de uma obrigação aos litigantes ingressarem em juízo sem patrocínio, podendo optar, caso queiram, pela representação por advogado ou estagiário.
A faculdade é atribuída aos empregados e empregadores nos termos do artigo 797 da CLT, in verbis “Art. 791. Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a justiça do trabalho e acompanhar as suas reclamações.” (BRASIL, 1943)
Explica Amador Paes de Almeida (2009, p.68) que o propósito do legislador era facilitar o acesso do empregado, parte economicamente mais frágil que o empregador, ao juízo, mas acabou estendendo o jus postulandi a este último, a fim de que possa responder às ações em que litiga sem a necessidade da outorga de mandato a advogado.
Ou seja, o jus postulandi surgiu justamente como uma forma de facilitar o acesso à justiça ao trabalhador, visto que era - e ainda é - a parte hipossuficiente da relação trabalhista. A sua implantação foi uma consequência da criação - à época - das Juntas de Conciliação e das Comissões Mistas de Conciliação, permitindo ao trabalhador sindicalizado postular perante as Juntas de Conciliação. A medida também teve embasamento político, visto que era característico da era Vargas o incentivo a sindicalização.
O referido instituto, ao longo dos anos, não passou despercebido aos questionamentos, visto a mudança do paradigma social, político, legislativo da época de sua criação.
Citam-se, somente como exemplos, os quais não fazem parte do enfoque do presente estudo, o conflito do jus postulandi com o artigo 133 da carta magna, a colisão com o artigo 1º do Estatuto da OAB, a tentativa de sua revogação por dispositivo vetado na Lei nº 10.288/2001, bem como os questionamentos referentes a sua aplicabilidade em todas as relações de trabalho após o advento da Emenda Constitucional 45/2004.
2 O JUS POSTULANDI, UM INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA?
O que significa o “acesso à justiça”? O conceito dessa expressão é mais complexo do que aparenta e sofreu graduais alterações sobre sua concepção até os dias atuais. Sua compreensão é necessária para que se possa descobrir se o jus postulandi atende a finalidade para a qual foi criado e quais seriam os melhores instrumentos na busca de sua efetivação.
2. 1 Definição de acesso à Justiça – Um Princípio Constitucional
A definição do significado da expressão “acesso à justiça” não é uma tarefa fácil. Contudo, é uma tarefa necessária para o estudo em questão. É neste diapasão que estão Mauro Cappelletti e Bryant Garth.
A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. Nosso enfoque, aqui, será primordialmente sobre o primeiro aspecto, mas não poderemos perder de vista o segundo. Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas pressupõe o acesso efetivo (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 8).
O conceito de acesso à Justiça, assim como o significado da própria justiça, sofreu modificações ao longo do tempo até chegar no estado atual. Assim, como ensinam Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1998, p. 9 – 13), em obra que é referência sobre o assunto – Acesso à Justiça -, existiram várias etapas antes da estabilização do conceito.
Inicialmente, o acesso à proteção judicial restringia-se a garantia do direito formal do indivíduo poder propor ou contestar uma ação. A preservação dos direitos pelo Estado se limitava a não permitir que fossem infringidos. Não havia preocupação sobre os meios como o individuo iria buscar seus direitos.
Parafraseando os renomados autores “O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva” (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 9).
O conceito atual não envolve somente o acesso à justiça, na sua forma pura e simples. O enfoque contemporâneo preocupa-se em garantir o efetivo acesso à justiça.
Neste sentido está Jorge Luiz Souto Maior, citado por Mauro Schiavi (2009, p. 287), ao advertir que para acontecer o acesso à Justiça, deve existir a efetividade do processo. Versa ainda que a efetividade é um conceito vago e que para essa ideia fique mais concreta, traduz a efetividade como a igualdade de armas, a fim de garantir que o resultado final de uma demanda dependa somente do mérito dos direitos discutidos e não de forças externas. Conclui o entendimento salientando que a meta não é fazer uma justiça do pobre, mas uma justiça que todos, inclusive o pobre, tenha acesso e alertando que as reformas propostas pelo movimento em prol do acesso à justiça devem ser pensadas ponderando seus riscos e limitações.
Acerca da efetividade do acesso à justiça e sobre a suposta igualdade de armas, ensinam Mauro Cappelletti e Bryan Garth:
Embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de “efetividade” é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa igualdade “igualdade de armas” – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas. A questão é saber até onde avançar na direção do objetivo utópico e a que custo. (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 15).
Importante destacar que os ilustres autores revolucionaram ao dividirem em ondas as soluções propostas pelo Estado para solucionar os problemas de acesso à Justiça.
(...) Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira “onda” desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor, e o terceiro – e mais recente – é o que nos propormos a chamar simplesmente “enfoque de acesso à Justiça” porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo (CAPPELLETI; GARTH, 1998, p. 31)
Ensina Ingrid Zannella Andrade Campos (2011, p. 55) que, na primeira onda, os esforços direcionaram-se no sentido de incrementar o acesso à Justiça, nos países ocidentais o foco foi possibilitar aos pobres serviços jurídicos. Contudo ressalta ainda que esta onda se baseava na visão racionalista do processo, o acesso ainda era correlacionado com o direito de ação apenas na sua acepção formal, não abrangendo todas as possibilidades do acesso à justiça.
