RESUMO: Propõe-se um estudo sobre o sigilo bancário, analisando-se a possibilidade de relativização e o seu controle judicial. Trata-se de tema controvertido, já que de um lado tem-se a proteção constitucional do direito à intimidade, na qual se insere o sigilo bancário; de outro o interesse público de tributar e de combater práticas criminosas.
Palavras chave: sigilo bancário; relativização; controle judicial; princípio da proporcionalidade.
INTRODUÇÃO
A importância do sigilo bancário é demonstrada pelos grandiosos debates, tanto pela doutrina como nos tribunais pátrios.
No presente artigo será analisado o controle judicial do sigilo bancário e a possibilidade de sua relativização, tanto no ordenamento pátrio, como no direito comparado.
Em seguida, serão abordadas as hipóteses constitucionais de reserva de jurisdição, buscando-se demonstrar a não submissão do sigilo bancário à cláusula de reserva de jurisdição.
Por fim, será apresentada ainda uma reflexão sobre a colisão de interesses, discorrendo-se brevemente a respeito do princípio da proporcionalidade e sustentando ser razoável que os direitos individuais cedam frente ao interesse público.
A privacidade, entendida como direito fundamental dos indivíduos, encontra-se tutelada no art. 5º, inciso X, da Carta Magna. Como visto no capítulo anterior, a privacidade em sentido amplo consiste na inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem.
O sigilo bancário, por sua vez, encontra-se inserido na esfera da intimidade dos indivíduos, constituindo, por conseguinte, verdadeiro direito fundamental.
A esse respeito, salientou Carvalho que:
Embora não esteja constitucionalmente previsto, na maioria dos casos o sigilo bancário tem a ver com o direito fundamental à privacidade, quando então deve ser entendido como um direito fundamental, decorrente do regime e dos princípios adotados pela Constituição. (CARVALHO, 2008, p. 131)
Embora se revista de natureza de direito fundamental, o sigilo bancário não ostenta caráter absoluto, sendo plenamente configurável a sua quebra diante das hipóteses legais.
A esse respeito, Covello leciona que “embora se destine a proteger a intimidade das pessoas, apresentando-se como a manifestação de um dos direitos essenciais do ser humano não é um direito absoluto” (COVELLO, 2001, p. 165).
Lembra Gustavo Gonet Branco (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 424) que o sigilo bancário também encontra limitações, assim como qualquer direito fundamental, que resultam do próprio fato de vivermos em sociedade e de existirem outros valores constitucionais de igual ou maior importância, a depender do caso concreto.
A despeito de ser considerado uma cláusula pétrea, este instituto pode e deve ser relativizado, a fim de que seu escopo não seja deturpado, através do encobrimento de atividades ilícitas.
A restrição dos direitos individuais fundamentais tem por desiderato a sua compatibilização com os demais direitos individuais e os direitos coletivos. Nesse sentido, é válido destacar julgado do STF acerca da matéria:
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. (MS 23.452-RJ, julg. 16/09/99. DJU 15/12/00, p. 20)
Como bem observou Carvalho (2008, p. 232), a previsão legal do afastamento do sigilo bancário pelo Fisco envolve uma contraposição de valores e interesses constitucionais.
Se um lado a proteção do sigilo torna-se imprescindível na sociedade atual, para preservar a privacidade das pessoas, não tornando público informações capazes de revelar expressões da intimidade e da vida privada do indivíduo; de outro apresenta-se o interesse coletivo de tributar e de evitar a prática de crimes contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro etc.
Existindo uma colisão entre um direito individual e um direito da coletividade, deve haver uma ponderação de valores, à luz do princípio da proporcionalidade, a fim de se verificar qual deles deverá prevalecer no caso concreto. Na resolução do conflito devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para que, sopesadas os aspectos específicos da situação, verifique-se qual direito deverá preponderar.
Assim é que o direito fundamental à privacidade pode ser relativizado por eventual quebra do sigilo bancário, quando tais informações digam respeito a fatos relevantes para a sociedade. Tal restrição não significa a eliminação do sigilo bancário, mas sua compatibilização com outros interesses ou valores igualmente protegidos na Constituição Federal (CARVALHO, 2008, p. 19).
