RESUMO: O presente artigo analisa a possibilidade de a Administração Tributária acessar dados sigilosos do contribuinte, nos moldes da Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, sem a necessidade de prévia intervenção do Poder Judiciário. Propõe-se um estudo sobre as diferentes correntes doutrinárias, bem como uma análise dos posicionamentos jurisprudenciais, sem deixar de realizar uma leitura da lei a respeito do assunto. Trata-se de tema controvertido, uma vez que envolve o interesse público de tributar e de combater práticas criminosas. Conclui-se que inexistem óbices para o acesso direto às informações sigilosas pelas autoridades fazendárias, posicionamento esse recentemente pacificado no Supremo Tribunal Federal.
Palavras chave: sigilo bancário; relativização; Administração Tributária; Lei Complementar nº. 105/2001; constitucionalidade.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por escopo específico analisar as hipóteses de transferência de informações submetidas ao sigilo bancário à Administração Tributária, previstas nos arts. 5º e 6º da LC nº. 105/2001, independentemente de prévia autorização judicial.
Diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram ajuizadas contra a mencionada lei e o decreto que a regulou. Assim, será analisada a validade dos arts. 5º e 6º, da LC nº. 105/2001, que permitem às autoridades fiscais o acesso aos dados bancários dos contribuintes, sem prévia autorização do Poder Judiciário.
O grande foco do presente artigo é discorrer sobre a constitucionalidade do afastamento do sigilo bancário pela Administração Tributária, independentemente de autorização judicial, apresentando-se argumentos favoráveis à referida medida.
Para tanto, será explicado em que termos se dá o acesso pelo Fisco aos dados sigilosos dos contribuintes, enfatizando-se o acesso previsto no art. 6º, da LC nº. 105/2001, já que o art. 5º, do mesmo diploma normativo, trata apenas do repasse de ofício de informações sigilosas pelas instituições financeiras à Secretaria da Receita Federal, independente da existência de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso.
Por fim, será apresentada a visão do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, analisando-se o posicionamento dos ministros que participaram do julgamento do RE 389.808/PR, que tratou da matéria.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão sob repercussão geral no julgamento das ADI’s 2390, 2386, 2397 e 2859 e do RE 601.314, permitindo ao Fisco requisitar informações bancárias dos contribuintes às instituições financeiras independentemente autorização judicial, concluindo, assim, pela constitucionalidade do art. 6º, da LC 105/2001.
A Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou expressamente o art. 38 da Lei nº. 4.595/64, dispositivo que regulava o acesso aos dados bancários dos contribuintes até então.
Na sistemática da antiga lei, o acesso aos referidos dados financeiros só poderia ser deferido pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo, vedando-se a quebra do sigilo bancário diretamente pelas autoridades fiscais.
Em seu art. 1º, a legislação inovadora definiu o sigilo bancário como a obrigação das instituições financeiras de conservar o sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
Considerando a necessidade de apurar a prática de crimes fiscais e de lavagem de dinheiro, normalmente praticado pelos criminosos de colarinho branco, mediante a realização de operações financeiras, a Lei Complementar nº. 105/2001 abarcou diversos dispositivos que alargaram sensivelmente a possibilidade de quebra de sigilo bancário, criando um poderoso sistema de controle sobre a atividade financeira dos indivíduos e empresas.
A nova lei disciplinou de forma exaustiva as hipóteses de restrição do sigilo, conferindo tal atribuição aos seguintes órgãos: Poder Judiciário, Banco Central, Comissão de Valores Imobiliários, Poder Legislativo, Comissão Parlamentar de Inquérito e Administração Tributária.
A principal novidade, a qual iremos nos ater no presente artigo, foi a possibilidade de a Administração Tributária também poder determinar a medida. Os artigos 5º e 6º da LC nº. 105/2001 disciplinaram dois modelos distintos de transferência direta de informações financeiras às autoridades fazendárias, independentemente de prévia decisão judicial.
A referida lei inovou, ainda, no sentido de que não apenas os agentes fiscais tributários federais podem afastar o sigilo do contribuinte, mas também os estaduais, os distritais e os municipais.
Como veremos mais adiante, a atribuição conferida às autoridades administrativas para requisitar informações sigilosas às instituições financeiras é alvo de inúmeras críticas por parte da doutrina, que chega a sustentar, inclusive, a inconstitucionalidade dos mencionados dispositivos.
