Há endeusamento da Operação Lava Jato. Muitos cidadãos brasileiros dizem que o juiz Sérgio Moura conseguirá limpar o Brasil da corrupção no governo de Dilma Rousseff, e mandar Lula e o PT para a berlinda. A Lava Jato é uma versão tupiniquim da operação deflagrada na Itália nos anos 1990. A Itália vivia e respirava corrupção, como no Brasil, ou será que no Brasil é maior? É necessário esclarecer, não desestimular, sobre Mãos Limpas.
O que é transmitido por muitos jornalistas brasileiros sobre a Operação Italiana — representou a derrota da corrupção na Itália — é falácia. Mãos Limpas envolveu políticos, empresários, mafiosos e influentes personalidades de todas as esferas sociais da Itália. Itália cheirava a corrupção. O que começou como uma simples investigação se transformou numa das maiores operações anticorrupções que se tem na história da Europa, ou planetária.
Ao todo, 6.059 pessoas foram investigadas, sendo 1.978 administradores, 872 empresários e 438 parlamentares. Um show de horrores jamais visto. O Estado tinha sido tomado de forma silenciosa, muito diferente de guerras às quais usam a força bélica para conquistar o poder do Estado. De dentro para fora, o Estado foi sendo modelado, nos bastidores diabólicos entre toda sorte de maléficos indivíduos. A promiscuidade pública privada custou aos cidadãos italianos [idôneos] amargas consequências em suas vidas. O inferno seria bem melhor do que o purgatório do que em solo italiano.
Se a Justiça italiana agiu, a alavanca impulsionadora fora a opinião pública. Inconformados com a corrupção institucionalizada, a opinião pública apressou e forço o judiciário a investigar e condenar os culpados. Diante do caldeirão de promiscuidades fisiológicas entre público e privado, mudanças foram necessárias. Contudo, conforme pesquisa do cientista político Alberto Vannucci, a Mãos Limpas se mostrou fracasso, a corrupção se aperfeiçoou. Para Alberto, a corrupção na Itália é sistemática.
"Inquéritos judiciais, mesmo quando bem-sucedidos, podem colocar na cadeia alguns políticos, burocratas e empresários corruptos, mas não conseguem acabar com as causas enraizadas da corrupção".
Sempre disse que a corrupção não é via de mão única, mas dupla. Quando há corruptores é porque há os corruptíveis. Em um país onde há educação universalista, de um por todos e todos por um, os corruptores se sentem quase paralisados em conseguir adeptos para suas nefastas ações. Em sociedades extremamente desiguais, a corrupção vaza pelos ralos de galerias pluviais. As desigualdades sociais afloram os sentimentos de impunidade, de oportunismo, de incivilidade. Ninguém gosta de se sentir excluído do grupo nacional, ou dentro de um sistema que privilegia apenas um grupo da sociedade. Em questão de Brasil, pela sua história discriminatória, as desigualdades sociais são frutos de ações de grupos [aristocracia, oligarquia] que centralizavam o poder do Estado em suas mãos em proveito próprio. O conchavo pérfido entre o setor privado e público data desde o século XIX. Tal fato é verificável nas leituras de renomados doutrinadores do Direito administrativo.
Grupos, sem qualquer empatia, combinavam transações para se enriquecerem. Ao povo [párias] o Pão e Circo para o esquecimento prévio de suas aflições. Se os serviços públicos são péssimos, nada mudou. A maquiagem da máquina antropofágica, onde a carne moída são os párias [negros, nordestinos, pessoas com necessidades especiais, indígenas e os indivíduos considerados mestiços dos párias], sempre logrou êxito no Brasil. Algumas reformas e construções para dar a impressão de que os gestores públicos fizeram algo de útil à Nação. Tais maquiagens apenas duravam até a gestão do administrador público, após a sua saída do Poder Executivo, por novas eleições, os recentes empossados amargavam as dívidas deixadas pelos antecessores administradores públicos. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi imensa contribuição para os cofres públicos. A reeleição proporcionou outra chance de lucrar. Administradores públicos visando às próximas eleições movimentavam máquinas, operários e propagandas para os últimos dias no mandato, de forma que suas ações fossem vista como interesse público. Nisso, os ardilosos marqueteiros davam a entender que as obras iniciadas pelos atuais gestores públicos não seriam levadas a diante, pois o possível novo administrador — candidato com IBOPE positivo — não terminaria as obras e reformas necessárias à saúde e bem-estar das populações.
