Resumo: O pensamento histórico-sistêmico presente no Direito mantém também raízes no ramo do Direito Internacional e nas diversas aplicações normativas que decorrem dos conflitos de soberanias estatais. É possível verificar de que forma o Direito historicamente se construiu e de que forma ele se submete aos âmbitos políticos e econômicos – a partir de um conceito luhmanniano. Essa condição pode ser apresentada em razão do período histórico, acompanhando o crescimento econômico e as relações interestatais que a compõe, observando sempre a formulação de direitos através dessas relações. Com isso, pode se pensar em uma abordagem através do olhar crítico de Derrida, que formula diversas bases teóricas deste âmbito do Direito. Tendo como parâmetros os conceitos de hóspede e hospedeiro – e a brincadeira etimológica feita pelo autor em razão da raiz comum das palavras - nas relações relativas ao Direito de Hospitalidade, suas acepções e capacidade de mudanças no cenário internacional. Quando se avalia junto à dependência que o mesmo campo do Direito sugere em cada época, através das decisões político-econômicas e sociais, se construirá a temática do artigo para comprovação de que as mais novas instituições – organizações internacionais - decorrentes das relações de direitos dos Estados dependem exclusivamente daqueles países que mais influenciam, política e economicamente, a tomada de decisões dessas organizações. A partir de uma avaliação gradativa da história, organizada por George Cavallar[1], dos movimentos econômicos que dominaram suas épocas, passando pelas conquistas territoriais - acumulação de terras - até a adesão ao comércio internacional, se demonstrará a perspectiva relacional do sistema capitalista e de sua superioridade histórica ao socialismo com o Direito Internacional, de modo a oferecer um vislumbre da construção e desconstrução de conceitos regentes da sociedade mundial atual, bem como, da possibilidade de demonstrar a imaturidade institucional das organizações internacionais para assumir o prumo das decisões sem interferência de sua herança de dependência sistêmica.
Palavras-Chaves: Direito Internacional, Dependência Sistêmica, Influência Econômica e Política, Organizações Internacionais, Poder, Construção Histórica.
1. O Direito Internacional
O Direito Internacional é um conjunto de regras e princípios, positivados ou de forma consuetudinária, que regem as relações externas dos atores internacionais, ou seja, é o Direito que visa regulamentar as relações internacionais a fim de viabilizar a convivência, em um primeiro momento, e a cooperação, em um segundo, entre os integrantes da sociedade internacional. Como objeto de Direito Internacional estão as relações interestatais e a partir do pós-1ª Guerra Mundial, com o advento das organizações internacionais nos moldes modernos, as relações destas entre si e entre os Estados.
O Direito internacional define as responsabilidades legais dos Estados em suas condutas uns com os outros, e o tratamento dos indivíduos dentro das fronteiras do Estado. Seu domínio abrange uma ampla gama de questões de interesse internacional como os direitos humanos, o desarmamento, a criminalidade internacional, os refugiados, a migração, problemas de nacionalidade, o tratamento dos prisioneiros, o uso da força e a conduta de guerra, entre outros. Ele também regula os bens comuns globais, como o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, as águas internacionais, o espaço sideral, as comunicações e o comércio mundial.
Tal âmbito do Direito é tratado em duas vertentes, sendo elas público e privado. A primeira quando é tratada das relações jurídicas entre Estados, ao passo que a segunda trata da aplicação de leis civis, comerciais ou penais de um Estado sobre pessoas físicas ou jurídicas de outro Estado.
1.1. História do Direito Internacional e as influências político-econômicas.
O Direito Internacional tem suas raízes nas expansões territoriais e no colonialismo dos países europeus sob os americanos, africanos e asiáticos. Desde sua concepção é possível visualizar, assim como o Direito em sentido amplo, a influência de decisões econômicas e políticas – uma concepção posteriormente definida por Luhmann de colonialismo sistêmico.[2]
Por se tratar de regulamentação das relações interpessoais da sociedade internacional, o Direito Internacional tem grande influência do jus gentium romano. Este era o direito que tratava das relações dos estrangeiros, os quais podiam invocar dispositivos jurídicos romanos para, principalmente, facilitar as relações comerciais, tendo os estrangeiros como figuras centrais no pensamento filosófico do Direito Internacional.