O art. 5º da Lei Complementar nº. 105/2001 possibilitou que o Poder Executivo estabelecesse situações de repasse automático de informações bancárias dos clientes ao Fisco. In verbis:
Art. 5º. O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
O dispositivo supra colacionado foi regulamentado pelo Decreto nº. 4.489/02, o qual determina, em seu art. 1º, que as instituições financeiras devem prestar à Secretaria da Receita Federal informações sobre operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
Em seu art. 2º, o decreto regulamentador determina que as informações referentes às operações financeiras, serão prestadas, continuamente, em arquivos digitais e restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e com os montantes globais mensalmente movimentados, relativos a cada usuário, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos efetuados.
Como se verifica, através do dispositivo sob análise as instituições financeiras se vêem obrigadas a repassar periodicamente à administração tributária da União informes relacionados à identificação de titulares de operações financeiras e o montante global mensalmente movimentado por eles.
O próprio Decreto nº. 4.489/02, em seu art. 3º, conceitua o que seria o ‘montante global mensalmente movimentado’.
A par da discussão que este dispositivo possa suscitar, não o trataremos mais especificadamente, por envolver outros contornos além daqueles abordados neste artigo. Cabe informar que este repasse de informações ocorre de ofício e não depende da existência de processo administrativo ou qualquer outro tipo de demanda.
Objetivando evitar a prática de fraudes e a evasão fiscal, por parte dos contribuintes, a LC nº. 105/2001, em seu art. 6º, outorgou às autoridades fazendárias competência para acessar os dados bancários dos contribuintes sem a necessidade de prévia autorização do Poder Judiciário, na existência de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso:
Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. (grifei)
Analisando-se o dispositivo supra, observa-se que, com o advento da LC nº. 105/2001, o poder de quebra do sigilo bancário reside na autoridade administrativa competente. Tal norma atribuiu aos agentes fiscais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o poder de afastar o sigilo bancário dos contribuintes, através do livre acesso a documentos, livros e registros bancários, quando presentes as seguintes condições: existência de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e a constatação pela autoridade tributária competente da indispensabilidade do exame de tais documentos.
O Decreto nº. 3.724/01 regulamentou o art. 6º da LC nº. 105/2001, no que diz respeito à requisição, acesso e uso pela Secretaria da Receita Federal de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras, estabelecendo, em seu art. 3º, as hipóteses em que o exame dos documentos sigilosos torna-se indispensável. In verbis:
Art. 3º. Os exames referidos no § 5º do art. 2º somente serão considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses:
I - subavaliação de valores de operação, inclusive de comércio exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado;
II - obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não financeiras ou de pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo recebimento dos recursos;
III - prática de qualquer operação com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país enquadrado nas condições estabelecidas no art. 24 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996;
IV - omissão de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa ou variável;
V - realização de gastos ou investimentos em valor superior à renda disponível;
VI - remessa, a qualquer título, para o exterior, por intermédio de conta de não residente, de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;
VII - previstas no art. 33 da Lei no 9.430, de 1996;
VIII - pessoa jurídica enquadrada, no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), nas seguintes situações cadastrais:
a) cancelada;
b) inapta, nos casos previstos no art. 81 da Lei no 9.430, de 1996;
IX - pessoa física sem inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou com inscrição cancelada;
X - negativa, pelo titular de direito da conta, da titularidade de fato ou da responsabilidade pela movimentação financeira;
XI - presença de indício de que o titular de direito é interposta pessoa do titular de fato.
De se ver que não é propriamente o agente da Receita Federal quem irá estabelecer, por meio de um juízo de valor, a indispensabilidade do acesso aos dados sigilosos. A própria lei determina as hipóteses em que a medida será considerada absolutamente necessária.
De acordo com o art. 4º do referido Decreto, apenas as autoridades competentes para expedir o Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) poderão requisitar informações bancárias. Deste modo a medida fica exclusivamente a cargo das autoridades administrativas competentes, que, in casu, é o Auditor-Fiscal.
O requerimento de acesso aos dados protegidos por sigilo bancário deverá ser formalizado mediante documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) dirigida ao presidente ou ao preposto de instituição financeira.
Atendendo ao princípio do devido processo legal administrativo, o Decreto regulamentar estabeleceu que a RMF será expedida com base em relatório circunstanciado elaboradora pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal, onde deverá constar a motivação da proposta de sua expedição, demonstrando com precisão e clareza tratar-se de situação enquadrada em hipótese de indispensabilidade, observado o princípio da razoabilidade. Tal motivação consiste na demonstração da existência de indícios de ilícito tributário e sua autoria, além da indispensabilidade da medida para as investigações, não se tratando de uma motivação meramente formal com a simples citação de preceitos legais.
