RESUMO: O presente trabalho cuida de estudo sobre a aplicação do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial repetitivo em relação à ordem de citação nas execuções fiscais nos juízos e tribunais de primeiro grau, mormente no âmbito da Segunda Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária. Para tanto, foi feita uma análise a respeito da natureza jurídica das decisões emanadas por meio de recurso especial repetitivo e sua retroatividade em relação a princípios constitucionais assegurados
Palavras-chave: Citação. Execução Fiscal. Recurso Especial Repetitivo
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como escopo a investigação a respeito da citação no processo executivo fiscal e seus efeitos. Para tanto foi feito um estudo a respeito das modalidades citatórias (via correios, através de oficial de justiça e por edital), sua ordem e seus efeitos sobre a prescrição do crédito tributário.
O cerne da questão gira em torno de um pronunciamento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de recurso especial julgado pela sistemática prevista no art. 543-C do Código de Processo Civil (CPC) e posteriormente sumulado e sua aplicação às execuções fiscais já decididas em sede de primeiro grau a respeito da ordem citatória no procedimento executivo fiscal.
Para fins de solução da causa acima foi feita uma breve digressão a respeito da sistemática de julgamento de recursos repetitivos de controvérsia, seus efeitos e sua influência histórica do common law, utilizado no sistema inglês e americano de direito. Em adição, foi exposto alguns princípios constitucionais relacionados ao caso, mormente o da segurança jurídica, confiança e boa-fé processual para fins de suprir eventual lacuna sobre os efeitos e natureza das decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Discute-se também a aplicação de tais princípios em normas jurídicas emanadas pelos Tribunais Superiores de natureza geral e abstratas, com amplo alcance na sede de Juízes e Tribunais de Primeiro Grau.
Para ilustrar a presente obra foi feito um pequeno relato a respeito de processos executivos fiscais que correm perante a Segunda Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária da Comarca de Natal, mormente no que tange as teses utilizadas pelos advogados atuantes nesta Comarca, a defesa apresentada pela Fazenda Pública Estadual ao caso em questão e os efeitos sobre as partes das decisões emanadas por este Juízo.
2 DA CITAÇÃO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
Segundo lição de Fredie Didier (2014, p. 521) a citação é o ato processual de comunicação ao sujeito passivo da relação jurídica processual (réu ou interessado) de que em face dele foi proposta uma demanda, a fim de que possa, querendo, vir a defender-se ou a manifestar-se. Nesse sentido, possui dupla função: (i) convocar o réu a juízo e (ii) cientificar-lhe do teor da demanda formulada. Pode-se dizer, portanto, que a citação é condição de eficácia do processo em relação ao sujeito passivo, acarretando nulidade processual caso não observada.
Um dos efeitos da citação é a complementação da relação jurídica processual triangularizada. O art. 219 do Código de Processo Civil (CPC) traz ainda os seguintes efeitos: (i) litispendência; (ii) tornar litigiosa a coisa ou o direito objeto da demanda; (iii) interromperá a prescrição mesmo quando ordenada por juiz incompetente.
No processo civil, em regra a citação é feita pelo correio, mediante a entrega de correspondência ao citando, e não depende de requerimento da parte. Nesse sentido, o CPC traz as seguintes exceções: (i) ações de estado; (ii) quando for ré pessoa incapaz; (iii) quando for ré pessoa jurídica de direito público; (iv) nos processos de execução; (v) quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência; e (vi) quando o autor requerer de outra forma.
Na citação via correios é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos, segundo consta no art. 223 do Código de Processo Civil: (i) se fazer acompanhar de cópia da petição inicial; (ii) advertência do art. 285 do CPC, segunda parte, se o litígio versar sobre direitos disponíveis; (iv) indicação do prazo para a resposta; (v) indicação do juízo e cartório por onde tramita o processo; (vi) indicação do endereço do cartório.
Em regra, a citação deverá ser feita diretamente ao citando, se pessoa física, exigindo a assinatura do recibo. No caso de pessoa jurídica será feita a pessoa com poderes de gerência ou de administração exigindo, também a assinatura do recibo. De acordo com o enunciado nº 429 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, é necessário o aviso de recebimento (AR) e pode ser feita para qualquer comarca do país.
Outra modalidade de citação prevista no Código de Processo Civil (CPC) é a citação por mandado feita por meio do oficial de justiça. Nesse sentido, o oficial de justiça se encarrega de entregar ao sujeito passivo instrumento do ato do juiz (mandado).
Em prosseguimento, prevê o Código de Processo que o oficial de justiça, tendo procurado o réu por três vezes em dias distintos em dias distintos em seu domicílio ou residência sem encontrá-lo e havendo suspeita de ocultação do sujeito passivo, poderá fazer a citação em sua modalidade por mandado com hora certa (citação ficta ou presumida). É de se notar, no entanto, que tal modalidade é inadmissível no processo de execução por quantia certa, em razão do procedimento de pré-penhora previsto no art. 653 do Código de Processo Civil. Nessa linha o procedimento a ser adotado é o seguinte: o oficial de justiça intimará qualquer pessoa da família ou, em sua falta, vizinho que, no dia imediato, voltará a fim de efetuar a citação da hora que determinou. Na hipótese de desfazimento da suspeita procederá com a citação normal.
Outra hipótese de citação ficta é a realizada por edital. Nesse caso, esta será aplicada quando: (i) desconhecido o réu; (ii) quando incerto o réu; (iii) quando ignorado o lugar em que o réu se encontra; (iv) quando inacessível o lugar onde o réu se encontra; (v) nos casos expressos em lei. Se houver revelia, nomeia-se curador especial para promover a defesa do réu fictamente citado.
O ato citatório no procedimento executivo fiscal observa a regra enquadrada no art. 8º da Lei de Execução Fiscal (LEF), que firma a regra de citação feita pelos correios, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer de outro modo. É de se notar que, pela aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (CPC), no processo executivo fiscal a citação deverá observar o procedimento constante no art. 223 do Diploma Processual supracitado, que demanda ao escrivão ou chefe de secretaria a observância da juntada de cópias da petição inicial e do despacho do juiz, bem como a advertência quanto aos efeitos de revelia.
