Resumo: O presente artigo trata da evolução do conceito de consumidor, trazendo seus direitos básicos, além de tratar de assuntos atuais, como a teoria da imprevisão, a reparação de danos e a inversão do ônus da prova, tudo amparado pelos ensinamentos da doutrina e de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores.
palavras-chave: consumidor, direitos, imprevisão, reparação e ônus.
Abstract: This article deals with the evolution of the consumer concept, bringing their basic rights , and deal with current issues such as the theory of unpredictability , repair damage and reversing the burden of proof , all supported by the teachings of the doctrine and according with the jurisprudence of the higher courts.
Keywords: consumer, rights, improvidence, repair and burden.
1 – Conceitos básicos:
A Constituição Federal do Brasil determina ao Estado promover a defesa ao consumidor, mas não define quem seria esse sujeito de direitos. Conceituação esta, que encontraremos a partir do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que traz, expressamente, em seu texto, o conceito de consumidor.
O conceito Legal está no art. 2º, CDC: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”
Para Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, temos a seguinte definição: “1. Pessoa física ou jurídica que adquire ou usa produto ou serviço como destinatário final. 2. Coletividade de pessoas que intervêm numa relação de consumo. 3. Aquele que consome. 4. O que compra produtos para uso próprio, sem intenção de revendê-los para obter lucro.”
Ressalta-se que, ao cuidar da explicação do conceito atribuído ao consumidor, pelo Código de Defesa do Consumidor, a doutrina consumerista entrou em discordância, quando se trata de determinar quem, e em quais circunstâncias, seria o “destinatário final” explicitado no artigo segundo do CDC.
A saber, inicialmente surgiram duas correntes doutrinárias, cada uma com sua própria teoria, para definir a conceituação de consumidor: a finalista e a maximalista.
TEORIA FINALISTA => A corrente finalista defende a teoria que o consumidor – destinatário final seria apenas aquela pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou contrata o serviço para utilizar para si ou para outrem de forma que satisfaça uma necessidade privada, e que não haja, de maneira alguma, a utilização deste bem ou deste serviço com a finalidade de produzir, desenvolver atividade comercial ou mesmo profissional.
De acordo com Cláudia Lima Marques, “Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e de distribuição.”
TEORIA MAXIMALISTA => A corrente maximalista defende a teoria de que o consumidor – destinatário final seria toda e qualquer pessoa física ou jurídica que retira o produto ou o serviço do mercado e o utiliza como destinatário final. Nesta corrente não importa se a pessoa adquire ou utiliza o produto ou serviço para o uso privado ou para o uso profissional, com a finalidade de obter o lucro.
Nota-se, portanto, que o elemento fático para definição do status de consumidor à pessoa física ou jurídica, nesta corrente, não se dará, pelo sujeito de direitos que adquiriu o produto ou o serviço. Este sujeito será definido como consumidor, tão somente, por realizar a compra do produto ou a contratação do serviço.
Por muito tempo a doutrina majoritária sustentou a aplicação da Teoria Finalista, já que expressa pelo CDC. Ocorre que o STJ no julgamento do REsp 1.195.642/RJ, trouxe a baila algumas excessões a teoria finalista, o que ficou consagrado como teoria finalista aprofundada (ou mitigada ou mista).
Trata-se de uma teoria intermediária, que não observa apenas a destinação do produto ou serviço adquirido, levando em consideração, também, o porte econômico do consumidor. A construção dessa perspectiva, contudo, dá-se de forma casuística: no exame do caso concreto, analisam-se difrentes hipóteses em que uma pessoa jurídica pode demonstrar vulnerabilidade ou hipossuficiência em relação a outra, admitindo-se a vulnerabilidade técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor), dentre outas que possam ser verificadas na experiência forense.
Como exemplos de aplicação da Teoria Finalista Aprofundada, podemos citar o taxista que adquire um automóvel para seu mister; o pipoqueiro que adquire o milho para o seu carrinho; ou mesmo a imobiliária que adquire uma aeronave para transportar seus funcionários.
