RESUMO: O presente trabalho tem por escopo abordar a (in) aplicabilidade da Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, aos transexuais. Pois, o quadro de violência doméstica não atinge apenas o sexo feminino, pois não se trata de uma questão biológica, mas sim de gênero. Este está relacionado com comportamentos, sentimentos e atitudes atribuídas a um determinado sexo, pela sociedade, e nesse contexto inclui-se a transexualidade. Como objetivo especifico, se pretende discutir os princípios norteadores da lei Maria da Penha. Refletir sobre a emergência dos direitos dos transexuais e discutir a forma pela qual os casos de violência contra transexuais, são apreciados e julgados. Quando se trata de violência praticada contra transexuais, existe um impasse que perpassa pelo reconhecimento jurídico positivo em relação ao conceito de gênero e não de sexo, não se trata de questionar a constitucionalidade da Lei nº 11.340/06, mas discutir a extensão dessa proteção às transexuais. Consideramos que o sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos, não presenciamos tal isonomia na prática, onde mulheres, e nesse caso transexuais encontram-se em patamar de igualdade. Entretanto o legislador não cuidou de iguala-los, uma vez que a Lei Maria da Penha de forma literal está associada ao gênero feminino, deixando de fora toda pessoa que reivindica o reconhecimento como mulher. Deste modo, não estender a Lei as transexuais, seria afrontar os princípios constitucionais da igualdade, da liberdade sexual e da dignidade da pessoa humana.
PALAVRAS-CHAVE: Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Mulher e Transexualidade.
RESUME: This work has the scope to address the (in) applicability of Law No. 11.340 / 2006, called the Maria da Penha Law, to transsexuals. For the domestic violence context affects not only the women, because it is not a biological issue, but gender. This is related to behaviors, feelings and attitudes assigned to a particular sex, society, and in this context includes up transsexuality. As specific objective, we intend to discuss the guiding principles of the Maria da Penha law. Reflect on the emergence of the rights of transsexuals and discuss the way in which cases of violence against transsexuals, are appreciated and judged. When it comes to violence against transgender people, there is an impasse that moves through the positive legal recognition in relation to the concept of gender and not sex, it is not challenging the constitutionality of Law No. 11.340 / 06, but discuss the extension of this protection to transsexuals. We believe that the legal system ensures equal treatment and equal protection to all citizens, not witnessed such equality in practice, where women and transsexuals in this case are at equal level. However, the legislator did not take care of them equals, since the Law Maria da Penha literally was associated with female gender, leaving out anyone who claims to recognition as a woman. Thus not extend the law transsexual, would defy the constitutional principles of equality, sexual freedom and human dignity.
KEYWORDS: Domestic violence. Maria da Penha Law. Woman and Transexuality.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ORIGEM DA LEI MARIA DA PENHA. 2.1. TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER. 2.2 EVOLUÇÃO PATRIARCAL. 2.3. A (DES) MISTIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DA MULHER E AS MUDANÇAS NA ESTRUTURA FAMILIAR. 2.4. DISTINÇÃO ENTRE GÊNERO E SEXO E SUA RELAÇÃO COM A TRANSEXUALIDADE. 2.5. A IGUALDADE SEM DISTINÇÃO DE SEXO E ORIENTAÇÃO SEXUAL. 2.6. PRINCÍPIOS – TRATAMENTO PRINCÍPIOLOGICO PARA COM AS RELAÇOES DE GÊNERO: PRINCÍPIO DA IGUALDADE E PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. 3. CONCLUSÃO. 4. REFERÊNCIAS
Milhares de Mulheres são vítimas de violência no Brasil. De acordo com PNAD/IBGE, (2009), 48% das mulheres agredidas declaram que a violência aconteceu em sua própria residência[1]. Outra pesquisa estima que no período de 2001 a 2011, ocorreram mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a, aproximadamente, 5.000 mortes por ano, (GARCIA, 2003). Dados da ONU demonstram que a violência doméstica é a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo, sendo que no Brasil uma a cada quatro mulheres já foi vítima de violência doméstica[2].
Muitas dessas mulheres por dependência afetiva ou econômica acabam não denunciando a agressão, mas quando o fato é comunicado se torna possível à aplicação da Lei 11.340/06, criada em 2006, para trazer mais proteção às mulheres brasileiras, vitimas da violência doméstica, que na maioria das vezes são praticadas pelos próprios parceiros.
A Lei 11.340/06, denominada “Lei Maria da Penha”, resulta de conquistas e tratados internacionais firmados pelo Brasil. Essa lei tem por objetivo coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de prevenir futuros abusos e punir eventuais agressores. A Lei recebeu essa nomenclatura em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, uma vitima de violência doméstica (SILVA, 2010).
A história de violência contra a mulher está inexoravelmente ligada à ideologia patriarcal, que delimita explicitamente os papéis e as relações de poder entre homens e mulheres. Vários autores reforçam que tudo começa na construção do papel da mulher que se dá dentro de uma sociedade dominada pelo homem que a vitimiza. A ideia de que os homens são mais racionais e a mulher mais emotiva, caracteriza a diferenciação dos papeis de cada um na sociedade (REED, 2008).