De acordo com o professor Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 78), ao contrário do que determina o Código Processual Civil, para o aperfeiçoamento da citação postal na execução fiscal não é necessário que o ofício seja entregue em mãos do executado; basta que a entrega se dê no seu endereço.
Nessa mesma linha é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que firmou orientação por ocasião do julgamento dos embargos de divergência em recurso especial nº 249771, no sentido de que “não são necessários poderes de representação da pessoa jurídica para recebimento da citação postal”.
Vale ressaltar, ainda quanto da citação via postal, que esta pode ser feita independentemente do domicílio do devedor, ou seja, pode a citação abarcar domiciliado em comarca diversa daquela onde esteja sendo desenvolvida a execução, com exceção do devedor que estiver no estrangeiro, sendo reservado, para este, a citação por edital.
Em adição, é de se notar que, diferente do procedimento comum previsto no Código de Processo Civil, em que entende aperfeiçoada a citação postal com a data da juntada do Aviso de Recebimento (AR) aos autos, na execução fiscal a citação postal será considerada realizada na data em que a correspondência for entregue ao executado, conforme recibo no AR. Se houver omissão, aplica-se a regra contida no art. 8º, inciso II da LEF, que demanda, para todos os efeitos, que a citação ocorreu no décimo dia após o registro da carta no correio. Sendo assim, o prazo de cinco dias, para pagar a dívida com os juros, multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa (CDA) ou para a garantia da execução para fins de oposição de embargos à execução, conta-se desta data e não da juntada de AR aos autos.
Nada obstante, em que pese o momento consumativo da citação ser relacionado à entrega da carta no endereço do devedor, a eficácia deste ato está submetida a sua comprovação nos autos, feita através da juntada do AR cumprido. Nesse sentido, de acordo com o inciso III do art. 8º, primeira parte, será considerada frustrada a citação postal, quando o aviso de recepção não retornar no prazo de quinze dias da entrega da carta à agência postal. Nessa conjuntura, afirma a parte final do artigo que a citação deve ser realizada pelo oficial de justiça ou por edital.
2.1 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS QUANTO À POSSIBILIDADE DE CITAÇÃO POR EDITAL APÓS A FRUSTRAÇÃO DA CITAÇÃO POSTAL
Eis a redação do art. 8º, inciso III da Lei de Execuções Fiscais:
Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
III - se o aviso de recepção não retornar no prazo de 15 (quinze) dias da entrega da carta à agência postal, a citação será feita por Oficial de Justiça ou por edital (BRASIL, 1980).
É de se notar que o inciso ora em comento abre a possibilidade para a defesa de duas correntes doutrinárias a respeito do assunto. A primeira afirma que, em tal situação, teria a Fazenda Pública a livre opção entre a citação por mandado e citação por edital. Nessa linha, a corrente doutrinária supracitada parte de uma interpretação meramente gramatical, tendo em vista a partícula de ligação “ou”, que dá a ideia de alternatividade. Noutra banda, há quem entenda, de acordo com as regras constantes do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis subsidiariamente ao processo executivo fiscal, que, frustrada a citação por edital, deve ser feita, inicialmente, a citação através de oficial de justiça, e, uma vez frustrada esta, seria aberta a possibilidade para a citação por edital.
O último posicionamento é defendido pelo professor Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 82) que afirma que a Lei de Execuções Fiscais ao dispor que a citação, quando não for possível lograr êxito na via postal, poderá ser feita por mandado ou por edital, remeteu a escolha de um outro para a sistemática do Código de Processo Civil (CPC), que é de aplicação subsidiária à lei acima referida, conforme consta em seu artigo 1º: “a execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil”.
Completa o autor afirmando que no regime do Código de Processo, o que se têm é a citação por mandado como forma de iniciar a relação processual, sempre que o devedor tiver endereço conhecido do credor. Somente quando o executado não é encontrado em seu domicílio é que o oficial de justiça, depois de arrestar seus bens, devolverá o mandado a cartório, ficando o credor autorizado a utilizar a citação-edital. Antes disso, o oficial tentará, no prazo de dez dias, a citação pessoal, e somente quando se frustrarem todas estas tentativas é que a citação ficta será admissível (art. 653, parágrafo único).
Em conclusão, diz que preenchendo a lacuna da Lei nº 6.830/80, a respeito do cabimento da citação por edital, vale socorrer às regras do Código de Processo Civil, de maneira que, não sendo possível a citação postal, a Fazenda terá de submeter-se ao regulamento comum, para utilizar a citação por mandado ou por edital. Sendo assim, os editais somente são utilizáveis na execução fiscal, ou quando for desconhecido o paradeiro atual do devedor, e demais hipóteses do art. 231 do Código de Processo Civil, ou quando, no cumprimento da diligência do oficial de justiça, não se conseguir localizá-lo em seu endereço, depois de procurá-lo, em três dias diferentes, durante o prazo de dez dias após o arresto, conforme dispõe o art. 654 do mesmo Código de Processo Civil.
Em que pese entendimento louvável defendido pela primeira corrente doutrinária, a segunda corrente é a que prevalece nos dias atuais, em razão da pacificação da lide através de julgamento de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) bem como a existência de enunciado de Súmula proferida pelo mesmo Tribunal.
2.1.1 Da Interpretação dada ao Caso pelo Superior Tribunal de Justiça
Como visto no tópico anterior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por ocasião de recurso julgado na sistemática de recursos repetitivos (art. 543-C do Código de Processo Civil), se filiou a segunda corrente doutrinária no sentido de que a citação por edital, na execução fiscal, somente é cabível quando não exitosas as modalidades de citação por correio e por oficial de justiça. Vale ressaltar que o entendimento acima resta hoje sumulado, através do enunciado de súmula nº 414, in verbis: “a citação por edital na execução fiscal é cabível quando frustradas as demais modalidades”.