As guerras também são grandes aliadas na construção desse campo do Direito. Com as diversas atrocidades que ocorriam, Francisco de Vitória[3], considerado um dos fundadores do Direito Internacional, busca tratar da guerra justa, das intervenções humanitárias e fazer duras críticas ao teologismo presente nas “doações de terras pelo papa”, as quais desconsideravam os verdadeiros donos delas e demonstrava um outro pensamento seu, o da soberania limitada dos Estados.
2.Correntes filosóficas que permeiam o pensamento do Direito Internacional.
2.1. Derrida e a Lei de Hospitalidade.
A hospitalidade é um termo de etimologia grega que determina uma questão de acolhimento, segundo a maior parte dos dicionários da língua portuguesa. É acolher bem aquele que lhe é ou não estranho, que lhe é ou não esperado. É um substantivo que designa aquele capaz de ser hospitaleiro, de ser receptivo em sua casa, tornando-o, portanto, o senhor da casa, o rei, o Estado, a nação; aquele que dita as regras de hospitalidade.
A Lei da Hospitalidade é, então, como uma relação à alteridade ou à singularidade do outro, como afirma Fernanda Bernardo[4]. Ela é definida, em um primeiro momento, como “acolhimento incondicional ou hiperbólico, imediato e infinito do outro”. Entretanto, como é peculiar de perceber na teoria de Derrida, ele constrói e descontrói conceitos de forma a trazer uma dialética propensa ao raciocínio do leitor, desse modo, apesar de a Lei da Hospitalidade comportar-se e relacionar-se com os imperativos categóricos estatais – tornando-se condicionada a letra da lei - ou seja, com a soberania destes, Fernanda Bernardo afirma que ela acaba sendo “uma política que perde referência na justiça” (2002).
A Lei da Hospitalidade torna-se as leis de hospitalidade, deixando de ser incondicionada, ou cosmopolita, como Derrida a chama. Ela passa a ser condicionada, passando a ser um dever daquele que ditas as regras, e também um direito do estrangeiro. É onde percebemos a dualidade entre hóspede e hospedeiro, é onde vê-se também, a primeira derrota dos países fracos para o colonialismo europeu e o eurocentrismo.
2.1.1. A dualidade do hóspede/hospedeiro.
O conceito de hóspede e seu antagônico hospedeiro decorre das leis de hospitalidade propostas por Derrida. Eles decorrem de um problema primariamente etimológico, visto que ambas as palavras derivam do mesmo radical. Daí surge o que Derrida propõe como “hos-ti-pitalidade”.
Como um dever de receber o estrangeiro em sua casa e tratá-lo bem, as leis de hospitalidade podem ser distorcidas pelo detentor dos direitos que elas também garantem. Essa relação torna-se destrutiva para o polo passivo da relação, visto que o outro agente passa a tirar vantagem de sua posição. Isso corresponde ao que ocorre nas relações estatais, em que um dos lados é mais fraco, tornando seus hóspedes em hospedeiros, que vão regular seu crescimento, suas influências, suas tomadas de decisões, tanto de forma direta, como indireta, a exemplo das organizações internacionais que também sofrem como o mesmo mal e tornam-se meros mecanismos de controle.
3. Luhmann e corrupção sistêmica do Direito.
A teoria sistêmica de Niklas Luhmann trata das influências dos diversos sistemas sociais uns nos outros. Isto é, dentro do sistema social do Direito, por exemplo, observa-se diversas decisões políticas quando em ações ajuizadas ou, até mesmo em relação ao sistema econômico, ao tratar aqueles mais favorecidos de forma diferenciada dentro do ordenamento jurídico.
Tais influências são procedentes às chamadas colonizações sistêmicas, as quais geram um processo alopoiético – isto significa que a operacionalização do Direito não se dá de forma autônoma, como também afirma Marcelo Neves[5].
A palavra autopoiese deriva do grego autós (“por si próprio”, “de si mesmo”) e poiesis (“criação”, “produção”). Foi criada a partir da teoria biológica de Maturana e Varela (1980), os quais propunham a criação de um sistema a partir de outro sendo ambos distintos, mas com diversos pontos de contato, ou, melhor dizendo, interdependentes.