De acordo com alguns estudiosos, essa mistificação da condição da mulher - fruto de uma construção social, degradou a mulher e elevou o homem a condição de ser superior.
A suposta qualidade da superioridade masculina justificou-se durante séculos um quadro de opressão e violência contra a mulher. Dados da pesquisa da Secretaria de Transparência Data Senado[3] revelam que “uma em cada cinco mulheres no Brasil já foi espancada pelo marido, companheiro, namorado ou ex. As agressões físicas, ainda são majoritárias entre as violências, praticadas contra as mulheres”.
O quadro de violência doméstica não atinge apenas o sexo feminino, ou seja, não se trata de uma questão biológica, mas sim de gênero, que está relacionado com comportamentos sentimentos e atitudes atribuídas a um determinado sexo pela sociedade, e nesse contexto inclui-se a transexualidade.
Apesar das transformações na estrutura familiar, se inclui entre outros, a redefinição do papel não só da mulher, mas do gênero feminino. Afinal, os transexuais ganham visibilidade nesse contexto de mudanças, pois as relações homoafetivas, cada vez mais ganham espaço na sociedade. Portanto, as relações de gênero vão sendo edificadas através de alocuções que constroem horizontes possíveis para esses sujeitos. Estamos falando, portanto, de localizações sociais, de identidade de gênero.
Partindo da necessidade de discutir os direitos e garantias dos princípios constitucionais das mulheres transexuais é que se delineou essa pesquisa, pois, o interesse pelo tema surgiu a partir da convivência com mulheres e transexuais, vitimas de violência doméstica. A intenção é demonstrar que ao violar os mecanismos de proteção da Lei 11.340/06, estamos ferindo o principio da dignidade humana e o principio da liberdade.
O presente estudo tem por objetivo, desmistificar a ideia de que a “Lei Maria da Penha” se aplica apenas, aos casos de violência domestica e familiar contra as mulheres, mas sim, aspira coibir, prevenir e punir a violência doméstica e familiar contra o gênero feminino, protegendo aqueles que merecem o mesmo tratamento constitucional. Portanto, se pretende ressaltar a importância de apreciar a expansão da lei e a sua aplicabilidade aos transexuais.
Como objetivo especifico, se pretende discutir os princípios norteadores da Lei Maria da Penha. Refletir sobre a emergência dos direitos dos transexuais e discutir a forma pela qual os casos de violência contra mulheres transexuais, são apreciados e julgados.
Quando se trata de violência praticada contra as mulheres transexuais, existe um impasse que perpassa pelo reconhecimento jurídico positivo em relação ao conceito de gênero e não de sexo, muito embora este ponto ainda esteja nebuloso, é necessário discutir a extensão dessa proteção às mulheres transexuais.
Convém esclarecer que está pesquisa é de cunho bibliográfico. Para torná-la concreta, foi realizada uma análise documental do texto da Lei 11.340/2006, coleta de dados secundários em relatórios de institutos de pesquisas, teses, e dissertações. O texto da Lei foi interpretado correlacionando com os dados sobre a violência doméstica contra o gênero feminino, além disso, foi feita a avaliação da aplicabilidade da Lei ás transexuais.
2. ORIGEM DA LEI MARIA DA PENHA
Maria da Penha, uma vitima de violência doméstica, passou anos lutando para que seu agressor fosse punido. Sem sucesso, ela levou o seu caso a “Corte Interamericana de Direitos Humanos” que condenou o Estado Brasileiro por negligencia em relação aos casos de violência contra a mulher[4]. Essa condenação, juntamente com outras lutas, teve como consequência a criação de uma lei de proteção à mulher, a Lei 11.340/06 denominada de “Lei Maria da Penha”, que recebeu essa nomenclatura em homenagem à própria Maria da Penha Maia Fernandes. Sobre isto afirma Oliveira (2011, p. 36)
Devido a pressões internacionais, em 2002, o processo é concluído, e o ex-marido de Maria da Penha Maia Fernandes, foi finalmente preso, poucos meses antes da prescrição da pena, mas por apenas dois anos, sob regime fechado. Assim sendo, em atenção às recomendações da CIDH, o Presidente da República, naquele momento, Luís Inácio Lula da Silva, sancionou projeto de lei de iniciativa do Executivo, da Câmara dos Deputados, de nº 37 de 2006, que entrou em vigor em 22/09/2006, nos termos do § 8º, do art. 226 da Constituição Federal do Brasil, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, designada Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, em deferência à mulher que lutou de forma pungente contra à impunidade e que passou a representar outras mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil.
