1 INTRODUÇÃO
O direito ambiental possui diversos aspectos, mas, devido à necessidade de focalizar o objeto do estudo que aqui se inicia, será analisado o dano ambiental, a fim de que, por derradeiro, se possa concluir da existência do dano moral ambiental e da premissa de sua consideração.
Nos tempos hodiernos, a contrario sensu do que ocorria noutrora, intensifica-se a preocupação doutrinária e jurisprudencial sobre o dano moral ambiental, de modo que o tema tem merecido pronunciamentos diversificados por quem o examina. Em face desse panorama, continua sempre atualizado qualquer estudo que a ela imponha dedicação. Com sobriedade, o ministro José Augusto Delgado (2006) esclarece:
Na realidade, os que estão voltados para o questionamento do assunto objetivam, unicamente, aperfeiçoar os aspectos determinantes da responsabilidade civil quando consumado esse tipo de atentado moral ao meio ambiente. A doutrina da responsabilidade civil ambiental desenvolvida no limiar deste Século XXI tem demonstrado que há necessidade de a Ciência Jurídica preocupar-se, com intensidade, da proteção aos padrões essenciais fixados pela natureza. Concebe que há de ser preservado, em toda a sua integridade, o que ainda remanesce do ambiente natural.
Em matéria de direito ambiental, verifica-se que a preocupação com sua tutela espraia-se por todo o ordenamento jurídico, a ponto de estar agasalhado, inclusive, sob o manto constitucional, que em seu artigo 225 a ele se declina, in verbis:
Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Apesar disso, e até por razões óbvias, a degradação ambiental é um fato e a sua existência, ainda que estúpida e irracional, faz com que a busca pela manutenção deste ambiente ecologicamente equilibrado seja incluída nos sistemas de tutela ambiental.
Dentre os direitos e deveres individuais e coletivos elencados no art. 5º de nossa Carta Magna, quis o legislador constituinte, acertadamente, acrescentar, no caput do artigo transcrito, um novo direito fundamental da pessoa humana, para que ela possa desfrutar e usufruir de condições de vida adequada em um ambiente saudável ou, no rigor das palavras da lei, ecologicamente equilibrado.
O reconhecimento do direito ambiental, incluso no rol de direitos fundamentais, se encontra esculpido no núcleo intangível da Constituição Federal de 1988, visto que corresponde à cláusula pétrea e faz surgir em nós, com maior intensidade, o dever de respeito ao comando constitucional.
Por cláusulas pétreas entende-se o elenco de assertivas que a própria Constituição traz como imutável. Ou seja, nenhuma emenda constitucional ou processo de revisão poderá incidir sobre elas; e nesse ponto o meio ambiente ganha importância semelhante à que é oferecida à Federação, ao voto (secreto, individual e universal) e à tripartição dos poderes.
Dessa feita, obriga não apenas ao intérprete, mas também ao aplicador da lei, a ES gotar todos os meios possíveis para que sua existência seja afirmada. Ou seja, inserido no contexto onde se encontra, perante o ordenamento constitucional, mostra-se impossível de ser alterado haja vista consubstanciar um núcleo imodificável, que deve a todo custo, em razão de suas características sui generis, ser validado.
Torna-se, pois, evidente que, para a correta e sóbria compreensão do assunto, faz-se imprescindível a definição e o desnudar-se dos pontos agredidos quando da ocorrência de um desastre ambiental. Conditio sine qua nom é delinear as dimensões deste dano em todos os seus desdobramentos. Nas palavras do professor Paulo de Bessa Antunes (2004):
Desdobramento de um dano é toda evidência cuja definição esta relacionada ao dano a ser reparado, de modo que a conduta lesiva deve ser suficientemente classificada, especificada e quantificada. Com efeito, sem a existência de dano, inexiste a responsabilidade.
A ressarcibilidade do dano não é, contudo, matéria tranqüila. A doutrina civilista tem entendido, majoritariamente, que só é ressarcível o dano que preencha três requisitos, a saber: certeza, atualidade e subsistência.
Em processos judiciais visando à reparação de danos ambientais, mui freqüentes são os casos com resultados insatisfatórios. Quando se analisam os resultados apontados, verifica-se uma pequena margem de condenação diante do elevado número de ações propostas. Para isso, os principais fatores contribuintes são a falta de celeridade processual e a ausência de perícias satisfatórias, razão porque urge o aperfeiçoamento do sistema.
Além das medidas necessárias a um rápido trâmite processual, competência precípua do Estado, é imperioso que se desenvolvam as consciências nas comunidades, a fim de ser alcançado um convívio amistoso com tudo aquilo que não é humano. E, sob este prisma, a educação ambiental, seja na vertente dogmática, seja na práxis cotidiana, mostra-se como elemento fundamental, data vênia sua função de modificar valores e de consagrar novas práticas ecologicamente aceitas. Sobre isso, Carvalho (2004) nos orienta:
A experiência do convívio amistoso com o não-humano desloca o processo de socialização e exige uma guinada em nossos hábitos existenciais para uma atitude mais modesta, que assume a condição de finitude da existência e do ser humano no mundo e o faz respeitoso das teias da vida que o incluem e o ultrapassam, assim como de tudo aquilo que ainda não conhecemos. A Educação Ambiental e esse ideário ecológico preconizam o princípio da prudência como balizador das decisões sobre a adoção de certas tecnologias e outras intervenções cujos impactos ultrapassam nosso conhecimento e podem, portanto, desencadear conseqüências imprevisíveis.
Na realidade, essa proposta de transmutação de valores, almejada pela educação ambiental, manifesta-se através de um convite que é feito à sociedade atual. Como propôs o pensador francês Michel Serres, a humanidade está sendo convocada a estabelecer um novo pacto, denominado contrato natural, que pode ser entendido como um contrato social ampliado, a ponto de englobar a dimensão ambiental nos planos de futuro e na negociação do presente dos seres humanos. Nesse sentido, trata-se de encontrar os caminhos possíveis em cujas trilhas se agrupem as expectativas de felicidade humana e a integridade dos bens ambientais.
Infelizmente, é preciso que se reconheça que os homens estão deveras longe da concretização desses valores e crenças, delimitadoras das relações recíprocas com o ambiente. Em virtude disso, existe a jurisdição e as vias litigiosas, em que as partes duelam por uma determinada causa. Talvez, se houvesse uma consciência ecologicamente fomentada no cotidiano das pessoas, a quantidade de desastres ecológicos seria bastante inferior, tornando desnecessária a elaboração de tratados sobre os instrumentos de proteção ambiental. Provavelmente, existindo a conscientização, não haveria desastres ambientais e, quiçá, não seria preciso cogitar-se o dano ambiental.
É necessário, pois, uma mudança nas lentes e paradigmas sociais, culturais, políticos e econômicos; uma modificação em nível de consciência, a envolver o planeta como um todo. Quando se fala em mudança de consciências, há de se frisar, dentre elas, a estatal (na vertente de seus três poderes) para que a questão ambiental seja tratada com um diferencial que lhe é peculiar, sob pena de que, em um futuro próximo sequer haja homens para usufruir das tecnologias que ora se descobrem e para malograr as doenças cujas curas são, hoje, objeto de complexos e dispendiosos estudos.
Em uma visão muitíssimo extremada, talvez seja até desnecessária a busca pela cura da AIDS ou do câncer, porque sem que haja um ambiente apto, ecologicamente equilibrado, haverá edifícios, desabando ou não, haverá aviões (pontos de partida e quiçá de chegada), haverá praias, rios e lagos, mas não existirão pessoas. Existirão lugares, mas não homens para ali estarem; Haverá coisas, mas faltarão aqueles que delas possam usufruir.
Por tudo isso nos parece salutar o litígio e o afirmar-se de mecanismos de defesa ambiental, que sabemos ainda serem tutelas primitivas, a engatinhar no mundo da ciência jurídica. Sinaliza-se, com extrema veemência, a necessidade do despertar das consciências, sob pena, já o dissemos, de nosso próprio perecer.
Todavia, uma das maiores dificuldades em se obter sucesso nas demandas reside na comprovação no nexo de causalidade em virtude, sobretudo, do tempo. Outro empecilho surge, quando da procedência da demanda, no instante da fixação do valor da verba indenizatória; ou seja, da quantificação do dano ambiental. A esse respeito, Lucarelli (2003) afirma que:
Pelas próprias características especiais do dano ecológico, o maior problema enfrentado pelos agredidos é a comprovação da ocorrência, do montante e da causa do prejuízo. Essa dificuldade tem sido induvidosamente a maior dificuldade encontrada pelas sociedades ambientalistas e até pelo poder público.
Na atualidade, é cediço que a responsabilidade em matéria ambiental é objetiva, o que significa dizer que, ainda que a atividade do agente não esteja ancorada em qualquer das modalidades de culpa – negligência, imprudência e imperícia – mesmo assim, há de ser cogitada a responsabilidade do causador do dano. Ou seja, uma vez praticada a conduta, provando-se o nexo causal entre esta e o dano, subsiste a responsabilidade do autor, independentemente de ter previsto ou assumido o risco pelos efeitos lesivos de sua atitude.
Não se quer com isso dizer que a comprovação do nexo de causalidade deve ser dispensada. Para que exista o dano, necessário se faz, obviamente, também a comprovação do nexo de causalidade. Logo, em se verificando um dano, deverá se estabelecer a indenização, desde que reste identificado o nexo do dano com a conduta que se pretende penalizar.
Assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio é, na realidade, uma longa manus do direito de viver, de existir - física e saudavelmente. Por essa razão é imprescindível, antes de prosseguir na temática referente ao dano ambiental, analisar com um pouco mais de atenção os aspectos do princípio da dignidade da pessoa humana, que ocupa posição de relevo em nosso ordenamento jurídico.
2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – RAZÃO DE EXISTÊNCIA DAS TUTELAS AMBIENTAIS
Um ordenamento jurídico apenas se mantém coeso e equilibrado quando são estabelecidos parâmetros adequados de hierarquia normativa, de modo que as espécies de normas e regras obedeçam a certa ordem de disposição. No Brasil, como em outros países, a Constituição ocupa o ápice desse sistema.
Assim, qualquer inovação em matéria de direito, deve obediência à Constituição Federal, verdadeira carta de princípios, que impôs eficácia a todas as suas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. Segundo Paulo Bonavides (1999):
Os princípios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional, o que provocou sensível mudança na maneira de interpretar a lei. Muitas das transformações levadas a efeito são frutos da identificação dos direitos humanos como valor fundante da pessoa humana, a ensejar o conseqüente alargamento da esfera de direitos merecedores de tutela.
Os princípios constitucionais – considerados leis das leis – deixaram de servir apenas de orientação ao sistema jurídico infraconstitucional, desprovidos de força normativa. Agora, são conformadores da lei e se tornaram imprescindíveis para a aproximação do ideal de justiça. Adquiriram eficácia imediata e aderiram ao sistema positivo, a compor nova base axiológica, e abandonando o estado de virtualidade a que sempre foram relegados.
