Resumo: O presente artigo objetiva analisar os efeitos da desapropriação nos imóveis objeto de atividade comercial, e a possibilidade de a sociedade empresária pleitear indenização pela perda do fundo de comércio.
Palavras-chave: Direito Empresarial, estabelecimento empresarial, atividade empresária, desapropriação, fundo de comércio.
1. Introdução: A intervenção do Estado na propriedade e o exercício da atividade empresária
O direito de propriedade encontra previsão nos arts. 5º, XXII e XXIII, da Constituição Federal. Trata-se de um direito individual que assegura ao seu titular os poderes de gozar, reaver, usar e dispor do bem, de modo absoluto, exclusivo e perpétuo.
No entanto, o direito de propriedade não é direito absoluto e irrestrito, pois é necessário cumprir a função social, sendo esse um dos princípios da ordem econômica, conforme art. 170, III, da Constituição Federal.
A intervenção do Estado na propriedade pode ser definida como qualquer atividade estatal que tenha o objetivo de cumprir uma finalidade de interesse público ou ajustar a propriedade à função social, desde que amparada em lei.
O Estado pode intervir na propriedade privada na modalidade restritiva ou supressiva. Na restritiva, o Estado impõe restrições e condicionamentos ao uso da propriedade pelo terceiro, sem lhe retirar o direito de propriedade, a exemplo da servidão, requisição temporária, tombamento; já na supressiva, o Estado transfere para si a propriedade de terceiros, suprimindo o direito de propriedade anteriormente existente, podendo ser por indenização ou, excepcionalmente, sem qualquer espécie de pagamento.
Em se tratando de desapropriação, há a retirada da propriedade do particular, após a realização de procedimento administrativo, mediante o pagamento de indenização como forma de compensação.
Via de regra, as indenizações são pagas em dinheiro ao proprietário do imóvel, salvo nas hipóteses ressalvadas pela Constituição Federal. Ocorre que, em algumas hipóteses, o imóvel desapropriado pode ser utilizado para fins empresariais, inclusive através de locação comercial.
E com a desapropriação, a atividade empresária poderia sofrer sensível prejuízo, ao perder a clientela já estabelecida naquele determinado ponto do negócio, bem como a perda do fundo de comércio, complexo de bens materiais e imateriais que regem a atividade do empresário.
Assim, surgiram inúmeros questionamentos, pois de um lado a indenização do imóvel expropriado apenas é paga ao proprietário, em primeiro momento, e de outro o empresário seria o maior prejudicado com a desapropriação, tendo em vista a deterioração do fundo de comércio, o qual ultrapassa o valor do próprio imóvel, em inúmeras hipóteses.
Lastreado em entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), apresentam-se as soluções para a questão.
2. A atividade empresária e o estabelecimento empresarial
O empresário é definido no art. 966, do Código Civil como o profissional que exerce “atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”. A Legislação brasileira adota, portanto, a teoria da empresa, pela qual qualquer atividade econômica poderá, em princípio, submeter-se ao regime jurídico empresarial, bastando que seja exercida profissionalmente, de forma organizada e com intuito lucrativo.
A exploração da atividade mercantil se dá através do estabelecimento empresarial, compreendido como o conjunto de bens, materiais e imateriais, para o exercício da atividade. Sobre o tema, preleciona Fábio Ulhoa Coelho[1]:
O estabelecimento empresarial é a reunião dos bens necessários ao desenvolvimento da atividade econômica. Quando o empresário reúne bens de variada natureza, como as mercadorias, máquinas, instalações, tecnologia, prédio etc., em função do exercício de uma atividade, ele agrega a esse conjunto de bens uma organização racional que importará em aumento do seu valor enquanto continuarem reunidos. Alguns autores usam a expressão “aviamento” para se referir a esse valor acrescido.