No entender de Roque (2002, p. 98), ao limitar o sigilo bancário, o Estado busca uma melhor atuação da justiça para apurar os crimes, além de possibilitar o Fisco atuar com mais efetividade, permitindo-lhe descobrir as riquezas que se ocultam, escapando da tributação.
Neste momento, é de fundamental importância um breve estudo acerca do sigilo bancário no direito comparado, o que possibilitará uma análise dos avanços e atrasos que o ordenamento pátrio apresenta em relação aos demais países, além de fornecer uma visão mais abrangente acerca do instituto.
Hodiernamente, observa-se um movimento internacional no sentido de flexibilização do sigilo bancário sem a intervenção do Poder Judiciário. São exemplos de países que caminham neste sentido: os Estados Unidos, a França, a Espanha, a Bélgica e a Holanda. Tal postura decorre da necessidade de combater crimes contra a ordem financeira, econômica e tributária, existentes mundo afora.
Segundo assinala ROQUE (2002, p. 99), a intensidade do sigilo bancário em cada país varia de acordo com a ideologia de cada governo. Quanto mais liberal o Estado, maiores são as liberdades individuais e, consequentemente, mais intenso será o sigilo. Adverte a autora que mesmo em Estados liberais faz-se necessário criar limitações ao sigilo, não podendo os direitos e garantias individuais prejudicar o interesse público e coletivo.
Dois fatos caracterizam o tratamento dado ao sigilo bancário no Direito Espanhol: a existência de poucas normas que tutelam o instituto e a existência de inúmeras hipóteses legais de restrição do sigilo diante do poder público.
Conforme frisou Carvalho (2008, p. 42), um dos principais limites ao instituto no direito espanhol reside no dever de colaboração dos bancos com a Administração da Justiça. Outra hipótese de restrição relevante diz respeito às prerrogativas da Administração Tributária, que derivam da obrigação do contribuinte com o sustento dos gastos públicos. Para que seja possível essa restrição, a lei espanhola impõe requisitos materiais e formais previstos na Lei Geral Tributária (Lei 230/63).
O que se observa na Espanha é que, embora considerado um direito fundamental, o sigilo bancário deve ceder em face do dever constitucional de colaboração fiscal, podendo a Administração Tributária afastar diretamente o sigilo, independentemente de autorização judicial, desde que respeitadas as garantias materiais e o procedimento adotado.
Embora haja uma tendência atual em flexibilizar o sigilo bancário, o Direito Português continua protegendo bem o instituto de rupturas e quebras diretamente por autoridades da fiscalização tributária.
Nesse país, o ordenamento jurídico que tutela normas de crimes de tráfico, lavagem de dinheiro e crimes ligados às atividades financeiras, permitem a revelação de informações protegidas pelo sigilo durante a investigação criminal, cabendo, contudo, à autoridade judicial determinar o levantamento do dever de sigilo (CARVALHO, 2008, p. 51).
No tocante ao afastamento do sigilo pelo Fisco, a Lei de Reforma da Tributação possibilitou o acesso direto a informes bancários dos contribuintes, respeitados os ditames legais. O acesso só é permitido se há recusa do contribuinte em fornecer as informações.
Apesar do avanço, lembra Carvalho (2008, p. 54) que muitos autores portugueses ainda se manifestam contra o acesso direto sem prévia intervenção judicial.
Nos Estados Unidos da América, o sigilo bancário é reconhecido pela jurisprudência como um direito do cliente e um dever dos bancos. A Suprema Corte do país afastou o entendimento de que o sigilo teria fundamento constitucional, como projeção do direito à privacidade, possibilitando a Administração Fiscal uma ampla investigação.
O acesso aos informes sigilosos pela Administração Tributária é permitido, uma vez cumpridos os seguintes requisitos: notificação do interessado, transcurso de tempo para que o particular possa se opor judicialmente à medida, não exibição pelo banco dos dados solicitados até que a autoridade pública certifique por escrito ter seguido o procedimento legal.
