Resumo: O regime militar brasileiro revelou as maiores atrocidades que um governo é capaz de fazer para se manter no poder. Elas justificavam-se pela “ameaça comunista” e com a proximidade de seu término havia de surgir uma lei que apagasse toda a culpa envolvida pelos agentes do Estado na manutenção daquela situação. A lei de anistia surgiu daqueles que infringiam as normativas protetivas da dignidade da pessoa humana em todas suas esferas, para aqueles que realizam o mesmo que os primeiros, ou seja, surgiu de um grupo para sua própria proteção.
Introdução
Anistia é um termo advindo do grego (amnistia) que tem por significado esquecimento. Ela é um ato do poder legislativo pelo qual se extinguem as consequências de um fato concreto que, por definição, alimenta um significado punível de acordo com as normas de certo local. Sua convocação provoca um esquecimento – remetendo-se a origem etimológica e epistemológica de seu atual significado – das infrações cometidas, isto é, cria uma farsa, desconsiderando todas as condutas ilícitas como se nunca houvessem sido praticadas. Pode ainda ser considerada um perdão coletivo, suspendendo as perseguições e anulando condenações.
O processo de consolidação de uma norma que regulamenta acerca da anistia é sempre uma batalha travada durante os regimes ditatoriais, principalmente ao final deles, tendo em vista a busca de direitos humanos e reparação. No Brasil, o significado de anistia tornou-se, ao passar dos anos, equiparado ao de reparação – embora simbólica.
Durante o regime civil-militar brasileiro, o qual perdurou 24 anos, houve diversas violações de direitos humanos legitimadas pelos atos institucionais promulgados pelo governo, o que autorizou torturas, desaparecimentos, perseguições política, assassinatos e exílios em busca de manutenção de poder e eliminação daqueles que pensavam de forma distinta ao governo e seus apoiadores.
A Lei de anistia e a pseudovitória social
A lei de anistia (Lei 6.683/1979) promulgada no governo de Figueiredo após alguns anos de clamor social foi em um primeiro momento uma vitória para o governo e para a sociedade em geral, a qual conquistou uma parcialidade do requerimento, ou seja, a Lei de Anistia não era geral e irrestrita, mas limitada e desobrigando a apuração das responsabilidades e dos crimes cometidos pelo regime. Esse fato pode ser percebido avaliando a Lei 6683/1979, especificamente em seu primeiro artigo:
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado).
§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. (BRASIL. Lei 6683/79).
Isso significava que o Estado era quem estava sendo anistiado. Por um lado muitos puderam retornar ao país, retomar seus cargos, exercer o básico do direito à liberdade. Porém por outro, muitos continuavam desaparecidos e as famílias continuavam a travar uma batalha para que a Lei 6.683/1979 fosse alterada e que o termo “anistia” conquistasse seu significado atual. E conseguiram, em 2002.
A verdadeira vitória do povo
A partir de então, a ideia era que o cidadão não fosse apenas anistiado dos crimes políticos dos quais era acusado, mas reparado por todo o mal sofrido. Com isso, a Lei 10.559/2002 revogou diversos pontos da Lei de Anistia e passou a determinar maneiras de identificar um anistiado político.
Em seu capítulo II, a lei 10.559/2002 quando trata da condição de um anistiado político não faz nenhuma referência aos militares do antigo regime. Por consequência, traz à tona a possibilidade de uma retratação histórica dos crimes contra a humanidade cometidos nos períodos entre 18 de Setembro de 1946 até 05 de Outubro de 1988.
A Comissão Nacional da Verdade instaurada pela Lei 12.528/2011 busca trazer uma reparação histórica dos crimes cometidos durante o regime militar brasileiro, nela são determinadas multas do Estado para os cidadãos que foram contemplados pela lei anterior. A Comissão Nacional da verdade dispõe de mecanismos com:
A finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional. (BRASIL. Lei 12.528, caput Art. 1º).
Conclusões
O processo de movimentação popular pela Lei de Anistia e da própria promulgação desta pelo presidente Figueiredo em 1979 é considerado o início da democratização brasileira, pois ela busca retomar os direitos perdidos no tempo, como os direitos humanos, os quais eram brutalmente usurpados no período autoritário militar. Porém, ainda existem diversos problemas interpretativos da aplicabilidade da lei, no sentido que, O que é possível abarcar nessa lei? Os crimes cometidos pelos torturadores devem ser julgados? A Constituição de 1988 retroage às questões de tortura do regime militar?
Essas questões são motivos de batalhas desde decisões do Supremo Tribunal Federal, como por exemplo, o julgamento da ADPF 153 em que um pontos é exatamente:
3. O arguente alega ser notória a controvérsia constitucional a propósito do âmbito de aplicação da “Lei de Anistia”. Sustenta que “se trata de saber se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entre outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar” [fl. 04].
E que foi, infelizmente, considerada improcedente pelos ministros do STF até determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos como a consideração desta sendo favorável à condenação de praticantes de crimes de tortura, assassinatos e outros crimes políticos.
É extremamente complicado determinar qual o lado certo, pois essa discussão é, além de tudo, cheia de juízos de valor por se tratar de questões que revoltam a população como um todo. As violações de direitos humanos, o desaparecimento de pessoas como Honestino Guimarães são situações inconcebíveis para a mentalidade liberal que vem numa crescente desde antes do período entre 1964-1988.
A retomada de todas as questões que se referem aos crimes cometidos pelo Estado contra a população é de extrema valia, não só pelos antecedentes que servirão de base para novos julgamentos, mas pelo esclarecimento de situações maquiavélicas adotadas pelo Estado de exceção criado no regime sucessor ao governo de João Goulart.
Todas essas leis citadas são de suma importância para a democracia brasileira, além disso, as duas últimas são de grande valor para a reconciliação nacional, ou seja, o Estado admite que estava errado e que a população deve ser ressarcida de algum modo. Isso já é uma vitória da sociedade brasileira, porém nunca vai substituir o terror e a tristeza vivida por milhares de pessoas e seus familiares, mesmo que estas vejam a justiça sendo feita.
Referências Bibliográficas
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10559.htm#art22
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12528.htm
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf153.pdf
RIBEIRO, D. A Anistia Brasileira: antecedentes, limites e desdobramentos da ditadura civil-militar à democracia. 2012. 130 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2012.
ABRÃO, Paulo. Anistia e Reparação. 2010.
Estagiário em Escritório de Advocacia. Estudante do 7º semestre do curso regular de Direito da Universidade de Brasília - UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Bryan Douglas Souza. A Lei de Anistia e suas Consequências no período pós-regime militar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46563/a-lei-de-anistia-e-suas-consequencias-no-periodo-pos-regime-militar. Acesso em: 23 dez 2024.
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