Essa teoria foi adaptada às ciências jurídicas por Luhmann, segundo o qual,
“(...) um sistema é dito autopoiético quando este se reproduz primariamente com base nos seus próprios códigos e critérios, assimilando os fatores do seu meio-ambiente circundante (expectativas sociais), mantendo, assim, a sua autonomia e identidade perante os demais sistemas sociais”.[6]
A partir de uma análise do direito internacional, por meio da lente da teoria dos sistemas, a comunidade internacional moderna seria o resultado das hipercomplexificações sociais e extrarregionais vinculadas à distinção funcional das esferas do agir e do vivenciar. Implicando no desaparecimento de uma parcialidade do conteúdo jurídico e o surgimento de sistemas internacionais operacionalmente autônomos, reproduzidos com base nos seus próprios códigos e critérios, embora condicionados pelos meios circundantes que os envolvem. Como pode ser vislumbrado pelo próprio conceito de soberania dos Estados, possuindo, cada um deles, o direito de autodeterminação e produção de suas próprias regras e princípios jurídicos.
Como bem elucida o autor Guerra Filho:
“A teoria sistêmica, como se vê, é dotada de uma universalidade (...). A essa universalidade se associa uma outra característica sua, que ao mesmo tempo é um dos conceitos básicos por ela empregados: a reflexividade. Por pretender uma universalidade, de tudo poder explicar, a teoria de sistemas há de, por si mesma, explicar a si própria. Isso a confere uma terceira característica, que é também atribuída aos sistemas por ela estudados: a auto-referência”.[7]
Nessa mesma linha, a positividade do direito pode ser entendida como uma forma de soberania do próprio direito sobre as outras áreas circundantes, ou seja, uma autodeterminação. Dessa forma, criar-se-á uma autonomia operacional do direito em relação às determinações do meio. Ela se daria por meio da supressão imediata do direito pelos interesses e critérios políticos dos “donos do poder”, na busca da neutralização moral do sistema jurídico.
Para Habermas
“Um sistema jurídico adquire autonomia não apenas para si sozinho. Ele é autônomo apenas na medida em que os procedimentos institucionalizados para legislação e jurisdição garantem a formação imparcial de julgamento e vontade e, por esse caminho, proporcionam a uma racionalidade ético-procedimental ingresso igualmente no direito e na política. Não há autonomia do direito sem democracia real”.[8]
Essa fundamentação ética atribuída por Habermas demonstra a falta de autonomia do sistema jurídico internacional, pois ocorre uma sobreposição da preferência do poder e da economia à preferência do direito.
As sobreposições particularistas dos códigos político e econômico às questões jurídicas impossibilitam a construção da identidade do sistema jurídico. Sendo intransponível o modelo luhmanniano da autopoiese à realidade jurídica internacional.
Cabendo, então, falar da visão alopoietica do direito. Derivada do grego, a palavra alopoise, alo (“um outro”, “diferente”) e poiesis (“criação”, “produção”), designa a reprodução do sistema por critérios e códigos do seu meio-ambiente, contrário ao sistema autopoiético.
Mostrando, dessa forma, que o direito internacional não surge dentro de uma esfera de juridicidade apta, de acordo com seus próprios critérios e de forma congruentemente universal, a reciclar as influências advindas do seu contexto econômico e político, sem possuir uma influência ativa deste contexto.
A tendência, assim, é que as relações intersubjetivas em torno do direito incitem uma instrumentalização subjetiva desse, ao passo que, os interesses particularistas dos Estados dotados de maior poder político-econômico bloqueiam o processo de concretização normativa
Nesse contexto, a autonomia privada ("direitos humanos") e a autonomia pública ("soberania estatal"), embora, declaradas na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, são rejeitadas mediante os mecanismos de instrumentalização política do processo concretizador das relações internacionais.
Havendo a necessidade de elaboração de mecanismos funcionais de seleção, filtragem, e imunização das influências político-econômicas sobre o sistema jurídico, por meio da desconstrução conteudística em face de valores e interesses, em busca de procedimentos mais democráticos. Procedimentos que estarão abertos aos mais diferentes modos de agir e vivenciar políticos, admitindo inclusive os argumentos e as opiniões das nações com menor visibilidade internacional, como probabilidade de transformação de conteúdo da ordem jurídico-política, desde de que respeitadas e mantidas as regulamentações procedimentais.
