Resumo: O presente artigo objetiva analisar a prática do gun jumping, realização de operação societária prematura entre empresas antes da aprovação do CADE, e os mecanismos de atuação da autarquia no combate aos atos violadores da livre-concorrência.
Palavras-chave: CADE, Concentração Econômica, abusividade, Gun Jumping.
1. Introdução – Intervenção do Estado na economia e proteção da ordem econômica
A proteção à ordem econômica é um dos objetivos assegurados pela Carta Magna, conforme se denota dos artigos 170 e seguintes. A atuação do Estado na regulação econômica assume papel relevante, seja na condução de políticas públicas ou como agente normativo e regulador.
Assim, o Estado intervém na economia de forma direta ou indireta. Na intervenção direta, o Estado participa como o próprio agente econômico, e pode ocorrer por absorção (monopólio), quando o Estado toma um setor econômico para si, por imperativo à segurança nacional ou relevante interesse, e por participação, quando o Estado atua ao lado da iniciativa privada.
Na intervenção indireta, o Estado limita-se a condicionar o exercício da exploração de atividade econômica, assumindo posição de agente normativo e regulador da atividade econômica. Sobre o tema, preleciona Celso Ribeiro Bastos[1]:
A intervenção indireta ocorre quando o Estado condiciona, motiva ou enquadra a atuação dos atores econômicos, nada obstante o fato de ele mesmo não assumir nenhum papel como produtor ou distribuidor de bens e serviços.
A intervenção indireta pode se dar por indução, em que o Estado utiliza normas para estimular ou desestimular certos comportamentos, conforme a política econômica, a exemplo das normas tributárias indutoras. E também pode ocorrer por direção, a qual se vislumbra quando o Estado utiliza de normas administrativas ou legais, por meio das quais fixa um comportamento obrigatório para a prática da atividade econômica, sendo uma das formas de atuação as políticas de defesa da concorrência.
Nesse sentido, o art. 173, §4º da Constituição é expresso no sentido de que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Sobre o tema, preleciona Leonardo Vizeu[2]:
As políticas de defesa da concorrência têm se constituído em um dos principais pilares da regulação do livre mercado nas economias mais desenvolvidas e, de forma cada vez mais proeminente, nas economias emergentes. Documento do Banco Mundial e OCDE (2002) chega a afirmar que a política de concorrência pode ser “vista como o quarto alicerce do sistema de políticas econômicas de determinado governo, ao lado das políticas monetária, fiscal e de comércio exterior.
Sobre a livre concorrência, preleciona Luciano Sotero Santiago[3]:
A livre concorrência se caracteriza pela livre ação dos agentes econômicos, de forma que estes tenham liberdade para empregar os meios que julgarem próprios e adequados para conquistarem a preferência do consumidor. A livre concorrência se caracteriza, também, na liberdade em que os agentes econômicos, atuais ou potenciais, têm para entrar, permanecer e sair do mercado. A livre concorrência se caracteriza, ainda, pela liberdade de escolha para o consumidor.
Infere-se, pois, que a livre concorrência apresenta caráter dúplice: a) de um lado, na acepção de liberdade de acesso e de permanência, constitui mero desdobramento do princípio da livre iniciativa; b) de outro, entretanto, instrumentaliza o controle do exercício da livre iniciativa, o que basta ao reconhecimento de sua autonomia.
A proteção à ordem econômica, visa assegurar, dentre outros, à observância da livre concorrência e defesa do consumidor, conforme previsto expressamente no art. 170, da Constituição Federal. Além disso, observa-se uma série de outros princípios implícitos da ordem econômica, a exemplo da liberdade econômica, subdividida em liberdade de empresa (livre escolha na atividade a desempenhar) e liberdade de concorrência (livre disputa de mercados), desenvolvimento econômico e boa-fé econômica.