Insta frisar que o estabelecimento não se confunde com a empresa, já que esta corresponde a uma atividade, e o estabelecimento não se confunde com o empresário, conforme as definições já apontadas. Do mesmo modo, o estabelecimento empresarial não se confunde com o local em que o empresário exerce suas atividades (ponto do negócio), já que este é apenas um dos elementos que compõem o estabelecimento empresarial, o qual é composto de outros bens materiais e até mesmo imateriais.
Embora exista divergência na doutrina quanto à natureza jurídica do estabelecimento empresarial, já que, para a Teoria universalista, o estabelecimento seria uma unidade de fato ou de direito, prevalece na doutrina o entendimento de que o estabelecimento empresarial é uma universalidade de fato, vez que os elementos que o compõem formam uma coisa unitária exclusivamente em razão da destinação que o empresário lhes dá, e não em virtude de disposição legal.
No contexto do estabelecimento empresarial e exercício da atividade empresária, surge a figura do fundo de comércio, também conhecida como aviamento. O fundo de comércio pode ser definido como a unidade econômica que possui vida própria, compondo um patrimônio bem determinado e dispondo de organização administrativa e trabalho como força dinâmica. É um bem imaterial criado pela atividade empresária, compreendendo, em visão globalizada, o conjunto empresarial: valor patrimonial da empresa, ponto, clientela, qualidade e notoriedade, enfim toda forma atrativa do negócio. Ainda, pode ser representado pelo ponto em que o negócio está estabelecido, pela popularidade do estabelecimento, o que constitui a sua fama; pela condição do negócio instalado; pela freguesia, nome comercial, marcas de fábrica e de comércio; enfim, por todo e qualquer elemento de que disponha o comerciante para desenvolvimento e realização de seus negócios.
Todo o estabelecimento empresarial deve possuir proteção jurídica para as hipóteses em que, sem culpa do empresário, a organização de bens materiais e imateriais é comprometida. Sobre o assunto, vejamos o magistério de Fabio Ulhoa Coelho[2]:
Devido à intangibilidade dessa organização racional que o empresário introduz na utilização dos bens integrantes do estabelecimento empresarial, e tendo em vista que ela tem valor de mercado, o direito necessita desenvolver mecanismos para a tutela desse plus e do valor que ele representa. Cada bem, isoladamente, possui proteção jurídica específica (como, por exemplo, os interditos possessórios ou a responsabilização civil e penal por dano patrimonial, etc.); o estabelecimento empresarial, essa disposição racional dos bens em vista do exercício da atividade econômica, por sua vez, necessita de uma forma própria de proteção. O direito, assim, em geral, deve garantir a justa retribuição do empresário quando este perde, por culpa que não lhe seja imputável, o valor representado pelo estabelecimento empresarial. Assim, em caso de desapropriação do imóvel em que o empresário mantém o seu estabelecimento empresarial, a indenização correspondente deve compreender o valor do fundo de empresa por ele criado.
Portanto, nos casos de desapropriação, acaso haja perda do fundo de comércio, se faz necessária a fixação de indenização, tendo em vista os vultosos investimentos e a violação ao patrimônio material e imaterial desenvolvido na atividade empresária.
3. A desapropriação e o pagamento à indenização ao expropriado
A desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, de modo que o bem chega ao acervo do Estado livre que qualquer ônus de natureza real. Pode recair sobre todos os bens de valor econômico, sejam eles móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, públicos ou privados.
A possibilidade de desapropriação não é ampla e irrestrita, deve preencher um dos pressupostos constitucionais para a sua prática:
a) Utilidade Pública – Situação em que o ente público deverá usar o bem diretamente, seja para obra pública ou para a prestação de um determinado serviço.
b) Necessidade Pública – Mesmas hipóteses de utilidade, acrescida da urgência na solução do problema.
c) Interesse social – necessidade de se garantir a função social da propriedade, com o escopo de reduzir desigualdades sociais e conferir destinação social ao bem expropriado, mesmo que não seja utilizado diretamente pelo ente estatal.