Sobre a terceira e ultima onda, importante destacar as seguintes citações:
(...) O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instruções e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos “o enfoque do acesso à Justiça” por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhoras o acesso. (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 67-68)
Com a terceira onda, denominada de “o enfoque do acesso à justiça” por sua abrangência, o desiderato já não era apenas garantir o acesso à tutela jurisdicional, individual ou coletivamente, mas assegurar aos cidadãos um acesso realmente efetivo aos órgãos colocados à sua disposição. (CAMPOS, 2011, 63).
Destarte, importante frisar que o acesso à justiça foi reconhecido ao patamar constitucional no Brasil junto com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Versa o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal “A lei não excluirá à apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 2011, p. 11).
Sobre o tema, analisa Ingrid Zanella Andrade Campos:
Este princípio deve ser entendido como basilar e orientador dos sistemas normativos na ordem interna ou internacional. É característica primordial do Estado democrático de direito, e lhe atribui respeitabilidade e a possibilidade de instituir que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direitos deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário, e até por outra corte, desde que em respeito aos princípios constitucionais, assegurando efetivamente a proteção dos direitos fundamentais.
Entretanto o acesso ao Poder Judiciário, como inafastabilidade da tutela jurisdicional, é apenas uma das vertentes do acesso à justiça. (CAMPOS, 2011, p. 30)
A autora, de maneira cautelosa, evidencia que não se deve restringir o acesso à justiça ao acesso ao poder judiciário, trata-se, afinal, de uma concepção bem mais ampla.
Como ainda ensina Ingrid Zanella Andrade Campos (2011, p. 32 - 33), o aspecto do princípio relacionado com o acesso ao poder judiciário é o aspecto formal. Contudo, deve-se se lembrar que ainda há o aspecto material ligado a uma ordem de valores e direitos consagrados pelo Estado democrático de direito.
Não basta para o jurisdicionado envolvido numa lide judicial, que o estado diga o direito, mas que, também, este direito seja conferido materialmente a quem tenha razão, isto é, que a pretensão se efetive através do instrumento colocado à disposição do vencedor e que esteja em sintonia com os princípios constitucionais processuais.
Não interessa mais ao individuo a igualdade formal perante a lei e durante o trâmite processual; atualmente, faz-se necessária a igualdade material. Para tanto, é necessário que o acesso à justiça seja amplo e irrestrito, assim como a ordem jurídica oferecida deve necessariamente ser justa e capaz de oferecer mecanismos hábeis à consecução rápida e segura de uma pretensão resistida ou insatisfeita.
Logo, ao acesso à justiça são atribuídos dois sentidos pela doutrina. O primeiro, atribui ao significado da justiça os mesmos sentido e conteúdo que Poder Judiciário, que os usa como sinônimos; e, o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso como acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais e não excludentes, independente da atuação do Poder Judiciário. (CAMPOS, 2011, p. 34)
Destaca-se que foi a fim de promover o acesso à justiça para os empregados que necessitassem procurar a esfera judicial, mas não tivessem condições, que se instaurou o jus postulandi na Justiça do Trabalho brasileira. Logo, imaginou-se como uma forma de possibilitar ao hipossuficiente ingressar em juízo na busca dos seus direitos.
Sobre a possibilidade criada com o jus postulandi, visando à finalidade de permitir o acesso dos hipossuficientes ao judiciário, salientam Mauro Cappelletti e Bryan Garth que nem todas as soluções, mesmo que criadas com o intuito de trazer melhorias, conduzem ao efetivo acesso à justiça.
Finalmente, como fator complicador dos esforços para atacar as barreiras ao acesso, deve-se enfatizar que esses obstáculos não podem simplesmente ser eliminados um por um. Muitos problemas de acesso são inter-relacionados, e as mudanças tendentes a melhorar o acesso por um lado podem exacerbar barreiras por outro. Por exemplo, uma tentativa de reduzir custos é simplesmente eliminar a representação por advogado em certos procedimentos. Com certeza, no entanto, uma vez que litigantes de baixo nível econômico e educacional provavelmente não terão a capacidade de apresentar seus próprios casos, de modo eficiente, eles serão mais prejudicados que beneficiados por tal “reforma”. Sem alguns fatores de compensação, tais como um juiz muito ativo ou outras formas de assistência jurídica, os autores indigentes poderiam agora intentar uma demanda, mas lhe faltaria uma espécie de auxílio que lhes pode ser essencial para que sejam bem sucedidos. Um estudo sério do acesso à Justiça não pode negligenciar o inter-relacionamento entre as barreiras existentes (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 29).
Assim, questiona-se a efetividade do jus postulandi como forma de acesso à Justiça.
2. 2 A doutrina e o jus postulandi como instrumento de acesso à Justiça
A doutrina não é unânime ao tratar do jus postulandi na Justiça do Trabalho. Apesar disso, cresce cada vez mais o posicionamento contrário a sua utilização, em virtude dos questionamentos sobre sua utilidade e eficácia para promover o acesso à Justiça na esfera trabalhista.
