Resumo: O presente artigo analisa o concurso da circunstância atenuante da confissão espontânea e da circunstância agravante da reincidência, na segunda fase da dosimetria da pena, bem como a possibilidade de compensação entre ambas, apresentando o atual posicionamento dos Tribunais Superiores.
Palavras-chave: confissão espontânea, reincidência, dosimetria da pena, agravante, atenuante, compensação de circunstâncias preponderantes, divergência jurisprudencial.
Introdução
Busca-se traçar linhas gerais acerca da dimensão da circunstância atenuante da confissão espontânea, entendo-a como reflexo de aspectos positivos da personalidade do agente ao qual se impõe a pena.
Analisa-se a incidência desta circunstância atenuante na segunda fase da dosimetria da pena, quando também estiver presente a circunstância agravante da reincidência.
Estuda-se a possibilidade de compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, a partir do entendimento de que ambas se encontram no mesmo patamar axiológico de circunstâncias preponderantes.
Ademais, busca-se demonstrar qual o posicionamento dos Tribunais Superiores acerca da questão, evidenciando a divergência jurisprudencial acerca do tema, e destacando o entendimento que reputamos mais consentâneo com o sistema penal.
1. As fases da dosimetria da pena
Consoante dispõe o Código Penal Brasileiro, adotamos o sistema trifásico para a aplicação da pena, o qual, segundo ensina a doutrina, é o sistema de Nelson Hungria. Neste ponto, já foram superadas as questões preliminares, e o julgador, ao menos em tese, diante das provas constantes dos autos, já formulou seu convencimento e prolatou um decreto condenatório em desfavor do imputado, entendendo que está provada a existência do delito e que o réu é o autor deste.
A partir do julgamento procedente dos pedidos condenatórios, passa o julgador à dosimetria da pena, determinando, segundo critérios legais do sistema trifásico acima referido, a quantidade de pena que será imposta ao condenado.
Na primeira fase, serão analisadas as circunstâncias judiciais, as quais se referem à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, nos termos do artigo 59, do Código Penal. Ao final da primeira fase, conforme tenham sido anotadas, ou não, em desfavor do acusado, as circunstâncias judiciais acima referidas, será fixada a pena base, utilizando como balizas o mínimo e o máximo de pena cominada em abstrato pelo legislador no tipo penal.
Empós, na segunda fase da dosimetria da pena, será fixada o que se chama de pena intermediária, a partir da análise das circunstâncias agravantes e das circunstâncias atenuantes. O quanto de exasperação ou de diminuição da pena, contudo, não está estabelecido na lei, ficando a critério do magistrado, sempre respeitada a proporcionalidade.
Por fim, na terceira fase da dosimetria da pena, serão analisadas as causas de aumento (majorantes) e as causas de diminuição de pena (minorantes), cujos patamares de aumento ou de diminuição se encontram dispostos na lei. Ao final desta análise, teremos o estabelecimento da pena privativa de liberdade definitiva.
2. A verificação da confissão espontânea e da reincidência na segunda fase da dosimetria da pena
A análise que se pretende desenvolver no presente estudo tem foco na segunda fase do sistema de Nelson Hungria. Conforme mencionado, nesta fase da dosagem da pena são analisadas as circunstâncias atenuantes e as circunstâncias agravantes, dentre as quais estão a confissão espontânea e a reincidência.
É inegável que, nesta fase, pode-se reconhecer uma ou mais atenuantes ou agravantes, hipóteses em que haverá concurso entre elas. Caso tal ocorra, a solução é trazida pelo Código Penal, em seu artigo 67, o qual determina que a pena deve se aproximar do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
Em outras palavras, havendo circunstância agravante e circunstância atenuante, o magistrado deverá analisar qual delas é preponderante, na forma da lei, a fim de exasperar ou reduzir a pena base, estabelecida na primeira fase da dosimetria da pena.
A questão a ser aqui discutida se refere ao concurso da circunstância atenuante da confissão espontânea e da circunstância agravante da reincidência.
Nos termos do artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, consubstancia-se em circunstância que “sempre” atenua a pena, ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime. Nesse sentido, podemos conceituar a confissão como uma circunstância atenuante em que há o reconhecimento, pelo próprio imputado, perante a autoridade policial ou judicial, da prática de uma infração penal.
