Resumo: O presente artigo se propõe a esclarecer a aplicação do denominado princípio do juízo imediato nas demandas sujeitas à competência da Justiça da Infância e da Juventude. Inicialmente, o trabalho traz uma breve noção dos critérios para fixação de competência nos processos cíveis em geral, e em seguida busca esmiuçar o mencionado princípio, destacando sua distinção em relação ao regramento processual civil, bem como sua aplicação pela jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Princípio do Juízo Imediato. Competência. ECA. Perpetuatio jurisdiciones.
INTRODUÇÃO: CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA
Dentre os requisitos para a obtenção de uma resposta de mérito, apontam-se as condições da ação e os pressupostos processuais. Estes, por seu turno, são classificados pela doutrina em pressupostos processuais de existência, cuja importância é tanta que prejudicam a própria existência do processo, e pressupostos processuais de validade, os quais constituem requisitos para que o processo perdure e cumpra sua finalidade. A jurisdição, entendida como a função do Estado de atuar a vontade concreta da lei com o fim de obter a justa composição da lide, constitui pressuposto existencial do processo. A competência, de outro lado, é necessária para que se tenha um processo validamente instaurado.
Competência é a medida, a extensão ou o limite da jurisdição. É a delimitação prévia, constitucional e legal do poder jurisdicional, segundo critérios de especialização da Justiça, distribuição territorial e divisão de serviços entre os órgãos do Judiciário.
O legislador pátrio estabeleceu o critério da exclusão para fixação da competência. Assim, inicialmente, deve-se afastar a competência internacional, para que se cogite fixar a competência da justiça brasileira. Em se tratando da competência interna, a CF estabelece a distinção entre a justiça comum e as especiais, que são a trabalhista, a eleitoral e a militar. A competência das justiças especiais é apurada conforme a matéria discutida, e a competência da justiça comum é residual. A justiça comum pode ser federal ou estadual. Assim, o que não for de competência das justiças especiais, nem da Justiça Federal, será atribuído, supletivamente, à Justiça Estadual.
Com a apuração da Justiça competente, analisam-se os critérios objetivo, funcional e territorial para a fixação da competência. O critério objetivo é utilizado quando a competência é determinada pelo valor atribuído à causa, ou pela matéria discutida no processo. O critério funcional abrange a competência hierárquica, bem como os casos em que a demanda deve ser distribuída a um determinado juízo, em razão de manter ligação com outro processo. Finalmente, a competência territorial é utilizada pela legislação processual civil para a indicação do foro.
Competência absoluta e relativa
Uma regra de competência absoluta é aquela que não pode ser modificada pelas partes ou por fatos processuais como a conexão ou a continência. Além disso, ela gera nulidade do processo quando violada, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz. Já a norma de competência relativa é aquela passível de modificação pelas partes ou por prorrogação oriunda de conexão ou continência. A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício (súmula número 33 do STJ) e a não observância de suas regras não gera vício processual, já que a competência admite prorrogação.
Em primeiro lugar, ressalte-se que as regras de competência fixadas pela Constituição Federal são sempre absolutas. Já o CPC e outras leis federais formulam regras para apuração do foro competente, valendo-se do critério funcional e do critério territorial. Todas as normas do CPC que usam o critério funcional são de competência absoluta. Ademais, quando o CPC se vale do critério territorial, a regra é que a competência seja relativa, salvo as exceções previstas no art. 47, parágrafos 1º e 2º do CPC/2015, baseadas no foro de situação da coisa.
As leis de organização judiciária estaduais servem para a apuração do juízo competente. Quando se valem do critério de matéria ou de pessoa, é incontroverso que a competência do juízo é absoluta. Mas há controvérsia quando as normas de organização judiciária se valem do critério territorial e do valor da causa. Para Cândido Rangel Dinamarco, por exemplo, a competência de juízo será absoluta, salvo se fundada no valor da causa, quando será relativa. No entanto, tem prevalecido o entendimento de que a competência de juízo é sempre absoluta, seja quando a norma está fundada no critério matéria ou na pessoa, seja ainda quando fundada no valor da causa ou no território.
PRINCÍPIO DO JUÍZO IMEDIATO
Como corolário dos princípios da prioridade absoluta, do melhor interesse e da doutrina da proteção integral, o art. 147 do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90) excepciona as regras gerais de competência dispostas no Código de Processo Civil, estabelecendo o denominado “princípio do juízo imediato”.
Segundo a redação do art. 147, incisos I e II, do ECA, a fixação do foro competente se dá pelo domicílio dos pais ou responsável e, na falta destes, pelo lugar onde se encontra a criança ou o adolescente. Observa-se, assim, que o regramento especial despreza a regra do art. 46 do CPC/2015 (art. 94 do CPC/1973), pela qual a competência é fixada em razão do domicílio do réu.
Com efeito, na sistemática adotada pelo ECA, é irrelevante se o representante da criança ou do adolescente figura como autor ou réu na relação jurídica processual. Além disso, pouca importa se o litigante possui a condição de genitor ou responsável, guardião legal ou de fato. Assume relevância exclusiva o local onde se encontra a criança ou o adolescente.
Em outras palavras, para a apuração do foro competente nas ações que envolvam interesses de crianças ou adolescentes, é necessário verificar se o menor convive, de fato, com seus pais ou responsáveis. Demonstrada a convivência, aplica-se a regra do art. 147, I, sendo competente o foro do domicílio dos pais ou responsável. Não obstante, inexistindo tal convivência, a competência será definida pelo lugar onde se encontrar a criança ou o adolescente.
