RESUMO: O presente artigo tem por fito analisar o conceito jurídico de serviço público com vistas a identificar e delinear com mais precisão qual o regime jurídico que subjaz tal tipo de serviço. Deveras, buscar-se-á, através do presente estudo, traçar as notas características que permeiam a prestação do serviço público, com o escopo precípuo de delimitar, com a máxima clareza possível, qual a natureza jurídica do instituto jurídico em foco e, em sucessivo, discriminar quais as normas aplicáveis e como elas devem incidir na relação objeto de análise.
Palavras–chave: Direito Administrativo; Administração Pública; Serviço Público.
Ao reportar-se aos serviços públicos, a Constituição Federal de 1988 – CF/88, em seu art. 175, estatui o seguinte regramento:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
O art. 175 da CF/88, portanto, outorga ao Poder Público a titularidade dos serviços públicos, dispondo que tais serviços podem ser prestados de forma direta ou indireta pelo Estado.
No caso da prestação indireta dos serviços públicos, fala-se em delegação destes serviços por meio de contratos de concessão ou permissão.
Interessante destacar que a delegação do serviço público por parte do ente estatal jamais transfere a titularidade da prestação desses serviços. Em verdade, o particular apenas recebe a possibilidade exercer a prestação do serviço público em nome do Estado.
Nesse sentido, explicam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
“As atividades que constituem objeto dos serviços públicos a que se reporta o art. 175 da Constituição são de titularidade exclusiva do Estado, vale dizer, o exercício da atividade é subtraído à iniciativa privada livre. Esses serviços podem ser prestados diretamente, ou por particulares, mediante delegação do poder público (prestação indireta). Em qualquer caso, essas atividades têm de ser exercidas como serviço público, submetidas a um rígido regime jurídico de direito público”[1].
Feita uma breve análise do art. 175 da CF/88, ponto de partida para o estudo dos serviços públicos no ordenamento jurídico brasileiro, parte-se, nos próximos tópicos, para o exame do conceito doutrinário de serviço público.
Inicialmente, convém destacar que a conceituação do que vem a ser serviço público está longe de ser uma tarefa singela. Absolutamente. No decorrer da história, a fisionomia doutrinária da noção de serviço público modificou-se com forte intensidade, tornando deveras dificultosa a delimitação conceitual do tema em apreço.
É o que constata o mestre José dos Santos Carvalho Filho:
“Constitui traço de unanimidade na doutrina a dificuldade de definir, com precisão, serviços públicos. Trata-se, na verdade, de expressão que admite mais de um sentido, e de conceito que, sobre ter variado em decorrência da evolução do tema relativo às funções do Estado, apresenta vários aspectos diferentes entre os elementos que o compõem. (...)
Por força dessa dificuldade é que varia o conceito de serviço público entre os estudiosos da matéria, nacionais e estrangeiros”[2].
Deveras, ressuma claro que inexiste um conceito consensualmente aceito pela doutrina acerca dos serviços públicos. O que existem são correntes doutrinárias que, calcadas em critérios distintos, tentam individualizar os elementos necessários à configuração de determinada atividade como serviço público.
De uma maneira geral, os estudiosos do tema referem-se a três critérios básicos aptos a identificar os serviços públicos, quais sejam: o critério subjetivo, o critério material (ou substrato material) e o critério formal.
Contudo, antes de adentrar nos pormenores dos critérios supramencionados, é mister ressaltar que ao termo “serviço público” pode ser emprestado um sentido subjetivo, quando alude ao conjunto de órgãos e entidades estatais responsáveis pela prestação das atividades voltadas à coletividade, ou um sentido objetivo, quando se leva em conta a atividade em si.
Diferenciando as concepções de serviço público subjetivo e objetivo, elucidam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
“Não é raro a expressão “serviço público” ser empregada em um sentido subjetivo (ou orgânico), simplesmente como sinônimo de “administração pública em sentido formal”. Quando isso ocorre, a expressão “serviço público” não se refere a qualquer atividade específica, e sim ao conjunto de órgãos e entidades que desenvolvem atividades administrativas as mais variadas, ou seja, a todo o aparelhamento administrativo do Estado. (...)
Em sentido objetivo (ou material) a expressão “serviço público” reporta a uma determinada atividade, ou um conjunto de atividades. As atividades abrangidas pela expressão variarão conforme os critérios que cada autor, ou escola doutrinária, leve em consideração. De todo modo, o certo é que a expressão “serviço público” em sentido objetivo sempre se refere a atividades – sejam quais forem –, e não a órgãos, entidades ou pessoas que as realizem”[3].
É no sentido objetivo que a expressão “serviços públicos” será abordada neste trabalho.
Como já adiantado no tópico precedente, de uma forma genérica, a doutrina administrativista vale-se de três critérios distintos para identificar uma atividade como serviço público. Fala-se, portanto, em um critério subjetivo ou orgânico, um critério material e um critério formal.
O critério subjetivo leva em conta a figura do prestador do serviço público, sendo certo que, de acordo tal critério, somente é reputado como serviço público aquele prestado de forma direta pelo Estado, isto é, pelos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública, seja a Administração Pública Direta ou Indireta.
Já o critério material põe em relevo a atividade propriamente dita, isto é, a natureza da atividade desenvolvida. Segue-se que, consoante esse critério, só é considerada serviço público a atividade de grande importância para a coletividade, cujo desenvolvimento vise à satisfação de necessidades coletivas.
Lado outro, o critério formal coloca em destaque o regime jurídico ao qual a atividade está submetida. Assim, para identificar uma atividade como serviço público, exige-se que esta seja regida pelo regime jurídico de direito público, o qual se apoia em dois princípios basilares consubstanciados na supremacia do interesse público e na indisponibilidade do interesse público.