Amador Paes de Almeida (2009, p. 72), ao enfrentar o tema, limita-se a sustentar a subsistência do jus postulandi no processo do trabalho, além de ressaltar seu alto significado social, como meio de facilitar o acesso do hipossuficiente aos pretórios trabalhistas.
Em posição favorável a manutenção do jus postulandi está José Roberto Freire Pimenta, defendendo a permanência do instituto, em virtude de ser um instrumento facilitador para o trabalhador ter acesso à justiça.
É preciso observar, no entanto, que a possibilidade de atuar em juízo pessoalmente tem sido tradicionalmente considerada como uma das mais importantes medidas de ampliação do acesso à justiça para os jurisdicionados em geral e uma das notas características positivas da própria Justiça Laboral, sendo no mínimo paradoxal que as pequenas causas de valor até 20 (vinte) salários mínimos, que nos Juizados Especiais Cíveis também não contam com o patrocínio obrigatório de advogados (art. 9º da Lei n. 9.099/95), passem a exigi-lo apenas porque passaram para a competência material da Justiça do Trabalho. Ademais, não se pode ignorar que até antes da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, em todas as causas não decorrentes da relação de emprego que já tramitavam na Justiça do Trabalho por força de norma legal expressa, sempre foram pacificamente tidos por aplicáveis tanto o disposto no caput do art. 791 quanto o referido entendimento jurisprudencial sobre os honorários advocatícios, sendo de se questionar se haveria motivos suficientes para tão significativa alteração (PIMENTA apud SCHIAVI, 2009, p. 256).
Mauro Schiavi (2009, p. 257) ao analisar o posicionamento adotado por José Roberto Freire Pimenta, manifesta seu respeito pelo entendimento, mas posiciona-se de forma contrária.
Em que pese o respeito que merece o entendimento acima, pensamos que o empregado assistido por advogado tem maiores possibilidade de êxito no processo, assegurando o cumprimento do princípio constitucional do acesso real à Justiça do Trabalho, e também a uma ordem jurídica justa. Não se pode interpretar a lei pelas exceções. Hoje, a parte não estar assistida na Justiça do Trabalho é exceção. De outro lado, diante da complexidade das matérias que envolvem os cotidianos do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, a não assistência por advogados ao invés de facilitar acaba dificultando o acesso, tanto do trabalhador como do tomador de serviços, à Justiça.
Nossa experiência prática como o jus postulandi na Justiça do Trabalho não nos anima a defendê-lo, pois quando as duas partes estão sem advogado, dificilmente a audiência não se transforma numa discussão entre reclamante e reclamado por desentendimentos pessoais alheios ao processo e, dificilmente se consegue conter os ânimos das partes. (SCHIAVI, 2009, p. 257)
Mauro Schiavi (2009, p. 256) ainda destaca que no seu sentir, em virtude da EC. N. 45/04 e a vinda de outras ações para a Justiça do Trabalho que não são oriundas da relação de emprego, não há mais motivos para a existência do jus postulandi, principalmente ao considerar a complexidade das relações jurídicas.
Apesar de não ter uma posição manifestadamente contrária, Amauri Mascaro Nascimento (2010a, p. 220 – 221) acredita que a solução ideal seria a combinação dos sindicatos - ampliando a assistência judiciária aos que necessitem e colaborando para resolução dos conflitos extrajudicialmente - com uma defensoria pública que atuasse na Justiça do Trabalho – tema que ainda será tratado no trabalho em comento –, defendendo a permanência jus postulandi enquanto não houver essa reestruturação. Para chegar a essa conclusão sobrepesa os pontos favoráveis e contrários do instituto.
Há fundamentos que autorizam a continuidade da vigência do art. 791 da CLT, segundo o qual os empregados e os empregadores podem pessoalmente reclamar perante a Justiça do Trabalho e acompanhar até o fim as suas reclamações. A inafastabilidade do acesso ao judiciário, prevista pela Constituição Federal, art. 5º, XXXIV, a, permite a todos o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa dos direitos. O direito à jurisdição, garantido pela Lei Magna, art. 5º, XXXV, assegura que a lei não exclui da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Assim, enquanto e onde não está devidamente aparelhada a defensoria pública para prestar assistência judiciária gratuita, ficam afetados esses direitos fundamentais com a extinção do jus postulandi, uma vez que o trabalhador não tem meios para reclamar em juízo.
Há reclamações de valor econômico ínfimo, exemplificando-se com as ações de anulação de suspensão disciplinar e de advertência, não comportando honorários de advogado compatíveis com aqueles que o profissional deve receber pelo seu trabalho. Essas questões são devidamente encaminhadas mediante reclamação pessoal e direta do interessado, ficando tal via prejudicada com a exclusividade da postulação judicial pelo advogado. A simplificação das formas de solução dos conflitos de pessoas hipossuficientes numa sociedade de massa, de que é exemplo a bem-sucedida experiência dos juizados especiais, exige a adoção de mecanismos ágeis e eficazes, sendo o jus postulandi umas das suas formas.