Nesse sentido, por ocasião do REsp 1103050 sob a sistemática do art. 543- C do Código de Processo Civil, o Tribunal da Cidadania entendeu que a interpretação a ser dada ao art. 8º, inciso III da Lei nº 6.830/80 é no sentido de que esta estabelece não simples formas de citação, mas sim a indicação de modalidades de citação a serem adotadas em ordem sucessiva. Em outras palavras: a citação por edital somente é cabível quando não exitosas as outras modalidades de citação.
Em conformidade com o entendimento acima, vale indagar a respeito dos efeitos da decisão sob as citações feitas em desacordo com o exposto. Como resposta, a jurisprudência do Tribunal da Cidadania assinala que ocorre a nulidade de citação editalícia quando não se utiliza, primeiramente, de determinação legal para que o oficial de justiça proceda as diligências necessárias à localização do réu. Nesse sentido é a fundamentação acostada ao julgamento do Agravo Regimental no REsp 930.239/PE:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POR EDITAL. POSSIBILIDADE APÓS O EXAURIMENTO DE TODOS OS MEIOS POSSÍVEIS À LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR. ART. 8º, III, DA LEI N. 6.830/80. NÃO-OCORRÊNCIA, IN CASU. VASTIDÃO DE PRECEDENTES.
1. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento a recurso especial.
2. O acórdão a quo, nos autos de execução fiscal, indeferiu a citação por edital, porque não esgotados todos os meios para localização do devedor.
3. A citação por edital integra os meios a serem esgotados na localização do devedor. Produz ela efeitos que não podem ser negligenciados quando da sua efetivação.
4. O Oficial de Justiça deve envidar todos os meios possíveis à localização do devedor, ao que, somente depois, deve ser declarado, para fins de citação por edital, encontrar-se em lugar incerto e não sabido. Assim, ter-se- á por nula a citação se o credor não afirmar que o réu está em lugar incerto ou não sabido, ou que isso seja certificado pelo Oficial de Justiça (art. 232, I, do CPC), cujas certidões gozam de fé pública, somente ilidível por prova em contrário.
5. De acordo com o art. 8º, I e III, da LEF, c/c o art. 231, II, do CPC, a citação por edital será realizada apenas após o esgotamento de todos meios possíveis para localização do devedor.
6. Ocorre nulidade de citação editalícia quando não se utiliza, primeiramente, da determinação legal para que o Oficial de Justiça proceda às diligências necessárias à localização do réu.
7. “Na execução fiscal a citação do devedor por edital só é possível após o esgotamento de todos os meios possíveis à sua localização. Constatado pelo Tribunal de origem que não foram envidados esforços e promovidas as diligências necessárias para localização do devedor, impossível a citação por edital” (REsp nº 357550/RS, 2ª Turma, Rel.
Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 06/03/2006).
8. “Somente quando não lograr êxito na via postal e for frustrada a localização do executado por oficial de justiça, fica o credor autorizado a utilizar-se da citação por edital, conforme disposto no art. 8º, inciso III, da Lei de Execuções Fiscais” (REsp nº 806645/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 06/03/2006).
9. Vastidão de precedentes desta Corte Superior.
10. Agravo regimental não-provido.
(AgRg no REsp 930.239/PE, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2007, DJ 13/08/2007, p. 354)
É de se notar, entretanto, que tais efeitos, no âmbito tributário repercutem diretamente na questão da prescrição quanto ao crédito tributário. Nessa linha, de acordo com o Código de Processo Civil, a citação é ato que tem a eficácia de interromper a prescrição, que retroagirá a data de propositura da ação. No direito tributário, deve-se fazer uma breve digressão a respeito de como a interrupção da prescrição do crédito tributário era tratada antes da Lei Complementar 118/2005 e como é tratada hoje.
Com efeito, a redação originária do art. 174, inciso I do Código Tributário Nacional (CTN) listava como uma das causas de interrupção do crédito tributário a citação pessoal feita ao devedor. Noutra banda, a Lei nº 6.830/80 reconhece o simples despacho citatório apto a interromper a prescrição (art. 8º). Como forma de harmonizar os dispositivos em questão, o Superior Tribunal de Justiça, nos autos dos embargos de divergência no Recurso Especial nº 36.855/SP, decidiu que em sede de execução fiscal, a mera prolação do despacho que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição. Em outras palavras, não basta o simples despacho que determina a citação do executado para se interromper a prescrição, necessitando, para tanto, a efetiva citação.
No ano de 2005, por ocasião da Lei Complementar nº 118/05, o legislador alterou a redação do inciso I do art. 174 do CTN de modo a prever expressamente que o simples despacho citatório tem o condão de interromper a prescrição no âmbito das execuções fiscais. Quanto a questão da aplicação da referida lei aos despachos proferidos antes da entrada da mesma, o Tribunal da Cidadania adotou o entendimento de que somente os despachos de deferimento da petição inicial ocorridos após a vigência da LC 118/05, ou seja, dia nove de junho de 2005, têm o condão de determinar o reinício da contagem do prazo prescricional. É que, de acordo com tal entendimento, a lei tributária só pode retroagir nas hipóteses previstas no art. 106 do CTN, e nenhuma delas está presente neste caso. Noutra banda, os despachos proferidos após a vigência da LC 118/05 determina o reinício da contagem do prazo prescricional.
Diante do cenário exposto, é importante indagar se o entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça seria aplicável com efeitos retroativos, ex tunc, ou somente prospectivos. É que, de acordo com o explanado acima, existe uma ordem na citação da execução fiscal, e, uma vez não respeitada, a consequência seria a nulidade. Nada obstante, a interrupção do prazo prescricional tributário, antes do advento da LC 118/05, estava diretamente atrelado a citação válida do devedor. Sendo assim, uma vez nula esta, estaria, por conseguinte, prescrito o crédito tributário.