No Pão e Circo tupiniquim, as populações marginalizadas ficavam sem saber o que fazer, votar no candidato à reeleição, mesmo sendo um imoral administrador, ou eleger um novo gestor. No medo, da solidão e de dias piores, o jeito era permanecer na zona de conforto: ruim com o atual, pior sem ele. A máquina antropofágica usa de psicologia comportamental para persuadir, sem muitos custos, os cidadãos [capacidade eleitoral ativa] desesperados por soluções às suas aflições cotidianas. O novo — trem, metrô, habitação popular, hospital, creche popular, asfaltamento, canalização de água e esgoto —, em épocas de eleições, logo se materializava aos olhos macerados pelo contínuo Pão e Circo. Para o povo brasileiro, a esperança nunca morre, mas morre aqueles que acreditam, eternamente, em dias melhores, pois suas vidas são sugadas por vampiros enlouquecidos por sangue, dinheiro, luxo, entorpecentes e orgias.
Contudo, na pressa do gestor público, em demonstrar eficácia e comprometimento humanístico com o povo, contratos [concessões] eram feitos às pressas. As obras eram iniciadas. Na impressão de “pelo povo e ao povo”, os desesperados eleitores votavam no “salvador” do bairro, da região, do município, do estado, da governabilidade nacional. Após a posse do “salvador”, as obras se mostravam inacabadas, pois o administrador público afirmava que os cofres públicos não tinham condições de continuar a cobrir os gastos. Ora, incompetente e mal intencionado foi o gestor público ou gestora pública que prometeram mudanças benéficas para os eleitores. Eis a artimanha visível a quem tem olhos apurados. A transparência pública brasileira é engodo; em sua transparência, só acontece quando há jornalistas investigativos a denunciar as fraudes, os conluios, as pérfidas ilegalidades e imoralidades dos gestores públicos, ou quando algum cidadão, cansado de ver nenhum resultado eficiente, arregaçava as mangas e ia pedir explicações aos administradores públicos.
Nos bastidores políticos, os conchavos aconteciam em nome do fisiologismo “toma lá dá cá”. Medidas Provisórias são negociadas, sejam com alguma percentagem na cueca, na mala etc. As negociatas também aconteciam para que algo se fizesse [tapa boca] ao povo; em muitos momentos, os aumentos dos subsídios e as regalias dos parlamentares surgiam como “milagres” aos pedidos e às orações dos fiéis seguidores do Altíssimo, afinal, está nas cédulas que "Deus é brasileiro!". As viagens importantes para aperfeiçoamento funcional não passavam de férias, e o dinheiro público era gastado sem qualquer cerimônia.
Ora, jamais há lógica em qualquer ação de qualquer administração pública que privilegie apenas setores industriais, porcentagens populacionais. O povo quer serviços públicos eficientes e seguros. O povo está cansado de construções de estádios, parques de diversões, praças públicas, enfeites em praças públicas em épocas de festividades regionais e nacionais. O povo quer sair da miséria, quer dignidade em suas vidas sem ser em conta gotas, como sempre foi na história do Brasil. Eis as lições que o povo brasileiro deve abraçar, o Pão e Circo está nos investimentos vultosos sem, contudo, melhorar a vida dos párias. As remoções por “interesse público” são comportamentos seculares que se perpetuam. Os párias são retirados para que os locais possam ser urbanizados, enquanto os remanejados párias vão parar em localidade sem a mínima condição de proporcionar dignidade em suas vidas, com saneamento básico, água potável, vias públicas asfaltadas, com dispositivos arquitetônicos para as pessoas com necessidades especiais. Enquanto isso, na localidade que sofreu desapropriação, e servirá para construção de shopping, estádio futebolístico ou qualquer modalidade esportiva, ou área de lazer atendendo as exigências das populações elitizadas próximas, tudo é feito em nome do "interesse público".
A Lava Jato serviu para tirar as vendas dos olhos do povo, mas não será a solução no Brasil. Como na Itália, a corrupção brasileira é sistêmica, isto é, está entranhada no inconsciente coletivo. Pelas tramoias seculares, o povo se acostumou a roubar e furtar. Não é o DNA, mas é o condicionamento impostos pela máquina antropofágica cujas engrenagens são o ódio étnico, sexual, religioso, morfológico, regional, linguístico. Estando camuflados, as políticas públicas violam direitos humanos, mesmo que de forma velada, como já exposta ao decorrer deste texto. A máquina antropofágica cria condições para as pessoas serem corruptas, pois as desigualdades sociais causam comportamentos desagregadores dos valores civilizatórios, pois o instinto de sobrevivência não se prende às convenções. Mas menos culpado é quando os que têm conforto material lesam os cofres públicos. Sádicos, vão além dos instintos, pois o prazer de lesar é para estes o ópio para se viver.
