RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar a evolução histórica da responsabilidade civil do Estado, com ênfase nas mudanças ocorridas no ordenamento jurídico brasileiro a respeito do tema.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Responsabilidade Civil do Estado. Evolução.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A Responsabilidade Civil do Estado – 3. A Evolução Normativa da Responsabilidade Civil do Estado no Brasil – 4. Considerações finais – Referências.
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das sociedades trouxe a necessidade de aumentar e diversificar as atividades realizadas pelo Poder Público, havendo um alargamento das funções estatais. Com um Estado mais interventivo, provendo os mais diversos interesses dos indivíduos, há o consequente aumento de atos lesivos decorrentes do exercício das atividades da Administração Pública, acentuando, assim, a relevância do estudo da responsabilidade civil do Estado, traduzida na obrigação de reparar os danos provocados aos particulares.
O presente trabalho se inicia com uma análise da evolução histórica da responsabilidade civil do Estado, partindo-se do período das monarquias absolutistas, em que vigorava a teoria da irresponsabilidade do ente estatal, até o ponto em que se procurou dar uma maior proteção ao administrado, responsabilizando objetivamente a Administração pelos danos causados no exercício de suas funções.
Em seguida, realiza-se uma breve análise sobre as alterações ocorridas no ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema, examinando os períodos colonial, monárquico e republicano, culminando no estudo da responsabilidade civil do Estado na Constituição Federal de 1988.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A aceitação da responsabilidade civil do Estado atualmente é universal, seja na jurisprudência, doutrina ou legislação dos povos civilizados. Para chegar no estágio em que se encontra, no entanto, foi preciso um longo caminho evolutivo, recebendo tratamento diferenciado de acordo com a época e a sociedade analisadas.
Durante muito tempo, a responsabilidade estatal era restringida pela teoria da irresponsabilidade, fundamentada na ideia de soberania do Estado. Com o avanço das relações sociais, surgiram as teorias civilistas, adotando princípios do Direito Civil, baseados na ideia de culpa. Por fim, apoiada na jurisprudência francesa, surgem as teorias publicistas, afirmando que a responsabilidade do Estado se sujeita a regras especiais, não podendo ser regida pelos princípios civilistas.
Adotada na época dos Estados absolutos e obedecendo às condições políticas vigentes no período, a teoria da irresponsabilidade era baseada na soberania do Estado, autoridade superior e incontestável perante os súditos. Considerava-se, com fundamento na teoria do direito divino dos reis, elaborada por Jacques-Bénigne Bossuet, que os monarcas eram infalíveis e não poderiam causar danos, impossibilitando qualquer tentativa de responsabilizá-los. Surgiram, então, princípios como The King can do not wrong (o rei não pode errar) e Le Roi ne peut mal faire (o rei não pode fazer mal).
Alguns outros motivos serviram, ainda, para justificar a irresponsabilidade estatal, como assevera Medauar (2001, p. 429):
Várias concepções justificavam tal isenção, dentre as quais: o monarca ou o Estado não erram; o Estado atua para atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; a soberania do Estado, poder incontrastável, impede ser reconhecida sua responsabilidade perante o indivíduo.
Por seu extremo rigor, a teoria da irresponsabilidade do Estado encontra-se completamente superada, sendo os Estados Unidos, através do Federal Tort Claim Act, em 1946, e a Inglaterra, com o Crown Proceeding Act, de 1947, as últimas nações a abolirem a referida teoria de seus ordenamentos.
Em um contexto de grandes transformações sociais e uma notável evolução tecnológica, instaurou-se, a partir do século XIX, sob influência do liberalismo, a ideia do Estado de Direito, atribuindo ao ente estatal direitos e deveres comuns às pessoas jurídicas, assemelhando, para fins de indenização, o Estado ao particular. Surgem, então, as teorias civilistas da responsabilidade civil do Estado, adotando-se princípios do Direito Civil, baseados na ideia de culpa.
A primeira teoria civilista distinguia os atos de império e os atos de gestão. Os primeiros seriam aqueles atos coercitivos, decorrentes do poder soberano do Estado. Praticados exclusivamente pelo Rei, não responsabilizavam o ente estatal, possuindo privilégios e prerrogativas decorrentes da supremacia da Administração sobre os particulares.