Por outro lado, diversos argumentos favorecem a tese da obrigatoriedade da presença do advogado nos processos trabalhistas. Torna a comunicação com o juiz mais fácil, uma vez que sua capacidade técnica de traduzir o litígio em padrões jurídicos promove a adequada composição da lide e, consequentemente, a melhor solução segundo o ordenamento jurídico. A parte que diretamente defende seus direitos não consegue, como quase sempre ocorre, dominar os aspectos emocionais que podem comprometer o exame sereno da questão. Há questões jurídicas complexas cuja solução depende de formação jurídica, uma vez que envolvem conceitos técnicos que não são conhecidos pelo leigo, inclusive interpretação de matéria constitucional, bem como de problemas, quase sempre delicados, de natureza processual. [...] (NASCIMENTO, 2010a, p. 220 – 221).
Opondo-se ao instituto está Francisco Antonio de Oliveira, citado por Mauro Schiavi (2009, p. 257), argumentando, principalmente, sobre a complexidade técnica da atual Justiça do trabalho, lugar esse que seria impróprio para leigos.
Não se pode relegar ao oblívio que o processo do trabalho no seu estágio atual recebe sopro benfazejo de ventos atualizantes para que possa cumprir a sua finalidade em consonância com uma nova realidade. E desconhecer essa realidade em constante efervescência é calcar-se no vazio e quedar-se em isolamento franciscano. A capacidade postulatória das partes na Justiça do Trabalho é ranço pernicioso originários da fase administrativa e que ainda hoje persiste em total discrepância com a realidade atual. O Direito do Trabalho constitui hoje, seguramente, um dos mais, senão o mais dinâmico ramo do direito e a presença do advogado especializado já se faz necessária. Exigir-se de leigos que penetrem nos meandros do processo, que peticionem, que narrem fatos sem transformar a lide em desabafo pessoal, que cumpram prazos, que recorram corretamente, são exigências que não mais se afinam com a complexidade processual, onde o próprio especialista, por vezes, tem dúvidas quanto à medida cabível em determinados momentos. E é a esse mesmo leigo formular perguntas em audiência, fazer sustentação oral de seus recursos perante os tribunais. (OLIVEIRA apud SCHIAVI, 2009, p. 257)
Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2009, p. 530) criticam o instituto e salientam que apesar da capacidade postulatória outorgada pela lei, à complexidade técnica processual exige a participação efetiva e concreta de profissionais habilitados, sob o risco da inversão da própria finalidade - o de ser um instrumento de Justiça.
Em consonância com as posições contrárias ao jus postulandi está Sergio Pinto Martins (2010, p. 187 – 188), defendendo que o empregado que exerce o jus postulandi pessoalmente não tem capacidade técnica equivalente em comparação ao empregador que vai a juízo acompanhado de advogado, acontecendo, em decorrência disso, a desigualdade processual. Acredita ainda, o renomado autor, que os advogados deveriam fazer parte de todos os processos, e defende, para isso, que os sindicatos deveriam prestar assistência aos trabalhadores que necessitassem, e na sua falta, o próprio Estado.
Há vários argumentos que embasam a fundamentação dos ilustres doutrinadores em ambos os lados. Contudo, é inegável o fortalecimento e crescimento da doutrina contrária ao instituto.
Embora unânime o reconhecimento do fim nobre pelo qual se propôs a criação do jus postulandi - o de ser um instrumento de acesso à justiça aos hipossuficientes-, as críticas, apesar dos mais variados fundamentos, concentram-se, principalmente, na sua atual eficácia na Justiça do Trabalho.
Como já visto no trabalho em comento, um instrumento que vise verdadeiramente o acesso à justiça abrange muito mais do que somente a oportunidade de litigar no judiciário. O objetivo deve ir muito além, sempre almejando a efetividade enquanto meio de acesso à justiça.
3 ALTERNATIVAS AO JUS POSTULANDI E SEUS FUNDAMENTOS
A doutrina favorável ao jus postulandi, argumenta, precipuamente, que aquele que não possui recursos para demandar judicialmente ficaria desamparado com a extinção do instituto. Já dentre aqueles que se opõem, existe o argumento de que, além do jus postulandi trazer mais malefícios do que benefícios, existem alternativas viáveis no nosso ordenamento.
Os renomados autores Mauro Cappelletti e Bryan Garth, emitem uma preocupação quanto às inovações destinadas a promover o acesso à justiça, preocupação que pode servir, inclusive, para o jus postulandi:
(...) Por mais importante que possa ser a inovação, não podemos esquecer o fato de que, apesar de tudo, procedimentos altamente técnicos foram moldados através de muitos séculos de esforços para prevenir arbitrariedades e injustiças. E, embora o procedimento formal não seja, infelizmente, o mais adequado para assegurar os “novos” direitos, especialmente (mas não apenas) ao nível individual, ele atende a algumas importantes funções que não podem ser ignoradas. (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 164)
O alerta serve tanto para o referido instituto, como para as suas possíveis alternativas. Ao preocupar-se com arbitrariedades e injustiças que possam ser cometidas pela queda de algumas barreiras processuais, como, por exemplo, o ingresso em juízo sem a necessidade de advogados, ensinam os autores que alguns procedimentos formais foram criados por certos motivos que devem ser estudados.