3 DA VINCULAÇÃO DOS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O presente tópico tem como objetivo o estudo específico do sistema de julgamento de recursos repetitivos e a sua vinculação aos juízos e tribunais inferiores. Faremos aqui uma breve comparação de tal sistemática com o sistema common law. Nesse sentido, a importância do presente tema tem sua importância com relação a tentativa de buscar uma solução a indagação feita no tópico anterior.
Pois bem.
É sabido que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi concebido com o objetivo de orientar a aplicação da lei federal bem como definir sua interpretação, de modo a facilitar a uniformização da jurisprudência no âmbito dos tribunais originários. Para tanto, o Tribunal da Cidadania vem se utilizando de precedentes jurídicos, explanados mais à frente.
O sistema de julgamento de recursos especiais repetitivos entrou no ordenamento jurídico brasileiro por ocasião da Lei Federal nº 11.672/2008, que acrescentou o art. 543-C ao Código de Processo Civil (CPC), com o objetivo de avançar no julgamento de recursos em que se discutiam a mesma questão de direito.
O processamento de recursos especiais repetitivos se inicia através da observância de repetição de matérias que envolvam a mesma questão de direito, ocasião na qual o tribunal local deverá proceder à seleção dos recursos que mais bem representem as discussões em torno da questão, para que seja feito o julgamento por amostragem (art. 543-C, §1º do CPC). Caso o tribunal de origem não proceda à seleção dos recursos especiais representativos da controvérsia, poderá o ministro relator do recurso especial determinar, de ofício, a suspensão perante os tribunais locais, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida (art. 543- C, §2º do CPC).
É permitida a intervenção de amicus curiae neste julgamento (art. 543-C, §4º do CPC). Sobre tal intervenção no âmbito do julgamento de recursos especiais repetitivos, Cássio Scarpinella Bueno (p. 558) entende que a autorização do ingresso de amicus curiae se faz para atender o chamado interesse institucional de modo que a decisão a ser proferida leve em consideração as informações disponíveis sobre os impactos do que será decidido perante os grupos que estão fora do processo e que, pelo processo de intervenção aqui discutido, conseguem dele participar. Nesse sentido, não há como negar ao amicus curiae uma função de legitimação da própria prestação da tutela jurisdicional uma vez que ele se apresenta perante o Poder Judiciário como adequado portador de vozes da sociedade e do próprio Estado que, sem sua intervenção, não seriam ouvidas ou se o fossem o seriam de maneira insuficiente. Em adição, o relator também poderá solicitar informações dos tribunais de segunda instância a respeito da controvérsia (art. 543- C, § 3º do CPC), outra espécie de amigo da corte.
Feito o julgamento do(s) recurso(s) especial(is) selecionado(s) como representativos de controvérsia, os recursos sobrestados na origem poderão correr dois caminhos: (i) se coincidentes com a orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) terão seu seguimento denegado; (ii) se não coincidentes com a orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) serão novamente examinados pelo tribunal de origem.
É de se notar, portanto, que ao introduzir a sistemática de julgamento de recursos especiais repetitivos, o ordenamento jurídico brasileiro sofreu, sem dúvida alguma, influência do sistema de precedentes advindos do direito norte americano do common law.
Com efeito, o precedente pode ser entendido como decisão judicial tomada à luz do caso concreto capaz de servir como diretriz para julgamento posterior de casos análogos. Em outras palavras, são decisões judiciais que têm potencialidade de se firmarem como paradigmas para orientação de jurisdicionados e magistrados.
A construção de um precedente passa pelo enfrentamento de todos os principais argumentos relacionados à questão de direito do caso concreto em repetidas decisões sobre determinada controvérsia jurídica, tornando-se uma constante. Sendo assim, será observada a forma que uma situação jurídica foi tratada no passado para servir de orientação para comportamentos análogos, praticados no presente (GONÇALVES, 2012, p. 134).
O fundamento da introdução do sistema do precedente no ordenamento jurídico brasileiro é a produção de uma norma jurídica (dado o seu caráter “abstrato”) com potencial para a aplicação a diversos casos similares no futuro. Nessa linha, é assegurado maior previsibilidade na realização do direito (princípio da segurança jurídica) e tratamento isonômico aos jurisdicionados (princípio da isonomia).
Quanto aos efeitos dos precedentes firmados pelo Superior Tribunal de Justiça no Brasil, o art. 543-C, §§ 7º e 8º do Código de Processo Civil (CPC) permite a não-observância de precedentes proferidos nos recursos representativos de controvérsia em relação aos tribunais originários, tendo em vista a previsão do exame de admissibilidade do recurso especial no caso de manutenção da decisão divergente, ou seja, em não havendo retratação do tribunal de origem, o presidente deste examinará os pressupostos intrínsecos e extrínsecos da admissibilidade do recurso especial.
Nessa linha, opina Gonçalves (2012, p. 139) que se o recurso especial foi sobrestado no tribunal de origem até que os recursos representativos de controvérsia fossem julgados, inadmissível que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não vinculasse o posicionamento adotado pelo tribunal ordinário no seu julgamento. Isso porque, no momento em que se verifica a necessidade de sobrestamento do recurso especial na origem, faz-se a análise das suas similitudes fáticas com os recursos dirigidos à Corte Superior, justamente para concretizar o objetivo da lei que instituiu o procedimento: conceder duração razoável aos processos no Superior Tribunal de Justiça.
O mesmo autor afirma que a melhor interpretação que se tem do inciso II do §7º do art. 543-C do Código de Processo Civil é a de que a admissibilidade a que se refere somente ocorrerá naqueles casos em que a situação fática autoriza a não- aplicação do precedente tomado em recurso especial repetitivo. Em todos os outros casos, que são a maioria, o precedente do Superior Tribunal de Justiça deve ser observado pelos tribunais de segundo grau, os quais se retratarão das decisões já proferidas. Não há nenhum fundamento para que os tribunais inferiores possam divergir da interpretação dada pela Corte Superior aos recursos julgados, mormente porque a análise prévia das suas semelhanças, necessária ao enquadramento dos recursos sobrestados ao precedente jurídico futuro, foi realizada antes do seu sobrestamento.