Ao prever expressamente a necessidade de lei para reprimir o abuso do poder econômico como mecanismo de defesa da ordem jurídica, surgiu um microssistema legal e institucional para a defesa da concorrência, o que efetivamente se concretizou com a Lei nº 8.884/94, posteriormente alterada pela Lei nº 12.259/2011, com a instituição de um Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência para a análise prévia dos atos de concentração e repressão às infrações econômicas, com destaque para a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
2. A atuação do CADE na análise prévia dos atos de concentração
Em decorrência da importância da regulação da atividade econômica, a Lei nº 8.884/94 previu a instituição do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Inicialmente, era composto pela seguinte estrutura:
a) Secretaria de Direito Econômico (SDE): órgão de caráter investigativo integrante do Ministério da Justiça;
b) Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE): órgão consultivo de caráter técnico-financeiro, subordinado ao Ministério da Fazenda; e
c) Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE): Entidade judicante vinculada ao Ministério da Justiça.
Posteriormente, a lei nº 12.259/2011 alterou a composição do SBDC, composta dos seguintes órgãos:
a) Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE): O órgão foi ampliado, e passou a ser composto por:
a. Tribunal Administrativo de Defesa Econômica: órgão judicante;
b. Superintendência- Geral: órgão executivo de monitoramento de mercado e investigativo;
c. Departamento de estudos econômicos: órgão de assessoramento técnico em matéria econômica.
b) Secretaria de acompanhamento econômico (SEAE): órgão consultivo de caráter técnico- financeiro, subordinado ao Ministério da Fazenda, para promover a cultura da concorrência.
O SBDC atua no controle das estruturas de mercado, repressão a práticas anticompetitivas, e promoção da cultura da concorrência. Dentro do SBDC, o CADE passou a apresentar autonomia administrativa e financeira, e se tornou verdadeira agência reguladora na proteção e defesa da concorrência, podendo, inclusive, aplicar penalidades administrativas.
A atuação do CADE pode ser dividida nas esferas repressiva e preventiva. A esfera repressiva diz respeito à análise da prática de condutas desleais e anticompetitivas entre as empresas, inclusive com a aplicação de penalidades, conforme previsto na Lei do CADE.
A esfera preventiva analisa previamente os atos de concentração. A análise dos atos de concentração econômica se coaduna com o controle das estruturas de mercado pelos órgãos de defesa da concorrência, e pode ser compreendido como toda e qualquer operação econômica que vise à qualquer forma de concentração entre os agentes econômicos, seja por meio de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou ainda qualquer forma de agrupamento societário. Sobre o tema, preleciona Leonardo Vizeu[4]:
Por sua vez, os atos de concentração são todos aqueles que, no caso concreto, visam a qualquer forma de concentração econômica (horizontal, vertical ou conglomeração), seja por meio de fusão ou de incorporação de empresas, de constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação da empresa, ou do grupo de empresas resultante, igual ou superior a 20% (vinte por cento) de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).
Por concentração horizontal entende-se a concentração que envolve agentes econômicos distintos e competidores entre si, que ofertam o mesmo produto ou serviço em um determinado mercado relevante.
Concentração ou integração vertical traduz-se na concentração que envolve agentes econômicos distintos, que ofertam produtos ou serviços diversos, fazendo parte da mesma cadeia produtiva. Conglomeração é a concentração que envolve agentes econômicos distintos, que igualmente ofertam produtos ou serviços diversos, podendo ou não ser complementares entre si, mas que, certamente, não fazem parte da mesma cadeia produtiva. Genericamente, uma conglomeração é saudável à competição, pois significa a ‘entrada’ de uma empresa em um determinado mercado de produto ou serviço. No entanto, uma conglomeração pode ter efeitos nocivos à concorrência quando houver complementariedade entre os produtos ou serviços envolvidos.
Em relação ao controle de estruturas, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência analisa preventivamente se os atos praticados entre empresas (fusões, aquisições, incorporações, etc.) representam uma concentração que pode causar efeitos prejudiciais à concorrência.