A partir do instante em que houve a constitucionalização do direito civil e a dignidade da pessoa humana foi consagrada como pedra angular do Estado Democrático de Direito, o positivismo tornou-se insuficiente. As regras jurídicas mostraram suas limitações para atender ao comando constitucional. O princípio da interpretação conforme a Constituição é uma das mais importantes inovações em sede de técnica interpretativa, ao propagar que a lei deve ser interpretada a partir da Carta Maior. Assim, os princípios constitucionais passaram a amparar todo o sistema legal de modo a informar e viabilizar o alcance da dignidade humana em todas as relações jurídicas.
2.1 O Princípio da Dignidade Humana: Fundamento da República Federativa do Brasil
Todo e qualquer ordenamento jurídico-positivo compõe-se de princípios e regras cujas diferenças não são apenas de graus de importância. Acima das regras legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e de valores éticos, atribuindo coerência interna e estrutura harmônica a todo o sistema jurídico. Sarmento (2000), a esse respeito, afirma que se o direito não contivesse princípios, mas apenas regras jurídicas, seria possível a substituição dos juízes por máquinas.
Os princípios são normas jurídicas que se distinguem das regras não só porque têm alto grau de generalidade, mas também por serem mandatos de otimização, conforme nos assegura Alexy (1997). Possuem uma estampa axiológica mais acentuada que as regras, desvelando com maior nitidez os valores políticos e jurídicos que aglutinam. Devem ter conteúdo de validade universal, a consagrar conceitos generalizantes e a balizar todas as regras, que não podem afrontar as diretrizes contidas nos princípios.
O principio da dignidade da pessoa humana, enquanto princípio maior e fundamento de validade da República Federativa do Brasil, está inserido na Constituição Federal ab initio, onde se lê, em seu art. 1º. que a República constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento entre outros, III – a dignidade da pessoa humana.
O Texto Maior concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerentes à personalidade humana. A preocupação com o agenciamento dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. Sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações. Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentidos e emoções.
Este princípio, dentre todos os outros, é aquele havido como o mais universal. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, dentre a coleção de princípios éticos existentes. No dizer de Sarmento (2000):
O princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade.
Logo, diz respeito a um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. Apenas excepcionalmente podem ser feitas limitações aos exercícios dos direitos fundamentais, mas com o cuidado em não se menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Inexoravelmente, é a dignidade da pessoa humana o grande suporte de todos os direitos fundamentais, possuindo para tanto uma dupla concepção. Primeiro prevê um direito individual-protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes, a se configurar pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade alheia, tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria.
Em tese de dignidade da pessoa humana, a História nos revela que o suporte de sua validade remonta o direito romano, que poderia ser traduzido em três assertivas:
a) honestere vivere (viver honestamente);
b) alterum nonlaedere (não prejudiquem ninguém);
c) suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido).
À primeira vista, a análise deste princípio pode apresentar contornos teóricos e doutrinários, mas a par da grandiosidade do tema em que se funda, fato é que no dia-a-dia, nas muitas expressões do Direito, é visível a aplicabilidade deste princípio fundamental do Estado Democrático em que vivemos.
O notável constitucionalista Canotilho (1998) nos revela em sua obra que, se analisarmos as experiências históricas relativas à aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.
E a República, sob tal perspectiva, é uma organização política que serve ao homem, não é o homem que serve aos aparelhos político-organizatórios. Portanto, esta compreensão do princípio da dignidade humana justifica posturas constitucionais como a proibição da pena de morte e da prisão perpétua e, ainda conforme Canotilho, faz surgir a idéia de "comunidade constitucional inclusiva", pautada pelo multiculturalismo mundividencial, religioso ou filosófico.
Reconhecer a dignidade da pessoa humana como núcleo essencial da República ou como pressuposto da República e do Estado Democrático de Direito, é renunciar a certas verdades e determinados fixismos políticos, religiosos ou filosóficos para fazer surgir o indivíduo e as coletividades, pautadas em vida digna.
Não pode o republicanismo mundial contemporâneo, baseado nos princípios da dignidade da pessoa humana, impor teses, dogmas, religiões, verdades ou ordens sob pena de sucumbir em si mesmo, diante de contradição essencial.
O homem para viver em sociedade, e viver bem, necessita viver com dignidade. Este suporte de vida saudável se espraia sobre muitos reflexos e nosso sistema constitucional tratou de resguardá-Ios em suas diversas facetas. Uma dessas, indiscutivelmente, é a consagração do bem ambiental e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo – diretriz que se alinha aos preceitos ora expostos.
2.2 A Dignidade da Pessoa Humana e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado
A Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela Resolução nº. 217-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, reafirmou a crença dos povos nas Nações Unidas, nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, visando promover o progresso social e melhores condições de vida.
Está, pois, resguardada nos direitos individuais e coletivos posto que seja, indubitavelmente, um Direito, como os interesses jurídicos de caráter social, político e difuso ou coletivo lato sensu. Há uma caprichosa relação de causa e efeito, onde a dignidade humana é causa; fonte geradora de todos os direitos fundamentais do homem.
E quando se fala em todos os direitos, se quer incluir neste rol a vida e a liberdade, aliás, irrenunciáveis. Sartre (2003) já prelecionara que o homem não pode renunciar à sua liberdade, enfatizando com esta afirmação o peso da responsabilidade de sermos livres.
A escolha de aderir à sobrevivência, à existência, é uma tônica na sociedade contemporânea. Porém, muitas vezes, o ser humano queda inerte diante de um determinado fato, por acreditar que tal paralisação seja a conduta mais confortável a ser tomada. Nessas hipóteses, costuma-se dizer que não houve escolha, contudo, o não-agir, por si mesmo, já se afigura como uma opção. Parafraseando Martin Luther King, é importante frisar que a humanidade vem sofrendo muito mais com a omissão dos “homens bons” do que com a conduta pecaminosa dos maus.
Arriscar-se, procurar a autenticidade, é uma tarefa árdua, uma jornada pessoal que o ser deve empreender em busca de si mesmo. Manter-se inerte frente à degradação ambiental é uma escolha pela não preservação; é uma ação, talvez, tão desastrosa quanto à própria atividade degradadora.
Sob o que se estampou, emerge que a escolha mais certa a ser feita é aquela que permeia as veredas constitucionais. Além disso, cogita-se a opção por algo consciente, preservador, digno de si e de seus semelhantes; uma escolha que se coadune à uma sadia qualidade de vida, mas sem hipocrisia ou demagogia. Em outras palavras, seria o dever de optar por um viver não-degradador, por um viver em consonância com os preceitos ecológicos, com o pensamento consciente e coletivo de preservação do bem comum.
Uma consciência coletiva precisa se solidificar para que a sustentabilidade esteja impregnada no cotidiano hodierno, a fim de se manter coeso o estrato social. A opção individual encerra finalidades coletivas, onde o querer de uma pessoa importa no querer das demais, da coletividade. A par dos posicionamentos filosóficos e de divagações, a idéia realmente é impositiva se estivermos diante da opção de preservação ambiental.
O homem é responsável por si em sua totalidade. Desenha e escolhe seus caminhos e assim o é porque ele é dono e responsável pelo seu “eu” e pelas suas ações. Querendo para si o bom, buscará para a humanidade o melhor porque, ao final, a soma das consciências individuais resultará no encontro das consciências coletivas. Sobre tal pensamento, Sartre (2003) ensina:
Quando declaro que a liberdade, através de cada circunstância concreta, não pode ter outro objetivo se não o de querer-se a si próprio, quero dizer que, se alguma vez o homem reconhecer que está estabelecendo valores, em seu desamparo, ele não poderá mais desejar outra coisa a não ser a liberdade como fundamento de todos os outros valores. Isto não significa que ele a deseja abstratamente. Mas, simplesmente, que os atos dos homens de boa-fé possuem como derradeiro significado a procura da liberdade enquanto tal. Um homem que adere a um sindicato comunista ou revolucionário, quer alcançar objetivos concretos; tais objetivos implicam vontade abstrata da liberdade; porém, esta liberdade é desejada em função de uma situação concreta. Queremos a liberdade através de cada circunstância particular. E, querendo a liberdade descobrimos que ela depende integralmente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos outros depende da nossa. Sem dúvida, a liberdade, enquanto definição do homem, não depende de outrem, mas logo que existe engajamento, sou forçado a querer, simultaneamente, a minha liberdade e a dos outros; não posso ter como objetivo minha liberdade se não desejar também a liberdade dos outros. De tal modo que, quando, ao nível de uma autenticidade reconheço que o homem é um ser em que a essência é precedida pela existência, que ele é um ser livre que só pode querer a sua liberdade, quaisquer que sejam as circunstâncias, estou concomitantemente admitindo que só posso querer a liberdade dos outros.
Somos pessoas individualizadas sim, mas vivemos em comunidade e é indispensável a busca por uma vida sadia e prazerosa, de modo que nossas atitudes pessoais devem ter este comprometimento. Em se tratando de questões correlatas ao Biodireito e à Bioética, por exemplo, é sabido que o compromisso dos cientistas na procura de soluções, de melhores condições de vida, não pode esbarrar em posturas ecologicamente inadequadas.
Não se pode pestanejar, a par dos avanços tecnológicos, o reconhecimento do respeito à dignidade humana, estando a Bioética e o Biodireito a exercer um sentido humanista, estabelecendo vínculo com a justiça. A verdade está com Maria Helena Diniz (2004), no instante em que ela afirma que para a bioética e o biodireito a vida não pode ser uma questão de mera sobrevivência física, mas sim de vida com dignidade.
A humanidade é usufrutuária do meio ambiente em que vive e é indiscutível o dever de sua proteção e conservação para as presentes e futuras gerações, que têm, também, um direito incontestável a um ambiente ecologicamente equilibrado, fundado no direito/dever da perpetuação das espécies.
Pelo que se depreende, afetar o meio ambiente é afetar em última análise a dignidade humana, a soma da dignidade individual e o encontro da dignidade coletiva, se for possível tal classificação. Necessário se faz, então, a conceituação do dano ambiental, como fórmula inicial de tentar identificar toda a sua abrangência e, conseqüentemente, encontrar o que recentemente, também a jurisprudência tem denominado dano moral ambiental.
3 A CONSCIENTIZAÇÃO A FAVOR DA CAUSA AMBIENTAL
Não sendo possível preservar o meio ambiente em níveis esperados, considerar-se-á o dano efetivo, o desastre ecológico, a degradação ambiental para, daí, se extrair algumas considerações.
A verdadeira tutela ambiental é a preventiva, ou seja, aquela que se antecipa ao dano, evitando-o. Somente através dela, será possível o cumprimento daquele contrato, estampado no art. 225 de nossa Constituição, proporcione às futuras gerações um meio ambiente ecologicamente equilibrado, saudável, onde elas possam viver dignamente.
Sob o aspecto cultural, o meio ambiente é diuturnamente protegido pelo instituto do Tombamento, do mesmo modo que o meio ambiente do trabalho vem igualmente sendo objeto de defesa. Ainda há possibilidade de se fazer referência à toda proteção constitucional preventiva concernente à defesa do meio ambiente, consignada, por exemplo, no art. 170 VI, in verbis:
Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
(Nova redação dada pelo art. 1º da Emenda Constitucional nº. 42, de 19 de dezembro de 2003).
