Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a dupla incidência do imposto sobre produtos industrializados quando da revenda de mercadorias importadas no território nacional. Isso porque é fato gerador do IPI o desembaraço aduaneiro (artigo 46, inciso I, do CTN), bem como a saída da mercadoria importada do estabelecimento comercial para revenda no território nacional, ainda que essa mercadoria não passe por processo de industrialização. Para melhor elucidação do tema, é que se realiza, ao longo do artigo, a análise do fato gerador, base de cálculo, contribuinte, e alíquota desse imposto.
Palavras-Chave: Dupla incidência do IPI na revenda de mercadorias importadas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Competência e Funções do IPI. 3. Obrigação Tributária. 3.1 Fato Gerador. 3.2 Base de cálculo. 3.3 Alíquota. 3.4 Contribuinte. 4. Espécies de industrialização. 5. Antigo posicionamento do STJ versus tese defendida pelas empresas importadoras. 6.Do recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. 8. Da restituição dos valores recolhidos indevidamente. 9. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O imposto sobre produtos industrializados (IPI) é caracterizado como um imposto de natureza real, ou seja, a definição do fato gerador leva em consideração apenas a realização do fato tributável, sem qualquer vinculação com o sujeito passivo.
A competência para instituir e cobrar o IPI é da União Federal, e as hipóteses de incidência desse tributo encontram-se descritas, em sua maioria, no artigo 46 do Código Tributário Nacional.
Dentre as hipóteses de incidência está o desembaraço aduaneiro (artigo 46, I, CTN) e a primeira saída da mercadoria importada do estabelecimento comercial para revenda no território nacional (artigo 51, parágrafo único, do CTN).
Assim, a base de cálculo de um produto industrializado que será revendido, compreenderá o preço normal do produto, acrescido do próprio imposto sobre produtos industrializados, que incidiu no início do desembaraço aduaneiro, mais taxas aduaneiras e encargos cambiais.
Diversas empresas ingressaram com ações judiciais objetivando a declaração de inconstitucionalidade da dupla incidência do imposto sobre produtos industrializados na revenda de mercadorias importadas, para que fosse reconhecida a inexistência de relação jurídico-tributária que lhes obrigasse a recolher o IPI quando da revenda das mercadorias importadas no território nacional.
Sustentaram que somente se justifica a incidência do IPI no desembaraço aduaneiro, tendo em vista que se não há processo de industrialização anterior a revenda no mercado nacional, a simples saída do produto do estabelecimento comercial não ensejaria nova incidência.
O Superior Tribunal de Justiça, por muito tempo, combateu os argumentos acima, fundamentando, em síntese, que I) a denominação “imposto sobre produtos industrializados” não restringe o fato gerador necessariamente a uma imediata operação de industrialização, uma vez que o artigo 4º, inciso I, do Código Tributário Nacional, diz ser irrelevante a denominação de qualquer tributo, II) trata-se de hipóteses de incidências distintas (artigo 46, inciso I, CTN e artigo 51, parágrafo único do CTN), III) o fato gerador previsto em lei é a saída da mercadoria do estabelecimento comercial, fato que independe de processo de industrialização. (BRASIL, STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.429.656)
Em consequência, há a oneração das mercadorias importadas e a perda da competitividade dos empresários do setor de comércio exterior. São resultados planejados politicamente, uma vez que a dupla incidência do IPI, quando da revenda de mercadorias importadas consiste em uma medida restritiva e protecionista criada pelo Governo para estimular a indústria nacional e proteger o mercado interno.
O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, decidiu em 11 de junho de 2014, de forma contrária a esse entendimento, gerando precedente favorável aos contribuintes, pois considerou indevida a incidência do IPI quando da saída, das mercadorias importadas, do estabelecimento comercial para revenda no território nacional, desde que essas mercadorias não passem por processo de industrialização.
2 Competência e Funções do IPI
A Constituição da República de 1988 atribuiu, no artigo 153, inciso IV, competência a União Federal para instituir e cobrar o Imposto sobre produtos industrializados (IPI).