A Lei sobre o Controle da Lavagem de Dinheiro (Money Laudering Act) criou novas possibilidades de obtenção de dados protegidos pelo sigilo bancário, como o dever de a instituição financeira fornecer às autoridades informações sobre clientes, conta e operação suspeita, independentemente de intimação (CARVALHO, 2008, p. 66).
Após os atentados terroristas de 11/09/2001, o país expediu o USA Patriot Act, que apresenta típicos casos de relativização do sigilo bancário, permitindo que a Administração Pública tenha acesso a vida econômica das pessoas com vistas ao combate do terrorismo.
Na Argentina o sigilo bancário tem base jurídica constitucional e, como no Brasil, não está previsto de forma explícita em sua Constituição. Seu fundamento decorre de uma construção interpretativa, derivando do direito à intimidade e do direito à inviolabilidade da correspondência e dos papéis privados (CARVALHO, 2008, p. 57).
Com relação ao acesso direto às informações bancárias pela Administração Tributária, tem-se que este é possível, respeitada a condição de prévio requerimento aos investigados, não estando em andamento nenhum processo de fiscalização tributária. Tal faculdade leva em consideração a importância de um desenvolvimento eficiente da gestão tributária.
No Direito Italiano predomina, tanto na doutrina como na jurisprudência, a tese de que o sigilo bancário possui uma base costumeira, não obstante haja previsão legal.
Entre a década de 80 e 90, com a criação de um conjunto de leis, como o Código de Processo Criminal, a Lei Anti-Máfia e a Lei Orçamentária, houve um alargamento das hipóteses de afastamento do sigilo bancário.
No que diz respeito à obtenção de informações sigilosas pelas autoridades fiscais, a legislação italiana permite que a administração tributária tenha acesso a tais dados, buscando, assim, “evitar que o sigilo sirva de abrigo para a evasão fiscal e a criminalidade econômica” (CARVALHO, 2008, p. 72).
No ordenamento jurídico Alemão não há qualquer norma explícita em proteção ao sigilo bancário. Por esta razão, há divergências doutrinárias quanto ao seu fundamento. As limitações mais importantes do sigilo bancário neste país se dão em relação à Administração da Justiça e ao Fisco. No tocante a este último, o sigilo encontra-se bastante restringido em razão dos poderes concedidos às autoridades fiscais para obter documentos e registros em poder de terceiros, condicionando-se determinados aspectos formais.
Segundo observa Roque (2001, p. 104), na Alemanha a administração tem a possibilidade de requisitar informações às instituições financeiras sobre a situação econômica dos contribuintes, bem como saldos e operações realizadas. A Alemanha, assim como os demais países, vem flexibilizando o instituto no intuito de combater da lavagem de dinheiro.
Por último, o direito francês apresenta explicações econômicas e financeiras para o surgimento do sigilo bancário. Uma das exceções ao instituto consiste na obrigação de fornecer informes bancários às autoridades administrativas francesas, resguardados os interesses dos investigados. A informação revelada é limitada às
pessoas indicadas por Lei, que devem manter o dever de sigilo.
Tecidas as considerações supra a respeito do sigilo bancário no direito comparado, passemos a analisar o afastamento do sigilo bancário no ordenamento jurídico pátrio.
O princípio da reserva constitucional de jurisdição foi propagado pelo constitucionalista lusitano Joaquim José Gomes Canotilho. Segundo o ilustre autor, a prática de determinados atos que impliquem restrições a direitos resguardados pela Constituição somente pode ser ordenada pelo Poder Judiciário, em razão de uma discriminação material de competência jurisdicional constante da Carta Magna (CANOTILHO, 1998, p. 580).
Leciona Canotilho que “a idéia de reserva de jurisdição implica em reserva de juiz” (2002, p. 658), o que, em sentido rigoroso, significa que em determinadas matérias cabe ao juiz não apenas a última análise, mas também a primeira palavra.
