Resumo: No presente artigo aborda-se, de forma sintética, as principais características do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e a recente mudança jurisprudencial por parte do STF quando à incidência desse imposto federal na importação de veículo por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio, bem como a importância da decisão para a indústria nacional.
Palavras-chave: IPI. Importação. Cumulatividade. Pessoa Física Importadora. Indústria Nacional.
1 Introdução
O art. 153, IV, da CF outorga competência à União para a instituição de imposto sobre “produtos industrializados”. Conforme indica o CTN, é um imposto que irá incidir sobre a produção e a circulação. Trata-se de um imposto com eminente caráter extrafiscal, sendo um importante instrumento de ordenação político-social.
A nossa Carta Magna também indica, no art. 153, § 3º, que o IPI será seletivo, em função da essencialidade do produto (CF/88, art. 153, § 3º, I) e não cumulativo, compensando- se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores (CF/88, art. 153, § 3º, II), não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior (CF/88, art. 153, § 3º, III) e terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte (CF/88, art. 153, § 3º, IV).
Uma de suas características mais marcantes, a não cumulatividade, é ponto de partida para o presente artigo, visto que o STF possuía recentes precedentes afirmando que essa condição impediria a própria incidência do IPI na importação quando o importador não ostentasse a condição de contribuinte do imposto (industrial ou equiparado), não podendo dele creditar-se tampouco repassá-lo em uma futura operação. Contudo, como será exposto, houve uma mudança de entendimento por parte de nossa Corte Superior.
2 Desenvolvimento
2.1 Aspectos Gerais do IPI
O fato gerador do IPI está disciplinado pelo art. 46 do CTN, abaixo transcrito:
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51;
III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”.
Observa-se, portanto, que tal imposto irá incidir sobre operações com produtos industrializados. Trata-se de imposto que deve gravar a produção. Leandro Paulsen (2012, p.92), desenvolvendo o tema, aduz:
Desse modo, alcança o negócio jurídico (operação) que tenha por objeto qualquer bem (produto) decorrente de processo de industrialização realizado por um dos contratantes (industrializado). Pressupõe a industrialização e a saída do produto do estabelecimento industrial.
O fato gerador desse imposto é instantâneo, com o art. 36 do RIPI detalhando o momento da ocorrência do fato gerador. Ademais, como imposto federal que é, toda operação que ocorrer no território nacional, nos moldes do art. 46 do CTN, será tributada.
Já a base de cálculo, de acordo com o art. 47 do CTN, é:
I – no caso de produto procedente do exterior, o preço normal que o mesmo, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País, acrescido do montante:
a) do imposto sobre a importação;
b) das taxas exigidas para entrada do produto no País;
c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis;
II – no caso de saída de mercadoria do estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante:
a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;
b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente;
O sujeito ativo é a União, cabendo a arrecadação e fiscalização à Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB. Quanto aos sujeitos passivos, o CTN estabelece, em seu art. 51, i) o importador; ii) industrial; iii) comerciante; iv) arrematante.
2.2. Da importação de veículos automotores por pessoas físicas e não contribuintes
Há comando no § 3º, II, do art. 153 da Constituição, que o IPI seja “não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.
A não cumulatividade tem como objetivo impedir a denominada tributação “em cascata”, onde o tributo plurifásico incidiria diversas vezes sobre uma mesma base econômica. Sobre essa característica, Leandro Paulsen (2012, p.103) afirma:
A não cumulatividade constitui uma técnica de tributação que visa a impedir que as incidências sucessivas nas diversas operações da cadeia econômica de um produto impliquem um ônus tributário muito elevado, decorrente da múltipla tributação da mesma base econômica, ora como matéria prima, produto intermediário ou material de embalagem, ora como produto final. Em outras palavras, consiste em fazer com que o IPI não onere a produção em cascata. Isso ocorreria caso o IPI pudesse ser cobrado sobre o valor total das operações relativas às diversas saídas de produtos industrializados ocorridas numa cadeia de industrialização, sem que fosse autorizada a compensação dos valores já suportados a tal título nas operações anteriores.
O autor ainda afirma que o critério da não cumulatividade constitucional seria de aplicação obrigatória, inclusive na importação. Portanto, o importador que paga IPI sobre a entrada do produto industrializado, pode creditar-se do respectivo valor para desconto posterior quando do pagamento de IPI na saída dos seus produtos no mercado interno.
O STF possuia precedentes, todavia, apontando que essa não cumulatividade impediria a própria incidência do IPI na importação quando o importador não ostentasse a condição de contribuinte do imposto, não podendo dele creditar-se tampouco repassá-lo em operação futura. Seria o caso da importação realizada por particular. Nesse sentido:
IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO POR PESSOA FÍSICA PARA USO PRÓPRIO. NÃO-INCIDÊNCIA. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. 1. Não incide o IPI sobre a importação, por pessoa física, de veículo automotor destinado ao uso próprio.” (STF, Segunda Turma, Rel. Ministro AYRES BRITTO, RE 255090 AgR, 2010); “IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PESSOA FÍSICA. USO PRÓPRIO. 1. Não incide o IPI em importação de veículo automotor, para uso próprio, por pessoa física. Aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, 2ª T., AgRRE 501.773/SP, rel. Min. Eros Grau, jun/08)
“IPI. IMPORTAÇÃO: PESSOA FÍSICA NÃO COMERCIANTE OU EMPRESÁRIO: PRINCÍPIO DA NÃOCUMULATIVIDADE: CF, art. 153, § 3º, II. NÃO-INCIDÊNCIA DO IPI. I. – Veículo importado por pessoa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI: aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/ 2001…” (STF, 2ª T., AgRegRE 255.682/RS, Min. Carlos Velloso, nov/ 05).
