RESUMO: O presente trabalho impõe reflexões acerca do assédio moral no ambiente de trabalho com todas as suas implicações, conceitua assédio moral, enfoca as suas consequências e a possibi-lidade de responsabilização civil do agente do ato ilícito. Diante da diretriz constitucional do princípio da dignidade humana, o presente trabalho tem por objetivo apontar as nuances do assédio moral, qualificando tal prática, e estabelecendo bases com o fim de, pelo menos, mitigar os efeitos danosos do ato ilícito. As abordagens se baseiam em pesquisas feitas a partir da doutrina e jurisprudência na-cionais além da utilização do direito comparado. A expectativa é que este artigo possa de alguma for-ma contribuir para a divulgação e desenvolvimento deste tema. O assédio moral no âmbito do traba-lho ainda não é encarado no Brasil com a seriedade necessária, sendo essencial que o poder público se conscientize e reconheça a gravidade da temática que até hoje carece de legislação específica.
Palavras-chave: Assédio Moral. Ambiente de Trabalho. Violência Psicológica. Dignidade da Pessoa Humana.
1. INTRODUÇÃO
A temática deste ensaio pode ser observada nos grupos humanos desde os tempos mais antigos. Entretanto, com o passar do tempo, ela vem ganhando uma nova roupagem.
As relações trabalhistas sofrem diariamente violentos impactos oriundos da globalização, do aumento da competitividade, do crescimento populacional e da pre-ponderância do modelo econômico capitalista que segrega e marginaliza grande parte da população economicamente ativa, tornando comum práticas ilícitas como o assédio moral.
Mais do que nunca, hoje se faz mister a criação de um modelo de proteção destes trabalhadores que são vítimas de violência moral no trabalho, de modo a pre-venir, ou pelo menos mitigar, qualquer tipo de atentado à sua dignidade.
As vítimas de assédio moral sofrem consideráveis danos na sua personalida-de. O trabalhador se submete a situações vexatórias e degradantes que vão desde a pressão demasiada por resultados até a afetação da auto-estima, personalidade e competência. Estes perdem toda motivação, ficam emocionalmente frágeis, o que propicia o surgimento de doenças e, em situações extremas, o suicídio.
Ao contrário do que pensam os desinformados, o assédio moral não é um mal próprio das chefias. Pode haver assédio moral entre companheiros de mesmo nível hierárquico. O que impulsiona este acontecimento é a busca desmedida por resulta-dos, uma competição extrema que compromete todo o sistema.
É preciso repensar este paradigma em que se valoriza os bens materiais em detrimento do homem, sendo necessário a adoção de medidas estatais que previ-nam a prática e punam o assediador.
Nesta perspectiva, construiu-se questões que nortearam este trabalho:
a) O que é assédio moral? Quais as suas consequências?
b) Qual a natureza jurídica do assédio moral?
c) O assédio moral é um problema próprio das chefias ou tem uma perspectiva mais geral?
d) Como tem se posicionado a jurisprudência acerca da possibilidade de responsabilização do agente assediador?
Conforme Marie-France Hirigoyen,
“Por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho” (HIRIGOYEN, 2003, p. 65).
Neste ínterim, serão analisadas as modalidades, características, repercus-sões, bem como o posicionamento jurisprudêncial acerca da responsabilização da pessoa jurídica e dos seus prepostos pelos danos provocados pelo assédio.
O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como: Hirigoyen (2002) Luchesi (2002), Alice de Barros Monteiro (2004) e Márcia Novaes Guedes (2003).
2. DESENVOLVIMENTO:
Primeiramente, precisamos conceituar “assédio moral”. O termo “assédio” de-signa uma ação causadora de constrangimento. O bullying ou mobbing, pode ocorrer em qualquer interação social.
Marie-France Hirigoyen (2002, p. 17), assim conceitua assédio moral:
“Toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitu-de...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.” (HIRIGOYEN, 2002, p.17).