4. A visão de Georg Cavallar na evolução histórica dos movimentos econômicos predominantes.
Cavallar[9] trata o Direito Internacional através de um estudo histórico das influências econômicas que ele recebe. O autor revela que, em um primeiro momento, as conquistas de terras era o que determinavam as nações soberanas e estas demonstravam suas dominações, após um período a agricultura passa a ser a dominante, evoluindo para comércio; teoria essa que procura acompanhar a própria evolução humana, saindo do nomadismo e chegando à venda de bens.
A teoria do direito natural apresentada pelo autor é partilhada junto aos direitos de hospitalidade, definidos como “um direito imperfeito que os indivíduos possuem de visitar comunidades estrangeiras, as quais prefeririam isolamento frente à interação” (CAVALLAR, G. 2002, p. 262). Diderot, no século XVIII, apresenta uma nova visão a essa teoria. Por ser um crítico do eurocentrismo ele apresenta uma nova transformação do hóspede em hospedeiro, retomando Jacques Derrida, chamada de “soft colonialism”. Decorrente da superioridade do homem europeu, foi apresentada séculos antes sendo fundamental para legitimar a conquista de terras e o colonialismo, por consequência, principalmente, pelo livre acesso às terras, constatado pela hospitalidade do direito natural.
Pode se dizer que Diderot considerava o homem europeu injusto e aproveitador, capaz de colonizar e explorar sem considerar o desastre moral que isso causava aos demais povos. Para ele, as colônias não eram ruins, mas que deveriam ser seguidas regras de reciprocidade, junto com princípios, a exemplo do consentimento, para, então, tratar-lhes como idênticos em relação a suas possibilidades de adentrar suas fronteiras – hospitalidade familiar (possibilidade de ser hospitaleiro).
Assim, o comércio surgiria como forma de romper com o colonialismo, em decorrência da superioridade europeia, mas o que o autor percebe é um “projeto de controle colonial” que se dá de forma lenta e gradual, tornando o parceiro comercial dependente e inferior, sendo novamente colonizado, sem muitos direitos devido à dependência econômica. O comércio passa a ser considerado como interação e intercâmbio, como afirma Hume, o que vai sustentar que as pessoas tornam-se mais comunicativas e dependem de um entendimento recíproco para concluir suas trocas, assim, ele é responsável por tornar as pessoas mais gentis e cooperativos, o que pode reduzir as guerras.
Essa contraposição entre Diderot e Hume nos traz um pensamento de fracasso tanto para Hume, como para Kant e Montesquieu. A colonização sistêmica do Direito Internacional, é novamente posta à prova pela economia, especificamente nas trocas internacionais. Surgida no século VI com Libanius, as trocas internacionais são consequência da teoria da economia mundial divina. No século XVIII, essa teoria é racionalizada e com Montesquieu, por exemplo, o comércio – sinônimo para as primárias trocas – torna-se significativo para a busca pela paz, quase perpétua como Kant[10] denominou. Apesar do comércio ser considerado um mecanismo capaz de alterar toda a ordem mundial a favor da paz, esses autores esqueceram-se que o ser humano é egoísta, disso surge que os países mais fortes, política e economicamente, na maioria das vezes, buscam prejudicar os mais fracos. No século XX, criou-se um novo mecanismo para retomar essa colonização e, no mínimo, adiar o projeto Kantiano de paz perpétua: as organizações internacionais.
5. Uma visão do sistema capitalista atual sob a influência sistêmica do Direito Internacional.
5.1 A História das Organizações Internacionais
Em um apanhado histórico das organizações internacionais, deve-se tratar dos diversos tipos de relações entre os Estados e como surgiram para ser um mecanismo facilitador de inúmeras situações, a exemplo de acordos comerciais, proteção do meio ambiente, busca de garantias aos direitos humanos, dentre outras. Tais relações estatais se davam através de uma política de coexistência, que passou a ser garantida com o surgimento do Direito internacional. Assim, as diversas normas desse campo do Direito buscavam estabelecer as esferas de atuação e influência entre cada polo da relação, buscando evitar o problema de choque de soberanias.