No teor:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros;
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III - renda e proventos de qualquer natureza;
IV - produtos industrializados;
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI - propriedade territorial rural;
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
Mesmo sendo um imposto de competência da União, o IPI, possui importante função no orçamento do fisco e contribui, com grande expressão para o orçamento tanto da União, quanto dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Isso se explica porque a Constituição da República de 1988 (artigo 159, incisos I e II) determina a distribuição de parte do que foi arrecadado aos demais entes políticos.
Além de sua função arrecadatória, que lhe é ínsita, o IPI é utilizado como instrumento de função extrafiscal, atuando como regulador de mercado, tanto de forma externa, protegendo os produtos e as indústrias nacionais, quanto de forma interna, uma vez que é, por força de dispositivo constitucional, um imposto seletivo em função da essencialidade do produto (artigo 153, §2º, IV).
No que tange a essa última função, a essencialidade, o objetivo do governo é onerar produtos considerados de luxo, supérfluos, ou ainda, de uso desaconselhável. Assim, o legislador tributário, ao instituir o imposto, irá estabelecer quais produtos são indispensáveis a população, e a partir dessa análise, será fixada a alíquota a incidir em cada produto. Em vista disso, foi criada a TIPI – Tabela do Imposto sobre Produtos Industrializados, que lista todos os produtos com sua respectiva alíquota. A TIPI que está em vigor, foi aprovada em 01 de janeiro de 2012, pelo Decreto 7660 de 2011.
Quanto aos produtos classificados como de uso desaconselhável, Hugo Brito Machado (MACHADO, 2013. p. 335), faz critica a eficácia da função extrafiscal, denominada por ele de “função extrafiscal punitiva”. Nessa classificação estão as bebidas e o cigarro. Porém a oneração desses produtos, não trouxe o resultado pretendido pelo governo, já que ninguém deixou de beber ou fumar. Entretanto, manter os preços altos sobre esses produtos, é de grande valia, tendo em vista que a indústria de cigarros figura como a maior contribuinte desse imposto, já tendo sido utilizado o aumento de preço sobre esse produto para solucionar problemas de caixa do Tesouro Nacional.
3 Obrigação Tributária
3.1 Fato Gerador
Para que exista obrigação tributária o fato praticado pelo sujeito deve se adequar perfeitamente a hipótese descrita na lei, a esse fenômeno dá-se o nome de subsunção.
O artigo 46 do Código Tributário Nacional, descreve como hipóteses de incidência do imposto sobre produtos industrializados: I) o desembaraço aduaneiro, quando o produto é de procedência estrangeira; II) a saída dos produtos dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III) a arrematação de produtos apreendidos ou abandonados e que são levados a leilão.
Note o teor, segue o artigo 46, do Código Tributário Nacional:
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
O inciso II do artigo 46 do Código Tributário Nacional menciona a saída de produtos dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51 do mesmo código. Este artigo equipara estabelecimentos de importação a estabelecimentos industriais, veja bem:
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
I - o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior;
IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.
Assim, o simples fato da mercadoria importada sair do estabelecimento do importador para revenda no território nacional, nos termos da lei, já enseja a tributação em virtude da prática de novo fato gerador.
3.2 Base de Cálculo
A base de cálculo do imposto sobre produtos industrializados varia de acordo com as hipóteses de incidência acima mencionadas. Por essas razões, pode ser:
a) O valor da operação de saída do produto do estabelecimento do contribuinte. É o valor da operação, representada pelo preço do produto, acrescido pelo preço do produto, acrescido do valor de frete e das demais despesas acessórias cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário;
b) O preço normal, acrescido do próprio imposto de importação, das taxas aduaneiras, e dos encargos cambiais. Nesse caso, o fisco adiciona ao valor para despacho aduaneiro não só o quantum pago, a título de imposto de importação, mas também as taxas de entrada no país e os encargos cambiais;
c) O próprio preço da arrematação, em face de produto apreendido, abandonado e levado a leilão. (SABBAG, 2014. p. 1166)
No que tange a base de cálculo do IPI quando a hipótese de incidência for a primeira saída da mercadoria para revenda de produtos importados observa-se que esta compreenderá o preço normal do produto, acrescido do próprio imposto sobre produtos industrializados, ou seja, acrescido do IPI que incidiu no início do desembaraço aduaneiro, mais taxas aduaneiras e encargos cambiais, o que permite concluir que existe dupla incidência desse imposto na hipótese de revenda de mercadorias importadas, pois o mesmo imposto, vai onerar a mesma mercadoria, muito embora, em operações diferentes.