Verificado o interesse público na desapropriação, e preenchida uma das hipóteses constitucionalmente admitidas, tem início o procedimento administrativo solene. Conforme previsto no art. 22, II, da Constituição Federal, é da União a competência exclusiva para legislar sobre a desapropriação. No entanto, a competência declaratória da desapropriação é Concorrente entre todos os entes federativos.
Já a competência para executar a desapropriação é do ente que declarou a utilidade pública ou o interesse social, admitindo-se nessa hipótese a delegação da competência executória para entes da Administração Indireta, concessionárias de serviços públicos e, até mesmo, consórcios públicos. Tais entidades não têm competência para decretar o interesse no bem, mas poderão promover a desapropriação, mediante pagamento de valor indenizatório e imissão na propriedade.
O procedimento desapropriatório possui, obrigatoriamente, a fase administrativa e, em caso de discordância do particular, é possível discutir a questão na via judicial. Na via administrativa, a desapropriação possui as seguintes fases:
A fase declaratória é a primeira fase do procedimento, pela qual, através da declaração de utilidade pública, o Poder Público manifesta o seu interesse na futura desapropriação, podendo ser feita por decreto ou edição de lei de efeitos concretos. Quando o Estado declara a utilidade ou interesse público, o bem continua sendo de propriedade do particular, sujeito a algumas restrições definidas na lei. No entanto, o bem estará sujeito à força expropriatória do estado.
Com essa declaração, embora não ocorra a transferência imediata do bem, o Poder Público pode ingressar no imóvel para fazer avaliações, medições, podendo se valer da força policial. A declaração expropriatória também fixa o estado do bem, de modo que qualquer melhoria, salvo benfeitorias úteis (se autorizadas pelo Estado) ou necessárias, NÃO será indenizada, conforme entendimento sumulado[3].
a) O ato declaratório obedece a prazo de caducidade para o início dos atos de execução:
b) Desapropriação por necessidade ou utilidade pública: 05 anos;
c) Desapropriação por interesse social (incluídas as desapropriações urbana e rural): 02 anos
Decorrido o prazo supra, a declaração NÃO poderá ser executada, ante inércia administrativa. Porém, o Estado poderá realizar nova declaração decorrido o prazo de 01 (um) ano.
Posteriormente, tem início a fase executória, em que o Estado deverá adotar as providências necessárias à efetivação da desapropriação, com a transferência do bem após o pagamento do valor justo. A execução pode ser na via administrativa, com pagamento de dinheiro antes da tomada da propriedade, sem precatórios judiciais, ou se dar na via judicial, por Ação de desapropriação, quando não houver acordo em relação ao valor da indenização ou se o ente expropriante não souber quem ostenta e qualidade de proprietário do bem.
A ação de desapropriação segue rito especial, devendo a inicial obedecer os requisitos do art. 282 CPC, contendo ainda a oferta do preço, exemplar do contrato ou do jornal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.
Ao despachar a inicial, o juiz indicará perito de sua livre escolha para proceder à avaliação dos bens. Citado, o réu terá 15 dias para apresentar defesa, a qual somente poderá versar sobre o valor indenizatório ou vícios processuais, não se admitindo nenhuma outra matéria de defesa no bojo da ação de desapropriação.
Se o particular concordar com o valor ofertado pelo ente público no bojo da ação, o juiz deverá homologar o acordo por sentença. Caso contrário, o perito deve apresentar laudo em cartório, até 05 dias da data marcada para audiência de instrução e julgamento.
É possível que o Estado seja imitido provisoriamente na posse do imóvel antes de finalizada a ação de desapropriação, desde que cumpridos os seguintes requisitos:
a) Declaração de urgência pelo expropriante;
b) Depósito do valor incontroverso em juízo.
Se Declarada a urgência, o Estado terá 120 dias para requerer ao juízo a emissão provisória da posse, realizando o depósito do valor incontroverso em juízo, sob pena de decair a declaração de urgência. Se perdido o prazo, essa declaração de urgência NÃO pode ser renovada, por sua própria natureza.