Ainda sobre a origem da Lei Maria da Penha Cunha, (2009, p 121, APUD SILVA, 2010, p. 7) afirma:
O primeiro movimento adotado pela União Federal com o intuito de combater a violência contra a mulher foi à ratificação de CEDAW, feita pelo Congresso Nacional em 1º de fevereiro de 1984. Como nesta data ainda não havia sido promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual prevê igualdade entre homens e mulheres, houve algumas reservas; contudo, com o reflexo da nova Constituição, o governo brasileiro retirou as reservas, ratificando plenamente toda a Convenção através do Decreto Legislativo nº26/1994, que foi promulgada pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 4.377/2002. [...] O segundo movimento realizado no Brasil neste sentido foi à ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, punir e erradicar a Violência contra à mulher – conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, realizada em Belém do Pará e adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA em 6 de junho de 1994, sendo ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995 através do Decreto Legislativo nº107/1995 e promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto nº1.973/1996.
Assim, verifica-se que a “Lei Maria da Penha” visa fortalecer o enfretamento da violência doméstica, principalmente contra a mulher, sendo, sobretudo, fruto da luta histórica de mulheres que possuíam como meta a igualdade de direitos entre homens e mulheres.
2.1. TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
Foi verificado que a violência não é apenas física, mas também pode ser psicologia, sexual e patrimonial. É dentro de casa que muitas mulheres são agredidas, e muitas ainda sofrem caladas. Entretanto, esse cenário começo a mudar com o advento da Lei Maria da Penha, pois passaram a ter mais segurança para denunciar a violência doméstica.
Faz-se necessário discutir os “diferentes tipos de violência doméstica”, pois, eles têm forma e conteúdos diferentes. É preciso identificar os sujeitos (ativo e passivo) bem como, mostrar quais as suas principais características. Para tanto, vamos tomar como ponto de partida, dessa análise, a violência de gênero. Antes, porém, vamos recuperar da histórica luta das mulheres, alguns fragmentos que comprovam que esta problemática é antiga. De acordo com Rinaldi (2008, p.1),
No Brasil da década de 1960, algumas mulheres brasileiras manifestaram preocupação em relação à opressão feminina, mas é somente na década de 1970 que surgem os primeiros grupos feministas. Entre os anos de 1975 e 1979 – considerado o período da primeira fase do movimento – são discutidas as liberdades democráticas, ficando as reivindicações específicas das mulheres submetidas à luta política e econômica e à organização das classes trabalhadoras. É no ano de 1975, consagrado como o início do Movimento Feminista no Brasil, que a mulher começa a ser posta como “problemática obrigatória”, deixando de estar submetida a questões políticas relacionadas à ditadura militar.
Não obstante, a violência contra a mulher só foi visibilizada anos mais tarde, durante o “Encontro Nacional de Mulheres no Rio de Janeiro”, como afirma Grossi (1988, APUD RINALDI, 2008, p. 1),
[...] é somente entre os anos de 1979 e 1982, período considerado como a segunda fase do feminismo, que o tema da violência contra a mulher torna-se uma preocupação. Em 1979, durante o Encontro Nacional de Mulheres no Rio de Janeiro foi criada a Comissão de violência contra a mulher. Até esse momento este não era um tema abordado pelas feministas brasileiras. É somente após essa data que o movimento dá início à discussão sobre violência doméstica. É, no entanto, no ano de 1980 que esta Comissão torna-se conhecida publicamente durante o segundo julgamento de Doca Street, quando as feministas vão para a porta do Fórum manifestar seu descontentamento contra a tese de “legítima defesa da honra”, argumentada pela defesa.
A violência física ocorre quando alguém causa ou tenta causar dano por meio de força física, de algum tipo de arma ou instrumento que possa causar lesões internas, externas ou ambas. A violência psicológica inclui toda ação ou omissão que causa ou visa a causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. A negligência é a omissão de responsabilidade de um ou mais membros da família em relação a outro, sobretudo àqueles que precisam de ajuda por questões de idade ou alguma condição física, permanente ou temporária. A violência sexual é toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga outra à realização de práticas sexuais, utilizando força física, influência psicológica ou uso de armas ou drogas.
O fenômeno da violência contra a mulher acontece no mundo inteiro, independentemente de classe social, raça, cultura, grau de instrução e orientação sexual e se apresenta de todas as formas (PORTO, 2004). Para além, de discutir a violência contra a mulher, e assim garantir o que está assegurado na Lei 11.340/06 é preciso discutir a “violência de gênero” no sentido de conhecer a sua origem e assim aprender como combatê-la (PARADA, 2009).
2.2. EVOLUÇÃO PATRIARCAL
De acordo com Cerqueira e Coelho (2014, p. 2):
A violência de gênero é um reflexo direto da ideologia patriarcal, que demarca explicitamente os papéis e as relações de poder entre homens e mulheres. Como subproduto do patriarcalismo, a cultura do machismo, disseminada muitas vezes de forma implícita ou sub-reptícia, coloca a mulher como objeto de desejo e de propriedade do homem, o que termina legitimando e alimentando diversos tipos de violência, entre os quais o estupro. Isto se dá por dois caminhos: pela imputação da culpa pelo ato à própria vítima (ao mesmo tempo em que coloca o algoz como vítima); e pela reprodução da estrutura e simbolismo de gênero dentro do próprio Sistema de Justiça Criminal (SJC), que vitimiza duplamente a mulher.