Eduardo Sabbag (2014, p. 1166), ao tratar sobre o tema, diz que, embora represente tributação de imposto sobre imposto, essa operação se justifica como meio de proteção à indústria nacional.
Entretanto, paralelo a aparente proteção às indústrias nacionais, empresários e comerciantes, que atuam no mercado com a revenda de mercadorias importadas, sofrem com o aumento no preço desse produto e a perda de competitividade, quando da sua comercialização no mercado interno. E, ao final, quem arca com toda a onerosidade, tanto das mercadorias nacionais quanto das importadas, é o consumidor.
3.3 Alíquota
No que tange a alíquota do imposto sobre produtos industrializados, como já mencionado acima, essa é proporcional a essencialidade do produto, em função do princípio da seletividade (art. 153, §3º, CR/88), de tal maneira que quanto mais essencial o produto, menor a alíquota.
O princípio da seletividade tem por objetivo onerar produtos considerados de luxo, supérfluos ou de uso desaconselhável, e está diretamente ligado ao princípio da capacidade contributiva, pois o consumo de produtos supérfluos demandam mais poder aquisitivo em relação aos considerados essenciais para a sobrevivência do indivíduo.
Para definição de quais produtos são essenciais, o legislador tributário, definiu, através da TIPI – Tabela do Imposto sobre Produtos Industrializados, a alíquota de cada produto.
A TIPI que está em vigor, foi aprovada em 01 de janeiro de 2012, pelo Decreto 7660 de 2011.
3.4 Contribuinte
O Código Tributário Nacional elenca, no artigo 51, os contribuintes do imposto sobre produtos industrializados, sendo eles: I) o importador ou a quem a lei equiparar, II) o industrial ou a quem a lei equiparar, III) o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, IV) o arrematante de produtos, apreendidos ou abandonados que são levados a leilão.
Note o teor do artigo 51 do CTN:
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
I - o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior;
IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante. (BRASIL, Lei nº 5.172, 1966)
Assim, cumpre observar por ora que a legislação tributária equipara, colocando na condição de contribuinte, o importador ao industrial.
4 Espécies de industrialização
Considera-se produto industrializado, para fins de incidência do IPI, o produto que seja submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza, a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
O artigo 4º do decreto Lei 4544 de 2002 caracteriza como industrializado qualquer produto que se submete a um processo que altere a natureza, a finalidade, o funcionamento, o acabamento ou, que o aperfeiçoe para o consumo. Assim redigido:
Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, e Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único).