Nenhum dos critérios acima referidos está imune a críticas doutrinárias.
Primeiramente, aponta-se como objeção ao critério subjetivo o fato de a própria CF/88, em seu art. 175, admitir a delegação do serviço público a particulares mediante contratos de concessão ou permissão. Ora, se, pelo próprio Texto Magno, ao particular é conferida a possibilidade de prestar serviço público, resta evidente que tal espécie de serviço não depende da prestação direta do estado.
De outra banda, o critério formal encontra censura quando se tem presente que alguns serviços de inquestionável relevância para a sociedade podem ser explorados por particulares sob o regime de direito privado, a exemplo da saúde e da educação[4].
Quanto ao critério material, critica-se o fato de existirem atividades flagrantemente não essenciais, como as loterias, cuja prestação se dá através do Estado sob o regime de direito público.
Deveras, considerando tais críticas, os doutrinadores, no mais das vezes, buscam conjugar mais de um dos critérios identificadores acima referidos, de modo a conferir maior solidez na conceituação dos serviços públicos.
Não se fazem necessárias maiores reflexões para notar que a utilização de um ou de outro critério identificador dos serviços públicos termina por gerar conceitos discrepantes acerca deste instituto jurídico.
De efeito, para servir de subsídio, e para análise comparativa, cumpre trazer à baila o conceito concebido por alguns administrativistas que se debruçaram sobre o tema, bem como tecer alguns comentários sobre eles.
Segundo Hely Lopes Meirelles, “serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas de controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado”. [5]
Esse conceito mostra-se excessivamente amplo, uma vez que não permite distinguir serviço público de poder de polícia. Isso porque não distingue as prestações que, de per si, espelham uma utilidade para a coletividade, das prestações que, embora objetivem garantir o bem-estar da sociedade, acarretam imposição de sanções ou limitação a certas atividades dos particulares.
Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende como serviço público “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob o regime total ou parcialmente público”.[6]
A definição apresenta-se mais restrita do que a formulada por Hely Lopes Meirelles, mas também não está livre de críticas. O conceito proposto pela doutrinadora não deixa suficientemente explicitado que a atividade, em si mesma, deve configurar uma utilidade ou uma comodidade para a coletividade, isto é, a conceituação analisada não permite distinguir serviço público de obra pública, por exemplo.
Ademais, relativamente ao aspecto material, Di Pietro refere-se às “necessidades” coletivas. Todavia, se a palavra “necessidade” for considerada em seu sentido gramatical, não se reputarão serviços públicos as atividades que objetivem atender os interesses secundários da sociedade, ainda que o ordenamento jurídico imponha que elas sejam desenvolvidas mediante o regime de direito público.
De seu turno, Celso Antônio Bandeira de Mello parece propor o conceito mais bem formulado de serviço público, vaticinando que:
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo[7].
Tal definição encerra conceito de serviço público mais restrito na medida em que somente engloba as utilidades ou comodidades que sejam diretamente fruíves pela coletividade.
Já com relação ao critério material, a definição é aberta, ou seja, sendo a prestação fruível diretamente pela sociedade, poderá ela ser eleita pelo sistema jurídico para ser desenvolvida como serviço público e, portanto, regida pelo regime de direito público.
Destarte, tal definição revela-se mais consentânea com nosso ordenamento jurídico, eis que exclui do conceito de serviço público o poder de polícia, as obras públicas, as atividades internas e as atividades-meio da administração, ou quaisquer outras atividades que atendam os interesses da coletividade de maneira apenas indireta.
Adicionalmente, como é perceptível, o conceito encampado por Bandeira de Mello não se refere à importância da atividade para a sociedade, de sorte que a definição pode englobar não só as necessidades impostergáveis da coletividade, como também as prestações visivelmente dispensáveis (como as loterias), desde que, em qualquer caso, o sistema jurídico imponha a sua execução mediante o regime jurídico de direito público.
Do mesmo modo, a definição não impõe que a atividade seja titularizada exclusivamente pelo Estado, já que as atividades concernentes aos direitos sociais, embora devam obrigatoriamente ser prestadas como serviço público pelo Estado, podem, de forma complementar, ser desenvolvidas por particulares sem que estes sejam considerados delegatários do serviço público.
Com efeito, a conceituação albergada por Celso Antonio Bandeira de Mello, por espelhar enunciado capaz de identificar com mais perfeição o serviço público, deve ser levada em consideração para definir o serviço público dentro do sistema jurídico brasileiro.
CONCLUSÃO
Em linhas gerais, pode-se dizer que os doutrinadores buscam, no mais das vezes, mesclar o critério material com o critério formal e o critério subjetivo para formular um conceito minimente consistente de serviço público.
De maneira conclusiva, portanto, é possível dizer que o serviço público pode ser caracterizado pelo tipo da atividade prestada (critério material), pela pessoa que presta o serviço (critério subjetivo) e pelo regime jurídico ao qual se subordina (critério formal).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Ed. Método.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros, 1993.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Atlas, 2010.
[1] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Ed. Método, 2011, p. 651.
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010, p. 347.
[3] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Ed. Método, 2011, p. 654.
[4] CF/88:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros, 1993, p. 289.
[6] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Atlas, 2010, p. 102.
[7] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2010, p. 671.
Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VITOR TURTON LOPES GALVãO, . Breves considerações sobre o conceito de serviço público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46422/breves-consideracoes-sobre-o-conceito-de-servico-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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