Realizada a imissão provisória, o réu poderá levantar por alvará judicial até 80% (oitenta por cento) do depósito, ainda que discorde do valor ofertado. O restante garante o juízo e só poderá ser levantado com a sentença. No entanto, Caso o expropriado levante a integralidade do depósito, presume-se que o valor depositado foi aceito e o juiz homologará o acordo, por sentença, não havendo a possibilidade de se questionar o pagamento.
Necessário destacar que a indenização, tanto na via administrativa quanto na judicial, deve ser prévia à emissão do poder público no bem expropriado, realizada em dinheiro e ser justa, compreendendo:
a) O valor de mercado do bem
b) Danos Emergentes;
c) Lucros cessantes;
d) Correção Monetária;
e) Honorários advocatícios, juros moratórios e compensatórios, se na via judicial.
Com a imissão provisória da propriedade, exclui-se a obrigação de pagamento de tributos referentes ao bem pelo proprietário, inclusive o IPTU. E Caso o Poder Público desista da desapropriação, em tendo havido imissão provisória na posse, deverá haver reparação de quaisquer danos causados no imóvel[4].
O Juiz, em sentença motivada, estabelecerá indenização justa, e se o valor determinado for maior do que o valor depositado, a diferença deverá ser paga pelo ente estatal, respeitando a ordem cronológica de precatórios. Nesse caso, incidem sobre a indenização algumas parcelas acessórias:
a) Correção Monetária: É a atualização da moeda, incidente sobre o valor não levantado pelo particular, desde o momento da avaliação do perito judicial. Deve ser guiada por índices oficiais que retratem a inflação do período.
b) Juros Compensatórios: Compensa a perda da posse antes de receber a indenização justa, devendo incidir sobre 20% + diferença no valor da indenização, no patamar de 12% ao ano, conforme súmula 618 do STF[5]. Deve ser pago mesmo quando a desapropriação recair sobre propriedades improdutivas.
c) Juros Moratórios: Devidos em razão da demora no efetivo pagamento pelo Estado. Incidem a partir de 1º de Janeiro do ano seguinte a que o precatório deveria ter sido pago, no percentual de 6% ao ano, conforme súmula vinculante 17[6].
d) Honorários Advocatícios: Incidem sobre o valor fixado na sentença excluído o depositado pelo ente estatal (é a diferença entre a oferta e a indenização), no percentual entre 0,5% e 5% do valor da sucumbência.
4. O direito à indenização pela desapropriação do fundo de comércio: limites e possibilidades
Estabelecidos os contornos procedimento desapropriatório, discute-se na doutrina e jurisprudência os casos em que, a pretexto de atender ao interesse público, ocorre a desapropriação de imóvel locado para fins comerciais.
Quando surgiram as primeiras controvérsias sobre o tema, a Fazenda Pública alegava que o eventual pagamento de indenização seria possível apenas se o locatário empresário possuísse contrato de locação escrito por prazo certo e amparado pela antiga Lei de Luvas, cujas disposições atualmente foram absorvidas pela lei de locações, e previa que, em caso de perda do imóvel, o proprietário é quem deveria indenizar o locatário do fundo do comércio.
No entanto, o STJ[7] entendeu que independente das relações jurídicas estabelecidas entre locador e locatário a justificar a pretensa aplicação da antiga Lei de Luvas, o direito à indenização por perdas e danos causados pela Administração Pública expropriante assegura o direito abrangente à indenização, incluindo-se o fundo de comércio.
A jurisprudência recente permanece com o entendimento consolidado, no sentido de ser direito do locatário o recebimento de indenização pela desapropriação pelo fundo de comércio:
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. LOCAÇÃO COMERCIAL DO IMÓVEL. FUNDO DE COMÉRCIO. PERDAS E DANOS. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. Na desapropriação de imóvel locado para fins comerciais, é assegurado ao locatário, despojado do fundo de comércio, por via do procedimento expropriatório, o direito de ressarcimento por perdas e danos, esteja ele protegido, ou não, pela Lei de Luvas. Precedentes jurisprudenciais.