O Professor Eduardo Sabbag explica cada processo de industrialização, concluindo que são produtos industrializados aqueles que passam por processos de:
a) Transformação: com ela, o produto “velho” perde a “individualidade”. É processo mecanizado (ou semimecanizado), automatizado (ou semiautomatizado) exercido sobre matéria-prima (ou produto intermediário), que lhe dá nova forma e finalidade [...];
b) Beneficiamento: processo de modificação, aperfeiçoamento, embelezamento ou alteração de funcionamento de um produto já existente. Nesse processo o produto resultante fica na mesma classificação fiscal originária, ou seja, não tem nova classificação na nomenclatura brasileira de mercadorias [...];
c) Montagem: reunião de produtos e peças já existentes em nova sistematização, resultando em produto novo, quanto a ampliação, funcionamento ou finalidade. [...];
d) Acondicionamento ou reacondicionamento: processo de
alteração da embalagem visual do produto, ou seja, modificação da apresentação do produto ao seu consumidor, criando-lhe nova proposta de consumo, novo visual, e novo estimulo à aquisição. Exclui-se desse processo a mera alteração de embalagem para fins de transporte[...];
e) Renovação ou recondicionamento: é a renovação exercida em um produto usado ou inutilizado, restaurando-lhe a utilização, como se novo voltasse a ser [...]. (SABBAG, 2014. p. 1166)
A fim de dar continuidade a lógica do estudo da incidência ou não do IPI na revenda de mercadorias importadas, é que se fez necessário o estudo, realizado acima, do conceito de produto industrializado. Pois, embora a lei (art.51, parágrafo único, CTN) equipare estabelecimentos importadores a estabelecimentos industriais, não faz sentido incidir o IPI tão somente em virtude da saída da mercadoria do estabelecimento importador, que não tenha passado por processo de industrialização.
5 Antigo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça versus tese defendida pelas empresas importadoras
Conforme mencionado no tópico 3 a base de cálculo do IPI em se tratando da primeira saída da mercadoria para revenda de produtos importados compreenderá o preço normal do produto, acrescido do próprio imposto sobre produtos industrializados que foi cobrado no início do desembaraço aduaneiro, mais taxas aduaneiras e encargos cambiais.
Em virtude disso, empresas importadoras ajuizaram ações objetivando a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária que lhes obrigasse a recolher o imposto sobre produtos industrializados quando da revenda no mercado nacional das mercadorias que importaram.
Os comerciantes importadores fundamentaram que: I) só seria devido o IPI sobre as mercadorias importadas no desembaraço aduaneiro, pois a simples saída da mercadoria do estabelecimento comercial, por si só não justificaria nova incidência se essa mercadoria não passou por um novo processo de industrialização, II) as hipóteses do artigo 46, CTN são alternativas e não cumulativas; III) bis in idem e violação ao artigo 49 do CTN que trata do Princípio da vedação a cumulatividade dos impostos IV) perda da competitividade do mercado interno e redução de investidores estrangeiros em virtude da alta tributação.
No que se refere ao princípio da não cumulatividade, insta informar que, trata-se de um princípio que está previsto tanto na Constituição da República de 1988 (artigo 153, §3º, III, CR 88), quanto no Código Tributário Nacional (artigo 49, CTN), e, por expressa disposição, deve ser obrigatoriamente obedecido por todos os tributos.
No teor, segue o artigo 49 do Código Tributário Nacional:
Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.
Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes. (BRASIL, Lei nº 5.172, 1966).
A não cumulatividade consiste em técnica que tem por objetivo limitar a incidência tributária nas cadeias de produção e circulação mais extensas, de tal forma que a cada etapa da cadeia, o imposto somente incida sobre o valor adicionado nesta etapa, ou seja, será deduzido o valor do mesmo imposto pago na operação imediatamente anterior. (ALEXANDRE,2013).
A questão chegou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que decidiu, por muito tempo, de forma contrária aos contribuintes. Os argumentos do STJ eram em síntese: I) a denominação do tributo, conforme artigo 4º, inciso I, do Código Tributário Nacional é irrelevante. Assim, quando a lei equipara estabelecimento importador a estabelecimento industrial (artigo 51, parágrafo único, CTN), basta a saída da mercadoria desses estabelecimentos para restar caracterizado o fato gerador, já que a lei, não menciona a necessidade de processo de industrialização; II) embora o mesmo imposto incida duas vezes sobre a mesma mercadoria, trata-se de operações distintas, fatos geradores distintos, razão pela qual não há violação ao Princípio da cumulatividade; III) o artigo 46, do CTN limitou o fato gerador a saída do estabelecimento comercial, ou a este equiparado; IV) a intenção do legislador é proteger o mercado interno e as indústrias nacionais.