Sendo assim, antes de analisar as possíveis alternativas ao jus postulandi, necessário expor os o motivo de ser tão importante a presença dos advogados em juízo, e não apenas uma mera formalidade, para, a partir disso, construir alternativas que busquem o acesso à justiça de maneira realmente efetiva.
3.1. A importância do advogado na Justiça do Trabalho
Há inúmeros motivos e argumentos que justificam a importância do advogado na justiça trabalhista. Talvez o argumento mais considerável esteja na própria Constituição Federal, que diz em seu artigo 133, “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (BRASIL, p. 51, 2011).
O referido artigo constitucional causou diversas divergências à época da promulgação da atual Constituição Federal. Defendeu, parte da doutrina, que o dispositivo constitucional teria revogado o artigo 791 da CLT.
Porém a carta magna, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, não pretendeu limitar a capacidade de postular em juízo aos advogados, mas sim, ressaltar a importância destes para a efetivação da justiça.
Na doutrina, até dentre aqueles que defendem o jus postulandi, há o reconhecimento da figura do advogado e a valorização da importância do seu patrocínio a parte em juízo.
Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2009, p. 542) ao explicarem o que significa a profissão da advocacia, a definem como não sendo cheia de louros ou mesmo glória, como imaginam muitos, mas cheia de sacrifícios e renúncias, sempre em uma busca incansável, pois diariamente o profissional é obrigado a dar mais de si, privando-se dos seus próprios desejos e vontades. Aduzem ainda que o advogado é independente no exercício da profissão, não devendo ter receio de desagradar a magistrado ou autoridades, nem mesmo o seu prestígio pessoal, afinal nada deve detê-lo em sua função.
O advogado é mandatário do seu cliente e cabe a ele defender os interesses deste perante a sociedade, sempre respeitando os preceitos éticos e legais. Isso não faz do profissional um mercenário, apesar de mitos não o verem com bons olhos. Evidentemente que, como qualquer outro profissional, o seu trabalho não está isento de críticas, mas o advogado nunca poderá ser considerado um mercenário, que colocaria de lado tudo aquilo em que crê pelos honorários de mais um cliente. Muito pelo contrário, já que, desde os primórdios, a sua existência, a sua existência só se justifica pela eterna busca do homem na realização da Justiça (diríamos, é a sua própria natureza jurídica).
Por isso, hoje, após séculos de trabalho árduo em prol da sociedade como um todo, o advogado tem seu papel reconhecido, já que é considerado indispensável à administração da justiça (art. 133, CF; art. 2º, Lei 8.906/94; e art. 2º Cód. de Ética Profissional), estando em igualdade com o juiz e os membros do Ministério Público (art. 6º, Lei 8.906). (NETO; CAVALCANTE, 2009, p. 541 – 542)
Amauri Mascaro Nascimento para embasar a afirmativa constitucional de que o advogado é essencial à administração da justiça cita Calamandrei e seus argumentos sobre a profissão:
Calamandrei, cujas palavras são a seguir reproduzidas, explica que, sob o prisma psicológico, a parte obcecada muito frequentemente pela paixão e pelo ardor da contenda, não tem, via de regra, a serenidade desinteressada que é necessária para captar os pontos essenciais do caso jurídico em que se encontra implicada e expor suas razões de modo tranquilo e ordenado.
A presença, ao lado da parte, de um patrocinador desapaixonado e sereno que, examinando o caso com a distanciada objetividade do estudioso independente e sem a perturbação de rancores pessoais, está em condições de selecionar com calma e ponderação os argumentos mais eficazes à finalidade proposta, garante à parte uma defesa mais razoável e própria e, portanto, mais persuasiva e eficaz que a que poderia ela mesma fazer.
Do ponto de vista técnico, a importância do patrocínio é paralela à progressiva complicação das leis escritas e à especialização cada vez mais maior da ciência jurídica. (NASCIMENTO, 2010b, p. 517).
Diante de tamanha importância do advogado em uma lide, muitos são os doutrinadores que se posicionam de encontro ao jus postulandi, a fim de evitar que a parte possa ir a juízo desacompanhado de advogado.
Sergio Pinto Martins (2010, p. 188-189), por exemplo, defende que em todo e qualquer processo deveria ser necessário o advogado, afinal é a pessoa técnica, com a especialidade de postular. Ensina, ainda, que nos dias de hoje, onde é uma faculdade estar assistido por patrono, o advogado presta assistência técnica a seu consulente, dando-lhe maior segurança para postular em juízo, dadas as particularidades e tecnicismos do processo.
Mauro Schiavi, conforme já abordado em capítulo anterior, posiciona-se de maneira contrária ao instituto do jus postulandi. Um dos pilares da sua fundamentação é justamente a importância do advogado sempre assistir à parte em juízo, pois, somente assim, realmente existiria o almejado acesso à justiça.
No nosso sentir, como frase já consagrada na Ordem dos Advogados do Brasil, não se faz justiça sem advogado. Além dele ser indispensável à Administração da Justiça, também é indispensável ao acesso real e efetivo do cidadão à Justiça, principalmente na Justiça do Trabalho, onde a cada dia as questões de direito material do trabalho se tornam mais complexas e também o Processo do Trabalho a cada dia se torna mais sofisticado.