O próprio direito de vizinhança descrito nas leis civis, pode ser alçado à categoria da proteção ambiental, uma vez que somos vizinhos, limítrofes, de fábricas que, muito embora estejam situadas a quilômetros de distância de nossas casas, despejam fumaça tóxica e outros resíduos nocivos à saúde.
A permuta ocorrida entre a ética e as ciências da vida, juntamente com o progresso da biotecnologia provocou uma radical mudança nas formas tradicionais de agir dos profissionais da saúde, dando outra imagem à ética médica e, conseqüentemente, originando um novo ramo do saber, que se convencionou denominar Bioética.
Sob tal enfoque, a ciência da Bioética, tendência mundial que vem crescendo em matéria de proteção ambiental, revela-se como uma grande e poderosa arma em defesa do meio ambiente. É fato que a vida precisa da ciência, contudo, qualquer ciência prescinde da vida para que subsista. É uma relação de reciprocidade, cuja retroalimentação deve se alinhar através dos prumos da Bioética.
Maria Helena Diniz (2004), em obra sobre o assunto, após uma série de indagações, afirma que estas são reflexos da perplexidade e do forte impacto social causado pelas inovações das ciências. Inclusive porque, até muito recentemente, sequer era cogitada alguma degradação ambiental nos níveis atualmente manifestos, assim como era impensável a probabilidade de esgotamento dos recursos hídricos ou a possibilidade de um holocausto nuclear.
Essas assustadoras constatações, hoje são objetos de minuciosas e quantitativas análises feitas sob o escrutínio de diversas Ciências, cujos estudos são elaborados, na grande maioria, para usufruto da própria ciência, desvencilhado dos valores trazidos pela constitucionalização da dignidade da pessoa humana.
Nesse panorama, a Bioética atua como um freio e contrapeso a ser posto ante essa busca desenfreada pela tecnologia em suas múltiplas vertentes. Atua de forma a fazer lembrar e a fazer valer a própria existência digna do homem, buscando subsídios para conter qualquer avanço tecnológico que implique degradação dos demais seres e, em última análise, da espécie humana.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, IX, proclama a liberdade da atividade científica como um dos direitos fundamentais, o que não significa inexistência de qualquer limitação, pois há outros valores e bens jurídicos constitucionalmente garantidos, como a vida, a integridade física e psíquica, a privacidade, entre outros, que podem ser gravemente afetados pelo mau uso da liberdade de pesquisa científica. Nenhuma liberdade de investigação científica poderá ser aceita se colocar em perigo a pessoa humana e sua dignidade; eis o que se dessume da interpretação constitucional.
O mérito da Bioética consubstancia-se no fato de ela figurar como uma ciência capaz de prover o comportamento ético das demais ciências. Assim sendo, todos aqueles que pretendem fazer valer esta nova ciência não podem perder de vista a dignidade da pessoa humana, razão e finalidade de todo ordenamento constitucional. De acordo com a professora Maria Helena Diniz, (2004), com o reconhecimento do respeito à dignidade humana, a bioética e o biodireito assumem um sentido humanista, estabelecendo um vínculo com a justiça.
Há de ser lembrado que tal ciência se apresenta e se disponibiliza a favor da proteção ambiental, paralelamente à saga pelos lucros máximos envidada por alguns poderosos. A busca desenfreada pelas riquezas faz com que os homens acabem por consumir de forma desmedida e inconseqüente os bens da natureza, em sua maioria finitos e deveras necessários aos homens.
Motivadas pelo fascínio do progresso sócio-econômico, muitas técnicas foram desenvolvidas, algumas das quais, por explorarem inadequadamente a natureza, acabaram ocasionando a poluição, em suas diversas facetas, degradando o meio ambiente, e colocando em risco a vida do homem e das demais espécies que povoam a Terra. Dessa interação de forças e atitudes ambientalmente deletérias, surge o atual panorama ecológico, que em muito se assemelha ao de uma crise ambiental.
Nosso ordenamento jurídico, desde 1995, incrementou-se com a promulgação da Lei nº. 8.974/95 que efetivamente regulamentou alguns dos dispositivos elencados no art. 225 de nossa Constituição Federal, ao fixar regras para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados.
Esta espécie normativa cuidou de disciplinar a introdução dos conhecidos OGM's no meio ambiente, tutelando juridicamente a vida e a saúde pública. Também, Incumbiu a essa lei delinear o conceito de engenharia genética, termo que, apesar da utilização reiterada, é quase sempre empregado inadequadamente.
Assim, ao se conjugar normatividade, educação ambiental, conscientização ecológica, ética e moral, se avultam as esperanças e crenças em um futuro melhor, alinhadas às diretrizes de um desenvolvimento sustentável. Isso porque enfrentar o desafio ecológico implica na imposição coercitiva de certos padrões de comportamentos, como meio para se alcançar um acréscimo efetivo da preservação da natureza e um recrudescimento dos riscos às gerações do presente e do futuro.
A necessidade de sujeitos ecológicos, amparados sob a égide de um ordenamento jurídico também ecológico não prescinde da Ética, cujos estudos motivaram o professor José Aroudo Mota (2006), que, com clareza, analisa:
Do ponto de vista da Ética, como princípio filosófico da sobrevivência das espécies, os direitos da natureza devem ser preservados para que os recursos naturais sirvam como legado para as futuras gerações. Mesmo levando-se em consideração que a vida na Terra é decidida pelos seres humanos, os entes da natureza têm direitos, pois a manutenção da vida humana depende exclusivamente da conservação/preservação dos recursos naturais.
Como resultado da não-preservação do meio ambiente e da não-tutela da vida, em níveis ecológico-sadios, pode ser visualizada uma série de marcas, algumas das quais tidas como indeléveis. Da agressão advinda ao meio ambiente, difuso por natureza, do qual é dono um número indeterminado de pessoas, exsurge um dano que julgamos ser o mais grave de todos: Aquele que fere, mormente, o preceito constitucional, ao qual nos subordinamos por vivermos sob a égide de um Estado Democrático de Direito.
Nesse patamar, fala-se em dano moral ambiental, presente em toda e qualquer forma de degradação ambiental. Diz respeito ao dano que provoca a comoção geral, que priva as coletividades do uso e gozo do meio ambiente sadio, do desfrutar da natureza equilibrada, preservada. Essa privação atinge um bem tutelado, de modo que a violação desta tutela deve ser sopesada por um correspondente lógico, qual seja uma sanção imposta ao poluidor.
4 O DANO MORAL AMBIENTAL
4.1 Conceitos e Quantificação
Para ser possível a afirmação do dano moral ambiental, é imprescindível que amparemos sua existência nos princípios afeitos à temática ambiental. Apesar de se fundamentar na dignidade da pessoa humana, conforme citado alhures, a temática em comento é acolhida por um verdadeiro arcabouço principiológico, que, ao passo que lhe fornecem os instrumentos necessários, colima os mesmos fins. Na miríade desses princípios, destacam-se o da natureza pública da prática ambiental, o da responsabilidade objetiva, o do binômio poluidor/pagador e o da inexistência do direito adquirido ambiental.
No preâmbulo de sua obra, o mestre Paulo Affonso Leme Machado (2004) elenca um verdadeiro rol de mandamentos ambientais por ele trazidos e intitulados Princípios Fundamentais de Direito Ambiental. Nesse tratado, o autor procurou consignar, em dez rubricas, as garantias a uma vida saudável e a um ambiente ecologicamente adequado, através de políticas sustentáveis, cuja adoção torna-se evidente.
Ora, qualquer dano ao meio ambiente e qualquer agressão aos recursos ambientais geram danos ambientais, que podem se traduzir em dano ecológico e, necessariamente, ainda que de maneira indireta, repercute sobre as pessoas, que interagem com esse meio ambiente e dele fazem partes, como componentes. Apesar disso, o dever de reparar a degradação ambiental não pode residir na existência concreta de um dano a uma só pessoa ou a uma pequena coletividade, mas, sim, na pura agressão ambiental, que, devido à sua natureza difusa, termina refletindo-se extrapatrimonial e patrimonialmente.
A atividade humana é pura fonte de degradação ambiental. Há, todavia, limites de tolerância. Com o objetivo de proporcionar a melhor definição destes limites da tolerabilidade, o legislador brasileiro, mais precisamente no art. 3º, inciso III da Lei 6938/81, ao definir poluição, expressou que a degradação ambiental pode ser resultante de atividades que, direita ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Fato é que as agressões ambientais são efetuadas em bens ou recursos ambientais e os seres humanos desempenham um papel sui generis nesse processo, pois são em um só tempo os maiores culpados e as verdadeiras vítimas deste reflexo danoso. Dessa premissa resulta a perspicaz observação do professor Francisco Sampaio (2004), quando ele expõe que o caráter específico do dano ambiental deriva de atitudes humanas e contra eles se revoltam, de modo que, muito embora as interações homem-natureza não tenham preço, de suas degradações advém um custo alto.
Nesse sentido, a Lei 7347/85, ao passo que cuida em estabelecer as diretrizes da Ação Civil Pública, expõe que diante de um grupo indeterminado de pessoas, o dano deve ser reparado e os valores apurados, sempre que possível destinados a um fundo de reconstituição dos bens lesados.
Sob tal ótica, parece infinita a delimitação do dano ambiental, cuja estampa ora se define. Devido à sua abrangência assustadora, o conceito se alarga ao passo em que nela se penetra. Paulo de Bessa Antunes (2004), propondo-se a apurar os efeitos desta enorme degradação e, portanto, buscando o conceito do dano ambiental, apresenta uma concepção educativa e política como forma de preservação ambiental.
Ele informa, ainda, critérios qualificadores do Direito Ambiental, destacando o da repristinação do ambiente agredido ao status quo ante, e critica o simples arbitramento de uma multa ao agressor. Em síntese, esse autor defende a idéia de uma sanção educadora e não apenas punitiva, no intuito de se efetivar a preservação ambiental, evitando o vilipêndio deletério dos recursos naturais. Procura, pois, engendrar um sistema que zele pela conscientização das populações presentes, como forma de viabilizar as satisfações hodiernas sem olvidar das necessidades da sociedade vindoura.
Para alcançar tal finalidade, Paulo de Bessa Antunes estabelece um critério da compensação através do qual, cada área devastada deve ensejar uma outra recuperada. É uma solução lógica, apesar da dificuldade em se determinar uma área de recuperação que seja proporcional ao dano ocasionado. Tais fatos, atrelados ao simplismo com que expõe o tema, nos leva a discordar do renomado autor, apesar de sua notoriedade na doutrina jurídico-brasileira.