Os atos de gestão, diferentemente, eram aqueles em que a Administração atuava como se particular fosse, com o objetivo de gestão do serviço público e administração de seu patrimônio. Estes atos eram regidos pelo direito comum, gerando ao Estado a obrigação de reparar os danos causados na atuação de seus agentes, desde que comprovada a culpa destes.
Acerca da distinção dos referidos atos, Di Pietro (2010, p. 644) explica:
Numa primeira fase, distinguiam-se, para fins de responsabilidade, os atos de império e os atos de gestão. Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum..
Pelas dificuldades trazidas ao particular, vítima do dano provocado pelo agente estatal, que muitas vezes não era ressarcido por não conseguir diferenciar as duas espécies de ato, além da impossibilidade de dividir-se a personalidade do Estado, a distinção entre atos de gestão e de império foi abandonada.
Entretanto, apesar da oposição da maioria da doutrina em relação à distinção dos citados atos, vários autores continuaram adotando a teoria civilista, surgindo, então, a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado ou teoria da culpa civil.
Para essa teoria, considerada uma evolução em relação à teoria anterior, já que a distinção entre os atos de império e gestão não era mais necessária, o Estado tornava-se responsável sempre que seus agentes, atuando no exercício da função, agissem com culpa ou dolo, causando dano a um particular. Surge, assim, o elemento culpa como condicionante da responsabilidade patrimonial do Estado, havendo um tratamento igualitário entre particular e o ente estatal, ambos respondendo segundo os ditames do Direito Privado.
Apesar do inconteste progresso com relação à teoria da irresponsabilidade, a concepção civilista não protegia de maneira eficaz o interesse dos administrados contra a indevida ingerência estatal, posto que provar a culpa do agente não era uma tarefa fácil para o particular.
Um passo a mais precisava ser dado no processo evolutivo de responsabilização estatal e, gradualmente, a teoria da responsabilidade subjetiva foi sendo substituída pela teoria da responsabilidade estatal objetiva, em que a prova da existência do elemento culpa não é necessária, dando maior segurança aos administrados.
O marco inicial do estabelecimento da responsabilidade estatal com base em princípios do Direito Público se deu com a orientação da jurisprudência francesa no famoso arrêt Blanco, em 1873.
No caso em tela, a menina Agnès Blanco foi atropelada por uma vagonete da Companhia Nacional de Fumo do Estado Francês, tendo uma perna amputada. Inconformado, seu pai, Jean Blanco, promoveu ação de indenização contra o Estado por prejuízos causados a terceiros em decorrência da atuação de seus agentes.
Surge, então, um conflito entre a jurisdição comum, responsável por dirimir conflitos entre particulares, e a administrativa, que trata de causas em que o Estado é parte. O Tribunal de Conflitos, competente para solucionar tais questões, decidiu que a controvérsia seria resolvida pelo contencioso administrativo, reconhecendo-se a aplicabilidade das normas de Direito Público em casos de responsabilidade do Estado e, consequentemente, dando margem ao aparecimento das teorias publicistas.
A primeira delas é a teoria da culpa do serviço, também chamada pela doutrina de teoria da culpa administrativa ou teoria do acidente administrativo. Para essa teoria, a responsabilidade do Estado é desvinculada da culpa individual do agente público, baseando a obrigação de indenizar na culpa do serviço, ou faute de service, segundo os franceses.
Configura-se a culpa do serviço quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Bastava, portanto, a comprovação da ausência do serviço devido ou o seu funcionamento defeituoso para responsabilizar o Estado pelos danos causados, não sendo necessário entrar no mérito da culpa do agente público.
O Estado, sujeito indubitavelmente mais poderoso que o indivíduo, atua e intervém nos diversos setores da vida social, gerando, consequentemente, situações de risco para os administrados. Com fundamento no risco natural proveniente das inúmeras atividades da Administração, e baseado no princípio da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais, que prevê a distribuição dos benefícios e prejuízos decorrentes da atuação do ente estatal entre todos os membros da sociedade, surge, por fim, a consagrada teoria do risco administrativo. Tal teoria prescinde da apreciação do elemento culpa, seja ela do agente ou do serviço, para a responsabilização do Estado, bastando que haja a demonstração de uma atuação estatal causadora de dano ao particular.