A Lei nº 12.259/2011 esclareceu o que se deve entender por ato de concentração em seu artigo 90, que assim dispõe:
Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando:
I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;
III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração
pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.
A lei do CADE delineia quais atos de concentração devem ser levados à apreciação da autarquia, em seu art. 88, e detalha o procedimento a ser adotado:
Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e
II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
§ 1o Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça.
§ 2o O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda.
§ 3o Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei.
§ 4o Até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3o deste artigo.
§ 5o Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6o deste artigo.
§ 6o Os atos a que se refere o § 5o deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos:
I - cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade ou a competitividade;
b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e
II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.
§ 7o É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo.
§ 8o As mudanças de controle acionário de companhias abertas e os registros de fusão, sem prejuízo da obrigação das partes envolvidas, devem ser comunicados ao Cade pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM e pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, respectivamente, no prazo de 5 (cinco) dias úteis para, se for o caso, ser examinados.
Nota-se que a realização de atos de concentração não é proibida pela legislação. O CADE fiscaliza os atos justamente para evitar abusividades, que ponham a ordem econômica em risco e violem a livre concorrência. É justamente no contexto de atos de concentração abusivo que se insere o gun jumping.
3. Gun Jumping: definição e características
Considera-se gun jumping a “queima de largada”, ou seja, a realização prematura de uma operação entre as partes, situação que pode ir de encontro às normas antitruste, e afetar a competitividade do mercado. Trata-se da prática de atos indevidos pelas empresas em processo de concentração econômica.
O gun jumping pode ocorrer do ponto de vista processual e material. No ponto de vista processual, o Gun Jumping ocorre quando as partes integrantes de uma operação de concentração falham na observância do dever de notificar previamente a autoridade antitruste ou de aguardar o período de espera de análise do ato.
Sob o ponto de vista material, as partes competidoras coordenam suas atividades antes da consumação efetiva da operação. Frise-se, inclusive, que a coordenação de atividades antes do fechamento do negócio é proibida, independente se a operação é notificável, ou se já expirou o período de espera da operação notificada.
A participação coordenada e conjunta das empresas reduz ou elimina a concorrência do mercado, antes mesmo da conclusão da operação, que está condicionada à aprovação da operação pela autoridade antitruste, ou, no caso de o negócio não ser consumado, após o abandono[5].
Em função da livre concorrência, as partes que propõem um ato de concentração econômica devem operar como competidores independentes até a conclusão do negócio e análise do ato pelo CADE, razão pela qual seria abusivo o ato de concentração e coordenações de ações conjuntas antes de qualquer regulamentação do setor específico.
Com efeito, Gun Jumping constitui uma conduta anticompetitiva realizada por empresas em processo de concentração econômica, que se materializa pela troca indevida de informações e/ou pela beneficial ownership, que, de acordo com Amanda Athayde Martins, pode ser traduzida como integração prematura dos agentes econômicos[6].
Para esclarecer a questão, em 20/05/2015, o CADE lançou o Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica[7], com o objetivo de orientar os agentes privados na negociação e implementação de operações que configurem atos de concentração, especificamente com o objetivo de evitar a prática do gun jumping.
O guia não possui caráter vinculante, mas auxilia no esclarecimento da prática do gun jumping à luz do caso concreto, e traz um indicativo de quais procedimentos poderiam ser caracterizados abusivos. O Guia é estruturado em três seções: (i) a definição de gun jumping e a sua caracterização; (ii) os procedimentos que podem ser adotados de forma a minimizar o risco de configuração da violação; e (iii) as penalidades aplicáveis em caso de configuração de gun jumping.
Pelo aludido documento, existem três grupos de atividades que podem caracterizar o gun jumping: (i) trocas de informações entre os agentes econômicos envolvidos em um determinado ato de concentração; (ii) definição de cláusulas contratuais que regem a relação entre agentes econômicos; e (iii) atividades das partes antes e durante a implementação do ato de concentração.