Conforme ensina Paulo Queiroz, “confessar a autoria do crime não significa, porém, admitir a prática de um fato típico, ilícito e culpável, mas sua materialidade e autoria. Justamente por isso, se o agente, embora confessando a prática do fato, alega excludentes de criminalidade (v. g., legítima defesa), fará jus à atenuante”[1].
Por sua vez, a agravante da reincidência tem definição legal trazida no bojo dos artigos 63 e 64, do Código Penal. Verifica-se tal agravante quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Ressalva-se, entretanto, que não prevalece a condenação anterior (ou seja, não há reincidência), se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos.
3. A divergência jurisprudencial no âmbito dos Tribunais Superiores
Pois bem, como visto acima, por expressa previsão legal, a reincidência é circunstância agravante preponderante, em caso de concurso de circunstâncias na segunda fase da dosimetria da pena. O mesmo entendimento de preponderância não é uníssono no que atine à atenuante da confissão espontânea.
Pela corrente jurisprudencial que defende que a confissão espontânea é uma circunstância atenuante preponderante, é apresentado o fundamento de que a confissão é aspecto positivo da personalidade do imputado, razão pela qual, em concurso com agravante igualmente preponderante, deve haver a compensação entre estas, de modo que, não havendo outras circunstâncias a serem analisadas na segunda fase da dosimetria, a pena intermediária corresponderia à pena base (definida na primeira fase da dosimetria), sem exasperação ou diminuição.
Em sentido oposto, apresenta-se corrente cujo entendimento é no sentido de que a confissão espontânea não possui relação com a personalidade do agente, razão pela qual não se consubstancia em circunstância preponderante e, em eventual concurso com a agravante da reincidência, deveria perder espaço para esta, de modo que a pena base, na ausência de outras circunstâncias a serem analisadas, seria majorada na segunda fase da dosimetria.
A divergência acima relatada, hodiernamente, é verificada no âmbito dos Tribunais Superiores.
O Supremo Tribunal Federal tem posicionamento de suas turmas no sentido de que a reincidência, quando em concurso com a confissão espontânea, deve sempre preponderar[2].
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça vaticina que a confissão espontânea é circunstância atinente à personalidade do agente e, por tal motivo, é igualmente preponderante, de modo que, em concurso com a agravante da reincidência, pode haver a compensação entre estas[3].
A dissonância que atualmente se verifica entre o STF e o STJ, outrora também se verificava entre as turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que solucionou divergência, fixando entendimento de que é possível a compensação de reincidência e confissão espontânea, conforme se depreende do julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n° 1154752/RS[4].
O relator dos embargos de divergência acima referidos, Ministro Sebastião Reis Júnior, em seu voto, aduziu não desconhecer a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, contudo, sustentou que a confissão está efetivamente ligada aos aspectos da personalidade do imputado. Destacou, ainda, que, no seu modo de ver, “a confissão espontânea demonstra também personalidade mais ajustada, a ponto de a pessoa reconhecer o erro e assumir suas consequências. O peso entre a confissão e a reincidência deve ser o mesmo, daí a possibilidade de haver a compensação”[5].
O voto de desempate no julgamento dos embargos de divergência no âmbito da Terceira Seção do STJ foi proferido por sua então presidente, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a qual fundamentou que a personalidade do agente é um universo amplo, com diversas peculiaridades a serem consideradas. Aduziu que a personalidade pode ser valorada negativamente na fixação da pena base, todavia, à luz da confissão espontânea, apresenta peculiaridade nobre, de tal forma a, na segunda fase, repercutir, positivamente, no cômputo da pena.[6]
4. A confissão como circunstância atenuante preponderante e a possibilidade de compensação com a agravante da reincidência
Ora, a confissão, inegavelmente, traduz aspecto positivo da personalidade do agente, uma vez que, ao confessar, reconhece a autoria e a materialidade de delito contra si imputado, colaborando para o deslinde da persecução criminal.