Sobre esses argumentos, cita-se importante julgado:
Efetivamente, o fato de o nomen juris do tributo ser "Imposto sobre Produtos Industrializados" não significa que seu fato gerador esteja necessariamente atrelado a uma imediata operação de industrialização. A este respeito, rememoro que o IPI, antes da Emenda Constitucional n. 18/65 e do Decreto-Lei n. 34/66, denominava-se "Imposto de Consumo", e assim o era porque seu ônus econômico era e é suportado pelo consumidor e em suas origens incidia sobre bens de consumo. O fato de o tributo incidir sobre o produto industrializado significa somente que é necessário e relevante que essa operação de industrialização em algum momento tenha ocorrido, pois a circulação que se tributa é de um produto industrializado, mas não que ela tenha que ocorrer simultaneamente a cada vez que se realize uma hipótese de incidência do tributo (fato gerador). [...] O fato gerador do tributo é instantâneo [...]. Cada desembaraço aduaneiro, cada saída de produto de estabelecimento contribuinte e cada produto arrematado em leilão, faz nascer uma obrigação tributária distinta (FANUCCHI, F. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: IBET/Resenha Tributária, 1986. vol. II, p. 129).
[...]
Desta forma, seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo único do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art. 51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502/64, art. 79, da Medida Provisória n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006 - que definem a sujeição passiva, nenhum deles até então afastados por inconstitucionalidade, os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda.
Interpretando esse conjunto de dispositivos legais, o atual Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados - RIPI/2010 (Decreto n. 7.212/2010), assim estabeleceu: Estabelecimentos Equiparados a Industrial Art. 9º Equiparam-se a estabelecimento industrial: I - os estabelecimentos importadores de produtos de procedência estrangeira, que derem saída a esses produtos (Lei nº 4.502, de 1964, art. 4º, inciso I); [...] Hipóteses de Ocorrência Art. 35. Fato gerador do imposto é (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º): [...] II - a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial. [...]
Desse modo, não vejo qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do importador, já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n. 4.502/64, art. 79, da Medida Provisória n. 2.158-35/2001 e por essa interpretação, que combinou o artigo 46, II, e artigo 51, parágrafo único do Código Tributário Nacional, os produtos importados estariam sujeitos a dupla incidência do IPI, sem que isso resultasse em inconstitucionalidade. [...]
Também observo que essa incidência do IPI:
a) não se caracteriza como bis in idem, dupla tributação ou bitributação, isto porque a lei elenca dois fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro proveniente da operação de compra de produto industrializado do exterior e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação recai sobre o preço de compra onde embutida a margem de lucro da empresa estrangeira e a segunda tributação recai sobre o preço da venda, onde já embutida a margem de lucro da empresa brasileira importadora;
b) não onera a cadeia além do razoável, pois o importador na primeira operação apenas acumula a condição de contribuinte de fato e de direito em razão da territorialidade, já que o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não pode ser eleito pela lei nacional brasileira como contribuinte do IPI (os limites da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa importadora nacional brasileira acumula o crédito do imposto pago no desembaraço aduaneiro para ser utilizado como abatimento do imposto a ser pago na saída do produto como contribuinte de direito (não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas sobre o valor agregado. [...] (BRASIL. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.429.656)
É esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que veio a ser alterado recentemente, é o que se demonstrará a seguir.
7 Do recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça
Em Julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu de forma favorável aos contribuintes, em sede de embargos de divergência, no sentido de permitir a isenção do imposto sobre produtos industrializados na revenda de mercadorias importadas que não sofreram processo de industrialização, incidindo o IPI apenas no desembaraço aduaneiro.
O tema foi abordado no dia 11 de junho de 2014, pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, e embora não tenha a decisão sido, ainda, publicada, já há expectativa de diminuição dos valores dos produtos importados pelos consumidores. (MORAES, 2014).