As relações de poder e dominação dos homens sobre as mulheres se dá em nível familiar (COSTA, 1998). Tudo começa na construção do papel da mulher ocorrida dentro de uma sociedade patriarcal que vitimiza a mulher. A ideia de que os homens são mais racionais e a mulher mais emotiva, caracteriza a diferenciação dos papeis de cada um na sociedade. Está implícita uma construção sociocultural na qual os homens tem papel preponderante.
O homem na condição de ser mais racional, visto como o sustentáculo da família, o provedor e o responsável pela manutenção da casa, se contrapõe com a mulher que tem um papel eminentemente doméstico (SANTOS et al 2014).
Nesse contexto, os papeis de ambos estão entrelaçados afetivamente, e merecem certo destaque, pois se iniciam na criação dos filhos. As meninas são criadas como princesas, usam cor de rosa, brincam de bonecas e casinha, enquanto os meninos são orientados a brincar de carrinho, jogar bola, e aprendem desde cedo que não podem chorar, pois, “homem não chora”.
Assim, a sociedade define que os meninos devem ser fortes e corajosos e as meninas meigas e doces, ou seja, como um sexo mais frágil. Está posto, o mito da inferioridade da mulher, na própria construção dos laços afetivos na família (REED, 2008). O pai protege a menina, porque ela é mocinha, portanto, um ser mais frágil.
2.3. A (DES) MISTIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DA MULHER E AS MUDANÇAS NA ESTRUTURA FAMILIAR
Essa mistificação da condição frágil da mulher tende acompanhá-la por toda a vida (SILVA, 2012). Mas, se voltarmos um pouco na história, perceberemos que nem sempre foi assim. De acordo com Reed (2008), isto é uma falsificação da história natural e social. Não é a natureza, e sim a sociedade de classes que rebaixou a mulher e elevou o homem. O autor, ainda afirma que os homens obtiveram sua supremacia social, através da luta contra a mulher e suas conquistas. Reed (2008) acrescenta, informando que a inferioridade da mulher é produto de um sistema social que causou e proporcionou inumeráveis desigualdades, inferioridades, discriminações e degradações.
No entanto, mudanças na estrutura familiar, vem, delineando novos rumos para essa história (HINTZ, 2001). O formato de família tem sofrido mudanças ao longo da história, na sociedade rural predominava o modelo patriarcal, mas, com a revolução industrial com todos os seus desdobramentos, cultural, geográfico e econômico, a estrutura do modelo tradicional de família sofreu mudanças (VILLA, 2012). Hintz (2001, p. 3) afirma que:
A família moderna após a industrialização passou a ter maiores possibilidades de se constituir através da livre escolha dos cônjuges fundamentada no amor conjugal. Passou-se a dar mais importância à realização pessoal na união conjugal, tendo o afeto, muitas vezes, o poder de direcionar as decisões pessoais. As diferenças de gênero do casal são mantidas, com suas atribuições específicas. As relações entre os membros do casal tornaram-se mais semelhantes relativamente às questões do exercício de "mando". Houve uma reformulação dos papéis masculino e feminino na relação conjugal, o que propiciou o surgimento de novos modelos de comportamento para ambos os gêneros, tendo o movimento feminista contribuído de forma significativa para que isso ocorresse.
Apesar das mudanças, algumas marcas do modelo tradicional ainda persistem (VILLA 2012). Por exemplo, o sacramento, a autoridade do homem como chefe de família e submissão da mulher e dos filhos, a ligação afetiva, o conceito de família nuclear (ALVES, 2009). De acordo com Villa (2012, p. 12 APUD PERUCCHI; BEIRÃO, 2007 p. 66) “O modelo patriarcal de família, caracterizado pelo arranjo composto por pai, mãe e filhos que convivem sob a égide da autoridade do primeiro sobre os demais, está em crise”.
Mas, com o passar do tempo, outras formas alternativas de organização familiar sugiram. Com o advento do divórcio, a liberação sexual entre outros fatores, trouxe a baila um formato de família diferente do tradicional (VILLA, 2012). Do mesmo modo, os casamentos sucessivos e filhos de diferentes uniões, convivendo na mesma organização familiar, com a aceitação social dos casais homossexuais com filhos biológicos de um dos parceiros, ou filhos adotados legalmente que também contribuíram para que o molde familiar tradicional fosse visto apenas como mais um modelo de estrutura familiar (VILLA, 2012).
Não se pode excluir desses novos parâmetros familiares os casais que vivem em casas separadas e as mulheres que assumem a chamada “produção independente”, ou seja, escolheram ser, mães solteiras (ALVES, 2009).
Pode-se afirmar que no século XXI, o modelo de família é pluralista. Nessa linha de pensamento Hintz (2001, p. 2), assevera que:
a instituição familiar tem passado por várias modificações decorrentes de mudanças havidas no seu contexto sociocultural e. por influências, tanto sociais e culturais como psicológicas e biológicas ser uma instituição flexível, ela tem se adaptado às mais diversas formas, em diferentes épocas e lugares.