Para Carvalho (2008, p. 211), o postulado da reserva de jurisdição consiste em submeter a prática de determinados atos exclusivamente ao Poder Judiciário, por imposição expressa da Constituição Federal. Isto significa que em certas situações, os juízes possuem não só o monopólio da decisão final, mas também a primeira palavra.
Na grata expressão do Ministro Celso de Mello, o postulado de reserva constitucional de jurisdição importa em:
Submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (MS 23.452-RJ de 16/09/1999).
A cláusula constitucional de reserva de jurisdição consiste, portanto, na submissão de determinadas decisões à seara exclusiva do Poder Judiciário. Tal procedimento não constitui uma atividade de praxe do Judiciário, mas uma exceção, já que apenas determinados atos são submetidos a uma apreciação prévia dos magistrados.
Carvalho (2008, p. 143) considera que existem duas modalidades de restrições de direitos fundamentais, são elas: as restrições imediatamente constitucionais e as restrições legais constitucionalmente autorizadas.
A primeira consiste nas restrições descritas na própria Carta Magna. São exemplos: a restrição prevista no art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, o qual determina que a prisão, salvo em flagrante, necessita de ordem escrita da autoridade judiciária competente; e aquela prevista no inciso XII, do mesmo dispositivo legal, estatuindo a necessidade de ordem judicial prévia para a quebra do sigilo telefônico.
Já as restrições legais constitucionalmente autorizadas, são aquelas cuja imposição feita por lei é admitida na Constituição, podendo decorrer da reserva de lei ou de uma colisão direta de direitos fundamentais.
O que se verifica do exposto é que, em determinadas situações, a Constituição Federal conferiu ao Poder Judiciário a possibilidade de restringir direitos, mediante submissão prévia de certas situações ao crivo do magistrado.
Tais restrições estão expressamente previstas em numerus clausus na Carta Suprema, pois, se assim não fosse, teríamos que submeter todos os atos administrativos à esfera de apreciação do Poder Judiciário.
Por esta razão, levando em consideração a relevância do assunto, o legislador constituinte previu a necessidade de tal autorização para algumas matérias específicas.
Desse modo, a Constituição Federal de 1988 previu taxativamente a necessidade de prévia manifestação judicial em três casos específicos, quais sejam: a busca domiciliar (art. 5º, inciso XI); a interceptação de comunicações telefônicas (art. 5º, inciso XII); e a prisão fora do flagrante (art. 5º inciso LXI). Ipsis literis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal
(...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
Conforme se depreende do texto constitucional acima transcrito, a efetivação da busca domiciliar, da interceptação de comunicações telefônicas e da prisão fora do flagrante exige, necessariamente, a intervenção judicial preliminar. Trata-se, portanto, de hipóteses constitucionalmente previstas do postulado da reserva de jurisdição.
Como se observa, o afastamento do sigilo bancário no Brasil não decorre de uma restrição imediatamente constitucional, vez que não se encontra albergado dentre as hipóteses de reserva de jurisdição acima citadas.
No entanto, há quem defenda que o afastamento do sigilo bancário estaria submetido ao postulado de reserva de jurisdição, sendo o Poder Judiciário o único órgão competente para decretar a sua quebra. Nesta linha de raciocínio posiciona-se Belloque, Celso Bastos e Hugo de Brito Machado (CARVALHO, 2008, p. 213).
Data venia, atrevo-me a discordar da idéia de que o afastamento do sigilo bancário submete-se a regra da reserva de jurisdição. Primeiro, pelo fato de não existir dispositivo constitucional explícito nesse sentido. Como vimos a pouco, a Constituição Federal albergou apenas três hipóteses em que se faz necessário a intervenção judicial prévia (art. 5º, incisos XI, XII e LXI, da CF/88). Segundo, porque o afastamento do sigilo bancário por autoridade não judicial pressupõe que sejam respeitadas todas as cautelas processuais.
Como bem ponderou Sanctis (2005, p. 83), a reserva de jurisdição reclama explícita menção constitucional, não estando o conhecimento de informações bancárias ali inserida.
Acentua Gustavo Gonet Branco que “o STF não toma a quebra do sigilo bancário como decisão integrante do domínio das matérias sob reserva de jurisdição” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 428).