Atenção! A vulnerabilidade do consumidor pessoa física é presumida, da pessoa jurídica deve ser demonstrada no caso concreto. As pessoas jurídicas de direito público podem ser consideradas consumidoras e vulneráveis na relação, nesse sentido, o STJ já analisou a vulnerabilidade de um Município para decidir pela aplicação ou não do CDC. (Resp. 913.711/SP)
A vulnerabilidade pode ser:
a) Técnica: falta de expertise em relação ao produto ou serviço.
b) Jurídica: ocorre quando é impingido ao consumidor um contrato de adesão, anulando-lhe a possibilidade de discussão das cláusulas contratuais.
c) Fática: é a inferioridade financeira ou social na relação contratual, oriunda do poderio econômico ou monopólio do produto ou serviço exercido pelo fornecedor. A suprema necessidade de contratar faz também surgir essa vulnerabilidade fática.
d) Informacional: é que decorre da falta das informações que deveriam ser prestadas sobre o produto ou serviço. Trata-se, na verdade, da própria vulnerabilidade técnica.
O CDC trouxe os seguintes TIPOS DE CONSUMIDORES:
A - Consumidor Stricto sensu ou standard => PF ou PJ que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final ( art. 2°, caput, CDC).
B - Consumidor equiparado:
b.1) coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo ( art. 2, p único);
b.2) todas as vítimas de danos ocasionados pelo fornecimento de produto ou serviço defeituoso (bystanders –art. 17 do CDC);
b.3) todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais ou contratuais abusivas ( art. 29).
ATENÇÃO! O STJ tem considerado o consumidor-mutuário do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) como vulnerável faticamente frente ao agente financeiro, Resp 85521/PR.
2 - Direitos básicos do consumidor
Conforme art. 6º do CDC, são direitos básicos dos consumidores:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz,quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Considero ser o mais importante nesse tema a leitura do código, além de saber que trata-se de enumeração exemplificativa, pois existem outros direitos ao longo do ordenamento jurídico (ex: Boa-fé nas relações contratuais – art. 422, CC).
Esses direitos são para proteção do consumidor, parte vulnerável, não podendo ser utilizado pelo fornecedor.
3 - Teoria da Imprevisão
A Teoria da ONEROSIDADE EXCESSIVA está presente quando se está diante de um contrato desproporcional entre as partes, gerando a revisão do mesmo, modificando as cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais, pois se afere um desequilíbrio desde a formação do contrato.
O CDC adotou a Teoria do rompimento da Base Objetiva do Negócio Jurídico (art. 6º, V, CDC), pois não é necessário que o evento seja imprevisível, o que interessa é se o fato superveniente alterou objetivamente as bases pelas quais as partes contrataram, alterando o ambiente econômico inicialmente presente, o que difere da Teoria da imprevisão adotada pelo art. 478 do CC, a qual exige, além da onerosidade excessiva ocasionada pela mudança objetiva das bases contratuais, a imprevisão de tal acontecimento.
Teoria da Imprevisão (CC) |
Teoria da Base Objetiva do Negócio Jurídico (CDC) |
Exige a imprevisibilidade e a onerosidade excessiva do fato superveniente |
Exige apenas a onerosiade excessiva para o consumidor |
Exige a extrema vantagem para o credor |
Exige apenas que as prestações sejam desproporcionais |
Implica em resolução (a revisão somente com a voluntariedade do credor) |
Implica em revisão (resolução somente quando não houver possibilidade de revisão-aplicação do Princípio da Conservação dos Contratos) |
4 - Reparação dos danos patrimoniais e morais
O inciso VI do art. 6º dispõe como direito básco do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Tem-se o Princípio da ampla reparação, ou seja, é a possibilidade de ressarcimento integral dos danos sofridos. Todavia, NÃO é admitida a indenização tarifada — STJ - Resp. 209.527/RJ.
O STJ tem entendido que o mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral. Somente deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, de forma anormal, interfira no comportamento psicológico do indivíduo.
O STJ não admite o dano moral pelo simples fato de travamento da porta giratória em instituição financeira, ainda que por mau funcionamento, por se tratar de medida de segurança que se impõe para proteção de todos - Resp. 689.213/RJ. Da mesma forma, o simples soar falso do alarme antifurto não acarreta, por si só, dano moral - Resp. 470.694/PR.
É lícita a cumulação de dano estético e moral (súmula 387 STJ) desde que se consiga distinguir e apurar em separado os dois danos, mesmo oriundos do mesmo fato.
Dano moral – STJ e STF - dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir, é o desestímulo a prática semelhantes - Resp. 715320/SC -, caráter punitivo e natureza compensatória para a vítima.
A modificação do quantum arbitrado a título de danos morais é admitida, em sede de recurso especial pelo STJ, na hipótese de fixação em valor irrisório ou abusivo. Critérios para fixação: grau de culpa do ofensor; gravidade e repercussão da ofensa; e situação econômica do ofensor e do ofendido.