No que concerne à definição mais adequada acerca do dano moral ambiental, é oportuno que se frise aquela proposta por Américo Luís Martins da Silva (2005), no instante em que nos ensina:
Os danos morais ambientais difusos ou coletivos não têm qualquer repercussão no mundo físico, ao contrário dos danos materiais ambientais difusos ou coletivos. O dano moral ambiental difuso ou coletivo é de cunho subjetivo, à semelhança dos danos morais individuais. Nos danos morais ambientais difusos ou coletivos também se repara o sofrimento, a dor, o desgosto do ser humano. Só que o dano moral ambiental difuso ou coletivo é o sofrimento ou sentimento negativo suportado por diversas pessoas dispersadas em uma certa coletividade (dano moral ambiental difuso, em decorrência da dor coletiva), em vista de uma certa agressão ao meio ambiente.
Ora, em alguns casos, as áreas são diversas e a recuperação do ecossistema se mostra impossível, tanto que, nessas hipóteses, a solução unicamente viável é a determinação do quantum debeatur a ser imposto ao agente danoso. Tal quantificação não prescinde do sopesamento das características específicas do ambiente degradado, para que seja possível estabelecer os moldes em que ocorrerá a compensação.
Na realidade, em matéria de compensação ambiental, o que existe é uma grande e notável insegurança, que perturba e incomoda bastante o espírito de qualquer cidadão afeito ao tema e, sobretudo, o dos juristas que laboram sob tal areal movediço. Sobre o tema, leciona Sílvio de Salvo Venosa (2007):
Qualquer indenização não pode ser tão mínima a ponto de nada reparar, nem tão grande a ponto de levar à penúria o ofensor, criando para o estado mais um problema social. Isso é mais perfeitamente válido no dano moral. Não pode igualmente a indenização ser instrumento de enriquecimento sem causa para a vítima; nem ser de tal forma insignificante ao ponto de ser irrelevante ao ofensor, como meio punitivo e educativo, uma vez que a indenização desse jaez tem também essa finalidade.
A tutela do dano ambiental abarca toda agressão contra o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por essa razão, é cabível que se inclua, nas arestas do dano ambiental, o reconhecimento dos danos subjetivos, sentidos por toda a população. De acordo com as diretrizes doutrinárias e jurisprudenciais ora vigentes, em que pese ser ilimitada abrangência do dano, os critérios existem em condições insuficientes. Em cada caso específico, diferentes reações podem surgir ante à agressão ambiental e em todas elas é possível a identificação do dano moral ambiental.
Na busca pela delimitação deste dano, Sedin (2003) procura conceituar o que seja dano ecológico e, após ponderações respaldadas na doutrina, citando inclusive Canotilho (1998) que define dano ecológico como sendo a alteração causada pelo homem das qualidades físicas, químicas ou biológicas dos elementos constitutivos do ambiente, conclui que, apesar da autoridade dos conceitos postos, têm todos eles por insuficientes e, assim, apresenta uma delimitação negativa do dano ecológico. Aquele autor, mui sabiamente elucida:
Trata-se, também, da solução prevista na Convenção de Lugano, onde se definem os danos ressarcíveis como todas as perdas e danos resultantes da alteração do ambiente na medida em que não sejam considerados danos às pessoas ou aos bens.
Importa, contudo, notar que este tipo de critério encerra a mesma deficiência já apontada às delimitações naturalísticas do objeto do dano ecológico: não permite a identificação do bem jurídico protegido, pelo que não possibilita a determinação do dano jurídico.
Na verdade dos critérios negativos referidos só permitem saber o que não é dano ecológico, e não o que é o dano ecológico.
Neste diapasão, o renomado autor prossegue em suas ponderações e acaba por destacar a existência de bens ecológicos e patrimônios naturais, identificando ali o direito ao uso destes bens, inclusive para fins recreativos e estéticos, conforme podemos observar no fragmento abaixo colacionado:
Uma outra idéia que importa realçar desde já acerca dos bens ecológicos e do patrimônio natural é que tais bens podem ser considerados sob dois ângulos substancialmente diversos: a sua capacidade funcional ecológica e a sua capacidade de uso ou de aproveitamento humano, que é múltipla (alimentar, energética, científica, recreativa e estética). Correspondem a todas as possíveis relações de utilidade da natureza para o homem.
A busca pela qualificação do dano esbarra, pois, em sua própria abrangência, determinação e especificação. E, nesse contexto, aquilata-se uma regra de ouro: primeiro é preciso saber o que reparar para depois buscar a efetiva reparação.
Edis Milaré (2004), em explanação sobre o assunto, embora reconheça o alto grau de dificuldade que permeia a matéria, aventura-se na definição do dano ambiental:
As expressões dano e ambiental são cobertas de ambigüidade. De qualquer modo, podemos dizer que dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação - alteração adversa ou in pejus - do equilíbrio ecológico.
Prossegue o autor, afirmando que este dano atinge as vítimas pulverizadamente, justamente pela conformação que o Direito dá ao bem ambiental (bem de uso comum do povo). Também, faz menção ao alto nível de dificuldade enfrentada pelos juristas no momento de quantificar a sanção, assim como da complexidade que se avoluma sobre a matéria.
Apesar de os estudos sobre os danos ambientais abordarem, via de regra, casos concretos e os modos de sua reparação, a dificuldade de localizar critérios seguros de quantificação do dano ambiental sinaliza os melindres da reparação. É certo, entretanto, que o dano ambiental exorbita a esfera da reparação do prejuízo patrimonial, sendo mais complexa não apenas a sua conceituação como também, e principalmente, a sua própria reparação.
É pouquíssimo provável, para não dizer impossível, se alcançar o estado que havia antes, quando da ocorrência de um dano ambiental. A reposição de uma árvore previamente derrubada dificilmente irá repor o estado anterior, posto que, no tempo a ser percorrido até seu amadurecimento, já haverá ocorrido o prejuízo àqueles que ali habitavam.
A extinção de espécies vegetais ou de outros seres vivos qualquer, jamais é recuperada em sua totalidade e, mui dificilmente, o ecossistema será reavivado tal como fora noutrora. Rompe-se uma cadeia cuja reorganização demanda uma grande quantidade financeira e energética. Essa reparação, por mais que mitigue a ocorrência de danos sucedâneos, sempre provoca impactos sensíveis.
Rebello (1998) afirma em sua obra, ao tratar dos mecanismos indenizatórios, que a indenização é o modo mais comum de compor o prejuízo ambiental, embora existam outras formas de reparação.
No mesmo sentido, salienta José Afonso da Silva (2006) que nem sempre a mera composição monetária é satisfatória. O lançamento de poluentes no rio, causando a morte dos peixes, por exemplo, é um grave dano ecológico que não se satisfaz com a mera indenização monetária (às vezes não se sabe sequer qual o montante a pagar).
Sob tal contexto, os recursos financeiros devem ser entendidos como ícones figurativos, posto que o desejado não seja tornar rico o meio ambiente e sim adequá-lo ao desenvolvimento vital. Nessa relação jurídica, o dinheiro deve ser simbólico, apenas representando os valores exigíveis para que o dano seja, de fato, reparado.
Não se pretende, através da confirmação de um dano moral ambiental, arrebatar grandes fortunas para o aparelho do Estado, tampouco sancionar penas que levem à falência ou desastre aqueles cujas condutas interfiram negativamente no meio ambiente. O que se pretende, e se espera, é que haja uma conscientização ecológica, como forma de minimizar os danos causados e de se alcançar uma vida digna, tanto no presente quanto no porvir.
A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima. Não se trata de um valor que se submete ao livre talante do julgador, sem quaisquer critérios. Até porque deve o juiz, consoante o disposto no art. 458 do CPC, fundamentar, na sentença, a sua decisão.
O que se almeja com a indenização, de fato é o restabelecimento do equilíbrio no mundo fático rompido pelas conseqüências da ação lesiva.
É notória a dificuldade de se fixar o quantum indenizatório, pois é difícil mensurar a lesão a bens imateriais, visto que cada pessoa sente diferentemente do outro, o que não significa dizer que o quantum indenizatório atribuído a uma pessoa rica deva ser maior ao dado a uma pessoa pobre. O esperado é que o dano moral seja reparado na proporção da lesão provocada, sendo justo que um dano mais lesivo seja reparado com mais gravosidade, cujo montante, também, deverá ser delimitado pelo grau de culpa do responsável pela conduta nociva.
Além disto, o dano moral não pode ficar sem reparação sob a alegação que não pode ser valorado e, neste particular, o professor Moacir Luiz Gusso (2001) elucida:
Não se exige uma exata e eqüitativa reparação, mas que simplesmente pareça justa e razoável para cada caso. O problema da dificuldade na determinação do quantum debeatur não poderá vulnerar o direito em si, existente e indenizável.
Por essa razão, o julgador não poderá deixar de ordenar a indenização do dano moral, tampouco basear tal diligência na dificuldade de auferir o quantum indenizável. Caso fosse permitida tal conduta jurisdicional, findava-se, premiando o ofensor, que, nessa relação jurídica fático-processual, não é personalidade digna de galardões e aplausos.
A própria Constituição, em seu art. 225, § 2°, impõe a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado àquele que explore recursos minerais. Em tais casos não é satisfatória a simples indenização monetária do dano, sendo exeqüível sua recomposição, de acordo com a solução técnica determinada pelo órgão público competente. Para isso, pressupõe que haja um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório (RIMA) cuja finalidade, dentre outras, é traçar previamente a solução técnica adequada à recomposição do ambiente impactado.
Edis Milaré (2004), delineando ensinamentos acerca do exposto, conclui que nem sempre é possível, no atual estágio de conhecimento humano, o cálculo da totalidade do dano ambiental e de sua compensação. Além disso, atribui a complexidade do fato à própria afirmação do dano moral coletivo, a ser auferido em conjunto com os danos patrimoniais também difusos:
Cabe perguntar: quanto vale, em parâmetros econômicos, uma espécie que desapareceu? Tal situação, que nunca foi das mais simples, tornou-se ainda mais complexa com o advento da Lei n. 8.884/94 que, em seu art. 88, alterou o caput, do art. 1º, da Lei n. 7.347/85, ensejando que também os danos morais coletivos sejam objeto das ações de responsabilidade civil em matéria de tutela de interesses transindividuais. Sem dúvida, essa possível cumulação dos danos de ordem moral e patrimonial originários do mesmo fato torna mais difícil ou até improvável uma avaliação criteriosa.
Reitera-se que, ainda, a melhor forma de quantificar o dano é tê-lo em sua menor expressão possível, o que apenas se viabiliza através da utilização de meios e métodos de conscientização coletiva, ou seja, da preservação ambiental. É a educação ambiental atuando com a responsabilidade de gerar sujeitos ecológicos para garantir a sobrevivência humana. Em acertada posição sobre o assunto, a docente Isabel Cristina de Moura Carvalho (2004), afirma:
Quando se questiona as matérias de Educação Ambiental, na realidade, se procura tratar de um combate ao mesmo tempo interno e externo, no qual à reorganização das áreas e das formas de relacionar os conhecimentos corresponde a reestruturação de nossa própria maneira de conhecer e nos posicionar perante o conhecimento, desfazendo-nos dos condicionamentos históricos que nos constituem.
A crise ambiental, de certa forma, alimenta esses questionamentos epistemológicos e desacomoda os modos já aprendidos de pensar da racionalidade moderna, ao expor a insuficiência dos saberes disciplinar e reivindicar novas aproximações para que se compreenda a complexidade das inter-relações na base dos problemas ecológicos.