Ainda sob o enfoque do princípio do devido processo legal, a norma reguladora estabeleceu a necessidade de prévia intimação do contribuinte, com a concessão de prazo fixado em lei, para que apresente informações sobre as movimentações financeiras necessárias à execução do Mandado de Procedimento Fiscal, defendendo-se perante à Administração Tributária ou, querendo, impugnar judicialmente a decisão administrativa que determinar a quebra do seu sigilo bancário. Saliente-se, que é de fundamental importância o envio do comprovante da notificação do investigado à instituição financeira quando da requisição dos dados, assegurando, assim, que o afastamento do sigilo bancário não será efetuado diretamente pela Administração Tributária, sem o prévio conhecimento do contribuinte.
Por fim, convém lembrar que o Decreto nº. 3.721/01 também assegurou, em seu art. 7º, que as informações, os resultados dos exames fiscais e os documentos obtidos serão mantidos sob sigilo fiscal, devendo o acesso ficar restrito aos casos de insuficiência de informação fornecida pelo sujeito passivo e/ou frente à ausência de decisão judicial cassando a medida.
Como se verifica, além do cumprimento dos requisitos previstos na norma do art. 6º, da LC nº. 105/2001, quais sejam, processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e a indispensabilidade do exame, faz-se necessário a observância de algumas cautelas para que o Fisco possa restringir o sigilo bancário dos contribuintes, como: a requisição do acesso por autoridades administrativas competentes, a instauração de processo administrativo tributário, a estreita observância do devido processo legal administrativo, a notificação prévia do investigado, o levantamento da confidencialidade bancária somente em face da insuficiência de defesa, a restrição do uso dos dados, dentre outros (CARVALHO, 2008, p. 235).
A respeito de tais cautelas, adverte Gustavo Gonet Branco que “a lei cerca a providência de cuidados formais, com vistas a minimizar os custos para o direito à privacidade do investigado e assegurar que esteja nítida a necessidade da medida” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 429).
Segundo Carvalho, uma vez cumpridas tais formalidades, “garante-se a possibilidade de controle judicial prévio ou posterior à decisão do Fisco de excetuar o sigilo bancário, atendendo-se ao princípio constitucional do acesso à Justiça” (2008, p. 236).
Portanto, o acesso aos informes do contribuinte deve atender a critérios formais, dentre eles: autoridade competente, decisão fundamentada, justa causa, procedimento administrativo instaurado ou processo fiscal em curso, devendo-se, respeitar, ainda, os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
A possibilidade outorgada à Administração Tributária de acessar informes financeiros do contribuinte, sem a necessidade de prévia intervenção judicial, nos moldes do art. 5º e 6º da Lei Complementar nº. 105/2001, tem sido objeto de árdua discussão doutrinária.
Como visto acima, o art. 5º da LC nº. 105/2001 impõe às instituições financeiras o dever de repassar periodicamente informações de caráter geral sobre operações financeira de seu cliente ao Fisco.
Por sua vez, o artigo 6º possibilitou que as autoridades e agentes fiscais tributários de todos os níveis da federação examinassem documentos, livros e registros de instituições financeiras, sem a necessidade de autorização judicial, desde que obedecidos os requisitos ali previstos: a existência de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e que tais exames sejam considerados indispensáveis para a autoridade competente.
Os referidos dispositivos legais alargaram o âmbito de atuação da Administração Tributária, tendo como conseqüência lógica o acesso direto a dados financeiros do contribuinte pelos agentes da administração tributária.
Frente a esta possibilidade, uma parcela da doutrina vem tecendo severas críticas aos referidos artigos, sob o argumento de que a autoridade fiscal não possui a necessária imparcialidade e competência para determinar a quebra do sigilo bancário, devendo tal medida ser submetida ao crivo do Judiciário.
Segundo estes doutrinadores, somente o Poder Judiciário poderia excepcionar o sigilo bancário, afastando a possibilidade de as autoridades fiscais requererem diretamente informes sigilosos às instituições financeiras. Sustentam, ainda, que a norma infraconstitucional (LC nº. 105/2001) não poderia atribuir a outro órgão a prerrogativa de quebra deste sigilo, uma vez que a Constituição supostamente exigiria a autorização prévia do Poder Judiciário.
Atrevo-me a discordar deste posicionamento, pois não parece haver vedação constitucional à Administração Pública ter acesso aos dados pertinentes à vida econômica dos contribuintes, no que diz respeito aos deveres destes para com a sociedade, visto que tal acesso apenas atesta as declarações por eles apresentadas, quando da declaração anual de imposto de renda.