Gradativamente essa mentalidade foi se modificando, a política de coexistência passou a ser uma política de cooperação – muito similar ao que prega a teoria dos jogos em busca do equilíbrio de Nash nas relações continuadas. Essa mudança foi atenuada pela dificuldade na manutenção das relações e, como o autor aponta, pelos interesses, sendo estes próprios e/ou comuns. A partir desse momento é admitida a figura da comunidade internacional, esta que jamais se coincidirá com as soberanias, como é apontada nos estudos críticos legais. Então, as organizações internacionais surgiram como forma de aproximar os interesses da comunidade aos interesses estatais.
Elas são associações detentoras de personalidade jurídica de Direito Internacional, ou seja, constituídas por Estados. Atuam segundo as regras do Direito Internacional Público, negociando tratados, um Estado com outro Estado. O que implica em um reconhecimento recíproco de uma nação para com outra como uma nação soberana.
A origem das organizações internacionais contemporâneas remonta a meados do século XIX, com a criação de mecanismos institucionalizados que facilitavam a cooperação técnica entre as potências europeias da época. Por exemplo, em 1865 foi fundada a União Telegráfica Internacional, conhecida hoje como União Internacional de Telecomunicações (ITU) e, em 1874, surgiu a União Postal Universal (UPU). Em 1899, aconteceu a primeira Conferência Internacional para a Paz, em Haia, na Holanda, que visava a elaborar instrumentos para a resolução de conflitos de maneira pacífica, prevenir as guerras e codificar as regras de guerra.
Em 1919, durante a I Guerra Mundial, foi criada a Liga das Nações, um organismo destinado à preservação da paz e à resolução dos conflitos internacionais por meio da mediação e do arbitramento, sob o Tratado de Versalhes. As organizações internacionais passaram a ter maior relevância a partir da criação da Liga das Nações, principalmente por se diferenciar na consecução de um objetivo em conjunto, a paz mundial, diferente dos objetivos isolados dos Estados que a formaram.
A ideia criada na Conferência de Paz de Paris – que possuía objetivo de negociar a base dos acordos de paz - já havia sido defendida por alguns estadistas, especialmente o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson. Contudo, a recusa do Congresso norte-americano em ratificar o Tratado de Versalhes acabou impedindo que os Estados Unidos se tornassem membro do novo organismo.
A ausência dos EUA da Liga das Nações impediria que a fórmula de segurança coletiva se concretizasse em acordo com o alcance universal de sua concepção. Os documentos do Senado norte-americano denotaram, em particular, que a obrigação de garantir a integridade territorial e independência de todos os membros da Liga foi considerada inaceitável e em contradição com a liberdade soberana dos EUA.
Entre os motivos para a rejeição do Tratado, estava o de que ele não assegurava aos EUA o mesmo número de votos que ao Império Britânico – que contava com o seu próprio e mais os dos domínios e colônias (Canadá, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia e Índia), reflexo da dependência sistêmica capitalista para a viabilização de mecanismos coletivos de preservação da segurança.
A Liga das Nações deixou de existir por causa da impossibilidade de evitar a II Guerra Mundial. Como consequência desta e sucessora da Liga das Nações, tendo obtido muito mais êxito, a Organização das Nações Unidas é uma das principais organizações internacionais formada por países que se reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundial, sendo núcleo de ramificação das mais importantes agências internacionais e produzindo normas essenciais para a estruturação da ordem jurídica internacional.
Depois da II Guerra Mundial, conflito que devastou dezenas de países e dizimou a vida de milhões de seres humanos, um sentimento generalizado de que era necessário encontrar uma forma de manter a paz entre os países se expressou na comunidade internacional. Assim, após muito tempo de deliberação, criou-se a ONU.
As Nações Unidas, entretanto, começaram a existir oficialmente somente após a ratificação da Carta pela China, Estados Unidos, França, Reino Unido e a ex-União Soviética, bem como pela maioria dos signatários. Durante a primeira reunião da Assembleia Geral que aconteceu na capital do Reino Unido, Londres, em 1946, ficou decidido que a sede permanente da Organização seria nos Estados Unidos, um dos maiores polos detentores do poder durante aquela época.
