RESUMO: O presente artigo busca examinar o conceito jurídico de poder de polícia com intuito de identificar o regime jurídico que rege tal tipo de poder da Administração Pública. Por meio deste estudo, busca-se delimitar o conceito doutrinário de poder de polícia, bem como se pretende traçar as notas distintivas entre a polícia administrativa e a polícia judiciária. Ademais, serão abordados os atributos ou características do poder de polícia, com o propósito de analisar a sua importância para o efetivo e eficiente exercício o poder de polícia.
Palavras–chave: Administração Pública; Poderes de Administração; Poder de Polícia.
Inicialmente, cumpre ressaltar que o regime de direito público ao qual se submete a Administração Pública possui dois princípios basilares consubstanciados na indisponibilidade do interesse público de um lado, e na supremacia do interesse público sobre o privado, de outro.
Graças à supremacia do interesse público sobre o privado, a Administração Pública goza da prerrogativa de restringir ou limitar o exercício de direitos e garantias individuais com vistas à consecução do interesse público.
Como cediço, a Administração Pública encarna, ao menos em tese, o ente responsável pela manifestação da vontade coletiva. Logo, como não existem direitos e garantias individuais absolutos, pode o Poder Público lançar mão do poder de polícia para fazer ceder o interesse individual de um cidadão em face do interesse da coletividade.
Abordando o fundamento do poder de polícia, elucida Diogenes Gasparini:
“O fundamento do poder de polícia está centrado num vínculo geral, existente entre a Administração Pública e os administrados, que autoriza o condicionamento do uso, gozo e disposição da propriedade e do exercício da liberdade em benefício do interesse público ou social. Alguns autores chamam-no de supremacia geral da Administração Pública em relação aos administrados. Assim, o exercício da liberdade e o uso, gozo e disposição da propriedade estão sob a égide dessa supremacia, e por essa razão podem ser condicionados ao bem-estar público ou social. É um princípio inexpressão no ordenamento jurídico”[1].
Ao conceituar o poder de polícia, Hely Lopes Meirelles afirma que este é uma “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”[2].
De seu turno, José dos Santos Carvalho Filho conceitua poder de polícia como “a prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade”[3].
Portanto, através do poder de polícia, é possível enxergar de maneira bastante intensa a manifestação da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, que espelha a relação jurídica verticalizada entre o cidadão e o Estado tão cara ao direito público.
Como se percebe, o ente público não ocupa o mesmo patamar que o particular na relação jurídica que trava com o administrado. Isso porque a busca pela concretização do interesse público legitima a imposição da vontade coletiva sobre os interesses meramente pessoais dos particulares.
Desse modo, o poder de polícia pode ser conceituado como a prerrogativa de que dispõe a Administração Pública para limitar o exercício de bens e direitos em prol da persecução do interesse público.
Importante salientar que o exercício regular do poder de polícia é um dos fatos geradores do tributo na modalidade taxa, motivo pelo qual o Código Tributário Nacional trouxe, em seu art. 78, a definição legal do instituto, a saber:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Nesse ponto, interessa destacar que, para Celso Antônio Bandeira de Mello, o poder de polícia pode ser encarado em sentido amplo e em sentido estrito.
No sentido amplo, o poder de polícia abarcaria não só os atos do Poder Executivo, como também os atos do Poder Legislativo (leis) que viessem a restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais em benefício do interesse da coletividade.
Já no sentido estrito, o poder de polícia consistiria apenas nos atos do Poder Executivo que traduzam limitação da propriedade e da liberdade individual em prol do interesse coletivo.
Dado o seu cunho esclarecedor, colaciona-se o escólio de Bandeira de Mello:
“A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia”. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quando do Executivo. Refere-se, pois, complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. (...)
A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com interesses sociais”[4].
Ao se abordar o tema relativo ao poder de polícia, é de suma importância traçar a distinção entre a polícia administrativa e a polícia judiciária.
Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que a polícia administrativa goza, em regra, de um caráter preventivo, ao passo que a polícia judiciária é marcada pelo seu caráter repressivo.
No entanto, esse critério de diferenciação não é perfeito, pois não se aplica a todos os casos, além de poder causar confusão terminológica a depender do ângulo pelo qual se observa o fenômeno jurídico, como bem explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“A diferença não é, no entanto, absoluta, pois a polícia administrativa tanto pode agir preventivamente (como, por exemplo, proibindo o porte de arma ou a direção de veículos automotores), como pode agir repressivamente (a exemplo do que ocorre quando apreende a arma utilizada indevidamente ou a licença do motorista infrator). No entanto, pode-se dizer que, nas duas hipóteses, ela está tentando impedir que o comportamento individual cause prejuízos maiores à coletividade; nesse sentido, é certo dizer que a polícia administrativa é preventiva. Mas, ainda assim, falta precisão ao critério, porque também se pode dizer que a polícia judiciária, embora seja repressiva em relação ao indivíduo infrator da lei penal, é também preventiva em relação ao interesse geral, porque, punindo-o, tenta evitar que o indivíduo volte a incidir na mesma infração”[5].
Outra nota distintiva observada pela doutrina entre as duas espécies de polícia é que a polícia administrativa incide sobre bens, direitos e atividade, enquanto a polícia judiciária incide tão somente sobre pessoas.
Ademais, a polícia administrativa pode ser exercida por inúmeros órgãos da Administração, enquanto a polícia judiciária traduz prerrogativa exclusiva de corporações especializadas, tais como a polícia civil, polícia militar e polícia federal.