Em virtude da crise ambiental que já se afigura, não restam dúvidas de que a preservação é indispensável. Todavia, efetivado o dano ambiental, há que ser considerado, na esfera difusa de interesses, o custo necessário para perfeita recomposição do ambiente afetado.
Do exposto, é solar o seguinte remate: Não se deve apenas olhar para a vegetação, as árvores derrubadas ou que sofreram queimadas. Não se pode atentar apenas para a fauna, a flora, as águas, o ar e as áreas de proteção. Faz-se imperioso considerar não apenas o fato em si como também o tempo ao longo do qual a população esteve tolhida da fruição do meio ambiente sadio e equilibrado.
Nesse diapasão, entende-se que, no instante de se apurar as conseqüências de um determinado dano ambiental, é imprescindível a averiguação da importância daquele bem para a comunidade circunvizinha. Uma vez analisados o tempo em que esteve indisponível e a importância do patrimônio ambiental afetado, poderão ser ponderados os impactos de tal devastação sobre a população – o dano moral ambiental.
4.2 A Afirmação do Dano Moral Ambiental
A pretensão do presente trabalho deságua na prova da existência de um dano superior, um dano maior, alheio à questão da pura devastação de um bem, cuja existência atinge aos titulares dos direitos difusos por excelência, quais sejamos todos nós.
Afirmar este Dano Moral Ambiental, a princípio, parece tarefa complexa porque muitos estudiosos e notadamente aqueles que lidam com o direito ambiental, na maioria das vezes, calam-se diante de sua existência. Não obstante tal assertiva, nos parece certo que a doutrina e jurisprudência começam a mover-se em direção oposta à inércia. Muitos são os julgados, nacionais e internacionais, que têm sido decididos com fulcro na existência do supracitado dano (VIDE ANEXOS). São novas perspectivas que surgem como forma de acompanhar o desenvolvimento social sem desatender aos preceitos constitucionalmente formulados. Em explanação acerca do tema, Delgado (2006):
As atividades das indústrias criadas afetaram o direito de gozo pelas populações das condições benéficas dos fatores da natureza à saúde e ao bem-estar do homem. Esse direito, difuso por excelência, haja vista atuar em campo de expansão da individualidade, despertou a necessidade de ser amplamente protegido. A ciência jurídica, consciente dessa realidade, tem estabelecido regras para impedir a lesão ao meio ambiente, bem como, impondo responsabilidade civil a quem for autor do dano, quer de natureza material, quer de natureza moral. Idem responsabilidade administrativa e responsabilidade penal.
É óbvia a necessidade de se considerar, especificamente, tais lesões e as condutas danosas a elas correlatas, mas não é interessante que o jurista, seja o doutrinador, seja o próprio magistrado, concentre seu olhar apenas a elas, encerradas di per si. Tais lesões devem ser observadas em razão do próprio homem, posto que, ao atingir uma espécie, um local de proteção ambiental ou qualquer outro componente da teia ambiental, as conseqüências dessas atitudes, irremediavelmente, terminam repercutindo na órbita dos seres humanos, sutil ou catastroficamente. Eis o que a doutrina tem apontado como regra, em consonância a uma visão antropocêntrica.
Dimensionar os efeitos causados por um dano ambiental é praticamente impossível, posto que os resultados mediatos e imediatos sejam imensuráveis. É possível que se visualizem algumas de suas expressões, mas é pouco provável que se descubra uma fórmula perfeita a abranger todo o núcleo ecologicamente atingido. Segundo Freitas (2003):
A lesão ao meio ambiente é totalmente diversa de um dano comum. Realmente, a idéia de dano vem sempre ligada à de prejuízo, e nos exemplos clássicos ele é facilmente quantificável. Um muro destruído, um automóvel abalroado, até mesmo uma lesão corporal pode ser calculada sem dificuldades. Porém, tudo se torna muito mais complexo quando a tarefa é estimar prejuízo ao meio ambiente.
Apesar da dificuldade, é necessário quantificar o dano decorrente da conduta agressiva. Na ótica da apreciação da responsabilidade dos causadores da degradação ambiental, o prejuízo social subjetivo causado aos titulares deste interesse, difuso por excelência, deverá ser auferido sempre em proporcionalidade à lesão ocorrida, ao tempo de sua ocorrência e aos impactos promovidos em cada indivíduo prejudicado.
Não se pode permitir que a atividade nefasta, insana e inconseqüente de alguns, guiados por interesses evidentemente econômicos, retire de toda uma população o direito de pleno gozo e usufruto dos bens que lhes foram naturalmente disponibilizados. Isso posto, considera-se justa e necessária a determinação do preço a ser imputado àquele que cometera a conduta (ação/omissão), verdadeiro crime ambiental.
Ora, em um Estado Democrático de Direito, legalmente, os homens devem ser livres, agindo e direcionando seus comportamentos para as finalidades que mais lhes aprouver. Contudo, a manifestação de tal liberdade deverá ser freada ante aos direitos de outros também serem livres. Há, e importante que assim seja, limites à liberdade humana. Uma vez extrapolados tais limites, cogita-se a responsabilidade do sujeito do dano, a quem será imposta uma sanção legal. A liberdade existe, mas, para as manifestações notadamente irresponsáveis, é estabelecido um justo preço.
Por isso é que, além da simples recuperação do local degradado, é importante o cômputo dos impactos provocados junto à população. São tremendas as conseqüências que surgem quando se privam os homens do saudável usufruto de um determinado bem. Esta privação, fruto de conduta humana ilícita, retira da humanidade mais do que patrimônios universais; retira saúde e qualidade de vida; Mitiga o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por tudo isso, o degradador deverá ser responsabilizado.
Em nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal assevera como princípio basilar, fundamento de nosso Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana. O art. 225 de nossa Lex Legum, conforme visto expõe que o meio ambiente equilibrado é um bem, um patrimônio de todos nós, de uso comum e que, portanto, deve ser preservado. Assim, se estivermos a perder a possibilidade do uso deste patrimônio, por ato de agente degradador, é mister que este, independentemente de culpa ou dolo, deva arcar com tal prejuízo.
A impossibilidade de reposição não isenta o agente do dever de indenizar, seja em espécie ou através de pecúnia, recuperando, a exemplo, um espaço degradado, ou outro qualquer que careça de recuperação.
Na saga por subsídios para a comprovação deste dano ora analisado, ressaltou-se uma brilhante discussão encerrada nas vias administrativas do Ministério Público paulista, contexto no qual Hugo Nigro Mazzilli (2000) se pronunciou:
Entretanto, mesmo que esteja havendo recuperação natural do meio ambiente degradado, houve violação do Direito, suscetível de indenização. Assim como a natureza se encarrega de reparar as pequenas lesões corporais, também os pequenos danos ambientais, ainda que passíveis de recuperação espontânea pela natureza, nem por isso deixam de ser violações indenizáveis - e o produto da indenização deve reverter para o Fundo de que cuida o art. 13 da Lei n. 7.347/85.
Assim como no direito penal, no direito ambiental é necessário construir uma teoria de prevenção geral positiva que busque desenvolver a confiança do cidadão nas normas concretas: é uma teoria de prevenção geral (trata da população como um todo) e é positiva, porque não é dissuasória (negativa) e sim meta positiva, ou seja, a construção de uma consciência de normas - no sentido de preservação do habitat do ser humano, não só para a atual como especialmente para as futuras gerações.
Torna-se, pois, imperioso não apenas reprimir; como dissuadir, com a certeza da aplicação da lei.
Nessa esteira, em artigo sobre o assunto, a professora Helita Barreira Custódio, ao analisar a tradicional classificação do dano ressarcível, asseverou que o dano ambiental, em virtude de suas peculiaridades, não se classifica nem como dano patrimonial (ou material), nem como dano não patrimonial (ou moral), sendo, na verdade, um tertium genus entre um e outro, caracterizando o que ela chamou de dano público ambiental ou dano biológico.
Apesar da propriedade de quem afirma, somos levados a discordar do entendimento da professora Barreira, por acreditarmos que há, sim, um dano moral ambiental, sem prejuízo de um outro dano de natureza material. Refutamos, pois, a visão deste dano como tertium genus, por não enxergarmos razoabilidade na argumentação.
O que existe, na verdade, é um dano moral coletivo, difuso por excelência, do qual se irradiam uma miríade de espécies. Dentre elas, destacamos o dano moral ambiental, que é, a um só tempo, englobador de pluriindividualidades e extrapatrimonial. Em brilhante exposição sobre o tema, o procurador do Ministério Público do Rio Grande do Norte, Xisto Tiago de Medeiros Neto (Neto, 2008) assevera:
O dano moral coletivo corresponde à lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados pela coletividade (considerada em seu todo ou em qualquer de suas expressões – grupos, classes ou categorias de pessoas), os quais possuem natureza extrapatrimonial, refletindo valores e bens fundamentais para a sociedade.
Por tudo isso, é evidente que se devem buscar meios reparatórios, configurando-se justa e leal a saga pela quantificação dos custos para a recomposição da lesão ambiental sofrida. Uma vez reparado o bem em níveis aceitáveis, sabe-se que o dano moral permanece, e há de ficar marcado indelevelmente na memória daqueles que por ele foram atingidos. Tal entendimento se coaduna às lições daqueles doutrinadores que afirmam a existência do dano moral coletivo e, consequentemente, do dano moral ambiental, que, de igual modo, atinge a honra das pessoas. No prefácio da obra capitaneada pela professora Maria Helena Diniz (2004), encontramos:
A honra – sentenciou ARIOSTO – está acima da vida. E a vida – pregou VIEIRA – é um bem imortal: a vida, por larga que sejam os dias contados; a fama, por mais que conte os anos e os séculos, nunca lhe há de achar conto, nem fim, porque os seus são eternos. A vida conserva-se em um só corpo, que é o próprio, o qual, por mais forte e robusto que seja; por fim se há de resolver em poucas cinzas: a fama vive nas almas, nos olhos, na boca de todos, lembrada nas memórias, falada nas línguas, escrita nos anais, esculpida nos mármores e repetida sonoramente sempre nos ecos e trombetas da mesma. Em suma, a morte mata, ou apressa o fim do que necessariamente há de morrer; a infâmia afronta, afeia, escurece e faz abominável a um ser imortal; menos cruel e mais piedosa se o puder matar.
É importante que se consigne uma distinção entre o dano moral individual e aquele provocado em níveis coletivos, sentido por todas as pessoas que vivem em plena interação com aquele meio ambiente, objeto da conduta danosa.
Já repousa tranqüila, na doutrina e jurisprudência, a existência do dano moral percebido pelo indivíduo. Hoje, este dano figura da práxis forense e ocupa lugar de notável foco midiático; Tempos atrás, fora combatido pela doutrina negativista absoluta, que não lhe reconhecia valor e a esta modalidade de dano cerrava os olhos. Tal doutrina, que preleciona a inexistência de reparação econômica aos danos morais, considera que o vexame, as inibições e qualquer espécie de dor sentida pelo ser humano, quando da lesão de um direito seu, são elementos insuscetíveis de serem pagos com o dinheiro. Seus teóricos afirmavam que apenas em uma visão grosseiramente materialista da vida se poderia ressarcir os danos não patrimoniais.