Pelo exposto, é mister reconhecer que as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que pese inexistir dispositivo legal vinculando os tribunais originais e juízos de primeiro grau, devem ser respeitadas, ante a própria natureza da Corte. É que esta, como visto, possui como missão constitucional a uniformização da interpretação da lei federal, colaborando com os princípios constitucionais da isonomia e segurança jurídica. Sendo assim, a melhor interpretação a ser dada ao dispositivo constante no art. 543-C, § 7º, inciso II é no sentido da imposição aos tribunais de origem quanto ao juízo de retratação, devendo ser afastado este somente quando o tribunal a quo entenda que, pela análise fática do caso concreto, o precedente não mereça ser aplicado.
Feita tais conclusões, é necessário indagar a respeitos dos efeitos temporais dos precedentes emanados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): teriam esses efeitos ex tunc ou ex nunc em relação a decisões emanadas pelos juízos e tribunais de primeiro grau? Se ex tunc seria o precedente fixado a respeito da ordem de citação na execução fiscal, uma vez desrespeitado, apto a declarar a nulidade da interrupção da prescrição dos créditos tributários com regramento processual fixado pelas regras anteriores a Lei Complementar 118/05? O ordenamento jurídico, infelizmente, não regulamentou de forma expressa sobre os efeitos temporais dos precedentes emanados pelo Tribunal da Cidadania. Sendo assim, necessário fazer uma breve análise dos princípios constitucionais aplicáveis a controvérsia ora posta, de modo a comaltar as lacunas existentes.
4 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS A SEREM OBSERVADOS NO CASO EM ANÁLISE
Sem dúvida alguma, a tímida introdução de uma sistemática processual baseado nos precedentes do common law trouxe benefícios para a sociedade brasileira, como já foi analisado no tópico anterior. Nada obstante, a sistemática ainda é recente no nosso ordenamento jurídico e necessita de regramento específico a respeito de seus efeitos perante juízos e tribunais de primeiro grau. Já foi visto que a melhor interpretação a ser dada aos precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pela sua vinculação, o que falta ser discutido é a eficácia temporal a ser dada a respeito dos precedentes. Para tanto, será feita uma breve análise dos princípios constitucionais atrelados a questão.
O princípio da isonomia, que prima pela igualdade material, deve ser feito não somente perante a lei, mas frente ao direito, ou seja, a expressão “lei” deve ser interpretada no sentido de norma jurídica, seja de quem quer que ela emane. Nessa linha, não se pode admitir que casos concretos semelhantes receba decisões diferentes. Deve haver uma previsibilidade mínima a respeito do entendimento a ser firmado, a ponto do jurisdicionado poder fazer uma análise prévia dos riscos a serem tomados em caso da controvérsia jurídica vir a juízo. Nesse sentido, a isonomia se faz instrumento da segurança jurídica.
Em relação a segurança jurídica, não se permite que nenhum ato normativo do Estado atinja situações consolidadas no passado, assegurando o seu respeito no presente e no futuro. Dessa forma, a uniformização da jurisprudência fortalece a segurança jurídica, de modo a garantir ao jurisdicionado um modelo seguro de conduta, possibilitando uma expectativa legítima do jurisdicionado. Nesse sentido, vale assegurar o jurisdicionado também que as mudanças jurisprudenciais não atinjam questões já decididas anteriormente. É que pensar o contrário pode ocasionar sérios prejuízos ao jurisdicionado a exemplo do caso ora estudado.
O precedente também merece ser tratado à luz da motivação das decisões (art. 93, X da Constituição da República), identificando as questões de fato que se coadunam com a tese jurídica acolhida pelos tribunais superiores. Sendo assim, em havendo uma distinção, o precedente não merece ser aplicado. Nessa linha, é de se notar que o precedente se comporta como uma norma jurídica, ou seja, uma norma geral e abstrata emanada pelo Poder Judiciário. Sendo assim, merece tratamento similar as normas emanadas pelo Legislativo, ou seja, no caso de criação de norma posterior, merece não só a observância da “irretroatividade”, em regra, como também a motivação das decisões que aplicarão o precedente firmado pelos Tribunais Superiores.
Em adição tem-se ainda os princípios da proteção da confiança, advindo da ideia de segurança jurídica, e da boa-fé objetiva, este nascido no âmbito das relações jurídicas privadas, que vem se estendendo a outras áreas do direito, mormente para o direito administrativo e processual civil. Tais princípios, pela sua extensão e importância ao tema, merecem análise minuciosa em subtópicos apartados, o que será feito a seguir.
4.1 DA BOA-FÉ OBJETIVA
Historicamente, a noção de boa-fé (bona fides) foi cunhada primeiramente pelos romanos. Estes, a trataram inicialmente fora do âmbito jurídico, sendo muito mais utilizada como um conceito ético a ser aplicado nas relações privadas. Com o advento do jus gentium, direito aplicável a romanos e estrangeiros, houve uma certa judicialização da expressão ora tratada. Os alemães, por sua vez, recebendo essa influência da noção de bona fides dos romanos, traduziram a ideia na fórmula Treu und Glauben (lealdade e confiança), regra objetiva a ser observada nas relações jurídicas em geral.
Nesse sentido, observa-se que a boa-fé é, antes de tudo, uma diretriz principiológica de fundo ético que ganhou contorno de natureza jurídica cogente. No Brasil, o princípio da boa-fé foi difundido na cultura jurídica, dentre outros instrumentos, com o advento do Código do Consumidor e do Código Civil de 2002. Como se sabe, a boa-fé, anteriormente era relacionada tão somente com a intenção do sujeito de direito (a boa-fé subjetiva).
É de se notar, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro consagra a boa-fé objetiva como um princípio vinculado a uma determinada regra de comportamento, fundada da eticidade, lealdade e confiança que espera seja observada nos mais diversos âmbitos de atuação social.