Recurso provido[8].
Inclusive, o direito à indenização pela perda do fundo de comércio subsiste ainda que a empresa esteja com as atividades paralisadas ou com problemas fiscais, uma vez que os componentes incorpóreos do patrimônio, a exemplo do nome empresarial, ponto estratégico e o aviamento subsistem. Sobre o assunto, o STJ já reconheceu o direito à indenização pelo fundo de comércio em tais hipóteses:
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO DE EMPRESA. INDENIZAÇÃO. FUNDO DE COMÉRCIO. JUROS COMPENSATÓRIOS. JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de incluir na indenização de empresa expropriada o valor do fundo de comércio.
2. O fundo de comércio é considerado patrimônio incorpóreo, sendo composto de bens como nome comercial, ponto comercial e aviamento, entendendo-se como tal a aptidão que tem a empresa de produzir lucros.
3. A empresa que esteja temporariamente paralisada ou com problemas fiscais, tal como intervenção estatal, não está despida do seu patrimônio incorpóreo, o qual oscila de valor, a depender do estágio de sua credibilidade no mercado. Situação devidamente sopesada pelo Tribunal de origem que adotou o arbitramento feito pelo perito, estimando o fundo de comércio em 1/3 (um terço) do patrimônio líquido ajustado a 31/05/1985[9].
No voto do julgado em questão, argumentou a Ministra Eliana Calmon:
“(...) Não se pode aceitar que uma empresa, pelo fato de estar parada, fora de funcionamento ou em regime de intervenção estatal perca os componentes do seu patrimônio incorpóreo, tais como nome comercial, ponto estratégico, carta-patente e o chamado aviamento, entendendo-se como tal a aptidão do estabelecimento comercial de produzir lucro, segundo lição de Rubens Requião. Os bens incorpóreos diminuem de valor, mas não desaparecem, a não ser que desapareça a empresa como um todo. Se a empresa sobrevive, mesmo com problemas financeiros ou técnicos, está mantido o seu patrimônio corpóreo e incorpóreo.
Fixado o direito à indenização pela perda do fundo de comércio, a forma de pagamento da indenização dependerá da condição do proprietário do fundo de comércio. Se o proprietário do aviamento também for o proprietário do imóvel expropriado, o pagamento da indenização pela desapropriação do imóvel pelo poder público também deve incluir a indenização pela perda do fundo de comércio[10]. Caso o proprietário entenda que o montante da indenização foi insuficiente para custear o valor do fundo de comércio, pode propor ação ordinária específica, para que se apure eventual diferença entre o montante pago na desapropriação e o efetivamente devido.
Se o imóvel expropriado estiver alugado a terceiros, a jurisprudência[11] exige a propositura de ação própria de indenização, sujeitando-se ao pagamento via precatórios, conforme prevê o art. 100 da Constituição Federal, considerando que o objeto em discussão nas ações de desapropriação é restrito ao valor indenizatório do imóvel ou vícios processuais.
Inclusive, ante a independência entre a ação de desapropriação e eventual ação indenizatória do locatário do imóvel expropriado, detentor do fundo de comércio, o STJ entende que a imissão provisória na posse do imóvel pelo poder público, embora condicionada ao pagamento da indenização prévia pela perda do imóvel, não se condiciona ao pagamento da indenização pelo fundo de comércio:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LOCAÇÃO. FUNDO DE COMÉRCIO. IMISSÃO PROVISÓRIA. DEPÓSITO. DESNECESSIDADE. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. MULTA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem afastou a necessidade, para fins de imissão provisória na posse, de depósito prévio de valor relativo a fundo de comércio apurado em perícia contábil em favor de locatário de imóvel objeto de desapropriação.
(...)
3. A imissão provisória na posse não deve ser condicionada ao depósito prévio do valor relativo ao fundo de comércio eventualmente devido ao locatário, tendo em vista que o pagamento da indenização, apurada em ação própria, está sujeito à sistemática do art. 100 da Constituição Federal. Precedentes do STJ[12].