Houve progressão na mentalidade jurídico-doutrinária de forma que, na atualidade, as pretensões de danos morais são legalmente aceitas, estando consignadas, inclusive, em normas constitucionais. Pacificamente, doutrina e jurisprudência enxergam os danos morais no rol de direitos fundamentais do homem. Tê-Ios em comunhão com danos patrimoniais também é perfeitamente possível, fato já consolidado, inclusive com orientação do Superior Tribunal de Justiça através da Súmula nº. 37, que sintetiza o entendimento do Egrégio Tribunal através das palavras: “são cumuláveis indenizações por danos materiais e morais oriundas do mesmo fato”.
Ante o exposto, uma questão precisa ser esclarecida: o dano moral individual, não pode ser confundido com o dano moral ambiental, difuso por sua própria natureza. Nada impede que uma degradação ambiental ocasione um prejuízo moral para um indivíduo, mas isto não configura, necessariamente, um dano moral ambiental. A última hipótese só se torna evidente quando alcança, deleteriamente, um número indeterminado de pessoas, devendo ainda ser considerado o tempo de duração a que estiveram submetidas as pessoas e a importância do ambiente prejudicado para a vida daqueles que sintam lesionados.
Um exemplo mui didático e elucidativo sobre a grandiosidade do problema nos é fornecido pela estudiosa Daniela Rodrigueiro (2005) quando ela nos convida a imaginarmos uma restrita área de proteção ambiental, situada no interior de uma pequena propriedade rural, no perímetro urbano de uma cidade.
Esta área fora tida como reserva ambiental, porém, os proprietários daquelas terras continuam dedicando todo o cuidado necessário para a preservação do ambiente. Há espécies raras que ali se reproduzem, livres na natureza, animais, alguns deles ameaçados de extinção. É propriedade que vem passando de geração em geração, dentro do mesmo âmbito familiar, além de ser orgulho e ponto de referência da cidade que, com acesso francamente liberado tem o local como área comum, visitada e utilizada para passeios, caminhadas, enfim para sadia qualidade de vida.
Este local fora atingido por uma forte descarga de componentes químicos altamente tóxicos lançados por uma usina, na nascente de rio que deita seu caminho ao longo da área de preservação. A água, ora tóxica, fez com que peixes, animais e plantas perecessem; a alteração climática fora verificada e os animais desapareceram.
O agente degradador iniciou ainda a derrubada de algumas árvores ao redor da propriedade a fim de expandir seus negócios e, em seguida, ateou fogo que, inexoravelmente, atingiu a área de proteção ambiental e devastou-a por completo.
Não podemos negar o dano moral sentido por aquele senhor, proprietário da área que acabou por desenvolver um sentimento íntimo por aquele local, um local que lhe trazia um significado maior, um bem de família, ali destruído. Eis o dano moral individual, tradicionalmente celebrado por nossos tribunais.
Contudo, perguntamos: como ficam os sentimentos de toda a população daquela cidade, que notavelmente presenciou a agonia de animais, a morte dos peixes, a devastação total das árvores consumidas pelo fogo? Foge ao direito esta situação? Essa dor coletiva, de toda população, não há de se dizer em reparação? Um bem de uso comum, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, fora devastado, arrasado. Nenhum equivalente lhe será auferido?
Na busca pelas perguntas suscitadas pela autora, terminamos por concluir que, muito provavelmente, a população talvez não possua outro local para desfrutar da natureza, do bem estar, do bem viver. Por tudo isso, esta subtração há de ser quantificada e nas palavras de Leite (2000):
Assim como o dano moral individual, também o coletivo é passível de reparação. Isso pode ser depreendido do próprio texto constitucional, no qual não se faz qualquer espécie de restrição que leve à conclusão de que somente a lesão ao patrimônio moral do indivíduo isoladamente considerado é que seria passível de ser reparado. Além disso, a legislação ordinária vem dando mostras de que a mens legislatoris foi exatamente dar ao disposto nos incisos V e X, do art. 5°, da Lei Maior, a abrangência mais ampla possível, alcançando, inclusive, o dano moral causado à coletividade ou a certos grupos de indivíduos.
Por essa razão, o dano moral ambiental configura-se como difuso. A conduta ilícita alcança um número indeterminado de pessoas e o sofrimento provocado pela degradação perturba a todos eles, que ficarão privados da utilização daqueles bens naturalmente seus, por um tempo determinado ou ad infinitum.
Deverá o degradador indenizar os danos patrimoniais expurgados ao meio ambiente, em simultaneidade à compensação do dano extrapatrimonial: difuso, englobador, moral e ambiental. Sampaio (2004) assevera que esta faceta do dano ambiental decorre de danos sociais e, assim, os qualifica:
Estes danos devem estar consubstanciados no tempo durante o qual a sociedade fica privada da fruição dos recursos naturais lesados e das circunstâncias benéficas que tais recursos, em conjunto com os demais, lhe proporcionavam. A condenação imposta ao causador de danos ambientais pode determinar, portanto, que seja paga indenização pelos referidos danos sociais. A Constituição Federal assegura a todos o direito a meio ambiente ecologicamente equilibrado, de forma que aquilo a afetar tal equilíbrio, vulnera direito difuso constitucionalmente consagrado, impondo-se que seja o causador do dano obrigado a reconstituir o equilíbrio antes existe, in natura ou mediante o pagamento de indenização, além de ser ele obrigado a prestar indenização à coletividade pelo tempo durante o qual houver que suportar o desequilíbrio ecológico e todos os prejuízo que isso representa.
Conforme supracitado, ao degradador deverá caber algo mais, além da mera obrigação em buscar o retorno àquilo que existia antes da ocorrência do dano. Não importa apenas que busque o status quo ante, que, via de regra, é quase impossível de se alcançar; é preciso que ele assuma as conseqüências decorrentes de suas atitudes ilícitas e danosas. Em virtude de ter agido irresponsável ou maliciosamente, deverá repor as perdas coletivamente sofridas. O sujeito ativo do dano, em que pese a liberdade de suas ações, deverá responder pelos prejuízos causados à natureza e à coletividade. De acordo com as escorreitas palavras de José Rubens Morato Leite (2000), tem-se:
A dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao sentimento moral individual, mas não propriamente este, posto que concerne a um bem ambiental, indivisível, de interesse comum solidário e relativo a um direito fundamental de toda coletividade.
Trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, concomitantemente, a outros valores inter-relacionados como a saúde e a qualidade de vida. A dor, referida ao dano extrapatrimonial ambiental, é predominantemente objetiva, pois se procura proteger o bem ambiental em si (interesse objetivo) e não O interesse particular subjetivo. Outrossim refere-se, concomitantemente, a um interesse comum de uma personalidade em sua caracterização coletiva .
Parece imperioso mencionar que não poderemos confundir o dano ambiental patrimonial com o dano moral ambiental. De acordo com Rodrigueiro (2005), as repercussões físicas nos bens ambientais, a destruição de uma mata, o desaparecer de uma espécie e até mesmo as repercussões sobre os indivíduos decorrentes da degradação ambiental, isto tudo, é dano patrimonial – sensível e palpável, que, obviamente, deverão ser indenizados.
Todavia, sob outro prisma, há de ser considerado o dano moral exsurgido do ato ilícito. Ele se faz sentir através de duas vertentes: a primeira delas se manifesta através da dor coletiva, do sentimento de angústia, da comoção em virtude da degradação. A segunda reside na privação da população da possibilidade de fruição e gozo de um patrimônio natural ecologicamente equilibrado - fonte de vida e bem de uso comum do povo. Eis o que defendemos como dano moral ambiental, deveras passivo de indenização, em cuja tutela tem-se ocupado Ministério Público e Jurisprudências, nacional e internacionalmente (VIDE ANEXOS).
Paccagnella (2004), em artigo publicado sobre o tema, aponta critérios existentes para reparação do dano moral ambiental, e de forma sublime e escorreita analisa:
Ademais, anoto que a reparação do dano moral ambiental é autônoma, em relação à reparação do patrimônio ambiental. Ainda que o dano patrimonial seja reparado por indenização (no todo ou em parte, por irreversibilidade técnica da degradação), outra indenização será devida pelo dano moral ambiental. A avaliação econômica do dano moral ambiental, tal como se dá no dano moral individual, deve ser feita por arbitramento. Primeiro pelo autor, na inicial. Afinal, pelo juiz, na sentença.
Aliás, vale lembrar que se dificuldades existem para o arbitramento do dano moral ambiental, elas são semelhantes àquelas referentes ao dano moral individual. Nem por isso a criatividade da jurisprudência deixou sem solução os casos concretos, no âmbito individual.
Para o arbitramento de valor ao dano moral individual, a jurisprudência construiu uma combinação de critérios, a saber: intensidade da culpa ou dolo; extensão do prejuízo; capacidade econômica e cultural do responsável; necessidade de ser desestimulada a reiteração da ilicitude.
Não há razão para maiores inovações dessa consolidada construção, no âmbito do dano moral ambiental. Cabe ao operador do Direito, portanto, sopesar no caso concreto: a intensidade da responsabilidade pela ação ou omissão, inclusive pelo exame do proveito do agente com a degradação; a condição econômica e cultural do degradador; valor suficiente para prevenção de futuros danos ambientais.
De igual modo, o mestre Américo Luiz Martins da Silva (2006) reitera que o requisito da existência do dano moral ambiental difuso é, justamente, a existência da comoção popular localizada ou identificável, bem como da ofensa ao sentimento coletivo causada pela agressão ao meio ambiente. O autor ressalta, ainda:
Outrossim, a unanimidade ou do grupo social não é condição sine qua non para a caracterização do dano moral ambiental difuso ou coletivo; basta, pois, que a agressão ambiental provoque sentimento negativo disperso em considerável número de pessoas.
4.3 A Normatividade do Dano Moral Ambiental
A Lei de Ação Civil Pública, delimitando seu objeto de tutela, assegura proteção jurisdicional ao meio ambiente, aos consumidores, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, às infrações de ordem econômica e à qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Esta espécie normativa apenas principiou na defesa de um dano moral ambiental quando da publicação da Lei Antitruste (Lei 8.884/94), que alterou o art. 1º daquela, inovando em nosso ordenamento jurídico e aproximando-o com as doutrinas mais modernas, no Direito Comparado.
Tem-se que o dano moral é algo intrínseco à pessoa, sujeito de deveres e direitos. Sendo pessoas, possuem emoção, de modo que a tutela dessa moral ambiental passa pela defesa desses sentimentos. O dano moral ambiental não é palpável, mas existe dentro de cada um de nós, podendo crescer a ponto de causar comoção social, fruto do desgaste emocional advindo dos desastres ecológicos.