A seguir iremos expor alguns argumentos favoráveis ao acesso da Administração Tributária às informações financeiras do contribuinte, de modo a demonstrar a inexistência de qualquer vício de inconstitucionalidade das mencionadas normas.
O princípio da capacidade contributiva foi consagrado na Constituição Federal de 1988, em seu art.145, §1º, verbis:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (grifei)
Ex vi do art. 145, §1º da Lei Fundamental, o legislador buscou aferir a real capacidade dos contribuintes de pagar tributos, de modo a suportá-los na medida de sua riqueza, preservando-lhes de cobranças abusivas do Estado.
O princípio da capacidade tributária visa medir a real capacidade do contribuinte de pagar tributos para propiciar um tratamento proporcional entre aqueles que possuem mais riquezas e os que apresentam um patrimônio menor, permitindo, assim, que cada indivíduo pague tributos conforme sua condição financeira.
Diante da necessidade de efetivar o mencionado princípio, ou seja, medir a capacidade dos indivíduos, a Constituição Federal facultou à Administração Tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O art. 145, §1º, da Constituição Federal atribuiu relevante papel à Administração Tributária, qual seja, verificar se o imposto recolhido por determinado contribuinte está de acordo com a sua capacidade de pagar tributos.
Entendemos que o constituinte, por meio da norma prevista no art. 145, §1º, autorizou às autoridades fiscais quebrar o sigilo bancário sem a intermediação judicial.
Mesmo que alguns doutrinadores não aceitem o acesso direto pela Administração Tributária aos dados protegidos pelo sigilo bancário, o que se observa é que o Fisco tem o dever de pesquisar a vida financeira dos contribuintes, consoante previsão do art. 145, §1º, da CF.
Saliente-se que a mencionada atribuição conferida aos fiscais tributários não é absoluta, nem irrestrita. O próprio texto constitucional, ao facultar à Administração Tributária a identificação dos patrimônios, rendimentos e atividades econômicas dos contribuintes, fez a ressalva da necessidade de serem respeitados os direitos individuais. Trata-se, portanto, do uso legítimo de informações sigilosas do contribuinte pelo Estado, obedecendo-se os limites legais e punindo-se os abusos.
Veja-se que, em algumas operações ou situações de natureza financeira seria possível identificar traços ou elementos reveladores da forma de vida, costumes, preferências ou planos das pessoas.
Entretanto, conforme ressaltou Castro (2001), na maior parte das operações bancárias ou financeiras não existe a possibilidade de conhecimento da esfera da vida privada e intimidade de alguém, citando-se os seguintes exemplos: depósito à vista realizado pelo próprio titular da conta, resgate em conta de depósito realizado pelo próprio titular da conta, aplicação em fundo de investimento e aquisições de moeda estrangeira. Nestes casos, adverte o autor, que se trata de eventos isolados, objetivos, padrões comerciais impessoais onde emerge, só e somente só, um dado contábil ou quantitativo.
Como as operações bancárias são comunicadas ao Fisco em "... montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados", não subsiste a invasão da intimidade ou vida privada das pessoas com o conhecimento tão somente de valores, de dados numéricos, frias quantidades.
De fato, parece completamente despropositado que a fiscalização possa levantar, in loco, todas as informações fundamentais de uma empresa, vistoriando livros, documentos, estoques, entre outros, e não possa fazer o mesmo no âmbito dos eventos financeiros.
Não parece, portanto, haver vedação constitucional à Administração Tributária em ter acesso aos dados fiscais do contribuinte, pelo contrário, a própria Carta Magna atribuiu ao Fisco tal função.
Desse modo, não há razão para se atribuir o afastamento do sigilo bancário exclusivamente ao crivo do Judiciário, devendo-se permitir a sua quebra direta pela Administração Tributária nas hipóteses previstas em lei, respeitados os requisitos materiais e formais.
Os grandes crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, tráfico internacional de drogas, popularmente conhecidos como crimes do colarinho branco, encontram espaço para sua continuidade no “porto seguro” dos bancos.
Em face de tal panorama, é possível observar um nítido movimento internacional no sentido de flexibilizar o sigilo bancário sem intermediação do Poder Judiciário.
Segundo Castro (2001), as razões justificadoras desta tendência, que envolve países como os Estados Unidos, a Espanha, a França, a Bélgica, a Holanda, entre outros, repousam na necessidade de combate à lavagem de dinheiro oriundo de práticas criminosas e de viabilização, em novos patamares, da fiscalização e arrecadação tributárias.