Márcia Novaes Guedes ensina que:
“Mobbing, assédio moral ou terror psicológico é uma perseguição continua-da, cruel, humilhante e desencadeada, normalmente, por um sujeito perver-so, destinado a afastar a vítima do trabalho com graves danos para a sua saúde física e mental. (…) o que caracteriza o terror psicológico é a frequên-cia, a repetição das humilhações dentro de certo tempo" (GUEDES, 2003, p.3).
É fato que a ocorrência do assédio moral no trabalho tem sido impulsionada pela globalização e pelo medo do desemprego. O mercado de trabalho se tornou uma guerra de proporções nunca antes imagináveis, onde reinam abusos, humilha-ções e constrangimentos.
O assédio moral, na maioria das vezes, não é explícito, manifestando-se atra-vés de gestos, palavras, indiferença, olhares, ironias, e sarcasmos, o que dificulta a identificação e o revide pela vítima.
Um dos elementos caracterizadores é a reiteração da conduta ofensiva ou humilhante. Nesse sentido, o TRT do Espírito Santo entendeu que:
“[...] toda humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do as-sediado de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e rela-ções afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e con-dições de trabalho.” (TRT 17ª R. 1141.2001.006.17.00.9, Ac 9029/2002, DOE 15.10.2002.)”.
Assediar é submeter alguém, repetidamente, a situações incômodas, condu-tas, atos e palavras humilhantes com o objetivo de ofender a vítima e afastá-la do meio laboral. Como bem destaca Barros:
“[...] é difícil construir um conceito jurídico de assédio moral, em virtude dos “difusos perfis do fenômeno”, e é que alguns doutrinadores enfatizam no conceito o dano psíquico acarretado à vítima em face da violência psicoló-gi-a sofrida. Outros autores destacam a situação constrangedora e o dano à imagem provocada pelo assédio moral. Contudo, há elementos caracteriza-dores sobre os quais a doutrina e a jurisprudência estão em consonância.” (BARROS: 2005, 875).
O assédio moral, no que tange à natureza jurídica, encontra-se inserido no âmbito do gênero “dano moral”. Se caracteriza por uma conduta abusiva atentatória à dignidade, de forma reiterada e prolongada. Há exposição do trabalhador a situa-ções constrangedoras, capazes de lhe ofender a personalidade, a dignidade e a in-tegridade psíquica.
O assediador geralmente sente-se poderoso. Ele tem prazer com a violência. Falta-lhe empatia. Não obstante, as repercussões para a vítima são intensas, favore-cendo seu adoecimento, e até a morte.
Processualmente falando, o assédio moral pode configurar justa causa po-dendo gerar rescisão indireta do contrato de trabalho, pela vítima, nos termos do art. 483, da CLT. Há a possibilidade inclusive de responsabilização do responsável dire-to, pelo ato ilícito praticado contra a vítima (Art. 482, alínea b, da CLT).
Segundo o Código Civil de 2002, a responsabilidade do empregador pelos atos de seus prepostos (chefes, diretores, gerentes etc.), é objetiva, independendo de sua culpa no evento danoso, gerando o dever indenizar.
Atualmente o direito passa por um processo de reconstrução, uma releitura de todos os institutos jurídicos com base nos preceitos constitucionais. A dignidade hu-mana está tutelada em nível constitucional. Logo, a violação da dignidade merece pronta reparação.
Não há dispositivo legal específico no que toca ao assédio moral. Isso não im-pediu o desenvolvimento da doutrina e da jurisprudência. Acontece que a CF88 as-segura o direito à imagem, à honra e ao patrimônio, inclusive, determinando inde-nização por danos morais quando houver violação.
Diniz relaciona a responsabilidade civil com:
“ [...] a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato próprio imputado, de pes-soas por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva) ou, ainda, de simples imposição legal ( responsabilidade objetiva ).” (DINIZ, 2004, p. 34).