É nesse processo de transformações da estrutura familiar que se inclui entre outros, a redefinição do papel não só da mulher, mas do gênero feminino. Afinal, os transexuais ganham visibilidade nesse contexto de mudanças. A partir daqui, torna-se necessário para efeito de analise, diferenciar gênero de sexo.
2.4. DISTINÇÃO ENTRE GÊNERO E SEXO E SUA RELAÇÃO COM A TRANSEXUALIDADE
Sexo é algo biológico, ou seja, o termo sexo designa somente a caracterização genética e anátomo-fisiológica dos seres humanos (OLINTO, 1998, p. 162), enquanto que gênero está relacionado com comportamentos, sentimentos e atitudes atribuídas a um determinado sexo pela sociedade. Segundo Anjos (2000, p. 275),
A noção de gênero é entendida aqui como relações estabelecidas a partir da percepção social das diferenças biológicas entre os sexos (Scott, 1995). Essa percepção, por sua vez, está fundada em esquemas classificatórios que opõem masculino/feminino, sendo esta oposição homóloga e relacionada a outras: forte/fraco; grande/pequeno; acima/abaixo; dominante/dominado (Bourdieu, 1999). Essas oposições são hierarquizadas, cabendo ao pólo masculino e seus homólogos a primazia do que é valorizado como positivo, superior. Essas oposições/hierarquizações são arbitrárias e historicamente construídas.
Segundo Ávila e Grossi (2010, p. 3), a transexualidade se fundamenta na discordância entre o sexo biológico e o gênero pelo qual uma pessoa deseja ser reconhecida socialmente. Esses mesmos autores ainda asseveram que:
O discurso médico estabeleceu, no século XIX, uma correlação entre travestismo feminino e “inversão sexual” (Esther Newton, 2008), que perdura na literatura médica e no senso comum até o presente. Este discurso associa homossexualidade feminina com “masculinização”, com especial ênfase na questão vestimentária, ligada às convenções de roupa associadas rigidamente a cada sexo (e também marcadas por outras classificações sociais, como ocupação social). Isto se opera na segunda metade do século XIX e traduz a vontade científica de estabelecer mais firmemente uma norma, associada à heterossexualidade, e assim catalogar, isto é, nomear, classificar (e estigmatizar) os desvios vinculados tanto às práticas sexuais com pessoas do mesmo sexo, quanto às transgressões dos códigos de reconhecimento social, em particular o vestimentário. (ÁVILA E GROSSI, 2010, p. 3),
Ávila e Grossi (2010, p.4), ao citar Harry Benjquamin, relatam que em 1953, Benjquamin, afirmou que uma perspectiva biológica, parte da ideia de que o ”sexo” é composto de vários sexos: o genético, o gonádico, o fenotípico, o psicológico e o jurídico, entendendo que o sexo cromossomático (genético) seria o responsável pela determinação do sexo e do gênero. Os autores ainda destacam que:
O transexual se sente uma mulher (...) e se sente atraído por outros homens. Isso faz dele um homossexual se seu sexo for diagnosticado de acordo com seu corpo. No entanto, ele se autodiagnostica segundo seu sexo psicológico feminino. Ele sente atração por um homem como heterossexual, ou seja, normal (p.4).
Apesar dos estudos com essa temática, este ponto ainda está nebuloso – a questão do gênero tem haver com a percepção do indivíduo quanto a pertencer ao gênero feminino ou masculino (JESUS, 2012). Portanto, as relações de gênero vão sendo construídas através de alocuções que constroem horizontes possíveis para esses sujeitos (ANJOS, 2000). Estamos falando de localizações sociais e, portanto, de identidade de gênero.
Cabem aqui, algumas observações sobre o transexualismo, ou seja, a distinção entre homossexual, travestis e transexual. Os homossexuais, travestis e transexuais, são percebidos na sociedade, de fora para dentro, como uma coisa só, ou seja, são todos considerados “homossexuais” (COSTA, 1994), mas, entendemos que a transexualidade envolve a “identidade de gênero” (ANJOS, 2000). De acordo com Oliveira e Santos (2015, p. 2), ao citar (HOGEMANN; CARVALHO, 2014, p. 2), afirmam que:
A problemática da identidade sexual de alguém é, porém, muito mais ampla do que seu simples sexo morfológico. Deve-se, pois, considerar o comportamento psíquico que o indivíduo tem diante de seu próprio sexo. Daí resulta que o sexo compõe-se da conjunção dos aspectos físicos, psíquico e comportamental da pessoa, caracterizando---se, consequentemente, seu estado sexual.
O transexual não é um homossexual ele é transexual, ou seja, alguém que nasce homem ou mulher, mas se identifica com o gênero oposto. A pessoa não se reconhece no corpo que tem, pois se sente inadequada, invertida. De acordo com Costa (1994, p. 15), “isso não é uma doença é uma condição que o ser humano desenvolve, ainda no ventre materno, mas é na vida adulta que a maioria vai desenvolver a sua sexualidade”.
Portanto, a mulher transexual é, toda pessoa que reivindica o reconhecimento como mulher, diferente das travestis que “vivenciam papéis de gênero feminino, mas não se reconhecem como homens ou como mulheres, mas como membros de um terceiro gênero ou de um não gênero” (JESUS, 2012, p. 23).