Nessa linha de pensamento, a boa-fé objetiva está relacionada com deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer atuação jurídica. São considerados, portanto, deveres anexos: (i) dever de cuidado em relação à outra parte negocial; (ii) dever de respeito; (iii) dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio; (iv) dever de agir conforme a confiança depositada; (v) dever de lealdade e probidade; (vi) dever de colaboração ou cooperação; (vii) dever de agir com honestidade; (viii) dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão.
Além dos deveres anexos, a boa-fé objetiva apresenta três importantes funções no direito, quais sejam: a função de interpretação, meio auxiliador de aplicador do direito; a função de controle, de forma que quem contraria a boa-fé objetiva comete abuso de direito, sujeito, portanto, a responsabilidade objetiva e, por fim, a função de integração, relativamente à aplicação da boa-fé em todas as fases negociais.
No âmbito processual civil, a principal fonte da boa-fé pode ser extraída através da análise do artigo 14, inciso II do Código de Processo Civil (CPC): “são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: II – proceder com lealdade e boa-fé”. Nessa linha de pensamento, a intenção do legislador está intimamente ligada a ideia de impor condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, ou seja, independentemente da existência de boas ou más intenções.
Nada obstante, de acordo com o entendimento de Fredie Didier (2014, p. 75), na doutrina brasileira, não é comum a menção a uma “boa-fé objetiva processual”. De acordo com o professor baiano, poucos doutrinadores brasileiros aproveitaram a contribuição germânica da ideia de proteção objetiva da confiança e lealdade (Treu und Glauben) em seus estudos sobre o direito processual, que ainda se prendem a uma concepção subjetiva de boa-fé. Ignora-se toda a produção doutrinária sobre a boa-fé objetiva no direito privado e no direito público. Parece não ter havido “comunicação doutrinária interdisciplinar”, o que é lamentável.
Na verdade, em que pese ao tempo da edição do Código de Processo Civil de 1973, a doutrina brasileira não tinha o conhecimento teórico da boa-fé objetiva, preferindo, por muitas vezes elencar um rol extenso de comportamentos dolosos, é de se notar que a extração do princípio da boa-fé se faz através de uma cláusula geral processual, constante no já citado art. 14, inciso II do CPC.
Em adição, vale notar que a consagração do princípio da boa-fé processual é fruto de uma expansão da existência da boa-fé do direito privado ao direito público. Em outras palavras, o que se vê hoje é a expansão da boa-fé para todos os ramos do Direito, mesmo os “não civis”. Ou seja, sempre que exista um vínculo jurídico, as pessoas envolvidas devem colaborar de acordo com a confiança, devendo-se comportar como uma pessoa de boa-fé. Em conclusão, a boa-fé também recai sobre todas as relações processuais.
Quanto aos destinatários da norma em análise, podemos citar aqueles que de qualquer forma participam do processo, ou seja, não apenas as partes, mas também o órgão jurisdicional. Este, por sua vez, possui o dever de vinculação da boa-fé atrelado a noção de que, em um Estado democrático de direito deve-se buscar a atuação de acordo com a boa-fé e proteção da confiança para com seus administrados, trazendo a obrigação quanto a observância da boa-fé não só ao Estado-juiz como ao Estado-administrador, objeto de estudo do direito administrativo.
Em adição a essas concretizações, o princípio da boa-fé também impõe deveres de cooperação entre os sujeitos do processo. Sobre o processo cooperativo, vale destacar a lição de Didier (2014, p. 94) no sentido de que o princípio da cooperação atua diretamente, imputando aos sujeitos do processo deveres, de modo a tornar ilícitas as condutas contrárias à obtenção do "estado de coisas" (comunidade processual de trabalho) que o princípio da cooperação busca promover. Essa eficácia normativa independe da existência de regras jurídicas expressas. Se não há regras expressas que, por exemplo, imputem ao órgão jurisdicional o dever de manter-se coerente com os seus próprios comportamentos, protegendo as partes contra eventual comportamento contraditório (venire contra factum proprium) do órgão julgador, o princípio da cooperação garantirá a imputação desta situação jurídica passiva (dever) ao magistrado. Ao integrar o sistema jurídico, o princípio da cooperação garante o meio (imputação de uma situação jurídica passiva) necessário à obtenção do fim almejado (o processo cooperativo).
Nessa linha de pensamento, afirma o professor Didier (2014, p. 95) que os deveres de cooperação podem ser divididos em deveres de esclarecimento, lealdade e de proteção. O dever de esclarecimento demandam aos atores processuais que redijam sua demanda com clareza e coerência. O dever de lealdade, por sua vez, afirma que as partes não podem litigar de má-fé e devem observar o princípio da boa-fé processual. Por fim, o dever de proteção abarca a proibição da parte de causar danos à parte adversária sob pena de responsabilidade objetiva.
Com efeito, o processo cooperativo pode ser entendido como subprincípio da proteção da boa-fé, no sentido de adequar o procedimento aos ditames daquela. Sendo assim, no caso ora discutido, poderia se pensar que uma mudança brusca no sistema de interpretação de uma lei por um Tribunal Superior, afetaria diretamente a proteção da boa-fé e da confiança do jurisdicionado, no caso, o Estado, causado enormes prejuízos de ordem financeira, caso a referida interpretação sofresse efeitos retroativos. Nesse sentido, é de se pensar que a boa-fé e a cooperação processual não só se aplica no ambito das partes interessadas como também ao Estado-Juiz.
Em resumo, nota-se que o princípio da boa-fé é a fonte normativa da proibição do exercício de posição jurídicas processuais eivadas de abuso de direito. Em outras palavras, torna ilícitas condutas processuais animadas pela má-fé. Nesse sentido, a cláusula geral da boa-fé objetiva aplicada no âmbito processual implica não só o dever do sujeito não atuar de má-fé como também agir de acordo com a boa-fé objetiva, ou seja, o dever de boa-fé é mais amplo e extenso do que a proibição às condutas elencadas através do art. 14 do CPC. Em adição, o princípio ora em análise repercute diretamente nos efeitos a serem dados às interpretações legais dadas no âmbito dos Tribunais Superiores.