CUIDADO! Os contratos de seguro por danos pessoais abrangem automaticamente os danos patrimoniais e morais – Resp.290934/RJ -, salvo, cláusula expressa de exclusão.
Caracteriza dano moral a simples apresentação antecipada de cheque pré-datado – súmula 370 STJ. A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.
5 - Inversão do ônus da prova
O art. 6º, VIII, CDC adotou, ao contrário do Código Civil, a regra da distribuição dinâmica do ônus da prova. (No NCPC também é possível aplicar a distribuição dinâmica do ônus da prova). Tal artigo prevê o direito à facilitação da defesa dos direitos dos consumidores em juízo, inclusive com a inversão do ônus da prova ao seu favor, quando a critério do juiz for verossímil a alegação, ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência: há dois critérios pra a concessão da inversão, bastando um deles no caso concreto, verossimilhança das alegações ou hipossuficiencia do consumidor.
A hipossuficiencia é a fragilidade do consumidor em juízo. A inversão não é automática, o juiz deve justificar devidamente se presentes os pressupostos da referida norma, para, aí sim, deferir a inversão. Trata-se da chamada inversão do ônus da prova ope judici (ou por ato do juiz), em contraposição à inversão do ônus da prova ope legis (ou por força de lei), ou seja, aquela em que o juiz não precisa se maifestar, pois a mesma decorre da lei, que ordena a sua inversão (ex: art. 12, §3º, CDC – fato do produto; at. 14, §3º, CDC – fato do serviço; e art. 38, CDC – publicidade).
Qual o momento processual para a inversão do ônus da prova?
Há duas correntes:
1) (majoritária), deve-se dar no saneador, lembrando que o consumidor não precisa requerer, porque se presentes os requisitos, poderá se dar de oficio pelo juiz. É importante para que o fornecedor parta para a fase de instrução sabendo que o ônus da prova recai sobre si. As partes não podem ser surpreendidas na sentença.
2) na sentença (Nelson Nery Junior e Cecília Matos), pois as regras de ônus da prova como as do art. 333 do CPC, são regras de julgamento e por isso devem ser utilizadas na sentença. O fornecedor inconformado, apela.
6 - Conclusão
Assim, verifica-se que o conceito de consumidor evoluiu. O Superior Tribunal de Justiça aplica a teoria finalista mitigada ou aprofundada, a qual não observa apenas a destinação do produto ou serviço adquirido, levando em consideração, também, o porte econômico do consumidor.
Após uma abordagem estritamente legal dos direitos básicos dos consumidores, ficou bem demostrado que o Código de Defesa do Consumidor adotou a Teoria da Base Objetiva do Negócio Jurídico. Assim, para essa teoria, não é necessário que o evento futuro seja imprevisível, o que importa é se o fato superveniente alterou objetivamente as bases pelas quais as partes contrataram.
Quanto à reparação dos danos, deve-se observar as bases da jurisprudência, que exigem, quanto ao dano moral, a infrigência dos direitos da personalidade da vítima. O mero aborrecimento ou a sensibilidade exacerbada não conduzem ao pleito indenizatório.
Por fim, ao trata da inversão do ônus da prova, verifica-se que o CDC aplicou a distribuição dinâmica do ônus probatório, e segundo a jurisprudência, a distribuição deve ser feita preferencialmente no saneador, a fim de evitar surpresa para a parte que inicialmente não tinha essa obrigação.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 18 de abr. De 2016.
BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em 18 de abr. De 2016.
BRASIL. Lei n. 10.046, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Lex: Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 18 de abr. de 2016.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes, INFORMATIVO Esquematizado 548 STJ. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2014/12/informativo-esquematizado-548-stj_4.html>. Acesso em 18 de abr. de 2016.
DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico Universitário - 2ª Ed. - São Paulo: Saraiva 2013.
MARQUES, Claudia Lima; Bessa, Leonardo Roscoe; Benjamin, Antonio Herman de Vasconcellos, Manual de Direito do Consumidor - 6ª Ed. - São Paulo: RT 2014.
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil: parte geral. - 15. Ed. – São Paulo: Atlas 2015 – (Coleção Direito Civil; v. 1)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Bruno Medrado dos. Consumidor: conceitos básicos; direitos básicos do consumidor; teoria da imprevisão; reparação dos danos patrimoniais e morais; inversão do ônus da prova Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46503/consumidor-conceitos-basicos-direitos-basicos-do-consumidor-teoria-da-imprevisao-reparacao-dos-danos-patrimoniais-e-morais-inversao-do-onus-da-prova. Acesso em: 23 dez 2024.
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