A troca de informações entre os agentes econômicos envolvidos em um determinado ato de concentração, pretende evitar que informações concorrencialmente sensíveis sejam desnecessariamente transmitidas entre as partes, de forma a prejudicar a concorrência entre elas caso o ato de concentração não seja consumado. É bem verdade que os atos de concentração implicam algum nível e troca de informações entre os agentes econômicos. No entanto, o que se pretende coibir é a troca de informações sensíveis à competitividade do mercado. Segundo aponta o CADE, tais informações seriam específicas e versariam diretamente sobre o desempenho das atividades-fim dos agentes econômicos, podendo incluir dados específicos sobre custos das empresas envolvidas, nível de capacidade e planos de expansão, estratégias de marketing, principais clientes e descontos assegurados, dentre outras hipóteses.
A definição de cláusulas contratuais que regem a relação entre agentes econômicos está centrada no teor das regras que regerão a relação entre os agentes econômicos antes de terminada eventual análise antitruste pelo CADE. Como já ressaltado, até que o ato de concentração tenha sua análise concluída pelo CADE, as partes devem manter a relação de concorrência existente entre elas, e entre cada uma delas e o mercado, no momento anterior à realização da operação. Por isso, cláusulas contratuais que eventualmente possam resultar na integração prematura das atividades das partes, tais como não-concorrência prévia; pagamento antecipado de contraprestação (com exceção de sinais típicos de transações comerciais, ingerência direta de uma parte sobre aspectos estratégicos dos negócios da outra, além de quaisquer outras que não possam ser revertidas em momento posterior ou cuja reversão envolva elevados custos, são consideradas ilícitas em uma primeira análise.
Ao disciplinar a atuação das partes antes e durante a implementação da operação que configura ato de concentração, o CADE considera ilícitas as disposições que, de algum modo, permitam a consumação efetiva da operação, ainda que em parte, antes da conclusão da análise do ato de concentração pelo CADE. Dentre tais dispositivos, é possível mencionar, de forma exemplificativa: (i) a transferência ou usufruto de ativos, inclusive de valores mobiliários com direito a voto; (ii) o exercício de direito de voto ou influência relevante sobre a outra parte; (iii) a participação em lucros ou pagamentos vinculados ao desempenho da outra parte; (iv) o desenvolvimento conjunto de estratégias de vendas ou marketing; (vi) o licenciamento de uso de propriedade intelectual exclusiva à outra parte; (vii) a integração de força de vendas; e (viii) o desenvolvimento conjunto de produtos ou interrupção de investimentos.
A fim de diminuir a incidência do gun jumping, foram previstas uma série de medidas, a exemplo do parlor room e clean team, sem prejuízo da aplicação de eventual penalidade em caso de constatação do ato abusivo.
4. Medidas de combate ao gun jumping e penalidades aplicáveis, segundo o Guia do CADE
Enquanto pendente a análise dos atos de concentração, é possível às empresas envolvidas adotarem uma série de medidas, a fim de demonstrar a lisura do procedimento de concentração e diminuir os riscos de se consumar o gun jumping. As principais medidas seriam:
a) Protocolo antitruste: documento que deve conter os procedimentos a serem observados até a decisão final do CADE, principalmente no que se refere ao tratamento de informações concorrencialmente sensíveis, demonstrando a observância do guia elaborado pelo CADE;
b) Cleam Team e comitê executivos: São órgãos criados especificamente no âmbito da operação para congregar todo o fluxo de informações e controlar seu acesso, inclusive mediante o processamento e tratamento de dados.
O clean team é comitê independente formado por funcionários, consultores independentes ou ambos, indicado para operações complexas, geralmente quando há significativa concentração entre as empresas, quando é necessário trocar um volume grande de informações ou quando a operação gera potenciais riscos concorrenciais. Assim, o clean team deve ser responsável por enviar, receber, reunir, analisar e tratar as informações relativas ao ato de concentração. Por esse motivo, o CADE recomenda que seus membros firmem um termo de confidencialidade e sigam rigorosamente o protocolo antitruste previamente acordado entre as partes.