De fato, o sigilo representa grande empecilho aos órgãos de investigação na obtenção de provas de crimes. Submeter um pedido de quebra de sigilo bancário ao Judiciário, dá ao meliante tempo suficiente para movimentar o dinheiro para paraísos fiscais, em face do excesso de burocracia e morosidade do Poder Judiciário (ROQUE, 2002, p. 117).
A esse respeito afirma Carvalho (2008, p. 171) o acesso direto às informações de clientes e terceiros que se encontram na posse das instituições bancárias, restaria prejudicada caso em cada momento dependesse de intervenção judicial.
Pontua Aurélio Seixas Filho (Apud. CARVALHO, 2008, p. 234) que, já estando o Poder Judiciário assoberbado de ações que ordinariamente lhe compete julgar, não teria cabimento impingir-lhe uma função de cunho investigatório, que ordinariamente trata-se de uma função administrativa, salvo quando resultar algum desvio ou abuso de poder.
Desse modo, a legislação infraconstitucional (LC nº. 105/2001) e o seu regulamento passaram a outorgar à Administração Tributária a legitimidade de dirimir um conflito entre um propalado interesse público e o direito fundamental individual, determinando e promovendo a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva sua, sem a prévia autorização do Poder Judiciário, buscando, dessa forma, viabilizar uma persecução penal mais célere e adequada.
O sigilo bancário necessita ser relativizado nas situações de previstas na lei, independente de prévia autorização do Judiciário, pois a sua não relativização apenas favorece a prática de crimes, que envolve desde a criação de empresas laranjas até o envio de dinheiro para paraísos fiscais.
Como já mencionado alhures, os direitos fundamentais não são absolutos, devendo ceder quando o interesse público assim recomendar, conforme os preceitos legais e a razoabilidade. Não se pode garantir que a norma constitucional protetora do direito à intimidade sirva de refúgio à evasão fiscal.
Tal medida é de fundamental importância para atender a fiscalização financeira estatal e o combate aos crimes de lavagem de dinheiro, não podendo o sigilo bancário se sobrepor ao interesse público na persecução penal, de modo a facilitar a prática de crimes.
Nesta linha de raciocínio, não podem ser inquinados de inconstitucionalidade os dispositivos legais que autorizam o Fisco acessar diretamente informes financeiros dos contribuintes, uma vez presentes os requisitos autorizadores da medida.
Aceitar a inconstitucionalidade dos referidos preceitos significa anular todos os procedimentos administrativos e processos judiciais em curso ou já julgados em razão da obtenção de prova por meios ilícitos. Isso apenas favoreceria os grandes criminosos responsáveis pelo desvio de vultosas quantias do país.
O sigilo bancário não se encontra inserido de forma explícita na Carta Magna. Do mesmo modo, também não está previsto na Constituição Federal de 1988 a necessidade de reserva legal para relativizá-lo.
Assim, a matéria do sigilo bancário não se encontra acobertada pelo princípio constitucional da reserva de jurisdição, já que inexiste previsão constitucional expressa nesse sentido, tampouco a Lei Complementar nº. 105/2001 estatuiu a necessidade de tal autorização.
Quando o legislador constituinte desejou criar uma cláusula de reserva jurisdicional o fez expressamente, como ocorreu na inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da CF), na interceptação telefônica (art. 5º, XII, da CF) e na prisão fora das hipóteses de flagrantes (art. 5º, LXI, da CF).
O fato da Lei Fundamental não estabelecer a necessidade de prévia autorização judicial para acessar as informações bancárias do contribuinte, não significa que haverá acesso desmedido e, consequentemente, a violação das garantias individuais. Deverá ser preservado o sigilo das informações, bem como o atendimento aos requisitos legais.
Saliente-se que, o conhecimento das operações bancárias do contribuinte pelo Fisco não traduz necessariamente uma quebra do sigilo. A ideia de quebra está relacionada com a comunicação ou informação prestada a terceiros, de forma ampla, dos dados protegidos.