A esse respeito, pronunciou-se o Ministro Celso de Mello:
O princípio constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) – não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3º), assiste competência à Comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas. Autonomia da investigação parlamentar (MS 23.652/DF).
A própria Corte Suprema admitiu que a cláusula da reserva de jurisdição incide tão-somente nas hipóteses constitucionalmente previstas. Assim, não há razão para submeter o afastamento do sigilo bancário ao postulado da reserva de jurisdição.
Não se coaduna, portanto, com texto constitucional a necessidade de autorização judicial para efetivar a quebra do sigilo bancário por parte da autoridade administrativa, pois, como visto, o legislador constituinte não previu tal imposição. Uma interpretação em sentido contrário seria admitir uma interpretação extensiva da Carta Magna, o que fere os preceitos constitucionais e o próprio Estado Democrático de Direito.
Segundo ensina Cristóvam, a proporcionalidade deve ser entendida como “uma máxima, um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial” (2008, p. 211). Analisa o autor que a proporcionalidade seria constituída pelas seguintes máximas: 1) máxima da conformidade ou adequação dos meios; 2) máxima da exigibilidade ou necessidade; e 3) máxima da ponderação ou proporcionalidade em sentido estrito.
Assinala Carvalho (2008, p. 146) que a aplicação do princípio da proporcionalidade deve se dar tanto para a restrição legal de direitos fundamentais, como para a produção da norma de decisão aplicável na hipótese de colisão desses direitos.
O princípio da proporcionalidade, nos termos descritos pela doutrina alemã, consiste na integração de três subprincípios, quais sejam: o princípio da adequação, o princípio da necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação se traduz numa exigência de que a medida restritiva deve se idônea à consecução da finalidade perseguida. O magistrado deve então examinar se a medida restritiva é apta a atingir o fim pretendido. Tal princípio deve ser entendido como uma exigência de que os meios escolhidos sejam apropriados para a consecução do fim pretendido.
Segundo Cristóvam (2008, p. 217), o juiz, através da máxima da adequação, deve examinar se o meio escolhido é idôneo à obtenção do resultado pretendido, ou seja, à satisfação do interesse público.
A máxima da necessidade, por sua vez, deve ser entendida como as razões que justificam a medida. A medida restritiva deve ser indispensável à conservação do próprio ou de outro direito fundamental, não podendo ser substituído por outra menos eficaz.
Analisando o subprincípio da necessidade, Cristóvam (2008, P. 217) assevera que o juiz, no exame da proporcionalidade em um caso concreto, deve observar se a medida tomada pela Administração ou Poder Legislativo, dentre as possíveis para alcança o fim almejado, é que a menos gravosa aos cidadãos. Isto significa dizer que, dentre as opções disponíveis, deve-se escolher aquela menos onerosa aos direitos fundamentais.
Sobre o assunto, Barros assinala que:
O pressuposto do princípio da necessidade é o de que a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa (2003, p. 81-83).
Assim, o juiz, além de indicar o meio mais idôneo, tem que justificar porque produziria menos prejuízo entre os vários meios adequados. Lembra, ainda, o referido autor que a aferição da necessidade de restrição a determinado direito fundamental dá-se tanto qualitativamente, como quantitativamente. Isto porque uma medida restritiva considerada apta quanto ao seu fim almejado pode ser inadequada quando avaliado o seu critério temporal.
Deve, portanto, o magistrado também auferir a temporalidade da medida restritiva, evitando, assim, que a ocorra uma restrição ad eternum, que não se coaduna com o princípio da proporcionalidade.
Quanto ao subprincípio da ponderação ou proporcionalidade em sentido estrito, este é de grande relevância para determinar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim perseguido (BARROS, 2003, p. 85).
Com a devida aplicação deste subprincípio, procura-se ponderar a carga de restrição em função dos resultados, de maneira a garantir uma equânime distribuição de ônus.