Essa discussão é necessária na medida em que a legislação civil brasileira adota um critério meramente biológico para a definição do gênero. Diante da complexidade que envolve a temática em tela, a abordagem da identidade sexual vinculada apenas aos critérios biológicos é falha e discriminatória. Daí a preocupação com a aplicação do direito de igualdade sem distinção de sexo e orientação sexual.
2.5. A IGUALDADE SEM DISTINÇÃO DE SEXO E ORIENTAÇÃO SEXUAL
Para responder esta questão, a doutrina moderna baseia-se em vários raciocínios. De acordo com Oltramarie Oltramari (2003, p.28),
O direito geral de igualdade, signo fundamental da democracia, está elencado no art. 5º da Constituição Federal Brasileira: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros, residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” Portanto, através deste dispositivo o constituinte consagrou como pilar da ordem jurídica positiva, a isonomia do tratamento entre os indivíduos, o que, efetivamente, não é tarefa das mais fáceis, tendo em vista as evidentes desigualdades fáticas que ocorrem na realidade prática.
O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos, omitindo-se o legislador em regular, situações dignas de tutela (DIAS, 2007). Reconhecer que existe violência contra a mulher e formular leis para eliminá-la é deveras fundamental, mas, não é suficiente.
É preciso antes de tudo, compreender o que gera intolerância e preconceito, além disso, se faz necessário, compreender que a definição de gênero não é apenas um fato biológico, mas também social, só assim, será possível garantir o “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”. Cabe aqui, apontar o significado do termo “Dignidade”. De acordo com Andrade (2004, p. 12),
A dignidade pressupõe, portanto, a igualdade entre os seres humanos. Este é um de seus pilares. É da ética que se extrai o princípio de que os homens devem ter os seus interesses igualmente considerados, independentemente de raça, gênero, capacidade ou outras características individuais. Os interesses em evitar a dor, manter relações afetivas, obter uma moradia, satisfazer a necessidade básica de alimentação e tantos outros são comuns a todos os homens, independentemente da inteligência, da força física ou de outras aptidões que o indivíduo possa ter.
A tutela dos princípios da “dignidade humana” deve ser não só, prevista em lei, mas, concretizada pela sociedade contemporânea. Reconhecer o direito à “personalidade” das mulheres e homens transexuais é fundamental.
A Lei 11.340/06, conhecida de “Lei Maria da Penha”, que tem como fundamento constitucional o art. 226/88 da Constituição Federal, parágrafo 8, cuja finalidade é “proteger e assistir a mulher”, pois, se trata de uma Lei multidisciplinar, pois ela traz aspectos civis, processual civil, penal e processual penal. Para garantir sua aplicabilidade é que se criou o “Juizado da Mulher” e a “Delegacia de Policia Especializada na Mulher”.
Tanto o homem quanto a mulher estão protegidos pelo Código Penal, mas a Mulher também está sob a tutela da “Lei Maria da Penha” isso porque essa Lei é uma proteção do “gênero mulher” e isso inclui trangêneros, transexuais e travestis, ou seja, toda pessoa que reivindica o reconhecimento como mulher (SILVA, 2012).
E nesse caso, se inclui o indivíduo que se identifica psicologicamente e socialmente com o sexo oposto. Esse indivíduo, segundo Maria Helena Diniz (apud, CARDOSO, 2012), “é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência a automutilação ou autoextermínio.” E por ele, não se identificar com o corpo que tem, recorre à cirurgia de mudança de sexo. De acordo, com Garcia (2010, p. 181,182),
Conquanto não possa ser considerada uma expressão unívoca, “mudança de sexo”, para os fins de nossa exposição, consiste na alteração das características físicas aparentes, por meio de processo cirúrgico, de modo que o indivíduo se assemelhe às pessoas que possuem o sexo oposto. A cirurgia não incursionará no plano genético, sendo precipuamente direcionada a substituir o órgão genital existente por aquele que caracteriza o sexo oposto. Intervenções dessa natureza permitem que as características comportamentais do agente, que se coadunam com aquelas inerentes ao sexo oposto, se ajustem à sua aparência física.
Cabe dizer, que não basta à pessoa, reivindicar o reconhecimento como mulher ou homem para ter acesso a cirurgia de redesignação sexual. Conforme ressalta Patrícia Souza Alves (apud SALES et al, 2014, p.4)
O portador de transtorno de identidade de gênero deve ser submetido a acompanhamento por equipe médica multidisciplinar, que analisará todos os exames médicos e psicológicos, para então, efetuar a cirurgia de redesignação sexual.