5.2 A dependência das Organizações Internacionais pelo sistema capitalista.
Como se busca demonstrar no artigo, o Direito Internacional é norteado por decisões políticas e econômicas. No pós-segunda Guerra Mundial surge as modernas organizações internacionais e com elas mais evidências de quem regula a sociedade internacional. Junto ao período de firmação das organizações internacionais, houve também um embate entre socialismo e capitalismo conhecido na história como Guerra Fria.
Nesse sentido, busca-se traçar um panorama de como essa Guerra influenciou nas decisões das futuras entidades do Direito Internacional. Sendo assim, busca-se questionar até que ponto elas são independentes das escolhas políticas e econômicas dos Estados mais poderosos, como os Estados Unidos, e como o sistema capitalista, por ser o ápice do comércio se comporta em relação às práticas que buscam a paz da sociedade internacional.
Um dos modos de evidenciar essa construção, é avaliar o modo de criação das organizações internacionais. Jan Klabbers[11] nos aponta que elas derivam de tratados internacionais assinados por seus Estados-membros (ou autorizada por seus membros), ou através delas mesmas, como formas de subdivisões. Sendo assim, é inegável o fato de elas penderem para o polo mais forte, política e economicamente, das relações. Um outro fator que contribui para nossa tese é que as organizações internacionais tornam-se meros instrumentos de dominação, visto que, por elas serem capazes de delimitar suas áreas de atuação, seus poderes e suas funções, são instituições muito fortes nas tomadas de decisões e no poder coercitivo.
As organizações internacionais foram desenvolvidas como um mecanismo de cooperação interestatal. Com elas foi possível alterar a perspectiva do próprio Direito Internacional gradativamente, saindo de uma delimitação das esferas de influências para tornar-se, cada vez mais, um apoio permanente de cooperação. Essa mudança fundamentada na teoria dos jogos e no equilíbrio de Nash, que são teorias capazes de enumerar diversas situações em que cooperar demonstra um ganho maior para ambas as partes. Entretanto, quando está-se em situações propensas a retaliações da comunidade mundial, novamente o lado mais desenvolvido se sobressai.
Daremos agora alguns exemplos fáticos de algumas organizações e como elas podem contribuir para a dependência do Direito para a Economia e para a Política.
Organização Mundial do Comércio:
É considerada uma das organizações internacionais mais democráticas que existem. Cada Estado-integrante da OMC tem direito a um voto nas decisões, que são tomadas por consenso. Contudo, tal nível de representatividade tem um preço: decisões lentas e pouco efetivas.
Embora seus procedimentos demonstrem, aparentemente, uma democracia efetiva, os países com maior economia têm maior influência na tomada de decisões. Isso é inerente a política em si, afinal dificilmente um país dependente economicamente de potências econômicas como a China ou os Estados Unidos votará contra as medidas que favoreçam estes países. Deste modo os impasses ocorrem geralmente por visões diferentes entre grandes potências econômicas, principalmente entre os chamados desenvolvidos e os chamados emergentes.
União Europeia:
A União Europeia possui alto nível de representatividade – como a OMC – através de órgãos que equiparam a representação estatal, como o Conselho Europeu; e órgãos que equiparam a representatividade populacional, como o Parlamento Europeu. Apesar destes fatores, percebe-se um poder desproporcional que a Alemanha possui, informalmente, por ser a maior e mais importante economia dentro do bloco.
Organização das Nações Unidas:
O desenvolvimento do Direito Internacional é um dos objetivos primários das Nações Unidas. Em seu Preâmbulo, a Carta das Nações Unidas define o objetivo de “estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos”.
A Assembleia Geral, fundada em 1945, ocupa uma posição central como chefe deliberativo e formulador de políticas e órgão representante das Nações Unidas. Composta por todos os 193 Estados membros das Nações Unidas, ele fornece um fórum único para a discussão multilateral de todo o espectro de questões internacionais abrangidas pela Carta. Muitos tratados multilaterais são adotados por ela e, subsequentemente, abertos para assinatura e ratificação pelos Estados-Membros da ONU. Portanto, desempenha um papel significativo no processo de estabelecimento de normas e a codificação do Direito Internacional.