O Ministro Ayres Britto, por ocasião do julgamento do RE nº.389.808/PR manifestou-se no sentido de que, nos casos em comento, não existe, verdadeiramente, uma quebra do sigilo bancário, mas uma transferência daqueles dados para um órgão da administração:
Então me parece que a conjunção do inciso XII com o inciso X da Constituição abona a tese de que o que se proíbe não é o acesso a dados, mas a quebra do sigilo, é o vazamento do conteúdo dos dados. É o vazamento, é a divulgação. E, no caso, as leis de regências, ao falar das transferências de dados sigilosos, é evidente que elas impõem ao órgão destinatário desses dados a cláusula de confidencialidade, cuja quebra implica a tipificação ou o cometimento de crime. (RE nº.389.808/PR)
De fato, a Lei Complementar nº. 105/2001, em seu art. 6º, parágrafo único, determinou que os resultados dos exames, informações e os documentos analisados fossem conservados em sigilo. Do mesmo modo, o §5º, do art. 5º, do mesmo diploma legal, determina que as informações prestadas periodicamente à Administração Tributária serão conservadas sob sigilo fiscal.
Como bem asseverou BELLOQUE (2003, p. 68), uma vez adotada a quebra de sigilo financeiro, aos destinatários das informações solicitadas também se transfere o dever de discrição.
Assim, não há necessariamente uma quebra do sigilo quando as informações são transferidas às autoridades fiscais, pelas razões juridicamente aceitáveis, uma vez que se mantém o traço sigiloso por parte do novo conhecedor da informação.
Ressalte-se, ainda, que a violação a qualquer limite implica em sanção, nos termos do art. 10, da LC nº. 105/2001, verbis:
Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
A legislação complementar prevê também a responsabilização do servidor público que vier a utilizar ou viabilizar a utilização das informações obtidas em razão da quebra de sigilo em comento:
Art. 11. O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial.
Logo, quando o Fisco toma conhecimento de informações financeiras dos contribuintes não o faz com o intuito ou com o fim de divulgá-las para terceiros. Pelo contrário, todos os agentes fiscais estão obrigados a resguardar as informações manuseadas sob pena responsabilidade penal e administrativa.
Assim, observa-se que a regra do sigilo acerca dos dados do contribuinte é mantida, apenas o acesso aos dados que é relativizado a favor dos órgãos públicos, os quais também possuem o dever de sigilo.
Resta fora de dúvida, portanto, a constitucionalidade dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar no 105/2001, que permitem o repasse de informações relativas a operações bancárias dos contribuintes às autoridades fazendárias.
A matéria objeto do presente foi alvo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº. 2.386, 2.389, 2.390, 2.397, 2.406 e 4.006.
No final do ano de 2010, o Supremo Tribunal Federal apreciou a matéria por ocasião do julgamento do RE 389.808/PR, decidindo, por maioria simples dos votos (5 x 4), que a Receita Federal não poderia ter acesso as informações bancárias do contribuinte sem autorização judicial. Abaixo, colaciona-se a ementa do supracitado julgamento:
SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte. (Pleno do STF, Relator Min. Marco Aurélio Mello, julgamento em 15/12/2010)
No referido Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal Federal, em apertada votação, julgou inconstitucional a quebra do sigilo bancário por ato próprio das autoridades fiscais, sob a alegação de que a decretação da quebra do sigilo bancário somente pode ocorrer mediante ordem fundamentada e emanada do Poder Judiciário.
O Relator do RE 389.808/PR, Ministro Marco Aurélio Mello, votou pelo provimento do recurso, determinando que o afastamento do sigilo bancário fosse submetido ao crivo do órgão eqüidistante (Judiciário). Em seu voto sustentou que a mitigação do sigilo bancário só pode ocorrer por ordem judicial e para instrução penal, pois “a quebra do sigilo sem autorização judicial banaliza o que a Constituição Federal tenta proteger, a privacidade do cidadão”.
O Ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o entendimento do relator, sem fazer maiores pronunciamentos.
O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, mudou seu posicionamento acerca da matéria por ocasião do julgamento do RE 389.808/PR. Quando da apreciação da Ação Cautelar nº. 33, semanas antes do julgamento do mérito, Gilmar Mendes posicionou-se favoravelmente ao acesso dos informes bancários pelo Fisco. Buscando fundamentar a sua alteração do entendimento, afirmou que “não se trata de negar acesso às informações, mas de restringir, exigir que haja observância da reserva de jurisdição”.
Em sua manifestação, o Ministro Celso de Mello, teceu algumas considerações sobre o direito à intimidade, sustentando que o postulado da proteção judicial tornava-se inafastável no caso dos autos, de modo de que “caberia ao Juiz, e não à administração tributária, a quebra do sigilo bancário”.
Por seu turno, o Ministro Cezar Peluso, que também acompanhou o relator, deu provimento ao recurso, lembrando que a postura então adotada em nada prejudicaria a administração pública, que poderá, de forma fundamentada, requerer ao Poder Judiciário o acesso aos dados que necessite.