A fim de evitar a troca de informações privilegiadas e assegurar a imparcialidade, o CADE dispõe que membros do clean team podem comunicar-se com funcionários das empresas envolvidas no ato de concentração, mas não devem divulgar informações de uma empresa para outra.
O clean team deve classificar as informações recebidas das empresas como: pública, confidencial ou concorrencialmente sensível. Toda informação confidencial e concorrencialmente sensível deve ser tratada conforme previsto no protocolo antitruste, a fim de garantir maior transparência e evitar a prática do gun jumping.
O comitê executivo é formado por executivos de cada empresa e receberá os dados encaminhados pelo clean team para exame, podendo solicitar esclarecimentos, dentro dos limites do protocolo antitruste.
c) Acesso à informação: A troca de informações deve ocorrer exclusivamente por intermédio do cleam team, único ponto de contato entre as empresas. E conforme prevê o guia do CADE, o fluxo de dados deve ser feito por canais de comunicação distintos e independentes, para que não informações não se cruzem e burle o protocolo antitruste. Ressalva-se que as informações solicitadas pelo clean team para os funcionários das empresas devem restringir-se ao estritamente necessário para a realização do ato de concentração.
d) Confidencialidade: Os membros do cleam team e do comitê executivo devem comprometer-se a manter absoluto sigilo dos dados relacionados ao ato de concentração, especialmente das informações classificadas como confidenciais ou concorrencialmente sensíveis, ainda que deixem os seus respectivos comitês. Outrossim, todas as informações relativas ao ato de concentração devem ser consideradas confidenciais, exceto aquelas que sejam de domínio público ou que sejam consideradas públicas pela empresa detentora.
e) Tratamento de informações: O clean team poderá receber das empresas informações consideradas concorrencialmente sensíveis. Ao receber dados dessa natureza, o clean team deve mantê-los em absoluto sigilo, sem repassá-los ao comitê executivo ou qualquer outra pessoa. Caso julgue pertinente para o exame de viabilidade do negócio, o clean team deverá processar os dados concorrencialmente sensíveis a fim de torná-los agregados e/ou históricos, com periodicidade recomendável de no mínimo 3 (três) meses de sua ocorrência. Somente depois de processados, os dados concorrencialmente sensíveis devem ser repassados ao comitê executivo. E caso a negociação termine sem a conclusão do ato de concentração, as empresas devem solicitar ao cleam team a devolução ou destruição integral das informações.
f) Parlor Room: Consiste no procedimento para realização de reuniões entre membros do Comitê Executivo, a serem monitoradas, e que poderão tratar do futuro processo de integração entre as empresas, desde que, de tais reuniões, não resulte qualquer ingerência ou parceria entre as empresas.
Não obstante todas as medidas explicitadas na cartilha do CADE para evitar a prática do gun jumping, acaso se verifique a prática de alguma conduta abusiva, é possível aplicar penalidades. Inclusive, a lei 12.529/2011, em seu art. 88, §3º, permite a aplicação de multa, abertura de processo administrativo e nulidade de eventuais atos praticados antes da aprovação do ato de concentração pelo CADE.
A pena pecuniária a ser aplicada será em valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), e a fixação dependerá da análise do caso concreto, considerando como fatores determinantes, se a operação foi notificada e consumada, a natureza da decisão do CADE em eventual apreciação do ato de concentração (reprovação, aprovação com restrições e aprovação sem restrições), o tempo e o porte econômico do infrator.
Além da aplicação de multa, é prevista a abertura processo administrativo, a ser instaurado pela Superintendência-Geral do CADE, seguindo o rito previsto no artigo 69 e seguintes da Lei 12.529/2011. E ainda pode ser decretada a nulidade dos atos praticados, considerando como fatore o aspecto temporal da conduta, a proporcionalidade da medida e a possibilidade ou não de convalidação dos atos empresariais praticados.