Não é ocioso destacar que, por garantia constitucional, o acusado, se assim o quiser, pode permanecer em silêncio, não se manifestando sobre os fatos tratados no processo. E tal silêncio, como consabido, não pode ser utilizado em seu desfavor. Ainda que o acusado não produza qualquer prova, ainda que permaneça, por opção, silente, o ônus de provar as imputações narradas na peça acusatória continua sendo da acusação. Assim, pode-se afirmar que, ao confessar, perante a autoridade, seja ela policial ou judicial, o imputado contribui para a produção de provas contra si. Em outras palavras, o acusado, voluntariamente, introduz, no processo, elementos probantes em seu desfavor, corroborando, em certos termos, a própria acusação, indo de encontro ao seu estado de inocência.
A prática diária em atuação na área criminal mostra que, por vezes, a prova produzida pela acusação, por si só, não seria suficiente a embasar um decreto condenatório e, por via de consequência, a absolvição do acusado, diante de tais circunstâncias, seria a medida necessariamente a ser adotada. Contudo, em situações tais, quando decide confessar a prática delitiva contra si atribuída, o acusado engendra a tese acusatória, reforçando as provas contra si, o que pode culminar na sua condenação.
Ora, quando reconhece a prática delituosa, o imputado não está a acusar outrem, mas, sim, a reconhecer conduta própria, a qual, diante de todo o cenário que se desenvolve na persecução penal, tende a corroborar as alegações em seu desfavor, e a embasar um decreto condenatório. Como consequência benéfica única a tal conduta há eventual diminuição de pena.
Assim, em nosso sentir, não há como não entender que a confissão está intimamente ligada aos aspectos positivos da personalidade do agente e, por tal razão, deve ser compreendida como circunstância atenuante preponderante, nos termos do já mencionado artigo 67, do Código Penal.
Entendendo a circunstância atenuante da confissão como preponderante (pois relacionada à personalidade do agente), quando em concurso com a reincidência, temos que entre estas não há diferença axiológica, porquanto ambas são preponderantes, nos termos do artigo 67, do Código Penal.
A solução mais adequada, pois, é a da compensação da atenuante da confissão espontânea e agravante da reincidência, mantendo-se, na ausência de outras circunstâncias, a pena base inalterada.
Conclusão
Por tudo quanto exposto, temos que a confissão espontânea, enquanto circunstância atenuante, deve ser aplicada na segunda fase da dosimetria da pena, sendo entendida como circunstância preponderante, uma vez que se consubstancia em expressão de aspectos positivos da personalidade do agente.
Em concurso da circunstância atenuante da confissão espontânea e da circunstância agravante da reincidência (esta expressamente prevista como preponderante), há possibilidade de compensação de ambas, uma vez que se encontram no mesmo patamar axiológico. Não sendo, pois, consentâneo com o sistema penal o entendimento de que deve preponderar a agravante da reincidência em relação à atenuante da confissão.
A despeito da divergência jurisprudencial verificada nos Tribunais Superiores, reputamos mais adequado o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, a quem compete vaticinar a “última palavra” no que atine à interpretação das normas infraconstitucionais, obviamente respeitada a compatibilidade destas com a Constituição Federal.
Portanto, em havendo concurso da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, sustenta-se a possibilidade de compensação de ambas, na segunda fase da dosimetria da pena.
Referências
BRASIL. Código Penal. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>.
QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 11ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
STJ. EREsp 1154752/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/05/2012, DJe 04/09/2012.
STJ. REsp 1341370/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 17/04/2013.
STF. HC 105543, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 26-05-2014 PUBLIC 27-05-2014.
[1] QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 11ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 484
[2] STF. HC 105543, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 26-05-2014 PUBLIC 27-05-2014
[3] STJ. REsp 1341370/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 17/04/2013.
[4] STJ. EREsp 1154752/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/05/2012, DJe 04/09/2012.
[5] Idem.
[6] Idem.
Defensor Público do Estado do Acre; ex assessor do Ministério Público Federal no Piauí; Pós-graduado, em nível de Especialização, em Direito Público, pela Universidade Federal do Piauí - UFPI em convênio com a Escola Superior da Magistratura do Piauí - ESMEPI; Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí - UFPI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Rômulo de Meneses. A possibilidade de compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46530/a-possibilidade-de-compensacao-da-atenuante-da-confissao-espontanea-com-a-agravante-da-reincidencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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