Discordando do voto do Ministro-Relator, o Ministro Dias Toffoli abriu a divergência, negando provimento do RE 389.808/PR e, consequentemente permitir que a Receita Federal tivesse acesso direto aos dados sigilosos do contribuinte. Para o eminente ministro, não há que se falar em quebra de sigilo, mas em “transferência do dever de manter o sigilo, porque a quebra é crime, é ilícito”. Toffoli sustentou, ainda, que não faria sentindo a Receita Federal ter acesso ao patrimônio do contribuinte (conjunto maior), por meio da declaração anual de imposto de renda, e, ao revés, não poder acessar a atividade econômica, que é a movimentação bancária (conjunto menor).
A divergência foi seguida pela Ministra Carmem Lúcia que, não vislumbrando agressão aos direitos fundamentais do cidadão, afirmou não haver quebra da privacidade. Existiria apenas uma transferência dos dados para um órgão da administração, visando cumprir as finalidades da Administração Pública.
Com muita propriedade afirmou a eminente ministra:
Não há como se dar cobro às finalidades do Estado, especialmente da Administração Fazendária, e até ao Direito Penal, nos casos em que precisa haver investigação e penalização, se não houver acesso a esses dados, que, de toda sorte, já são de conhecimento das instituições financeiras que nem Estado são. (RE 389.808/PR)
O Ministro Ayres Britto também aderiu à divergência, citando os arts. 37, XXII e 145, §1º, ambos da Constituição Federal. Muito adequadamente, afirmou que a obtenção de dados dos patrimônios e rendas do contribuinte é “a lógica natural de uma sociedade que faz da transparência e da visibilidade verdadeiros pilares da democracia”.
Por seu turno, a Ministra Ellen Gracie, após desistir de seu pedido de vista, manifestou-se pelo improvimento do RE 389.808/PR, nos mesmos termos do argumentos reproduzidos na AC nº. 33/PR.
Dessa forma, os votos divergentes restaram vencidos, de modo que o Supremo Tribunal Federal, por maioria simples, deu provimento ao RE 389.808/PR para negar o acesso direto de informações sigilosas pela Administração Fazendária.
Muito sabiamente, Ramón Tomazela Santos (2011, p. 110) lembrou que o julgamento do RE 389808/PR representou uma inesperada alteração de posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, o qual, até então, considerava constitucional a quebra do sigilo bancário por parte das autoridades fiscais.
É que semanas antes deste julgamento do mérito do RE 389808/PR, a Suprema Corte proferiu decisão no âmbito da medida cautelar AC nº. 33-5/PR, deixando de referendar a medida liminar anteriormente concedida pelo Ministro-Relator Marcos Aurélio que obstaculava o acesso à Receita Federal das informações bancárias.
No julgamento da AC nº. 33/PR, os Ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, acompanharam o Ministro-Relator para referendar a liminar concedida em 2003, dando efeito suspensivo à decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que autorizava a prestação de informações bancárias à Receita Federal.
O Ministro Joaquim Barbosa, abriu divergência ao voto do Relator, para não referendar a medida liminar em comento, sendo seguido pelos Ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Ellen Gracie.
Assim, em 24/11/2010, com a maioria de 6x4 dos votos, o STF deixou de referendar a medida concedida pelo relator, Ministro Marco Aurélio, por considerar constitucional a quebra do sigilo bancário pela administração tributária, sem a necessidade de ordem judicial.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA (PODER GERAL DE CAUTELA). REQUISITOS. AUSÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. REFERENDO DE DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 21, V DO RISTF). CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DADOS BANCÁRIOS PROTEGIDOS POR SIGILO. TRANSFERÊNCIA DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS DA ENTIDADE BANCÁRIA AO ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. LEI 10.174/2001. DECRETO 3.724/2001. A concessão de tutela de urgência ao recurso extraordinário pressupõe a verossimilhança da alegação e o risco do transcurso do tempo normalmente necessário ao processamento do recurso e ao julgamento dos pedidos. Isoladamente considerado, o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema é insuficiente para justificar a concessão de tutela de urgência a todo e qualquer caso. Ausência do risco da demora, devido ao considerável prazo transcorrido entre a sentença que denegou a ordem e o ajuizamento da ação cautelar, sem a indicação da existência de qualquer efeito lesivo concreto decorrente do ato tido por coator (21.09.2001 – 30.06.2003). Medida liminar não referendada. Decisão por maioria.
Em 24/02/2016, o Supremo Tribunal Federal pacificou a matéria sob repercussão geral e conclui pela constitucionalidade do art. 6º, da LC 105/2001.