A teoria do risco administrativo, o maior avanço na evolução histórica da responsabilidade civil do Estado, é assim definida por Di Pietro (2010, p. 646):
Nessa teoria, a ideia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular. Constituem pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado: a) que seja praticado um ato lícito ou ilícito, por agente público; b) que esse ato cause dano específico (porque atinge apenas um ou alguns membros da coletividade) e anormal (porque supera os inconvenientes normais da vida em sociedade, decorrentes da atuação estatal); c) que haja um nexo de causalidade entre o ato do agente público e o dano.
Entretanto, existem algumas causas excludentes de responsabilidade que, retirando o nexo de causalidade entre a conduta Estatal e o dano causado, atenuam ou eximem o Estado do dever de indenizar o particular. São elas: culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiros ou força maior.
É essa característica que distingue a teoria do risco administrativo da teoria do risco integral, em que o Estado é obrigado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não há, portanto, a possibilidade de alegação das excludentes de responsabilidade, restando o dever de indenizar do Estado mesmo que não haja o nexo de causalidade entre o ato do agente público e o dano.
3. A EVOLUÇÃO NORMATIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL
No ordenamento jurídico brasileiro, seguindo a divisão didática feita por Diógenes Gasparini (2005, p. 911), a evolução da responsabilidade civil pode ser dividida em três momentos distintos: o período colonial, o período imperial e o período republicano.
Com relação ao primeiro período, há doutrinadores que afirmam a existência da responsabilidade patrimonial do Estado, aplicando-se as regras do Direito Privado, com base na culpa. Gasparini, entretanto, defende que vigorava, à época, a teoria da irresponsabilidade estatal, em sintonia com as normas absolutistas vigentes em Portugal, como se observa:
Nesse período vigoravam, em nosso território, as leis portuguesas, e estas aceitavam os postulados da teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, a única compatível com o governo monárquico português da época. Destarte, os colonos não tinham, pelo menos em princípio, qualquer direito a indenização por danos causados por agentes da Coroa portuguesa. (Gasparini, 2005, p. 911).
Com o advento do período imperial, surge, através de leis e decretos esparsos, a responsabilidade patrimonial do Estado. Tal responsabilidade era prevista, por exemplo, em casos de danos causados por estrada de ferro, serviços de correio e colocação de linhas telegráficas.
A Constituição de 1824, em seu art. 179, XXIX, previa a responsabilidade dos empregados públicos pelos abusos e omissões praticadas no exercício de sua função, ressaltando, porém, em seu art. 99, a impossibilidade de responsabilização do Imperador, já que o Chefe Supremo era sagrado e inviolável.
Com dispositivo semelhante ao presente na Carta Imperial, a primeira Constituição da República, de 1891, em seu art. 82, também previa a responsabilidade dos funcionários públicos pelos abusos e omissões que incorrerem no exercício dos seus cargos ou quando fossem indulgentes com seus subalternos.
A Constituição de 1934, em seu artigo 171, adotou expressamente a responsabilidade solidária entre funcionário e Estado, inovação que vinha sendo paulatinamente construída pela doutrina e jurisprudência da época. Essa solidariedade colocava funcionário e Administração como litisconsortes passivos necessários na demanda postulada pelo particular lesado por uma conduta praticada pelo agente estatal no exercício de sua competência. A inovação trazida pelo artigo 171, da Carta de 1934, foi ratificada na Constituição posterior, de 1937, que reproduziu ipsis verbis o conteúdo do referido dispositivo.
A grande mudança veio com a Constituição de 1946, que, atendendo aos anseios dos juristas, adotou expressamente a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, além de disciplinar a ação regressiva em face de seu agente. Interessante destacar que o dispositivo previsto na Constituição de 1946 só fazia referência às pessoas jurídicas de direito público interno, excluindo da responsabilização objetiva as pessoas jurídicas de direito privado delegatárias do Estado, ficando estas regidas pelo Direito Privado. Destaque-se, ainda, a manutenção do direito de regresso contra o agente estatal em caso da presença do elemento culpa na atuação deste.