Embora algumas medidas administrativas ou legislativas sejam adequadas e necessárias, muitas vezes podem ser excessivamente restritivas e limitadores dos direitos fundamentais dos cidadãos, ferindo assim outro direito também garantido constitucionalmente (CRISTÓVAM, 2008, p. 219).
Isto significa dizer que, mesmo quando a medida restritiva de direito fundamental seja considerada adequada ao fim a que se presta ou mesmo quando não há outro meio menos gravoso para se atingir o resultado, o juiz não está apto a determinar uma providência que imponha um ônus demasiado ao atingido.
Desse modo, a máxima da proporcionalidade em sentido estrito consiste na ideia de “justa medida”, ou seja, os meios utilizados devem guardar razoável proporção com o fim almejado, apresentando um sustentável equilíbrio.
Para Cristóvam (2008, p. 233), não seria possível aceitar que um princípio constitucional seja declarado inválido pelo fato não podermos aplacá-lo em uma determinada situação. O que ocorre é apenas um “recuo” de um princípio específico frente àquele de maior peso e importância no caso concreto.
Percebe-se, assim, que para restringir um direito fundamental mister se faz uma ponderação de valores, além de um balanceamento dos interesses envolvidos, principalmente daquele que venha a ser restringido.
Trata-se, pois, de tarefa árdua, que exige do intérprete um raciocínio amplo, de modo a compatibilizar os interesses em conflito. Na expressão de Marques (2008, p. 107), trabalhar com princípios significa lidar com valores, em que não há uma verdade real, exclusiva e pré-existente. Deve-se descobrir caminhos traçados pela hermenêutica para obter uma conciliação entre interesses plurais e contrapostos contidos no texto constitucional.
No caso do sigilo bancário, existem várias leis no Brasil que fixam a sua restrição, a exemplo da Lei Complementar nº. 105/2001, que fixa inúmeras hipóteses de afastamento do sigilo bancário em face do Estado.
O sigilo bancário, quando protege informações reveladoras da intimidade e da vida privada, é considerado direito fundamental, o qual não é absoluto, podendo ceder diante de um bem maior.
Conforme lembrou Gustavo Gonet Branco, “o sigilo haverá de ser quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com status constitucional, que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 429).
Veja-se que, a própria noção de restrição dos direitos fundamentais, importa dizer que eles não são absolutos. Um ordenamento que preste um tratamento muito rígido ao sigilo bancário, não autorizando sua quebra diante do interesse público, abre as portas para o crime. Por isso, torna-se imprescindível a análise do conflito de interesses sob o prisma da proporcionalidade.
Na ótica de Robert Alexy (Apud. CARVALHO, 2008, p. 147), as colisões entre direitos fundamentais podem ocorrer de modo amplo ou restrito. No sentido amplo, as colisões envolvem um conflito entre um direito fundamental e um bem coletivo. Enquanto que em sentido estrito, as colisões se dão entre direitos fundamentais, sejam estes idênticos ou distintos.
Trataremos neste trabalho mais especificamente das colisões em sentido amplo, envolvendo de um lado a necessidade de sigilo de informações bancárias reveladoras de intimidade, de outro a necessidade fiscalizatória do Estado.
A quebra do sigilo bancário pela Administração Tributária implica numa verdadeira colisão de direitos, onde de um lado tem-se o direito fundamental à intimidade, de outro a tutela de um bem constitucionalmente protegido, a arrecadação tributária.
Essa tensão se resolve mediante a ponderação de interesses opostos, devendo-se determinar qual destes interesses, abstratamente, possui maior peso no caso concreto (CRISTÓVAM, 2008, p. 234).
Importante ressaltar que, para restringir o direito ao sigilo bancário, deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido, a sua necessidade, ou seja, antever se não há outro meio menos danoso ao indivíduo, além de estar o pedido acompanhado da prova de sua utilidade (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 429).
Como podemos verificar, diante da presença do interesse público, a teoria da proporcionalidade autoriza a relativização do sigilo bancário, com o consequente acesso aos dados de conteúdo financeiro do contribuinte.