O STF entendeu que o repasse de dados bancários para o Fisco não pode ser considerado uma "quebra de sigilo bancário”, mas uma mera transferência de sigilo, de modo que as informações permanecem sob sigilo, não sendo acessível a terceiros, não havendo que se falar em ofensa à intimidade. Em caso de devassa dos referidos dados, a própria LC 105/2001 prevê as consequências do referido vazamento.
Acrescentou ainda o STF que o sigilo bancário não é absoluto, devendo ceder espaço ao princípio da moralidade nos casos em que transações bancárias indiquem ilicitudes. Tal tendência já vem sendo adotada em vários países desenvolvidos, de forma que a declaração de inconstitucionalidade do art. 6º, da LC 105/2001 seria um verdadeiro retrocesso no combate aos ilícitos de colarinho branco, como a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas e a formação de organizações criminosas.
Outro argumento utilizado pela Suprema Corte foi no sentido de que a identificação de patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte pela administração tributária dá efetividade ao princípio da capacidade contributiva.
Os Ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes, e Ricardo Lewandowski votaram pela constitucionalidade do art. 6º da referida lei. Enquanto isso, os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello votaram pela sua inconstitucionalidade.
Observa-se, neste momento, uma mudança de entendimento na Corte, em razão de substancial mudança em sua composição, além da alteração de entendimento por parte do Min. Ricardo Lewandowski.
Ressalte-se que o novo entendimento firmado pelo STF já era adotado pelo Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº. 1.134.665/SP, decidiu ser possível a quebra do sigilo dos dados bancários sem autorização judicial, conforme preceitua a Lei Complementar nº. 105/2001.
Pacificado o tema pelos Tribunais Superiores, conclui-se que a norma que autoriza a quebra de sigilo bancário pelo Fisco não apresenta nenhuma incompatibilidade com a Constituição Federal, encontrando-se em total consonância com o ordenamento pátrio.
CONCLUSÃO
O presente artigo procurou demonstrar a validade das disposições infraconstitucionais (art. 5º e 6º, da LC nº. 105/2001) que permitem o acesso aos referidos dados, independentemente de autorização judicial.
Em defesa da constitucionalidade dos dispositivos da LC nº. 105/2001, sustentamos que: 1) a própria Constituição Federal conferiu aos fiscais tributários a atribuição de acessar dados sigilosos do contribuinte, em seu art. 145, §1º, ao facultar que a Administração Tributária identifique o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte; 2) o sigilo bancário não pode servir de escudo ao combate dos crimes financeiros, sendo necessário o compartilhamento de dados entre as instituições financeiras e a Administração Tributária; 3) a não submissão do sigilo bancário à reserva de jurisdição, motivo pelo qual se tem como constitucional o acesso direto pelos órgãos da fiscalização tributária aos dados bancários do contribuinte; e 4) não faz sentido o uso da expressão “quebra de sigilo”, tão utilizada pela doutrina e pelos tribunais pátrios, visto que, na realidade, ocorre uma transferência de sigilo das instituições financeiras para os órgãos da Administração Tributária, mantendo-se o dever de sigilo.
Outrossim, foi ressaltada a necessidade de ser assegurado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa ao contribuinte que tiver seus dados sigilosos acessados pelas autoridades administrativas tributárias, podendo este, inclusive, submeter a medida a um controle judicial a posteriori, denunciado eventuais abusos e excessos.
Por fim, concluímos com o recente posicionamento pacificado da mais alta Corte do país sobre o tema, reconhecendo a constitucionalidade do art. 6º. Da LC 105/2001, de modo a permitir o acesso direto pelas autoridades fiscais às informações do contribuinte protegidas pelo sigilo bancário.
REFERÊNCIAS
- BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003.
- BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
- CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário: à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2008.
- CASTRO, Aldemário Araújo. A constitucionalidade da transferência do sigilo bancário para o Fisco preconizada pela Lei Complementar nº 105/2001. Artigo Federal nº. 0031/2001. Disponível em: <www.fiscosoft.com.br>. Acesso em: 19/08/2012.
- MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
- SANTOS, Ramón Tomazela. O sigilo bancário e a mudança na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – Análise crítica da decisão proferida no Recurso Extraordinário nº. 389.808 e seus efeitos perante terceiros. Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 194, p. 110-120. Novembro/2011.
Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Penal. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHULER, Liana de Andrade Lima. O afastamento do sigilo bancário pela Administração Tributária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46626/o-afastamento-do-sigilo-bancario-pela-administracao-tributaria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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