Do outro lado, o advogado, como primeiro juiz da causa, tem a missão de orientar o cliente e até mesmo avaliar se a demanda deve ser proposta ou não, evitando que a parte possa ingressar com um processo sem qualquer possibilidade de êxito, e também cumpre a ele esclarecer à parte sobre os riscos e benefícios do processo.
Como já nos posicionamos anteriormente, a parte sem assistência do advogado na Justiça do Trabalho tem uma falsa ilusão de acesso à justiça, quando, na verdade, está ingressando num Mundo de regras e prazos rígidos, onde o desconhecimento do processo pode comprometer seriamente o direito de quem postula. (SCHIAVI, 2009, p. 278-279)
Ante tais argumentos é difícil refutar que a parte que litiga desacompanhada por advogado tem desvantagem processual na busca da efetivação dos seus direitos. As tecnicidades do processo, prazos e particularidades de cada rito, geram, por muitas vezes, dúvidas nos próprios operadores do direito. Logo, conclui-se que não se pode conceber que pessoas leigas sejam obrigadas a procurar a tutela jurisdicional desacompanhadas de profissional capacitado.
3.2 Assistência judiciária integral e gratuita, um direito constitucional.
Entre a doutrina que defende a extinção do jus postulandi, e até mesmo entre aqueles que não são manifestadamente contra, surge um questionamento ao indagar-se sobre alternativas ao instituto: Vem o Estado cumprindo seu papel constitucional de prestar assistência judiciária aos que necessitam?
O fulcro do questionamento tem fundamento e está no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, que versa “O estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (BRASIL, 2010, p. 13).
Antes, para um melhor desenvolvimento do tema, cabe a diferenciação de termos com Assistência judiciária integral e gratuita, Assistência judiciária e Justiça gratuita.
Percebe-se que a diferença básica entre assistência jurídica integral e gratuita e assistência judiciária, é que a primeira é prestada pelas defensorias públicas e abrange também o consultivo preventivo, administrativo e processual com isenção de todas as despesas processuais de forma ampla; já a assistência judiciária gratuita prevê, como a anterior, a isenção de todas as despesas processuais, honorários de advogado, periciais, porém tão somente dentro do processo, isto é para um processo específico, não abrangendo a assistência fora do processo, como na assistência jurídica integral.
Já a diferença entre as duas anteriores e a gratuidade de justiça prevista na CLT, art. 790, § 3º, é que esta última apenas concede a isenção das despesas processuais e honorários de perito, não abrangendo os honorários do advogado. (HABIB, 2012, p.3)
Ao conceituar os três institutos, distingui-se melhor cada um, o que facilita a visualização do papel de cada instituto na Justiça do trabalho e a exposição das alternativas, já existentes ou não, ao jus postulandi.
3.2.1 Os sindicatos e a Assistência judiciária
Ab initio, segundo Wadih Habbib (2010, p. 2), a Assistência Judiciária é uma espécie da assistência jurídica integral e gratuita, de caráter administrativo e processual, com atuação no âmbito do processo, mediante assistência técnica jurídica.
Sem aprofundar na polêmica sobre o monopólio dos sindicatos para a assistência judiciária na esfera do direito do trabalho, não se pode conceber interpretação, à luz da constituição, de texto de lei, in casu do art. 14 da Lei n. 5.584/70, que permita a restrição da assistência judiciária na justiça do trabalho somente aos sindicatos.
Necessário dar destaque aos dizeres de Wagner D. Giglio e Claudia Giglio Veltri Corrêa (2007, p. 121 – 122) ao sobrepesarem os motivos justificadores da criação e existência do jus postulandi, analisam, de maneira coerente, sobre a prestação dos sindicatos na Justiça do Trabalho, e, ao final, concluem que o estado ainda não concretizou a assistência prevista no art. 5º, LXXXIV, apesar de já existirem boa parte das ferramentas para amparar os trabalhadores.
É fora de dúvida que a intervenção de advogado é proveitosa para melhor ordenação e celeridade dos processos. A faculdade de querer sem a intermediação de advogado, outorgada às partes, visou principalmente poupar-lhes os gastos com honorários, considerando, como regra, a insuficiência econômica do trabalhador. Seriam justificados, assim, os entraves ao bom andamento processual causados pela atuação pessoal das partes, geralmente leigas em Direito, sem auxílio de advogado.
Entretanto, diante dos termos da Lei n. 5.584, de 26 de junho de 1970, que atribuiu aos sindicatos e, nos locais onde inexistirem, aos promotores públicos, o dever de prestar assistência judiciária gratuita ao trabalhador sem meios para contratar advogado, já que não se justificava manter o jus postulandi das partes. Frise-se que a assistência não beneficia apenas os associados do sindicato, mas se estende a todos os integrantes da categoria profissional representada pela entidade de classe, ainda que a ela não filiados (art. 18)
A Lei n. 10.288, de 20 de setembro de 2001, veio acentuar essa conclusão, ao atribuir ao sindicato o dever de prestar “assistência judiciária gratuita ao trabalhador desempregado ou que perceber salário inferior a cinco salários mínimos ou que declare, sob responsabilidade, não possuir, em razão de encargos próprios e familiares, condições econômicas de prover a demanda.