Os ministros se posicionaram no sentido de ser necessário o processo de industrialização para tributar os produtos que saem dos estabelecimentos de importação para revenda no território nacional. Ao tratar sobre a recente decisão do STJ, Augusto Favel de Moraes dissertou no site Conjur sobre a necessidade do processo de industrialização:
Neste sentido, resta claro que é necessária a industrialização ou aperfeiçoamento do produto importado para que possa haver a incidência do IPI no segundo momento, qual seja, a sua saída para o mercado interno. Isto porque o fato gerador do IPI não é a saída do produto importado do estabelecimento do importador. Por motivo de logística arrecadatória e aferibilidade, a saída do produto industrializado foi escolhido como o momento, em regra, de ocorrência do fato gerador, embora não seja essa a conduta tributável. O verdadeiro e único fato gerador do IPI é a industrialização do produto, de modo que, caso esta ação não ocorra, sua cobrança é ilegítima. (MORAES, 2014).
Não obstante acertada decisão, essa ainda não é definitiva, pois a questão ainda pode ser levada ao Supremo Tribunal Federal. E mais, mesmo sendo um acórdão que pode inspirar decisões dos tribunais inferiores, esse não tem eficácia em todos os casos, tendo em vista que se trata de uma decisão inter partes.
Assim, cada empresa interessada em não sofrer a dupla incidência do imposto sobre produtos industrializados, quando da revenda de mercadorias importadas no território nacional, deverá ingressar com ação individual judicial, a fim de corrigir a desvantagem de competição no mercado interno, bem como garantir a possível restituição dos valores pagos indevidamente.
8 Restituição dos valores recolhidos indevidamente:
O artigo 165, inciso I, do Código Tributário Nacional determina que cabe restituição de tributo que foi pago indevidamente. No teor:
Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
A doutrina fala que para que fique caracterizado o pagamento indevido do imposto, necessário se faz a presença de dois requisitos. O primeiro é lógico: o próprio pagamento. Para que haja restituição, deve haver o pagamento. O segundo é a inexistência de relação jurídico tributária devidamente comprovada. (HABLE, 2008 apud CORREIA, 1998).
Quanto a esse último requisito, cumpre mencionar que caso o novo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça seja mantido pelo Supremo Tribunal Federal, restará configurada a ausência de relação jurídico tributária entre os comerciantes importadores que revendem suas mercadorias no território nacional, sem processo de industrialização.
Com isso poderão requerer a restituição ou a compensação do tributo pago nos últimos 05 (cinco) anos anteriores a propositura da ação, hipótese que gera grandes impactos na economia do país.
Ressalte-se, por fim, que os valores pagos anteriores a cinco anos da data da propositura da ação não poderão ser restituídos em virtude da prescrição.
9 CONCLUSÃO
Depois de posicionamentos divergentes, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que há bitributação do imposto sobre produtos industrializados na revenda de mercadorias importadas no território nacional, e a considerou ilegal.
De fato, apesar da lei tributária prever hipóteses de incidências distintas para tributação do IPI em mercadorias importadas, a saber, a do artigo 46 , inciso I, do Código Tributário Nacional, que determina como fato gerador o desembaraço aduaneiro, e a hipótese do artigo 51, parágrafo único, do mesmo dispositivo, que equipara o importador ao industrial, o que faz incidir o IPI na revenda das mercadorias importadas, se for observado o mercado interno, o comerciante que realiza a operação de revenda é o empresário que adquire o produto importado, e que acaba sendo prejudicado com a elevada oneração da cadeia tributária.
Com o atual posicionamento, há a expectativa de diminuição dos preços das mercadorias importadas e maior investimento de empresários internacionais.
Importante ressaltar que as indústrias nacionais não vão ficar desprotegidas, já que existem outras formas de se protege-la e impostos específicos para realização desse fim, tais como: imposto de importação (II), imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS), Imposto sobre operações financeiras (IOF), PIS, COFINS.
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SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6ªed. São Paulo: Saraiva, 2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Ana Laura Henrique Soares de. A (bi) tributação do IPI na revenda de mercadorias importadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46608/a-bi-tributacao-do-ipi-na-revenda-de-mercadorias-importadas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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