Dentre as funções e poderes da Assembleia Geral, urge citar:
1. Eleger os membros não-permanentes do Conselho de Segurança e os membros de outros conselhos e órgãos das Nações Unidas e, por recomendação do Conselho de Segurança, nomear o Secretário-Geral;
2. Examinar e fazer recomendações sobre os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, incluindo o desarmamento;
3. Discutir as questões relativas à paz e segurança internacional e, exceto quando um litígio ou situação está a ser discutida pelo Conselho de Segurança, fazer recomendações sobre ele;
Podendo ser o principal conselho dotado de autoridade para regulamentar e mediar a ordem internacional, não fosse o parágrafo primeiro do artigo 12º da Carta das Nações Unidas:
“Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembléia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite”.
Segundo a Carta, o Conselho de Segurança tem a responsabilidade primária pela manutenção da paz e da segurança internacional. Tem 15 membros – 10 membros rotativos e 05 membros permanentes - e cada membro tem direito a um voto, embora os 05 membros definitivos possuem poder de veto. Segundo a Carta, todos os Estados-Membros são obrigados a cumprir as decisões do Conselho.
O Conselho de Segurança assume a liderança na determinação da existência de uma ameaça à paz ou ato de agressão. O Conselho apela às partes em litígio para liquidá-lo por meios pacíficos e recomenda métodos de ajuste ou termos de liquidação. Em alguns casos, o Conselho de Segurança pode recorrer à aplicação de sanções ou mesmo autorizar o uso da força para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Talvez um tanto quanto diferente da ideia kantiana com base no comércio e cooperação para se garantir a paz.
Além disso, menos de 10% dos países-membros deliberam em maioria simples, ou seja, é possível que a vontade de menos de 5% dos integrantes prevaleça sobre o resto da instituição. E com o agravante do poder de veto dos membros permanentes, que flexibiliza a manutenção do sistema assimétrico das organizações, dando um poder descomunal a cinco países sobre quase duas centenas de outros.
As convenções e os acordos internacionais, ao invés de assimilarem fatores externos, de acordo com seus próprios critérios – conforme o caráter autopoiético apresentado por Luhmann – são fortemente influenciados por interesses econômicos e políticos. E a consequência mais grave é a insegurança destrutiva nas relações de conflitos de interesses.
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[1] CAVALLAR, Georg; The Right of Strangers. Theories of International Hospitality, the Global Community, and Political Justice since Vitoria; Ashgate, 2002. Pp. 229-306.
[2] LUHMANN, Niklas; Sociologia do Direito; Editora Tempo Brasileiro, 1983.
[3] VITORIA, P. Fray Francisco de; Relecciones Teologica; Librería Religiosa Hernández, 1917.
[4] BERNARDO, F. A ética da hospitalidade, segundo J. Derrida, ou o porvir do cosmopolitismo por vir a propósito das cidades-refúgios, re-inventar a cidadania (II), pp. 421.
[5] NEVES, M. From the Autopoiesis to the Allopoiesis of Law. Jornal of Law and Society, USA, pp.242-264, Junho 2001.
[6] NEVES, Marcelo. Do Pluralismo Jurídico à Miscelânea Social: O Problema da Falta de Identidade da(s) Esfera(s) de Juridicidade na Modernidade Periférica e suas Implicações na América Latina. In: Revista Direito em Debate, ano V, nº 5. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1992.
[7] GUERRA FILHO, Willis Santiago. O Direito como sistema autopoiético. In: Revista Brasileira de Filosofia. São Paulo, v. 39, n. 163, jul/set, p. 185-196, 1991.
[8] HABERMAS, Jügen. (1996), Between Facts and Norms. Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy, Cambridge, Polity Press.
[9] CAVALLAR, Georg; The Right of Strangers. Theories of International Hospitality, the Global Community, and Political Justice since Vitoria; Ashgate, 2002. Pp. 229-306.
[10] KANT, Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa-Portugal: Edições 70, 2004.
[11] KLABBERS, Jan; An Introduction to International Institutional Law; Cambridge University Press, 2002.
Estagiário em Escritório de Advocacia. Estudante do 7º semestre do curso regular de Direito da Universidade de Brasília - UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Bryan Douglas Souza. O Direito Internacional e a dependência sistêmica: como as Organizações Internacionais herdaram essa dependência? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46527/o-direito-internacional-e-a-dependencia-sistemica-como-as-organizacoes-internacionais-herdaram-essa-dependencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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