Acresce que a disposição do art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal constrange o Estado a proporcionar “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Muito embora até o momento tal assistência ainda não tenha sido concretizada, é certo que alguns Estados- Membros já ofereciam, e continuam oferecendo, por sua conta, serviço gratuito de assistência judiciária aos necessitados As Faculdades de direito também costumam oferecer essa assistência, sem ônus. Assim, raros seriam os trabalhadores que não teriam a assistência de um advogado gratuito, proporcionada pelo sindicato, pela União, pelo Estado ou pelas Faculdades de Direito. Para os poucos que não contassem com tal assistência, melhor seria instituir o serviço público federal previsto na Constituição, junto à Justiça do Trabalho, para propiciá-la aos necessitados, ou mesmo onerar a classe dos advogados com mais um múnus social, o de prestar serviços profissionais gratuitos. (GIGLIO; CORRÊA; 2007, p. 121-122).
Os sindicatos realmente têm um papel importante na assistência dos trabalhadores que não possuem recursos para assumirem despesas de um patrocínio particular. Contudo obviamente esta assistência, por si só, não supre a carência de todas as pessoas que litigam na Justiça do Trabalho e não possuem recursos suficientes para custear um advogado.
Nesse sentido está Sergio Pinto Martins que, ao criticar o jus postulandi, indaga sobre a omissão estatal em fornecer advogados para prestar assistência aos que necessitam e sugere como solução que na ausência do sindicato, seja indicado o advogado dativo.
[...] A ausência de advogado para o reclamante implica desequilíbrio na relação processual, pois não terá possibilidade de postular tão bem quanto o empregador representado pelo causídico, podendo perder seus direitos pela não-observância de prazos etc. Contudo, essa assistência deveria ser fornecida pelos sindicatos ou, em sua impossibilidade, pelo Estado. Este deveria fornecer gratuitamente advogados para quem deles necessitasse na Justiça do Trabalho, mediante o que é feito no Juízo Criminal, em que é indicado um advogado dativo, que acompanha o processo e é remunerado pelo Estado. Tal atribuição é considerada um múnus público e deveria ser prestada por advogados recém-formados, para que aos poucos adquirissem a prática e, enquanto isso, poderiam ajudar os necessitados. (MARTINS, 2010, p. 189).
A utilização de advogados dativos é uma alternativa mais eficiente que o jus postulandi, afinal, conforme já tratado no trabalho em comento, o advogado é de essencialidade ímpar junto à lide; seria, porém, uma alternativa de caráter paliativo.
3.2.2 Defensoria Pública do trabalho, uma alternativa viável?
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, citados por Wadih Habbib (2010, p.2) afirmam que a assistência jurídica integral e gratuita é uma garantia mais ampla que a assistência judiciária, consistindo além da assistência judiciária processual, propriamente dita, na consultoria e no auxílio extrajudicial, devendo ser prestada pela Defensoria Pública, criada e organizada na forma da lei.
Carlos Henrique Bezerra Leite (2010, p. 410) demonstra preocupação sobre aqueles que não são abrangidos pela Assistência dos sindicatos, defendendo a atuação obrigatória da Defensoria Pública União nos casos em que a parte não seja Empregado ou trabalhador avulso, ou, na falta, a defesa por advogado dativo.
É importante notar que a Lei Complementar n.80, de 12.1.1994, que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública, não revogou a Lei n. 5.584/70, pois aquela é lei geral aplicável a todas as pessoas e em qualquer processo no âmbito da Justiça Comum, federal ou estadual; esta é a lei especial aplicável exclusivamente no âmbito dos processos que tramitam na Justiça (especial) do trabalho nos quais figurem como partes empregado e empregador. Todavia, é imperioso lembrar que com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho (EC n. 45/2004) para processar e julgar demandas oriundas da relação de trabalho diversas da relação de emprego, a atuação da Defensoria Pública da União (Lei Complementar n. 80/1994, art. 4º, III e IV), deverá se tornar obrigatória, seja para propor ação ou promover a defesa da parte que, não sendo empregado ou trabalhador avulso, necessitar da assistência judiciária gratuita. Na falta de Defensoria Pública da União, poderá juiz nomear advogado dativo para tal mister (LEITE, 2010, p. 410).
Na defesa de posicionamento semelhante está Floriano Correa Vaz da Silva, citado por Amador Paes Almeida (2009, p. 71) que ao defender a permanência do jus postulandi e demonstrar os motivos ensejadores do seu argumento, cita a previsão de assistência jurídica àqueles que necessitem e a instituição de uma Defensoria Pública do Trabalho.