Exaltando a nova diretriz trazida pela Constituição de 1946, Meirelles (1989, p. 555) comenta:
Só louvores merece a nova diretriz constitucional, mantida na vigente Constituição, que harmoniza os postulados da responsabilidade civil da Administração com as exigências sociais contemporâneas, em face do complexo mecanismo do Poder Público, que cria riscos para o administrado e o amesquinha nas demandas contra a Fazenda, pela hipertrofia dos privilégios estatais.
A Constituição de 1967 manteve o regime da responsabilidade civil do Estado adotado pela precedente, repetindo, em seu artigo 105, a norma constante na Carta anterior. Acrescentou-se, no parágrafo único do referido artigo, a possibilidade de ação regressiva nos casos de dolo ou culpa do funcionário, expressão que não estava presente na Constituição de 1946. A Emenda n. 1, de 1969, não trouxe inovações sobre o tema, mantendo o dispositivo consagrador da responsabilidade objetiva do Estado.
3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Dispõe o art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadora de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Analisando o dispositivo presente na vigente Carta, percebe-se que houve a ratificação da responsabilidade objetiva Estado, fundamentada na teoria do risco administrativo, surgindo o dever de indenizar pela simples provocação da lesão injusta ao particular em virtude do comportamento estatal, sem se exigir qualquer falta do serviço público ou culpa de seus agentes. Estes só têm o dever de ressarcir o Estado da quantia paga ao particular lesado caso fique comprovada sua atuação culposa.
O Código Civil de 2002, segue, em seu artigo 43, a orientação prevista na Constituição, revogando a legislação civil anterior, que previa a responsabilidade subjetiva do Estado.
Apesar de omisso o atual Código Civil neste sentido, a vigente Constituição, seguindo a evolução do pensamento jurídico doutrinário e jurisprudencial, equiparou, para fins de responsabilização objetiva, as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos às pessoas jurídicas de direito público, pois tais entidades, apesar de serem dotadas de personalidade privada, representam verdadeiros prolongamentos da Administração Pública quando atuam no âmbito de suas delegações.
Alguns doutrinadores entendiam que as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público só eram civilmente responsáveis caso o dano houvesse sido causado em usuários, já que somente estes teriam direito a uma prestação de serviço adequada, havendo a exclusão da responsabilidade objetiva perante terceiros lesados.
Tal entendimento, entretanto, não prosperou. O Supremo Tribunal Federal mudou sua orientação inicial sobre a matéria, pacificando o entendimento de que a responsabilidade civil das permissionárias e concessionárias de serviço público, no que tange aos danos causados a terceiros, será de natureza objetiva, mesmo que a vítima do dano tenha sido não usuário do serviço público oferecido.
A mudança de jurisprudência do STF teve como base a impossibilidade de se interpretar restritivamente o dispositivo constitucional, não se admitido a distinção entre usuários e não usuários do serviço público, já que ambos podem ser lesados pela atividade estatal. Afirmou-se, ainda, que fazer tal distinção iria de encontro à natureza do serviço público, que tem caráter geral e se dirige a todos os cidadãos.
Para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado, com base na teoria predominante, são necessários, obrigatoriamente, três elementos: dano, fato administrativo e o nexo de causalidade entre o dano causado e a ação do Estado.
O elemento dano é configurado quando há uma lesão, derivada de um certo evento e contra a vontade do ofendido, atingindo seu conjunto de valores juridicamente protegido.
O dever do Estado em indenizar, como ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 1011), independe da análise da ilicitude de seu comportamento, já que é possível sua responsabilização até mesmo por atos lícitos, como, por exemplo, na hipótese de a Administração proceder o nivelamento de uma rua, causando prejuízo em algumas residências. Com relação aos atos ilícitos, exige-se, para que surja a obrigação estatal de indenizar, que o dano causado seja certo e jurídico.
Outro elemento fundamental na caracterização da responsabilidade civil objetiva do Estado, o fato administrativo é definido por Carvalho Filho (2009, p. 531) como “qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público”. A lesão, portanto, deve advir de uma conduta de agente público, expressão entendida de forma ampla, considerando-se servidores, agentes políticos e todos aqueles que agirem, de forma comissiva ou omissiva, expressando a vontade estatal.
Último dos pressupostos, o nexo causal é definido como o elo entre o evento danoso e a conduta comissiva ou omissiva do agente. Trata-se de um conceito decorrente das leis naturais, indispensável na análise de qualquer tipo de responsabilidade civil, seja ela subjetiva ou objetiva, que procura explicar o vínculo de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado.