De acordo com Garcia (2010, p. 183, 184),
A República Federativa do Brasil não conta com legislação específica voltada ao transexualismo, quer em relação aos fatores que permitem a sua individualização, quer em relação ao tratamento a ser realizado. Somente em 1997 o Conselho Federal de Medicina6 aprovou, em caráter experimental, a realização de “cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.” Essa norma, não obstante emanada de um conselho de fiscalização profissional, pode ser considerada um verdadeiro divisor de águas na realidade brasileira, sendo decisiva para a compreensão de que o transexualismo efetivamente constitui uma patologia e de que a intervenção física é indispensável à estabilização psíquica do indivíduo. Nessa linha, havendo livre manifestação de vontade do transexual, que age nos estritos limites de sua privacidade, o médico que intervém no tratamento dessa patologia age no plano da licitude, no exercício regular de sua profissão, o que torna dispensável a solicitação de autorização judicial, quer para simplesmente legitimar, quer para determinar a sua realização
Após a cirurgia de redesignação sexual ou não, outro problema que os transexuais enfrentam é a mudança de nome e sexo. Isso porque o nosso ordenamento prevê que o nome é definitivo.
O artigo 58 da Lei de Registros Públicos apregoa que o prenome é definitivo, somente podendo ocorrer a sua mudança em casos excepcionais como os de erro, exposição ao ridículo e adoção. O mesmo artigo dispõe, ainda, acerca da possibilidade de substituição do prenome por apelidos públicos e notórios (SALES, et al, 2012,p. 8)
Todavia, negar ao transexual o direito a novo registro civil, de acordo com a sua nova condição (gênero), seria gerar um mal maior do que aquele que se buscou combater, com a cirurgia de redesignação sexual.
Há de se entender que, para um transexual, ser chamado por um nome que não representa a sua condição físico-psíquica, representa a sua exposição ao ridículo e isto fere frontalmente o seu direito à dignidade da pessoa humana (SALES, et al, 2012,p. 8).
Portanto, cabe aos magistrados levar em conta os “Princípios da Dignidade Humana”, uma vez que, não existe lei que trate desse assunto, especificamente.
2.6 PRINCÍPIOS – TRATAMENTO PRINCIPIOLÓGICO PARA COM AS RELAÇÕES DE GÊNERO: PRINCÍPIO DA IGUALDADE E PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
É muito importante entender o que é “Dignidade da Pessoa Humana” e como ela se projeta no nosso sistema, mas pra isso precisamos recuperar alguns elementos da história desse princípio. De acordo com Silva (2012, p. 4),
Foi o Cristianismo que, pela primeira vez, concebeu a ideia de uma dignidade pessoal, atribuída a cada indivíduo. O desenvolvimento do pensamento cristão sobre a dignidade humana deu-se sob um duplo fundamento: o homem é um ser originado por Deus para ser o centro da criação; como ser amado por Deus, foi salvo de sua natureza originária através da noção de liberdade de escolha, que o torna capaz de tomar decisões contra o seu desejo natural.
Isso, quer dizer que existem direitos que são inerentes aos seres humanos, pelo simples fato de serem humanos. Sendo assim, deve se reconhecer a intangibilidade e a sacralidade da pessoa humana. Portanto, a “Dignidade da Pessoa Humana” está intimamente relacionada a tudo isso. Esse princípio está no art. 1º da Constituição Federal de 1998.
Não pretendemos aqui, discutir a natureza jurídica da “Dignidade da Pessoa Humana”, mas, mostrar que a “Dignidade da Pessoa Humana” é um vetor a partir do qual deve nortear todos os demais princípios, melhor dizendo, todo ordenamento processual deve ser interpretado a partir desse vetor.
A dignidade humana, então, não é criação da ordem constitucional, embora seja por ela respeitada e protegida. A Constituição consagrou o princípio e, considerando a sua eminência, proclamou-o entre os princípios fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática. Com efeito, com a ordem moral, é na dignidade humana que a ordem jurídica (democrática) se apoia e se constitui. (SILVA, 2012, p. 9),
O principio da dignidade da pessoa humana, se entrecruza com os termos igualdade e liberdade. Diante disso, em se tratando da união homoafetiva, “é de extrema importância traçar um paralelo entre os princípios constitucionais para analisar as relações homoafetivas, ressaltando que os mesmos tratam da proteção á família, dentre eles, a dignidade da pessoa humana e a igualdade”. (CASTRO, 2012, p.1).
Ademais, a Constituição Federal traz expressamente o Princípio da Igualdade, onde todos iguais perante a lei.
3. TRATAMENTO JUDICIAL
Não obstante, diante do que foi apresentado, não precisamos por parte do judiciário, decisões estendendo á aplicação da Lei aos transexuais, ou seja, embora a Constituição federal estabeleça igualdade como um princípio direcionador do ordenamento jurídico, os juízes tem dificuldades de aplicar a Lei Maria da Penha aos transexuais. Prova disto, é que determinados cidadãos (transexuais) pleitearam a referida proteção judicial e não lograram êxito, tendo que levar a matéria ao Tribunal de Justiça para que esta fosse apreciada, com base o Princípio da Dignidade Humana e principalmente no Princípio da Igualdade. Logo os referidos só obtiveram a proteção das medidas previstas da Lei Maria da penha em sede de 2 instância conforme analisaremos a baixo:
A 9ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou hoje 19/10/15 que medidas previstas na Lei Maria da Penha sejam aplicadas em favor de uma transexual ameaçada pelo ex-companheiro. Segundo a decisão, o homem não poderá se aproximar nem entrar em contato com a vítima, seus familiares e testemunhas do processo. O pedido foi negado pelo juiz de primeiro grau, sob justificativa de que a vítima pertencia biologicamente ao sexo masculino, fora do campo de ação da Lei Maria da Penha. Na segunda instância, em julgamento de mandado de segurança, a desembargadora Ely Amioka, relatora do caso, considerou que a lei deve ser interpretada de forma ampla, sem ferir o princípio da dignidade da pessoa humana··.