As desigualdades sociais não dizem tão somente respeito à pobreza versus riqueza, mas o quantum de concepções segregacionistas nas desigualdades sociais no Brasil. Há uma ideia coletiva que ser pobre é uma mal, uma doença, uma maldição Divina. Uma vergonha por não ter conseguido ascensão socioeconômica. A linha entre “glorioso” [escolhido] e “derrotado” [não escolhido] é tênue, e todos lutam entre si para conseguir um lugar no Elysium, mesmo que tal lugar seja sanguessuga da vitalidade dos “derrotados”. Assim, a máquina antropofágica força os cidadãos brasileiros a se comportarem egoisticamente entre si. Mesmo na ascensão socioeconômica, o apelo de consumismo para ser feliz, da posse pela posse; milhões de zumbis humanos caminham no solo terráqueo famintos por alimentos que jamais saciam suas fomes lacerantes, a fome pelo status, pela ganância que embota os sentimentos mais nobres do ser humano, a solidariedade, o respeito, o amor, a sociabilidade, enfim, a civilidade.
Mudar é possível, quando as desigualdades sociais diminuírem drasticamente; desigualdades estas tanto econômicas quanto psicológico. Econômico, pois a fome, a doença e o sofrimento não podem ser mensurados, catalogados e direcionados para comportamentos racionais, e a Segunda Guerra Mundial, com seus antecedentes, já demonstrou isto; psicológico, porque nenhum ser humano gosta de ser subjugado, explorado, excluído, menosprezado. Enquanto imperar a máquina antropológica, seja no Brasil ou em qualquer país, a humanidade se deparará com as guerras, as corrupções e toda ação maléfica que a história humana relata e alerta.
A educação universal dos direitos humanos é importante. O novo ser humano [universalista] deve ser a base da construção das sociedades, com aprendizados humanísticos. Quando adulto, e se gestor público, suas ações visarão o bem-estar de todos, sem quaisquer distinções. As retrógradas concepções ideológicas do passado bárbaro devem constar nos livros de história, de sociologia, de psicologia, do Direito, mas jamais retornarem com força neste século e os ulteriores. Infelizmente, há cidadãos brasileiros que querem perpetuar perseguições religiosas, diferenças sexuais e de sexualidade, prevalência de ideologia política.
As gravações liberadas pelo juiz Sérgio Moro, da delação de Delcídio Amaral, podem ser ilícitas no campo jurídico, mas lícitas, de suma importância histórica, sobre o fisiologismo político entre os partidos de direita e de esquerda, o pensamento íntimo, de muitos políticos, sobre as populações de certas localidades, como verbalizado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Existe golpe, mas golpe dentro de outro golpe. O primeiro fora evidenciado no Mensalão. A direita aproveitou para achincalhar a esquerda. O segundo fora na Lava Jato, direita e esquerda no mesmo navio infestado de ratazanas. O golpe real é contra o estado Democrático de Direito de ambos, da direita e da esquerda. O navio está afundando, como Titanic, os ratos começam a abandoná-lo, mudam-se de partidos, abandonam o apoio ao PT. Depois, seja o PT retirado ou não do cenário, novas coalizões se formaram, mas para qual interesse real? A do povo ou aos próprios bolsos e contas bancárias dos políticos inidôneos? No entanto, político não é marciano. Não ingressou em solo brasileiro para conquistar as riquezas nacionais. Políticos são brasileiros terráqueos, e são pérfidos porque pérfidos são os brasileiros que alimentam a máquina antropofágica.
Referências:
Silva, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas - O Psicopata Mora ao Lado. 1ª ed. FONTANAR.
BBC. Operação que inspirou Lava Jato foi fracasso e criou corruptos mais sofisticados, diz pesquisador. Disponível em:http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160316_lavajato_dois_anos_entrevista_lab
Richard Wilkinson, Kate Pickett. O Espírito da Igualdade. Por Que Razão Sociedades Mais Igualitárias Funcionam Quase Sempre Melhor? Edição em Português. Publicado em 04/2010.
Jornalista, professor, produtor, articulista, palestrante, colunista. Articulista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), ABJ (Associação Brasileira dos Jornalistas), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Fenai/Faibra (Federação Nacional da Imprensa), Investidura - Portal Jurídico, JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Observatório da Imprensa.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Lava Jato será um fracasso como Mãos Limpas? Uma visão além da Lava Jato! Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46443/lava-jato-sera-um-fracasso-como-maos-limpas-uma-visao-alem-da-lava-jato. Acesso em: 23 dez 2024.
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