É preciso, portanto, sopesar os interesses, bens ou valores constitucionais envolvidos, ao invés utilizar-se do argumento de inviolabilidade do sigilo bancário em face de sua natureza de direito fundamental, para legitimar interesses escusos, como corrupção, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, dentre outros, devendo o interesse coletivo prevalecer para repreender as práticas ilícitas.
Conforme salientou Sanctis (2005, p. 67), não se pode dar uma interpretação extremada à constituição, de modo a exaltar demasiadamente os direitos individuais e, por outro lado sufocar os fins sociais do Estado brasileiro.
A esse respeito, convém lembrar os ensinamentos de Covello:
Toda vez que o interesse do conhecimento da notícia é considerado relevante, em face da ordem social, deve prevalecer sobre aquele da intimidade, porque a divulgação da circunstância coberta pelo sigilo bancário se justifica por representar interesse superior (2001, p. 166).
Enfim, há de se analisar o pleito pela ótica da razoabilidade e da proporcionalidade, conforme asseverou o próprio STF, por meio do relato do Ministro Carlos Mário:
Constitucional. Sigilo bancário. Quebra. Administradora de Cartões de Crédito. CF, art. 5o, X. I - Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie do direito à privacidade, que a Constituição protege, art. 5º, X, não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade (RE 219780-PE).
Como se verifica, torna-se imprescindível invocar o princípio da proporcionalidade diante de uma colisão de direitos, valores ou interesses. Observadas as circunstâncias do caso concreto, deverá prevalecer o interesse maior, isto é, da coletividade.
CONCLUSÃO
A doutrina apresenta variados conceitos e fundamentos para o sigilo bancário. Hoje, o sigilo bancário pode ser entendido como o dever que têm as instituições financeiras de resguardar as informações bancárias e dados pessoas de seus clientes, não os revelando a terceiros.
Quanto ao seu status normativo, os estudiosos não são uníssonos. Enquanto um grupo minoritário sustenta que o sigilo bancário possui fundamento infraconstitucional, parcela majoritária da doutrina defende haver embasamento constitucional, ora o enquadrando no inciso X, do art. 5º da CF/88, como projeção do direito à intimidade e a vida privada, ora o considerando inserido no inciso XII, do mesmo dispositivo, como espécie do sigilo de dados.
Entendo estar o sigilo bancário inserido no inciso X, do art. 5º da Carta Magna, vez que a norma insculpida no inciso XII, do referido dispositivo apenas protege a comunicação de dados e não os dados precisamente em si.
Apesar de se revestir da natureza de direito fundamental, o sigilo bancário não pode ser considerado absoluto, devendo ceder diante de um interesse maior.
As normas que restringem o sigilo bancário que vêm proliferando no direito estrangeiro, o que permite uma maior eficiência no combate à criminalidade do colarinho branco. No mundo globalizado, o monitoramento constante de tais dados, sem a necessidade de prévia autorização do Judiciário, diminui a margem de “manobras” por partes dos criminosos, como a saída de recursos do país em questão de segundos.
Assim é que, diante da existência de uma tensão de interesses, bens ou valores, será plenamente possível restringir o sigilo bancário para dar espaço a um bem maior, à luz do princípio da proporcionalidade.
REFERÊNCIAS
- BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003.
- BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
- CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário: à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2008.
- COVELLO, Sérgio Carlos. O sigilo bancário: com particular enfoque na tutela civil. 2ª ed. Ver. E atual. São Paulo: Universitário de Direito, 2001.
- CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisão entre princípios constitucionais: razoabilidade, proporcionalidade e argumentação jurídica. Curitiba: Juruá, 2008.
- MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupção, dinheiro público e sigilo bancário: desconstituindo mitos. Porto Alegre: Núria Fabris, 2008.
- MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
- ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo bancário & direito à intimidade. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2002.
- SANCTIS, Fausto Martin de. Direito penal tributário: aspectos relevantes. Campinas: Bookseller, 2005.
Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Penal. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHULER, Liana de Andrade Lima. O controle judicial do sigilo bancário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46633/o-controle-judicial-do-sigilo-bancario. Acesso em: 23 dez 2024.
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