Merece destaque ainda outra corajosa decisão proferida pela juíza de Direito Ana Cláudia Veloso Magalhães, da 1ª vara Criminal de Anápolis/GO, onde o juízo de 1 grau não titubeou em aplicar a Lei Maria da Penha para um transexual que sofreu agressões do seu ex-companheiro.
Segundo os autos, a vítima, submetida à cirurgia de troca de sexo há 17 anos, viveu maritalmente por um ano com o indiciado e separou dele porque o mesmo era viciado em álcool. No mês de setembro, o ex-companheiro da vítima lhe procurou alegando que estava em tratamento de saúde em Anápolis e precisava se hospedar na residência dela. Ao ser acolhido pela dona da casa o acusado agrediu-a verbal e fisicamente, expulsou-a de sua moradia, fez ameaças e causou danos materiais ao imóvel da vítima. A magistrada enquadrou o caso na Lei Maria da Penha, porque considerou o princípio da isonomia, que garante tratamento idêntico a todos, sem diferenciações e desigualdades. "O artigo é claro quando aduz que tanto homens, quanto mulheres são iguais, possuindo, assim, os mesmos direitos e obrigações perante a Lei, não dando margem a qualquer forma de discriminação ou preconceito", assegurou[5].
Veja que o primeiro caso apresenta divergência doutrinária sendo assim, nós precisamos unificar essa ideia, precisando na verdade aplicar esse direito aos transexuais de maneira uniforme. Logo, verifica-se que o Poder Judiciário, responsável para fazer o direito do cidadão acaba resistindo a ideia de enxergar os agredidos, que são transexuais, merecedores da proteção legal estabelecidas pela Lei Maria da Penha.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que foi estudando, conclui-se que, a violência doméstica contra as mulheres, deixa além de lesões físicas, marcas emocionais profundas. Por isso, deve ser discutida e amplamente combatida.
A Lei Maria da Penha, que admite como sujeito passivo o “gênero feminino,” significa um dos mais importantes avanços nessa direção. A expansão da lei foi acertada, uma vez que, propôs solucionar varias situações cotidianas, enfrentadas, também pelas transexuais femininas, situação essa que se destacou no decorrer do trabalho.
As mulheres transexuais, muitas vezes são vitimas de exclusão e discriminação da sociedade, sendo, portanto, mais vulneráveis em situações de violência. Em uma cultura carregada de requisitos discriminatórios, há de se observar o principio da isonomia, visto que estabelece que os iguais devam ser tratados igualmente. No entanto é imprescindível a criação de leis e políticas públicas a fim de obter um Estado Democrático de Direito.
A Lei 11340/06 nada mais observou se não os fatos. Por isso, negar a aplicação desta lei a qualquer mulher do “gênero feminino” é como ignorar toda a luta das mulheres pelos seus direitos, pela igualdade ao longo da história.
Erradicar a violência contra a mulher é constitucional, e muito além, é observar os preceitos dos direitos humanos. Até mesmo porque a não aplicabilidade da lei às mulheres transexuais, fere os princípios da dignidade humana.
Além disso, adotar apenas critérios biológicos para definir o “gênero feminino” é falho e discriminatório. Para tanto, reconhecer o direito à “personalidade” das mulheres e homens transexuais é fundamental. Isso porque essa Lei é uma proteção do “gênero mulher”, logo, inclui transexual, ou seja, toda pessoa que reivindica o reconhecimento como mulher.
Desta forma, não é possível considerar que a aludida lei, ofenda o principio da igualdade, pois, este princípio não admite distinções, considera que todos são iguais perante a lei.
REFERÊNCIAS
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[1] Fonte: http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres/. Data de acesso: 20/10/15
[2] Fonte: http://www.cartamaior.com.br/colunaImprimir.cfm?cm_conteudo_idioma_id=21914
1 SECRETARIA DA TRANSPARÊNCIA DATASENADO. Institucional. Disponível em:<http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/08/11/mulheres-se-sentem-mais-desrespeitadas-e-desprotegidas-revela-pesquisa-do-datasenado/tablet>. Acesso em: 12/11/15
[4] Fonte: Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Organização dos Estados Americanos, Relatório Anual 2000, Relatório 54/01, CASO 12.051 MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES BRASIL 4 de abril de 2001. Disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/OEA_CIDH_relatorio54_2001_casoMariadaPenha.pdf
Bacharela em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) - Campus de Vitória da Conquista - Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Jaqueliny Lemos. A (in) aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos transexuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46635/a-in-aplicabilidade-da-lei-maria-da-penha-aos-transexuais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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