4.2 DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
O princípio da segurança jurídica e sua proteção a confiança nasceu como elemento constitutivo do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, os postulados acima expostos devem ser exigidos dentro das três esferas de poder: legislativo, executivo e judiciário.
O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança é tratado com grande profundidade e brilhantismo na obra do professor Canotilho (2003), de modo que o presente tópico terá como base os ensinamentos do mesmo, trazendo uma percepção a respeito das origens e da aplicação do tema ora exposto.
Inicialmente, o professor português diferencia a segurança jurídica da proteção da confiança nos seguintes termos: a segurança jurídica estaria conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica (garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito). Por outro lado, a proteção da confiança tem o viés subjetivo da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos. Nesse sentido, tais princípios exigem, no fundo: (i) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder; (ii) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos. Com relação ao seu sentido amplo, afirma o mestre (2003, p. 257) que o indivíduo têm do direito poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. As refracções mais importantes do princípio da segurança jurídica são as seguintes: (1) relativamente a atos normativos – proibição de normas retroativas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos; (2) relativamente a atos jurisdicionais – inalterabilidade do caso julgado; (3) em relação a atos da administração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de atos administrativos constitutivos de direitos.
No que tange aos atos normativos, Canotilho (2003, p. 258) defende a concretização da segurança jurídica e confiança através de exigências como determinabilidade, clareza e fiabilidade da ordem jurídica. Nesse sentido, possui duas ideias fundamentais: a da exigência de clareza das normas legais e a exigência de densidade suficiente na regulamentação legal pois um ato normativo que não contém disciplina suficientemente concreta não oferece uma medida jurídica capaz de alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; constituir uma norma de atuação para a administração e possibilitar, como norma de controle, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.
Os princípios ora tratados também merecem destaque no que se refere a mudança ou alteração de leis ou normas jurídicas, sendo aqui o ponto central a ser analisado para o caminho junto à solução a ser dada a respeito da (in)retroatividade das decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de recursos especiais repetitivos.
Com efeito, Canotilho (2003, p. 259) defende que a mudança ou alteração de normas não pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo quando implicam efeitos negativos na esfera jurídica destas pessoas. O princípio da segurança e da proteção da confiança implica na qualidade de elemento objetivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas e legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas.
Com base nesses ensinamentos é possível chegar ao seguinte raciocínio: como visto, nos dias atuais, com a influência do sistema common law no direito brasileiro, é de se notar que através da sistemática de julgamento de recursos repetitivos de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem criando normas jurídicas, gerais e abstratas, similares as exaradas pelo Poder Legislativo. Nesse sentido, mister a aplicação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança em caso de mudança jurisprudencial que atinja, de forma negativa, a esfera de direitos dos litigantes. No caso do entendimento sumulado a respeito a ordem citatória na execução fiscal, a sua aplicação retroativa pode gerar prejuízo de grande monta para o erário público, em decorrência da prescrição tributária. Sendo assim, deve ser observado, nesse caso, a aplicação dos princípios ora expostos, de modo a não ocasionar prejuízo para qualquer das partes, de modo que o entendimento superado deve permanecer ante os casos anteriores ao entendimento exarado pelo Tribunal Superior.
5 DA EXPERIÊNCIA VIVENCIADA NO ÂMBITO DA SEGUNDA VARA DE EXECUÇÃO FISCAL ESTADUAL E TRIBUTÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE
5.1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO: CRIAÇÃO E COMPETÊNCIA DA SEGUNDA VARA DE EXECUÇÃO FISCAL ESTADUAL E TRIBUTÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE
Inicialmente, é necessário fazer um breve escorço histórico a respeito da criação e do funcionamento da Segunda Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária do Rio Grande do Norte (Segunda VEFET), para depois adentramos no tema central do presente trabalho.
O Juízo da Segunda Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária foi criado por meio da Lei Complementar Estadual nº 294, de cinco de maio de 2005, que alterou a Lei de Organização Judiciária, incluindo os Juízos de Varas de Execução Fiscal e Tributária na composição da comarca de Natal. A sua instalação remonta o ano de 2006 (seis de novembro de 2006), conforme a Portaria nº 1.510 do mesmo ano. O Excelentíssimo Senhor Doutor Artur Cortez Bonifácio foi nomeado Juiz Titular da vara em comento e permanece na sua liderança até os dias de hoje. Nos termos da Portaria 1.141 de 2006, foram distribuídos para a Segunda Vara de Execução Fiscal, cerca de 5.500 processos, provenientes do acervo da Primeira Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária. Recentemente, a vara recebe processos eletrônicos, por meio do sistema Processo Judicial Eletrônico - PJE.
De acordo com a Lei de Organização Judiciária do Rio Grande do Norte, tem-se que a competência da vara em análise se restringe a: (i) processar os executivos fiscais do Estado e de suas autarquias; (ii) processar e julgar os embargos opostos aos executivos fiscais da sua competência; (iii) processar e julgar os feitos, inclusive mandado de segurança, relativos a matéria tributária, em que forem interessados o Estado ou suas autarquias. Em que pese a competência acima vergastada, na prática se observa muito mais a presença dos executivos fiscais do que ações ordinárias. Nesse sentido, tem-se que no total tramitam perante esta vara aproximadamente 4.630 (quatro mil seiscentos e trinta) processos, dos quais 4.362 (quatro mil trezentos e sessenta e dois) são executivos fiscais e os demais, ações ordinárias. Sendo assim, é grande a importância dada ao tema relativo a ordem citatória em executivos fiscais e sua respectiva nulidade, visto que incorre diretamente da esfera de atuação estatal, mormente no que se refere as prestações que dependem de arrecadação fiscal pelo Estado.