Comprovando que nosso ordenamento jurídico se filiou à teoria do risco administrativo, existem algumas hipóteses em que, rompendo ou relativizando o nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado, a responsabilidade civil do Estado é elidida ou atenuada. Como excludente de responsabilidade, destacam-se a força maior, a culpa exclusiva da vítima e a culpa de terceiros. A culpa concorrente da vítima é o exemplo de causa atenuante da responsabilidade estatal.
A força maior é caracterizada por um acontecimento imprevisível e incontrolável, tornando impossível a atuação estatal diante da imprevisibilidade de tais fenômenos e, consequentemente, justificando a exclusão de sua responsabilidade por eventuais danos causados. Os fenômenos naturais, como furacões e terremotos, são os exemplos mais comuns de força maior.
Ressalte-se, entretanto, que se houver omissão ou atuação deficiente por parte do Estado na prestação de um serviço, este será responsabilizado mesmo em casos de força maior, já que seu desleixo foi diretamente responsável pelos danos sofridos. Entende-se que o Estado responde subjetivamente nestes casos, com base na teoria da culpa do serviço público.
A doutrina diverge quanto à conceituação de caso fortuito, havendo autores que entendem que este se confunde com a força maior. O entendimento mais correto parece ser o de Di Pietro (2010, p. 652), que afirma a ocorrência do caso fortuito nas hipóteses em que o dano seja decorrente de ato humano ou de falha de Administração, não se tratando de causa excludente de responsabilidade. Cita-se, como exemplo, o caso em que há o rompimento de uma adutora ou de um cabo elétrico, causando dano a terceiros.
A culpa exclusiva da vítima é outra causa excludente de responsabilidade estatal, já que este não pode ser responsabilizado por um fato que em não teve qualquer participação, não existindo, portanto, o nexo causal entre a conduta do agente e o dano sofrido. Ressalte-se que quando há culpa concorrente entre a vítima e o Poder Público, o nexo causal não é rompido, mas apenas relativizado, havendo a atenuação da responsabilidade estatal.
A excludente por culpa de terceiros ocorrerá quando o dano for causado por agente não integrante da Administração Pública. Se assemelha aos casos de força maior com relação aos motivos justificadores da exclusão da responsabilidade estatal, já que o fato de terceiro também é imprevisível e inevitável.
Importante destacar que o Estado é responsável por provar a existência das referidas causas atenuantes e excludentes de responsabilidade, havendo a inversão do ônus da prova.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, portanto, que houve uma intensa evolução na forma de responsabilizar o Estado por seus atos ao longo da história, iniciando-se no período em que, com base na soberania estatal, negava-se a possibilidade de responsabilização pelos danos causados a particulares, perpassando regimes fundados na responsabilidade subjetiva, baseados nos princípios do Direito Civil, até o ponto em uma maior proteção foi dada aos administrados, responsabilizando o Estado objetivamente, sem a necessidade de verificação do elemento culpa.
Em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição de 1946 foi a primeira a adotar a responsabilidade civil objetiva do Estado, enquanto a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, §6º, consagrou expressamente a responsabilidade objetiva da Administração, na modalidade do risco administrativo, ou seja, admitindo as excludentes de responsabilidade.
A teoria adotada não podia ser outra, tendo em vista a grande dificuldade de a vítima demonstrar o dolo ou a culpa da Administração Pública para que seja ressarcida. Assim, o Estado, ao exercer uma atividade, deve também assumir os riscos inerentes a esse exercício.
REFERÊNCIAS
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
FARIA, Edimur de Ferreira. Curso de Direito Administrativo Positivo. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
LIMA, Alvino. Responsabilidade Civil pelo Fato de Outrem. 2ª. ed. rev. e atual. por Nelson Nery Junior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. rev. e atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Brule Filho. São Paulo: Malheiros, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
Advogado, graduado pela Universidade Federal do Ceará. Aprovados nos seguintes concursos: Procurador do Estado do Piauí, Procurador do Estado do Paraná, Procurador do Município de São Paulo, Procurador do Município de Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Thiago Cardoso. A evolução da responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46632/a-evolucao-da-responsabilidade-civil-do-estado-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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