A constituição prevê que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV) e também determina, logo depois do controvertido art. 133, que será organizada uma Defensoria Pública pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e até pelos territórios, considerando tal Defensoria Pública como sendo “instituição essencial à função jurisdicional” (art. 134). Enquanto isso não ocorrer, é óbvio que os trabalhadores e os empregadores, sobretudo os microempresários, pequenos empregadores, empregadores domésticos e empregadores – pessoa físicas, ficarão prejudicados se tiverem obrigatoriamente que constituir procuradores em todos os milhares e milhares de dissídios já ajuizados ou que vierem a ser ajuizados. Tais prejuízos – que já começam a ocorrer, em muitas Varas do Trabalho – não se coadunam com o espírito nem com a letra da nova Constituição. E haverá prejuízos irreparáveis para as partes e para o próprio Poder Judiciário, se vier a prevalecer a interpretação desfavorável ao jus postulandi das partes. (SILVA apud ALMEIDA, 2009, p. 71)
O supracitado autor, apesar de defender a permanência do jus postulandi, admite a possível alternativa para sua substituição. Para tal, a fim de fundamentar a ideia de uma Defensoria Pública do Trabalho, cita o artigo 134 da Constituição Federal, que versa “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV” (BRASIL, 2011, p. 51).
Através de uma análise atenta, percebe-se que o artigo supramencionado não restringe, de qualquer forma, a atuação da Defensoria Pública quanto à matéria trabalhista, abordando somente como finalidade da instituição a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.
Há, inclusive, no artigo 14 da Lei Complementar 80/1994, previsão de atuação da Defensoria da União na Justiça do Trabalho.
Seria uma opção viável a atuação da Defensoria Pública concomitantemente com os sindicatos? É o que acha Amauri Mascaro Nascimento (2010a, p. 221).
(...) O ideal está na valorização da defensória pública, de modo a torná-la em condições de prestar assistência judiciária àqueles que dela venham a necessitar, atuando diretamente perante a Justiça do Trabalho, com equipes de plantão para desempenhar funções atualmente cumpridas pelos funcionários da Justiça do Trabalho encarregados de dar atendimento às reclamações apresentadas diretamente pelos trabalhadores e encaminhá-las segundo o devido processo legal. Aos sindicatos cabe duplo papel. Ampliar o atendimento judiciário gratuito aos necessitados membros da categoria que representa, prestando-lhes, por meio do seu corpo de advogados, a assistência de que necessitem para o acompanhamento dos processos judiciais. Colaborar para que a composição dos conflitos trabalhistas se faça também extrajudicialmente. Para esse fim, a organização de comissões paritárias sindicais em todas as categorias e localidades, por uma ampla rede para a prévia apreciação das reclamações antes da postulação judicial, foi correta. Desde que se amplie, no modelo brasileiro, a conciliação prévia à postulação judicial, na qual a presença do advogado deve ser facultativa, será mais eficaz a composição dos conflitos trabalhistas (NASCIMENTO, 2010a, p. 221 - 222)
Ante a previsão do constituinte originário e do legislador infraconstitucional, é dever constitucional do estado prover assistência jurídica integral a todos àqueles que não tenham condições de suportar os encargos da advocacia privada. Logo, questiona-se se não estaria o estado, ao manter o jus postulandi, eximindo-se de seu dever constitucional de amparar àqueles que necessitam da esfera judiciária.
Por todo exposto, conclui-se que o jus postulandi na Justiça do Trabalho, além de não atender o fim de promover o acesso à Justiça aos que não possuem condições de contratar um advogado, pode vir até mesmo a prejudicar àqueles que o utilizem, visto a falta de conhecimento dos tecnicismos e particularidades do direito.
Essa afirmação é possível ao analisar o próprio conceito moderno de acesso à Justiça - que é a finalidade pretendida pelo instituto do jus postulandi – a qual exige muito mais do que a simples quebra de barreiras processuais. Hoje, o moderno acesso à justiça requer mais do que somente a acepção formal do acesso à Justiça, o qual se restringe a garantir o acesso ao judiciário.
O acesso à Justiça deve ser efetivo, e para estar nessa forma plena, precisa ir além da garantia do direito de litigar, exige a igualdade de armas, pressupõe a plena capacidade de ver o seu direito efetivado.
A permanência do jus postulandi na Justiça do Trabalho pode ser vista como uma forma do estado negligenciar seu dever constitucional de prestar assistência jurídica integral e gratuita àqueles que necessitam. Os sindicatos, como já visto no presente trabalho acadêmico, prestam assistência jurídica na Justiça do Trabalho. Contudo, essa assistência não é integral e não engloba a todos que não possuem condições de litigar.
Nesse passo, a assistência prestada pelos sindicatos não pode ser confundida com a assistência jurídica integral e gratuita prevista na Constituição Federal, a primeira é somente uma espécie do gênero Assistência integral e gratuita. A assistência prevista constitucionalmente é muito mais ampla, além de não se restringir aos empregados, possui uma gama de recursos mais abrangente e não se limita ao âmbito do processo, abarcando a prestação de serviço consultivo preventivo.
Consoante, após inúmeros posicionamentos doutrinários e argumentos a favor da Defensoria Pública na esfera trabalhista, difícil crer o motivo da não concretização da medida.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Caio Cavalcanti Amorim. A ineficácia do jus postulandi na Justiça do Trabalho sob a concepção do efetivo acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46366/a-ineficacia-do-jus-postulandi-na-justica-do-trabalho-sob-a-concepcao-do-efetivo-acesso-a-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
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