5.2 DO TRATAMENTO DADO A MATÉRIA REFERENTE À ORDEM DE CITAÇÃO NOS PROCESSOS EXECUTIVOS FISCAIS EM TRAMITAÇÃO PERANTE A SEGUNDA VARA DE EXECUÇÃO FISCAL ESTADUAL E TRIBUTÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE
Como visto no tópico acima, muitos dos processos em trâmite perante a Segunda Vara de Execução Fiscal tem como origem a Primeira Vara de Execução Fiscal. Nesse sentido, antes mesmo do início do funcionamento da Segunda Vara de Execução Fiscal, grande parte das execuções fiscais em trâmite perante esta, já haviam passado pela fase citatória. A praxe adotada pelo Juízo anterior e confirmada por esta vara foi a seguinte: (i) instaurada a execução fiscal era feita a citação via correios, conforme prevê o artigo 8º, caput da Lei nº 6.830/80; (ii) restando esta infrutífera, o Juiz, ex officio determinava a citação por meio de edital, em consonância com o que defende a primeira corrente doutrinária, vista no tópico 2.1.
Ocorre que em meados do ano de 2009, como já visto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão em sede de recurso especial repetitivo de controvérsia firmando a orientação no sentido de que, em observância ao art. 224 do Código de Processo Civil (CPC) – “far-se-á a citação por meio de oficial de justiça nos casos ressalvados no art. 222, ou quando frustrada a citação pelo correio” – aplicável ao procedimento executivo fiscal de forma subsidiária, frustrada a citação pelos correios, deve ser feita a citação por meio de oficial de justiça, para só então, sendo esta infrutífera, ser permitida a citação por edital. Nesse sentido o Tribunal da Cidadania se pronunciou pela nulidade da citação quando realizada de outro modo. Posteriormente, foi publicado o enunciado nº 414: “a citação por edital na execução fiscal é cabível quando frustradas as demais modalidades”.
Dessa forma, as partes passivas de processos executivos fiscais em trâmite perante a vara estudada, passaram a defender a seguinte tese: o Juízo em questão ao não observar a ordem citatória do art. 224 do Código de Processo Civil (CPC) incorreu em vício insanável, passível de desconstituição pelo instituto da nulidade, em conformidade ao entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sendo assim, e em razão da redação primitiva do art. 174, I do Código Tributário Nacional, que previa a citação válida para haver a interrupção da prescrição, o crédito tributário estaria prescrito em decorrência da configuração de um lapso temporal maior que cinco anos entre o lançamento tributário e sua efetiva execução.
O Estado do Rio Grande do Norte, por sua vez, afirmava que o mero decurso do lapso temporal em razão de mecanismos inerentes à Justiça não poderia ocasionar a prescrição tributária. Nesse sentido, invocada a Súmula 106 do Superior Tribunal de Justiça: “proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”.
Pois bem.
Para a solução da lide ora proposta é necessário fazer alguns questionamentos iniciais: o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao firmar entendimento no sentido da obrigação da observância citatória sob pena de nulidade, criaria norma jurídica ou seria meramente uma interpretação dada ao art. 8º de Lei nº 6.830/80, de efeito retroativo? No caso de norma jurídica, passível de generalidade e abstração, seria possível a sua aplicação retroativa ou estaria ela obrigada a respeitar o princípio da irretroatividade, em analogia ao que ocorre com os diplomas legais? O Estado do Rio Grande do Norte poderia ser prejudicado por norma emanada ex officio pelo Juízo da Segunda Vara de Execução Fiscal?
Os questionamentos acima propostos encontram solução através de análise já feita no corpo do presente trabalho. Sendo assim, foi visto que o Superior Tribunal de Justiça, na condição de tribunal uniformizador da legislação federal, criaria norma jurídica, em analogia ao que ocorre nos países que adotam o sistema jurídico do common law, logo, não pode haver aplicação retroativa de forma a prejudicar qualquer das partes. Em adição, devem ser respeitados no caso em questão os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados, de modo a salvaguardar atos processuais já consolidados no tempo. Dessa forma, o entendimento exarado pela Primeira e Segunda Vara de Execução Fiscal quando a adoção da ordem citatória acima tratada deve ser resguardado aos processos anteriores a consolidação da linha de pensamento firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Noutra banda, quanto aos posteriores, devem passar pela interpretação dada pelo Tribunal da Cidadania no presente caso, em respeito aos princípios da isonomia e segurança jurídica.
6 CONCLUSÃO
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao exarar a decisão a respeito da ordem citatória da execução fiscal agiu em analogia ao legislador positivo, emanando norma jurídica a ser observada pelos Juízos e Tribunais de primeiro grau. É certo que tal norma não possui caráter vinculante, como acontecem nos enunciados de súmula vinculante, no entanto, pode vir a ser reformada pelo Tribunal de Cidadania em grau de recurso, de forma a uniformizar a jurisprudência nacional. Nesse sentido, é de grande valia a adequação do decisum aos princípios constitucionais, mormente do que tange ao respeito à segurança jurídica, boa-fé processual e ao princípio da confiança, de modo a fazer com que o entendimento firmado pelo Superior Tribunal passe a valer com efeitos ex nunc.
O respeito ao entendimento acima exposto visa salvaguardar o patrimônio público, de modo que os procedimentos executivos fiscais, anteriores à reforma da Lei Complementar 118/05, que não observaram a ordem citatória discutida no julgamento de Recurso Repetitivo, não sejam fulminados pela prescrição do crédito tributário. Em adição, é de se notar que a prática ocorrida no âmbito da Segunda Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária da Comarca de Natal, por muito tempo, foi de utilizar a citação por edital sempre que infrutífera a citação via correios, trazendo assim, a aplicação do enunciado sumular nº 106 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que a demora na citação (ou no caso, a alteração da ordem citatória), por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.
REFERÊNCIAS
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Advogada. Pós-graduada em direito tributário pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Norte.<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIDAL, Júlia Brilhante Portela. A aplicação da sistemática de citação por edital do processo de execução fiscal: uma análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça à luz dos princípios constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46598/a-aplicacao-da-sistematica-de-citacao-por-edital-do-processo-de-execucao-fiscal-uma-analise-da-jurisprudencia-do-superior-tribunal-de-justica-a-luz-dos-principios-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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