No instante de prolatar a decisão judicial, deverá o magistrado valer-se de critérios de eqüidade, tal qual ocorre nos chamados danos morais individuais. Caso a caso, deverá este dano ser objeto da tutela inicial e, ao final, arbitrado pelo Poder Judiciário, em uma efetiva compensação pelo prejuízo sofrido. Os recursos com ele auferidos devem ser destinados ao fundo de reparação, previsto na Lei de Ação Civil Pública, de forma que, nesta matéria, é tal a lição de Sampaio (2004):
Se a recomposição integral do equilíbrio ecológico, com a recomposição da situação anterior ao dano, depender, pelas leis da natureza, de lapso de tempo prolongado, a coletividade tem direito subjetivo a ser indenizada pelo período que mediar entre a ocorrência do dano e a integral reposição da situação anterior de equilíbrio ecológico e fruição do bem ambiental atingido.
É cediço que qualquer desastre ou acidente ambiental pode resultar em dano moral às sociedades, sendo certo que o degradador, além de ser obrigado a reconstituir o bem, in natura ou de forma indenizatória, também deverá arcar com este dano que a população fora obrigada a suportar.
Já se tem visto na doutrina que cuida do dano moral o reconhecimento dessa violação à coletividade. Preleciona Yussef Cahali (2005) que o dano moral já vem se afastando apenas daquele sentimento exclusivo de dor interior para encontrar outras realidades. O dano moral ambiental, nos moldes ora definidos, é composto tanto da dor moral, do sentimento de abalo causado à toda população, como também daquela situação na qual a coletividade fica privada da fruição do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Sobre tal entendimento, se manifesta Cahali (2005):
(...) esvaindo-se paulatinamente o dano moral, na sua versão mais atualizada, de seus contingentes exclusivamente subjetivos de dor, sofrimento, angústia, para projetar objetivamente os seus efeitos de modo a compreender também as lesões à honorabilidade, ao respeito à consideração e ao apreço social, ao prestígio e à credibilidade nas relações jurídicas do cotidiano, de modo a afirma-se a indenizabilidade dos danos morais infligidos às pessoas jurídicas ou coletivas, já se caminha com fácil trânsito, para o reconhecimento da existência de danos morais reparáveis.
Discorrendo sobre o assunto, José Rubens Morato Leite (2000), após afirmar a existência deste dano, a que denomina dano extrapatrimonial, assevera que eles não repercutem apenas na esfera íntima das pessoas, extrapolando tal órbita até alcançar a relação destas pessoas com o meio em que vivem:
Isto é, aquele que atinge valores imateriais da pessoa ou da coletividade, como, por exemplo, ao degradar o meio ambiente ecologicamente equilibrado ou a qualidade de vida, como um direito intergeracional, fundamental e intercomunitário.
Por atingir a coletividade, alguns diplomas legais genéricos - de eficácia social - dentre os quais se pode destacar o Código de Defesa do Consumidor, ao tratar dos direitos dos consumidores, lhes assegura a indenização por danos materialmente e moralmente sofridos.
Destarte, o Código de Defesa do Consumidor dispõe, expressamente, acerca da possibilidade de indenização por danos morais e, ao final, assevera sua aplicabilidade a todos os interesses difusos e coletivos. Faz-nos concluir pela existência expressa e legal no sentido da reparação dos danos morais ambientais. Ou seja, através de um processo de Hermenêutica sistemática, atesta-se a possibilidade do dano moral ambiental, fato já estampado por Mazzilli (2000):
Segundo o art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que a propósito não apresenta rol taxativo, são direitos básicos do consumidor: g) o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou à reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.
Reitere-se nossa Carta maior, em seu art. 225, quando trata da temática ambiental e em seu art. 1º, ao mensurar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana para nosso ordenamento jurídico. Constitucionalmente, foi aberto um espaço para a discussão e tutela dos danos morais ambientais, todavia, além desses dispositivos, tal possibilidade pode também ser auferida na análise da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, que apesar de serem espécies normativas extravagantes, proporciona e mantém a tutela do dano citado alhures.
Interna corporis, a esse respeito firmou entendimento o Ministério Público paulista. Súmula nº. 3:
O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública visando à contrapropaganda e a responsabilidade por danos morais difusos.
Fundamento: A contrapropaganda é uma das medidas que o Código de Defesa do Consumidor coloca à disposição dos legitimados à defesa de interesses difusos, para o combate da publicidade enganosa ou abusiva (art. 60). Tratando-se conceitualmente de defesa de interesses difusos, incontestável a legitimidade do Ministério Público para propor a ação coletiva de que cuida o Código do Consumidor (ou a ação civil pública, na terminologia da Lei /l. 7.347/ 85), com o objetivo de obter contrapropaganda, quando necessário; igualmente, também inequívoca sua legitimidade para promover a responsabilização dos eventuais causadores de danos morais difusos.
Consoante os ensinamentos do ministro Delgado (2006), a interpretação da legislação aplicada à responsabilidade civil por dano ambiental tem merecido estudos freqüentes dos doutrinadores, tendo em vista os seus reflexos no patrimônio do poluidor e a necessidade da criação de mecanismos que contribuam para diminuir a sua prática.
Nesse ínterim, dentre aqueles que têm demonstrado interesse com a interpretação das regras voltadas para a responsabilidade civil por dano ambiental, é possível destacamos, Bruno Torquato de Oliveira Naves, que em artigo sobre a interpretação da responsabilidade civil por dano ambiental, lança idéias dignas de serem conhecidas na íntegra:
A adoção da teoria objetiva no Direito Ambiental não fez com que a aplicação da responsabilização civil nesse ramo fosse compreendida. Muito se evoluiu na busca da reparação do bem ambiental lesado, mas ainda estamos longe de atingir a reparação integral e muito disso se deve a má interpretação da responsabilidade civil dentro do contexto do Direito Ambiental.
Uma das principais formas de expressão do Direito são os princípios, que informam todo o sistema jurídico, direcionando interpretações corretas e constituindo-se das aspirações de uma determinada sociedade.
A leitura da teoria da responsabilidade civil deve ser conjugada com os princípios de Direito Ambiental, sobrelevando o interesse coletivo frente a interesses econômicos particulares, buscando a mais completa reparação do ambiente degradado.
Aplicar indenização pecuniária como forma de responsabilizar aquele que provocou o dano ambiental deve ser meio subsidiário de responsabilização. A forma primeira deve ser a recuperação do meio ambiente e só na impossibilidade desta reparação deve o agente indenizar a coletividade.
Assim, deve-se entender o Princípio poluidor-pagador como comando que traz ao poluidor a obrigação de reparar o dano causado por sua conduta, 'saldando' sua dívida para com a sociedade e restituindo o ambiente a seu estado anterior. Deve-se abandonar a idéia de pagamento em dinheiro como forma principal de satisfação. A indenização em dinheiro deve ser subsidiária.
Também não se pode entender que o pagamento, isto é, a reparação ou indenização, torna legítima a atividade lesiva, pois sua finalidade é a punição do poluidor, desestimulando condutas danosas, e a reparação do ambiente degradado para menor prejuízo da coletividade. Assim, não cabe a afirmação 'poluo, mas pago', pois o caráter ilícito e reprovável permanece, devendo a sanção civil, a fim de evitar tal assertiva, estabelecer uma sensível punição, de forma a desestimular a conduta lesiva.
A responsabilidade civil no Direito Ambiental, diferentemente da responsabilidade do Direito Civil, não visa à satisfação de um particular, mas de grupos indeterminados de pessoas que dependem das condições naturais para sobrevivência. Isso sempre deve ser levado em consideração na responsabilização do poluidor. Trata-se de direito público, com caráter notadamente coletivo.
A responsabilidade civil por dano ambiental, como se infere do art. 14, § 1o, da Lei n° 6.938/81, é objetiva, isto é, não há que se provar culpa do poluidor. Para sua caracterização há que comprovar somente o evento danoso, a conduta lesiva e o nexo causal entre o dano e a conduta do poluidor.
Evento danoso é o fato que causou prejuízo ao meio ambiente. Exige-se que o prejuízo seja grave e não eventual, sendo esta uma noção temporal diferente da comum.
Assim é que a legislação nos apresenta contornos seguros e objetivos para o reconhecimento dos danos morais ambientais. A Lei de Ação Civil Pública, como principal instrumento, se ampara na Constituição Federal de 1988, seja por questões hierárquicas, seja pelo princípio da supremacia das normas constitucionais. Também, o dano que se traz à baila respalda-se em espécies normativas vigentes em sede de alguns de nossos órgãos públicos, bem como assenta seu fulcro no Código de Defesa do Consumidor, que sabemos ser uma importante ferramenta a favor de defesa dos interesses metaindividuais. Está engendrada a normatividade do dano moral ambiental, conquanto tenhamos de concordar com os estudiosos Antônio José Teixeira Guerra e Sandra Baptista da Cunha (2006), no instante em que ponderam que:
Na realidade o que se verifica é que o encontro entre as ciências jurídicas e as ciências ambientais ainda não produziu um quadro teórico-conceitual nitidamente capaz de abarcar a complexidade que envolve o dano ambiental. No entanto, o desafio continua frente às demandas de correta caracterização, mensuração e valoração dos danos ambientais, imprescindíveis para a reparação do bem lesado ou indenização.
CONCLUSÕES
De todo o exposto, podemos concluir, nos tempos hodiernos, do surgimento de uma nova matéria no panorama da Ciência do Direito, exsurgida sob a rubrica Direito Ambiental. Muito embora, avolume-se a importância da matéria ambiental no mundo jurídico, a escassez de livros, artigos e demais produções acadêmicas, sobretudo no que concerne ao dano moral ambiental, componente dessa seara jurídica, foi uma barreira que enfrentamos, a ponto de impossibilitar a elaboração do presente trabalho em níveis mais ambiciosos.
O direito ambiental revestiu-se de autonomia, de modo tal que lhe é assegurada uma categoria peculiar, que não se confunde nem com o direito público tampouco com o privado. A doutrina tem-na incluindo, juntamente a outras matérias, em uma terceira categoria de interesses protegidos, intitulados direitos coletivos lato sensu.
Modus in rebus, fiel aos lineamentos traçados ao longo desta monografia, julgamos que a dignidade humana figura como razão de toda a tutela ambiental, além de ocupar papel basilar em nossa República Federativa. Não restam dúvidas de que o meio ambiente é um direito fundamental de todos nós, cuja enfribatura repousa sob o manto constitucional do art. 225 da CF/1988.
Pelo que se viu, a preservação é a única forma de evitarmos o perecer da nossa espécie, razão porque o meio ambiente deve ser protegido; pelo homem e para o homem, eis a visão antropocêntrica da finalidade do direito ambiental. Há, não se pode deixar de reconhecer, um movimento doutrinário voltado, de modo preponderante, para a defesa da responsabilidade civil por danos morais ambientais. Resta saber se tal movimento se embasa em princípios sustentáveis ou meramente econômico-antropocêntricos
A jurisprudência divide-se. A análise das decisões arroladas nos anexos vindouros revela que são dúbios os posicionamentos adotados, o que nos convence da necessidade de a convicção do julgador ser mais clara e vinculada ao verdadeiro alcance desse tipo de responsabilidade.