O gun jumping possui origem no direito norteamericano, e é situação relativamente nova no ordenamento jurídico. No entanto, em 2013, o CADE apreciou o primeiro caso de gun jumping, envolvendo a empresa OGX. Sobre o tema, vejamos notícia divulgada no portal eletrônico da autarquia[8]:
OGX pagará R$ 3 milhões por prática de “gun jumping”
28/08/2013
A empresa OGX comprometeu-se perante o Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, na sessão de julgamento desta quarta-feira (28), a pagar o montante de R$ 3 milhões pela prática de “gun jumping” – quando ocorre consumação da operação sem autorização prévia do órgão antitruste.
O Cade entendeu que houve “gun jumping” no ato de concentração que trata da aquisição, pela OGX, de 40% da participação da Petrobras no Bloco BS-4, localizado na Bacia de Santos, no Estado de São Paulo (Ato de Concentração nº 08700.005775/2013-19). A Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade e a Superintendência-Geral também haviam se manifestado pela ocorrência de consumação prematura da operação.
De acordo com a Lei 12.529/11, atos de concentração de notificação obrigatória que sejam consumados antes da aprovação do Cade, que deve ser prévia, podem sofrer pena de nulidade. A lei prevê ainda multa de R$ 60 mil a R$ 60 milhões e possibilidade de abertura de processo administrativo.
A conselheira relatora do caso, Ana Frazão, afirmou que não decretou a nulidade do negócio em razão “de um contexto absolutamente excepcional”. Ela destacou que, além de a operação não gerar nenhum efeito anticoncorrencial, o objeto do negócio não está ainda em funcionamento – o "gun jumping" foi caracterizado pela realização de atos meramente administrativos relativos à operação.
A conselheira constatou também uma situação regulatória atípica no que diz respeito à necessidade ou não de notificação de operações desse tipo. Até a edição do Ofício Circular 003/2013/SEP pela Agência Nacional de Petróleo – ANP, em abril deste ano, não havia previsão regulatória expressa que determinasse a apresentação à análise antitruste.
O valor a ser pago pela OGX foi firmado com o Cade por meio de um Acordo em Controle de Concentração – ACC e será recolhido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD do Ministério da Justiça.
E posteriormente, outros casos de gun jumping foram identificados pelo CADE e punidos, como o ocorrido em 2015, após o lançamento do Guia, em que as empresas GásLocal e Gasmig foram condenadas a pagar R$ 90.000,00 (noventa mil reais) pela prática abusiva:
O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica condenou nessa quarta-feira (24/6) as empresas GásLocal e Gasmig a pagar R$ 90 mil pela prática de gun jumping – quando ocorre consumação da operação sem autorização prévia do órgão antitruste.
A Gasmig faz parte do Grupo Cemig que atua, com exclusividade, na distribuição de gás natural canalizado em todo o território do estado de Minas Gerais (por concessão do governo estadual). Já a GásLocal é uma
joint-venture entre a White Martins Gases Industriais e a Petrobras Gás, que tem como principal atividade a comercialização de gás natural liquefeito – GNL.
O Cade entendeu que houve gun jumping no ato de concentração que trata de contrato firmado entre as empresas para regular, em linhas gerais, as condições para fornecimento de GNL pela GásLocal à Gasmig (AC 08700.000137/2015-73). O objetivo da Gasmig é suprir a demanda por gás natural do município de Pouso Alegre/MG, ainda não atendido por gasodutos de distribuição.[9]
Nota-se, portanto, que as disposições previstas na lei nº 12.529/11 vêm sendo cumpridas na prática, a fim de coibir o gun jumping, embora o instituto seja relativamente novo, e o Guia lançado em 2015 se mostra ferramenta extremamente útil no auxílio da identificação e punição atos de concentração abusivos.