Logo, violado um dever jurídico surge a responsabilidade civil. No tange à le-gislação criminal, há uma grande dificuldade para se estabelecer critérios de atribui-ção de penalidades. O assédio moral está permeado de um alto grau de subjetivis-mo. O nexo causal que envolve o sofrimento da vítima e a agressão, indispensável na esfera criminal, nem sempre é aparente. Segundo Heloani:
“ [...] tais humilhações são normalmente perpetradas 'com luvas', ou seja, sem deixar as digitais do agressor." (HELOANI, 2004, p. 8).
O assédio moral se classifica basicamente em três espécies. Trata-se do as-sédio moral vertical descendente, do assédio moral vertical ascendente e do assédio moral horizontal.
O assédio moral vertical descendente é aquele que tem por sujeito ativo o su-perior hierárquico direito. Há abuso do poder de direção, criando um pseudo-direito acobertado pelo cargo.
O assédio moral vertical ascendente é o que tem por agente ativo o subordi-nado. Apesar de causar estranheza, esta modalidade de assédio não é tão inco-mum. Pode ser desencadeado como extinto de defesa quando o superior atua com autoritarismo ou pode ser uma arma de ataque visando futura promoção.
Por último, temos o assédio moral horizontal. Aqui não há subordinação. A humilhação se dá através de comentários, brincadeiras, menosprezo dentre outras. É motivado pela inveja, discriminação racial, religiosa ou política.
As relações de trabalho no Brasil são permeadas pela falsa ideia de que o su-bordinado é obrigado a se sujeitar, como condição normal de trabalho, a todo tipo de maus-tratos. Apesar de a agressão física contra subordinados não ser mais tolerada na atualidade, surgiram outras forma de abalar o trabalhador.
O local de trabalho virou uma “arena” de perseguições e sofrimentos. E ape-sar disso, as organizações e o estado ainda não têm mensurado as perdas advindas da improdutividade e não apuram a responsabilidade de quem de direito.
3. CONCLUSÃO:
O assédio moral no trabalho existe a muito tempo. São condutas consistentes na exposição do corpo laboral a situações humilhantes e vexatórias, de forma reite-rada e prolongada no tempo.
É bem verdade que é mais comum se falar em assédio moral trabalhista nas relações assimétricas, que tem por sujeito ativo um superior hierárquico e como víti-ma um ou mais subordinados. Mas é possível o assédio moral horizontal e até mes-mo o vertical ascendente.
É necessário que o poder público se debruce sobre o tema e, em especial, o Poder Legislativo. Mister se faz a criação de leis específicas, bem como uma atua-ção mais concreta por parte dos magistrados, mediante a aplicação de multas.
As multas produzem um duplo efeito. Em um primeiro momento ressarciria os danos provocados pelo ilícito. Em segundo momento, teria o condão de coibir novos casos de assédio moral. Funcionaria como uma prevenção geral.
O Brasil deve dar atenção a esse tipo de violência. Em havendo nexo entre a conduta do agente e o sofrimento causado no empregado, configura-se ato ilícito, gerando obrigação de indenizar os danos morais e materiais afetados.
Mas atenção. A educação, a informação e a conscientização da sociedade quanto à importância de se tutelar a saúde do trabalhador deve ser um primado. O trabalhador antes de tudo é um ser humano dotado de dignidade. Estamos vivendo uma nova fase do pensamento jurídico, uma reconstrução constitucional.
4. REFERÊNCIAS:
BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde, trabalho: Uma jornada de Humilhações. EDUC – Editora da PUC – SP, 2000.
CANIATO, Ângela Maria Pires. Assédio Moral nas organizações de trabalho: Perversão e Sofrimento. Disponível em: pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-37172008000200004&script=sci_arttext.
GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
HIRIGOYEN, Marie-France, tradução KÜHNER, Maria Helena. “Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano”. 6ª. Edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
Graduado em Direito na Universidade Regional do Cariri. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Atualmente ocupa o cargo de Delegado de Polícia no Estado do Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Fabricius Ferreira. Implicações do assédio trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46512/implicacoes-do-assedio-trabalhista. Acesso em: 23 dez 2024.
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