Aqueles que negam a possibilidade de alguém, pessoa jurídica ou física, responder, civilmente, por danos morais ambientais não alargam as suas concepções para que sejam discutidas as diretrizes científicas jurídicas do Direito Ambiental, ao passo que a outra parcela doutrinária labuta incansavelmente para desenvolver conceitos e tratados que proporcionem a reparação dos danos ambientais, morais ou patrimoniais.
Nas veredas da sustentabilidade, o meio ambiente e os recursos naturais por ele abarcados devem ser perenizados para as futuras gerações, o que somente se verificará quando se nivelar as tutelas preventivas à educação ambiental. Por mais midiática ou profética que pareça tal afirmação, há de se ressaltar que o futuro da humanidade está em risco. As atividades humanas carecem de um novo rumo, o qual não prescinde de um processo conscientização em nível mundial e que esteja calcado em substratos sólidos, eficazes e ambientalmente viáveis.
Sabemos, e não é de hoje, que os bens da natureza são finitos, ao passo que se revelam infinitas as necessidades humanas. A busca pela riqueza, pelo desenvolvimento - a ciência pela ciência - faz com que o meio ambiente seja constante e intoleravelmente agredido, comprometendo com isto a qualidade de vida das populações e a própria sobrevivência dos seres humanos. Nesse ínterim, é fulcral o papel desempenhado pela bioética, instrumento posto a favor da causa ambiental.
Acreditamos que a única forma de vivermos de forma saudável e perpetuando nossa espécie se dará somente através da educação ambiental amparada na conscientização coletiva da população, mas não podemos deixar de reconhecer a existência deste dano moral ambiental, que afeta o sentimento de todos, causando dor e revolta, além de privar-nos de uma vida digna. E não podemos deixar de questionar a ação devastadora daqueles que não vacilam na busca pelo avanço tecnológico irracional, pelo poder, por ostentações, por riquezas. Não devemos sucumbir frente a esta desenfreada corrida que está fulminando o nosso planeta e nossas perspectivas de melhores dias.
A forma repressiva, de fato, não é a mais adequada. A consciência através educação ambiental é a esperança da perpetuação do nosso planeta, o que se vislumbra para um futuro. Enquanto ela não surge, as indenizações tornam-se, inexoravelmente, imperiosas.
Depois do que se afirmou, na ocorrência de um desastre ecológico, imprescindível se faz a sua integral reparação, quer nos aspectos patrimoniais, quer naqueles não-patrimoniais, denominados pela sã doutrina como danos morais. Ocorre, e na atualidade mais do que noutrora, que algumas pessoas dirigem suas condutas de maneira irresponsável, cometendo atos que lesionam bastantes bens jurídicos alheios.
Graças aos estudos e teorias acerca da Responsabilidade Civil, entende-se, via de regra, que tais atos danosos precisam ser reparados pelos seus respectivos autores, como forma de penalizá-los e de se evitar a ocorrência de novos e semelhantes atos ilícitos. Com o meio ambiente não poderia ser diferente, posto que os danos ambientais, em sua grande maioria, prejudicam a um elevado número de indivíduos.
A verdade é que sem inicia por esses tempos um novo ciclo de debates e de investigações científicas sobre o Direito Ambiental. O Direito, pelos seus métodos de pesquisa e técnicas de imposição de princípios, há de abrir espaços, em todos os ângulos onde ele é estudado, para que o tema seja solucionado, sempre atento à garantia da dignidade humana e da valorização da cidadania.
A seu turno, essa monografia tem esta finalidade: reiterar a existência do dano moral e estampar a necessidade de aqueles exauridos contra o meio ambiente serem penalizados com maior gravosidade. Não se trata de capricho nem de idiossincrasias. É a perpetuação e sobrevivência da espécie humana (e de milhares outras) que está em jogo e o trabalho em comento preocupa-se de sinalizar que a questão de nossa sobrevivência não dispensa a alteração de valores e padrões comportamentais. Mudar é preciso.
Na ocasião do esclarecimento acerca do dano moral ambiental, cogitou-se duas situações originárias: Uma relaciona-se à dor, à comoção e aos demais sentimentos negativos estimulados nas pessoas, em face do acontecimento de um desastre ecológico. A outra diz respeito à privação sentida pelo ser humano em virtude da degradação ambiental, estando, pois, vinculada à impossibilidade do gozo e usufruto de locais saudáveis, ecologicamente equilibrados – infeliz prova do abrandamento da condição humana. Por tudo isso, concluímos pela necessidade de sanção diante destes fatos, como forma de reeducação ambiental, inclusive.
Vivemos em uma sociedade consumista e degradadora. Essa sociedade, que alguns consideram banalizadora, reverencia parâmetros comportamentais deturpados. Em virtude de ideologias nefastas e capitalistas, ela acaba incentivando e legitimando atitudes totalmente desvencilhadas da questão ambiental e do que é defendido em matéria de sustentabilidade.
Em tempos de banalização, até mesmo o âmbito jurisdicional vem se prejudicando. Matérias do porte do dano moral, por exemplo, vêm sendo cada vez mais marginalizadas por parte da Justiça brasileira. Muitos são os casos de sentenças prolatadas em desfavor daqueles que alegam ter sofrido um dano de natureza moral, psíquica e, quiçá espiritual. É como se houvesse um cartel jurisdicional que indefere, algumas vezes de maneira vexatória, a pretensão das pessoas que se sentem lesadas verem reparados os incômodos causados por outrem.
Tem-se falado bastante em meio ambiente. Temas como desenvolvimento sustentável, ecologia, gestão ambiental e outros congêneres têm sido cada vez mais focalizados no panteão midiático. Tal assertiva, muito embora soe agradável em um primeiro instante, evidencia uma possível vulgarização da questão ambiental.
O que se verifica na realidade é uma enxurrada de propostas ecológicas e raríssimas ações; muito se fala e pouco se faz. Isto, de certo modo, pode resultar numa aquiescência social, que, ao passo que deixa inerte a quase-totalidade do mundo, em nada contribui para a resolução da crise ambiental que ora se enfrenta. Além disso, a omissão de certas autoridades públicas termina fomentando a negligência do resto da sociedade que, inconscientemente, optam pela ideologia do “ao Deus-dará”.
Destarte, por ser incerto o instante que vivemos, sobretudo em matéria de dano moral, nos prontificamos a escrever as presentes linhas a fim de hastear a bandeira pela tutela deste dano, inclusive em nível ambiental.
Vivemos dias em que se tornou muito normal poluir o ambiente e degradar a natureza. Em alguns casos, a própria Justiça e inclusive nós mesmos, componentes da sociedade civil, colaboramos com o gravame de tal situação. Essa falta de zelo com o meio ambiente, aglutinada à prática reiterada de certas condutas ofensivas, motivam-nos, constantemente, a questionar os modelos vigentes e a reciclar, sempre que possível, determinadas atitude e modos de pensar mesmo. Dessa preocupação com o tema resultou o trabalho que ora se encerra.
É evidente a amplitude do espectro através do que meio ambiente pode ser analisado. O meio ambiente, ao menos nos níveis conceituais ora defendidos, possui vários aspectos, dentre os quais o natural se mostra como mais imperioso, razão porque fundamenta todos os demais. Deve ser preservado com a finalidade de proporcionar à espécie humana uma vida digna, salutar e prazerosa. Uma vez agredido, deverá ser reparado, tanto na esfera patrimonial quanto na seara extrapatrimonial, onde se faz sentir o dano moral coletivo, ora denominado dano moral ambiental.
Sabemos que o meio ambiente, seus bens e recursos não têm preço. Uma vez danificados, torna imperiosa a sanção aplicável ao ente poluidor, que pode ser tanto pessoa física quanto jurídica. Conforme visto, tal sanção poderá ser em dinheiro ou em espécie, devendo, nesse caso, o degradador ser condenado a recuperar um outro local agredido, como forma de devolver, em dobro, o ambiente salutar que retirou da humanidade.
A afirmação de um dano moral ambiental se presta a isto: tornar maiores as penalidades e sanções impostas ao degradador, para frear a degradação ambiental e fazer valer nosso direito a um meio ambiente equilibrado. Seria, pois, uma ferramenta do judiciário a ser utilizada no instante da quantificação da pena; é instrumento cuja existência não pode escapar da sensibilidade dos juristas e, principalmente, dos magistrados.
É justamente este o mérito do trabalho. Por se tratar de tema pouco comum ao nosso dia-a-dia, a presente monografia traz à baila a importância da defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, inclusive pela via judicial. Embora simplória e amparada em princípios quase inatos ao nosso intelecto, serve para mostrar ao mundo e a quem interessar que existem pessoas, ávidas por melhores dias, pelo futuro prometido, por um planeta mais humano. Enquanto uns usurpam maliciosamente aquilo que de mais sublime possuímos, o dom da vida, outros se preocupam em arranjar meios de mitigar os impactos de tais condutas, nas hipóteses de ser impossível o impedimento. Alguns, diante de nossos desejos e esperanças, talvez digam que não passa de sonho. Pois que seja sonho então. Acredito, muito, no futuro. Penso que, se podemos desejar, então podemos conseguir. E creio que nunca nos será concedido um desejo sem que também não nos sejam fornecidas as ferramentas necessárias para concretizá-lo.
Tenho sonhado com freqüência; porque acredito que, nos sonhos, conseguimos tudo o que desejamos, muito embora, diante da realidade, subsista um mundo incompleto, falho e desorganizado que nos angustia e atordoa. Costuma-se dizer que não vislumbramos aquilo que desconhecemos. Ou seja, não trabalhamos em cima do abstrato. Precisamos de um solo firme para caminhar, para que olhemos nossos passos marcados no caminho, como prova de que o esforço está sendo realizado na busca do objetivo – o final da estrada. Haverá cachoeiras? Campos verdejantes? Pomares frondosos? Não sei. Não sabemos.
Mas devemos caminhar com consciência e convicção de que é isso o que nos espera ao final da jornada. Devemos esperar sempre o melhor, e fazer por onde ele aconteça. Os sonhos... E para que servem, afinal? Eles, juntos com a esperança, são combustíveis para que esse caminho seja percorrido mais rápido. Portanto, nessa árdua batalha, fica o convite para acelerarmos o ritmo (com sabedoria e consciência), colocando combustível e acreditando na possibilidade de um futuro melhor.
Podemos, sim, viver melhores dias. Basta que sonhemos...
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Bacharel em Direito e mestre em Direito Constitucional, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Possui pós-graduação em Direito Público, tendo exercido o cargo de Assessor de Juiz Federal, com atuação na 2ª Vara Federal da Seccional do Rio Grande do Norte. Atuou como professor Acadêmico na UFRN durante os anos de 2009-2012, lecionando disciplinas como Direito Constitucional, Processo Penal e Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Tendo atuado como Consultor Jurídico do Tribunal de Contas entre os anos de 2012 e 2021, é atualmente Defensor Público do Estado do Rio Grande do Norte
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUDSON BARBALHO DO NASCIMENTO LEãO, . Apontamentos sobre dano moral ambiental no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46540/apontamentos-sobre-dano-moral-ambiental-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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