4. Conclusão
A livre iniciativa, embora constitua um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, não pode respaldar a prática de atos predatórios. Assim, o CADE possui papel determinante na fiscalização dos atos de concentração econômica e combate às condutas desleais, a fim de assegurar a observância dos princípios da ordem econômica.
O ato de concentração pode ser salutar, sobretudo por estimular uma disputa de mercado, beneficiar a economia e os consumidores. No entanto, quando se desenvolve mediante práticas predatórias, a exemplo do gun jumping, é necessária a intervenção do CADE, mediante fiscalização e repressão às infrações, com a aplicação das penalidades legalmente cabíveis.
No entanto, além da aplicação de multa e demais medidas administrativas, as iniciativas do Órgão que objetivam orientar os agentes econômicos e promover a segurança jurídica, a exemplo do Guia de Concentração, lançado em 2015, são importantíssimas, pois expressam a visão da autoridade sobre o gun jumping, tema relativamente novo no ordenamento brasileiro, e permite às partes conduzir suas atividades de forma lícita, minimizando eventual comportamento abusivo que, em algumas ocasiões, ocorre por desconhecimento da regulamentação legal.
No entanto, considerando as peculiaridades de cada ato de concentração e o poder econômico dos envolvidos, cada hipótese deve ser analisada casuisticamente, e, se for o caso, aplicada a penalidade cabível, a fim de se assegurar a lisura das operações societárias e o dinamismo de mercado, situações que conduzem ao crescimento econômico e beneficiam toda sociedade.
5. Referências Bibliográficas
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 7, p. 108.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições ao Direito Econômico. 4. ed. São Paulo: Forense, 2011
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – CADE. Guia para Análise da Consumação Prévia dos Atos de Concentração Econômica. Disponível em http://www.cade.gov.br/upload/Guia%20gun%20jumping-%20vers%C3%A3o%20final%20(3).pdf. Acessado em 06/04/2016.
ROQUE, Daniel Gustavo Santos. Notificação obrigatória dos atos de concentração no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência: Principais mudanças advindas do início de vigência da Lei nº 12.529/2011. Revista da AGU nº 19 – A nova lei do CADE. Julho de 2012. P. 51.
SANTIAGO, Luciano Sotero. Direito da Concorrência – Doutrina e Jurisprudência. Salvador: Jus Podivm, 2008. p. 29.
SANSEVERINO, Luiza Stenzel. Gun Jumping. Disponível em http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2012_2/luiza_sanseverino.pdf. Acessado em06/04/2016.
[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 7, p. 108.
[2] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições ao Direito Econômico. 4. ed. São Paulo: Forense, 2011. P. 563
[3] SANTIAGO, Luciano Sotero. Direito da Concorrência – Doutrina e Jurisprudência. Salvador: Jus Podivm, 2008. p. 29.
[4] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições ao Direito Econômico. 4. ed. São Paulo: Forense, 2011. p. 195.
[6] SANSEVERINO, Luiza Stenzel. Gun Jumping. Disponível em http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2012_2/luiza_sanseverino.pdf. Acessado em06/04/2016.
[7] MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – CADE. Guia para Análise da Consumação Prévia dos Atos de Concentração Econômica. Disponível em http://www.cade.gov.br/upload/Guia%20gun%20jumping-%20vers%C3%A3o%20final%20(3).pdf. Acessado em 06/04/2016.
[8] Extraído de http://www.cade.gov.br/Default.aspx?5cef3ecb25fa1112e452e27ed477. Acessado em 08/04/2016.
[9] Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-ago-28/ogx-faz-acordo-cade-pagara-milhoes-operacao-nao-autorizada. Acessado em 08/04/2016.
Advogada, graduada pela UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CABRAL, Camilla Cavalcanti Rodrigues. Gun Jumping e os mecanismos de atuação do CADE no combate aos atos de concentração ilícita Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 abr 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46420/gun-jumping-e-os-mecanismos-de-atuacao-do-cade-no-combate-aos-atos-de-concentracao-ilicita. Acesso em: 23 dez 2024.
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