5. Conclusão
Em linhas gerais, a jurisprudência assegura o direito à indenização pelo fundo de comércio, a diferença reside se o proprietário do fundo de comércio é também o expropriado do imóvel, hipótese em que o valor da indenização pelo aviamento já integra o montante dos lucros cessantes pagos no procedimento expropriatório.
Se o detentor do fundo de comércio for locatário de imóvel comercial, eventual direito à indenização subdivide-se: o proprietário do imóvel receberá a indenização oferecida pelo Poder Público, pela perda da propriedade, administrativamente ou na via judicial, se entender insuficiente o montante oferecido; e o detentor do fundo de comércio deverá propor ação de indenização, demonstrando a perda do aviamento e o quantum que entende devido, sujeitando-se o recebimento do montante à sistemática dos precatórios.
Ressalte-se, ainda, que eventual discussão em ação de indenização pela perda do fundo de comércio proposta pelo locatário não impede os atos de imissão provisória na propriedade pelo poder público, conforme já asseverou a jurisprudência pátria.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 21ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14 ed. - São Paulo: Atlas, 2002.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2 ed. - São Paulo: Saraiva, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. - São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
STJ. REsp 449690/PR. Rel: Min. Eliana Calmon. Dje: 13/09/2004
STJ. REsp 1000/SP. Rel: Min. Milton Luiz Pereira. 1ª Turma. Dje: 19/05/1993.
STJ. REsp 406502/SP. Rel: Min. Garcia Vieira. 1ª Turma. Dje: 23/04/2002.
STJ. REsp 704726 / RS. Rel: Min. Eliana Calmon. 2ª Turma. Dje: 06/03/2006.
STJ. AgRg no REsp 1199990 / SP. Rel: Min. Mauro Campbell Marques. 2ª Turma. Dje: 25/04/2012.
STJ. AgRg no REsp 1258122 / MG. Rel: Min. Napoleão Maia Nunes Filho. Dje: 03/03/2016.
STJ. REsp 1337295 / SP. Rel: Min. Hermam Benjamim. 2ª Turma. Dje: 07/03/2014
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 21ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 56.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit. P. 56
[3] Súmula 23 STF: Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada.
[4] Nesse sentido, STJ. REsp 449690/PR. Rel: Min. Eliana Calmon. Dje: 13/09/2004.
[5] Súmula 618 STF: Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano.
[6] Súmula vinculante 17 STF: Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.
[7] STJ. REsp 1000/SP. Rel: Min. Milton Luiz Pereira. 1ª Turma. Dje: 19/05/1993.
[8] STJ. REsp 406502/SP. Rel: Min. Garcia Vieira. 1ª Turma. Dje: 23/04/2002.
[9] STJ. REsp 704726 / RS. Rel: Min. Eliana Calmon. 2ª Turma. Dje: 06/03/2006.
[10] 3. Cumpre destacar que, na hipótese em análise, o detentor do fundo do comércio é o próprio proprietário do imóvel expropriado. Assim, a identidade de titularidade torna possível a indenização simultânea na desapropriação. Ademais, o processo ainda se encontra na fase inicial, o que permite seja apurado o valor de bens intangíveis, representados pelo fundo de comércio, na própria perícia a ser realizada para fixação do valor do imóvel, dispensando posterior liquidação de sentença. STJ. AgRg no REsp 1199990 / SP. Rel: Min. Mauro Campbell Marques. 2ª Turma. Dje: 25/04/2012.
[11] STJ. AgRg no REsp 1258122 / MG. Rel: Min. Napoleão Maia Nunes Filho. Dje: 03/03/2016.
[12] STJ. REsp 1337295 / SP. Rel: Min. Hermam Benjamim. 2ª Turma. Dje: 07/03/2014.
Advogada, graduada pela UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CABRAL, Camilla Cavalcanti Rodrigues. Desapropriação e indenização do Fundo de Comércio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46440/desapropriacao-e-indenizacao-do-fundo-de-comercio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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