Em que pese todas as distinções acima declinadas, a que melhor demonstra a distinção entre as polícias em foco é aquela que chama atenção para o fato de que a polícia administrativa é vocacionada à prevenção ou repressão de ilícitos administrativos, ao passo que os ilícitos penais são prevenidos ou reprimidos pela polícia judiciária.
Consoante a doutrina tradicional, o poder de polícia detém três atributos ou características que se fazem presentes nos atos administrativos oriundos do seu exercício. São eles: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade.
Contudo, convém desde logo salientar que nem todos esses atributos estão concomitantemente presentes em todos os atos de polícia, como se verá adiante.
DISCRICIONARIEDADE
Por discricionariedade deve-se entender a liberdade de escolha que o administrador possui, dentro do juízo de conveniência e oportunidade, para eleger a melhor medida a ser tomada diante de um dado caso concreto.
Portanto, sempre dentro dos critérios de oportunidade e conveniência, à Administração é facultado eleger quais atividades irá fiscalizar em um determinado período de tempo, as sansões que devem incidir no caso concreto, bem como graduar a aplicação dessas sansões.
No entanto, como bem observam Ricardo Alexandre e João de Deus, em determinadas hipóteses, o poder de polícia se torna vinculado, de modo que não permite ao administrador o exercício do juízo de conveniência e oportunidade. Eis uma didática ilustração:
“A título de exemplo, comparemos os atos de concessão de alvará e licença e de autorização, respectivamente. No caso do alvará de licença, o ato é vinculado, o que significa que a licença não poderá ser negada quando o requerente preencher os requisitos legais para a sua obtenção. É o que ocorre com a licença para dirigir, para construir ou para exercer certas profissões. Já na hipótese de alvará de autorização, ainda que o requrente atenda aos requisitos legais, a Administração poderá ou não conceder a autorização, uma vez que esse ato é de natureza discricionária (sujeito ao juízo de conveniência e oportunidade da autoridade administrativa. É o caso, por exemplo, da autorização para porte de arma e para a produção de material bélico.”[6]
AUTOEXECUTORIEDADE
A autoexecutoriedade pode ser entendida como a prerrogativa atribuída à Administração para que esta possa decidir executar suas decisões pelos seus próprios meios, sem ter que recorrer ao Judiciário para chancelar a sua conduta. Decorre, em certa medida, da presunção de legitimidade dos atos administrativos.
Entretanto, a autoexecutoriedade, assim como a discricionariedade, não está presente em todos os atos administrativos oriundos do poder de polícia.
Nesse sentido, alertam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
“Nem toda atuação de polícia administrativa, contudo, pode ser levada a termo de forma autoexecutória. Exemplo consagrado de ato não autoexecutório é a cobrança de multas administrativas de polícia, quando resistida pelo particular. Nesse caso, a imposição da multa decorrente do poder de polícia é efetuada pela administração pública sem necessidade de qualquer participação do Poder Judiciário. Entretanto, a cobrança forçada dessa multa não paga pelo administrado somente pode ser efetivada por meio de uma ação judicial de execução.” [7]
Nesse contexto, importante o registro de que alguns doutrinadores, a exemplo de Celso Antônio Bandeira de Mello, defendem que a autoexecutoriedade se faz presente de duas formas, quais sejam, quando a lei expressamente a prevê e, ainda que a lei não a preveja de forma expressa, em situações de urgência que exijam a execução direta do ato.
Ademais, alguns autores subdividem a autoexecutoriedade em exigibilidade e executoriedade.
A exigibilidade está associada à ideia de meios indiretos de coação, como a aplicação de multa, enquanto a executoridade prende-se à noção de meios direitos de coação, tais como a apreensão de mercadorias e a interdição de estabelecimento.
COERCIBILIDADE
O atributo da coercibilidade quer significar que as medidas exercidas pela Administração podem ser impostas coativamente ao particular, independentemente de sua concordância. Acaso o administrado venha a resistir, a Administração pode, inclusive, lançar mão da força para fazer cumprir a medida que busca efetivar.
Muito embora a doutrina diferencie a autoecutoriedade da coercibilidade, a verdade é que não existe uma distinção clara entre esses dois atributos do poder de polícia, o que os torna, no fim das contas, sinônimos.
Como ocorre com a autoexecutoriedade, a coercibilidade também não é ser vista em todos os atos e polícia. A título ilustrativo, pode-se mencionar os atos preventivos de polícia administrativa, como a exigência de obtenção de licença ou autorização para o desempenho de determinada atividade.
CONCLUSÃO
Por meio do exercício do poder de polícia, a Administração faz prevalecer o interesse público em detrimento de interesses meramente particulares, de forma a viabilizar a vida em sociedade.
Conclusivamente, pois, pode-se afirmar que o poder de polícia consubstancia prerrogativa necessária à pacificação social e à própria existência da Administração Pública, pois, sem ele, a luta desenfreada dos interesses particulares conduziria, irremediavelmente, ao caos social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Ed. Método, 2015.
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Ed. Método.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010.
GASPARINI. Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros, 1993.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Atlas, 2010.
[1] GASPARINI. Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 179.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed: Malheiros, 2012, p. 137.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010, p 83.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 838.
[5] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Atlas, 2008, p. 109.
[6] ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Ed. Método, 2015, p. 210/211.
[7] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Ed. Método, p. 248/249.
Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VITOR TURTON LOPES GALVãO, . Do poder de polícia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46500/do-poder-de-policia. Acesso em: 23 dez 2024.
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