O STJ seguia a mesma linha de entendimento do STF, em relação a importação por pessoa não contribuinte (consumidor final do produto), mas divergia, de certa maneira, no fundamento para isso. Para o Tribunal da Cidadania não seria um ato de comércio, razão pela qual não poderia incidir o imposto.
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO POR PESSOA FÍSICA PARA USO PRÓPRIO. OPERAÇÃO QUE NÃO OSTENTA NATUREZA MERCANTIL OU ASSEMELHADA. NÃO INCIDÊNCIA DE IPI. PRECEDENTES. MANIFESTAÇÃO SOBRE OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não incide IPI na importação de bem por pessoa física para uso próprio, porquanto a operação não ostenta natureza mercantil ou assemelhada (precedentes citados: AgRg no AREsp 172.520/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 28.8.2012; REsp 848.339/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 1.12.2008).
Parte da doutrina, todavia, fazia críticas a esse entendimento dos Tribunais Superiores. Leandro Paulsen (2012, p.118), com propriedade, critica o entendimento do Supremo quanto ao objetivo da não cumulatividade no IPI. O doutrinador afirma:
Entendemos que o fundamento da decisão está equivocado. A não cumulatividade é instrumento que visa a evitar os efeitos demasiadamenteonerosos da cumulação de incidências sucessivas sobre valores continentes das anteriores. De modo algum, impede uma primeira e única incidência. Note-se que o IPI deve ser não cumulativo também nas operações internas e que, aqui, incide na saída de produto industrializado mesmo quando o adquirente é consumidor final.
André Mendes Moreira (2010, p.187-188) corrobora essa ideia ao lembrar que a diferença de tratamento na não incidência de IPI pelo importador particular pode gerar danos à indústria nacional, visto que essa tem o deve de pagar esse imposto em suas transações internas. Em suas palavras:
“... por que razão os empresários de outras plagas, quando na venda direta a cidadãos brasileiros, gozam da não incidência... de IPI sobre seus produtos, contrariamente ao que deve ser observado – sob pena de pesadas autuações – pelas empresas aqui estabelecidas?” Além disso aduz: “importação de mercadorias é uma situação atípica na qual há a concentração, em uma só pessoa... das figuras do contribuinte de jure e de facto. Afinal, sendo inviável exigir-se que o exportador situado em território estrangeiro recolha... IPI aos cofres brasileiros, tal cobrança é feita do importador (que paga o tributo que seria devido pelo exportador)”.
Todovia, em recente decisão com repercussão geral reconhecida (STF. Plenário. RE 723651/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 3 e 4/2/2016), o Supremo mudou o seu entendimento sobre o assunto.
O Ministro Relator, na linha do que vinha afirmando autorizada doutrina e jurisprudência, lembrou que a Constituição não distinguiria o contribuinte do imposto que, ante a natureza, poderia ser nacional, pessoa natural ou pessoa jurídica brasileira, sendo irrelevante o fato de não estar no âmbito do comércio e a circunstância de adquirir o produto para uso próprio.
Outrossim, não podemos falar em bitributação e afronta ao princípio da não cumulatividade. Não há bitributação pois o IPI incidirá apenas uma vez, no momento do desembaraço aduaneiro, não sendo devido se o consumidor revender o veículo. E a não violação da não cumulatividade pois esta não impede uma primeira e única incidência. O IPI seria um imposto direto.
A cobrança do IPI para importação de veículos está em plena consonância com o princípio da isonomia também, tendo em vista que promove igualdade de condições tributárias entre o fabricante nacional, já sujeito à pesada carga tributária em território nacional, e o fornecedor estrangeiro. A não incidência do imposto nessa ocasião iria gerar uma discriminação aos produtos nacionais, que teriam sérios problemas de competitividade com os estrangeiros.
Por fim, pode-se ventilar uma violação ao princípio da capacidade contributiva com a não incidência, pois enquanto produtos luxuosos e até supérfluos entrariam livres do IPI (quando adquiridos por pessoa não contribuinte), produtos essenciais e necessários seriam tributados (quando adquiridos por pessoa contribuinte do imposto não consumidora final).
3 Conclusão
O IPI é um dos impostos federais mais importantes para a União. Apesar de sua finalidade predominatemente extrafiscal, sua arrecadação é a segunda maior atualmente entre os impostos da União, atrás somento do Imposto de Renda.
Dessa forma, em tempos de crise, é mais do que necessária a evolução jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal teve sobre a incidência do IPI sobre a importação de veículo por pessoa natural.
A lei permite a incidência na importação, independente da qualidade do importador e do destino do produto. Ademais, já foi apontado que não há violação a não cumulatividade desse imposto, existindo a concentração da figura do contribuinte de fato e de direito.
Por fim, com a incidência, temos a preservação da isonomia no mercado e o afastamento de uma discriminação inversa, que se daria com o tratamento tributário mais gravoso ao produto nacional do que o estrangeiro. Ademais, o princípio da capacidade contributiva fortalece a incidência tributária nessa hipótese.
4 Referências
MOREIRA, André Mendes. A Não-Cumulatividade dos Tributos. Ed. Noeses, 2010.
PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de: Impostos federais, estaduais e municipais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Diego André Varjão Costa. A importação de veículos automotores e a incidência do IPI Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46411/a-importacao-de-veiculos-automotores-e-a-incidencia-do-ipi. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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