Claramente, verifica-se que o objetivo da regra ora discutida é preservar o exercício do direito fundamental à convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente (art. 19, do ECA). Nesse sentido, alguns autores defendem a alteração legislativa a fim de que estabelecer como competente o foro “do lugar onde a criança ou o adolescente exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária”.
Segundo a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, o intuito máximo do princípio do juízo imediato está em que, pela proximidade com a criança, é possível atender de maneira mais eficaz aos objetivos colimados pelo ECA, bem como entregar-lhe a prestação jurisdicional de forma rápida e efetiva, por meio de uma interação próxima entre o Juízo, o infante e seus pais ou responsáveis.
Para Olegário Gurgel Ferreira Gomes, o princípio do juízo imediato, positivado no art. 147, incisos I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, funda-se em bens jurídicos caros, quais sejam, a prioridade absoluta à prestação jurisdicional e o direito fundamental à convivência familiar e comunitária, evitando entraves no curso do processo decorrentes da distância e garantindo a continuidade de atividades escolares e recreativas do infante ao poupá-lo de deslocamentos para atos processuais.
Ressalte-se que a regra do juízo imediato como forma de fixação de competência prevista no ECA não se confunde com o regramento especial do CPC dispensado em relação ao postulante de pensão alimentícia. Como se sabe, o art. 52, II, do CPC/2015, dispõe ser competente o foro do domicilio ou residência do alimentando para a ação em que se pedem alimentos. Trata-se, porém, de mero foro especial ou de opção do alimentando, o qual se presume hipossuficiente no caso concreto. Nesse caso, o alimentando terá a seu favor uma prerrogativa, nada impedindo que ele renuncie à regalia, e proponha a demanda no domicílio do alimentante. Por outro lado, o princípio do juízo imediato veiculado no art. 147 do ECA assume nítido caráter cogente, isto é, trata-se de norma de ordem pública, destinada a assegurar a máxima efetividade do princípio constitucional da prioridade absoluta, bem como do melhor interesse da criança ou do adolescente.
Assim, em que pese se trate de norma de competência territorial, o princípio do juízo imediato, ao permitir a devida proteção aos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, não pode ser considerado norma de competência relativa. Conforme visto anteriormente, o principal aspecto capaz de definir a natureza da norma de competência, se absoluta ou relativa, é o caráter imperativo e de ordem pública que esta assume.
Nesta linha de raciocínio, pode-se afirmar que mesmo a competência fixada pelo critério territorial, de natureza relativa com a possibilidade da prorrogação caso não arguida em preliminar de contestação (art. 65 do CPC/2015), poderá revestir-se de natureza absoluta, visando afastar o foro ou juízo prejudicial ao interesse da criança ou adolescente. Desta forma, conclui-se que a competência territorial, vista sob o ângulo da proteção da criança e do adolescente, cede espaço à regra de competência especial e torna-se de natureza absoluta, tendo em vista que o aspecto do lugar deve se compatibilizar com a interpretação mais favorável ao infante.
A jurisprudência tem dado preferência à aplicação do princípio do juízo imediato sobre as regras gerais estabelecidas no Código de Processo Civil. Assim, descartam-se as regras de prevenção e de conexão, de maneira que independentemente destas, a competência será do juízo imediato.
Também em decorrência da especialidade das regras disciplinadas no ECA, bem como pelo fato de estas caracterizarem normas de ordem pública, entende-se que o princípio do juízo imediato deve prevalecer sobre a regra da perpetuatio jurisdiciones (art. 87 do CPC/73 e art. 43 do CPC/2015). Nessa senda, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a norma do art. 147 do ECA não admite a prorrogação de competência, a qual cede lugar à solução que oferece tutela jurisdicional mais ágil, eficaz e segura ao infante, permitindo, desse modo, a modificação da competência no curso do processo.
Finalmente, ressalte-se que a inobservância do princípio do juízo imediato, desde que cause prejuízo, constitui vício de nulidade absoluta, que deve ser reparado, podendo ser objeto de ação rescisória (art. 485, incisos II e V, CPC). A doutrina observa, no entanto, que se a demanda estiver devidamente instruída, não haverá motivo para a remessa dos autos a outro juízo se acaso houver a alteração do domicílio da criança ou do adolescente. Assim, estando a ação em condições de ser julgada, diante de estar o quadro probatório completo, até para a celeridade do processo, deve o processo ser julgado pelo mesmo juízo, o que se mostra razoável e em conformidade com o próprio superior interesse do menor.
REFERÊNCIAS
ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Pereira, Tânia da Silva; Deccache, Lúcia Cristina Guimarães. O Melhor Interesse da Criança e do Adolescente como Critério de Fixação da Competência. Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008.
“Princípio do juízo imediato – o direito à convivência familiar e comunitária como elemento definidor da competência territorial para ações judiciais amparadas na Lei n.º 8.069/90”. Disponível em: http://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/XXICongressoNacional_ABMP/8%20Tese.Principio%20do%20juizo%20imediato.Regra%20de%20competencia.%20G1.pdf (acesso em 05.02.2016).
Superior Tribunal de Justiça, 2ª Seção. CC 114.782/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 12/12/2012, DJe 19/12/2012.
Superior Tribunal de Justiça, 2ª Seção. CC 111.130-SC, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08.09.10, DJe 31.01.2011.
Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito - EPD. Advogado na cidade de Campo Grande/MS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRUNO PALHANO GONçALVES, . O princípio do juízo imediato nas ações de competência da Justiça da Infância e da Juventude Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46394/o-principio-do-juizo-imediato-nas-acoes-de-competencia-da-justica-da-infancia-e-da-juventude. Acesso em: 23 dez 2024.
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