Resumo: O presente artigo objetiva analisar a possibilidade de penhora de bens da filial pelos débitos da matriz, a fim de saldar dívidas tributárias em execução fiscal. Para tal desiderato, serão analisadas breves considerações sobre a execução fiscal e a penhora. Por conseguinte, serão diferenciados o ato de constituição da pessoa jurídica e o ato de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, a fim de observar que matriz e filial são espécies de estabelecimento. Por fim, vê-se que matriz e filial são uma única pessoa jurídica e, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, os bens da filial podem ser penhorados para pagar dívidas tributárias da matriz.
Palavras-chave: Execução fiscal. Matriz e filial. Superior Tribunal de Justiça.
Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre a execução fiscal e a penhora. 2. Diferença entre a constituição da pessoa jurídica e a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. 3. Matriz e filial como espécies de estabelecimento. 4. Do entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Conclusão. Referências.
Introdução
A análise da possibilidade de penhora de bens das filiais devido a dívidas tributárias da matriz é de alta relevância, principalmente após a decisão do Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos, no Recurso Especial 1.355.812/RS, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 22 de maio de 2013.
Há no meio jurídico tese defensora da impossibilidade dessa penhora, uma vez que a matriz e suas filiais seriam pessoas jurídicas distintas para fins tributários.
De outro turno, a Fazenda Pública rechaça esse argumento, ao dispor que matriz e filiais são estabelecimentos que compõem uma única pessoa jurídica.
Destarte, para a devida compreensão dessa discussão, inicialmente, serão analisadas considerações sobre a execução fiscal, a penhora e, posteriormente, a distinção entre a constituição da pessoa jurídica e a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. Mais a frente, os conceitos de estabelecimento, matriz e filial, com o intuito de, em face dessas observações, concluir-se pela possibilidade, ou não, da penhora em apreço, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
1. Breves considerações sobre a execução fiscal e a penhora
A execução fiscal - regulada na Lei nº 6.830/80 e, subsidiariamente, pelas normas do Código de Processo Civil – é proposta pela Fazenda Pública para a cobrança de créditos, tributários ou não, previamente inscritos em dívida ativa.
Com efeito, a dívida ativa da Fazenda Pública consiste em qualquer valor definido como de natureza tributária ou não pela Lei nº 4.320/64, e compreende, além do principal, atualização monetária, juros, multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.[1]
O valor devido à Fazenda Pública é inscrito em dívida ativa por meio de um procedimento administrativo destinado a apurar a certeza e liquidez do crédito, sendo assegurado o contraditório, mediante abertura de prazo para manifestação do devedor. Não apresentada a defesa, sendo esta rejeitada ou inexistindo pagamento do débito, ocorre ato administrativo de inscrição do valor na dívida ativa, e posterior expedição da certidão de dívida ativa (CDA).[2]
Expedida a CDA, título executivo extrajudicial, será possível a propositura da execução fiscal. Como todo título executivo, goza dos atributos de certeza, liquidez e exigibilidade.[3] No entanto, convém frisar que, embora exista regramento no Código de Processo Civil sobre os feitos executivos, a execução fiscal segue trâmite próprio, previsto na Lei nº 6.830/80, razão pela qual o feito possui algumas peculiaridades em relação aos demais processos de execução, a exemplo da ordem de penhora.
A execução fiscal se inicia mediante petição inicial simplificada e, estando em ordem, é determinada a citação do executado, a ser realizada preferencialmente pelos Correios com aviso de recebimento[4], para pagar a dívida com juros e multa de mora, além dos encargos da execução, no prazo de 05 (cinco) dias, mediante depósito em dinheiro. Se preferir, ao invés do pagamento em dinheiro, o executado pode também oferecer bens à penhora, fiança bancária ou seguro garantia, ou indicar bens à penhora oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.[5]
Uma vez oferecidos os bens, ocorre a penhora. Sobre o assunto, preleciona Leonardo Carneiro da Cunha[6]:
A penhora, que é o ato de apreensão e depósito de bens para empregá-los, direta ou indiretamente, na satisfação do crédito executado, pode recair sobre bens do patrimônio do devedor (CPC, art. 789) e do patrimônio de terceiros responsáveis (CPC, art. 790). Somente podem ser penhorados os bens que tenham expressão econômica e não se enquadrem em quaisquer das hipóteses da impenhorabilidade.
Outrossim, acaso não ocorrido o pagamento ou oferecidos bens à penhora, o artigo 10 da Lei nº 6.830/80[7] prevê que a penhora poderá recair sobre qualquer bem do executado, salvo os que a lei declare absolutamente impenhoráveis.
Vale lembrar que a execução realiza-se no interesse do exequente, que possui o direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, e artigo 797 do Código de Processo Civil).[8]
Assim, o artigo 11 da referida Lei apresenta uma ordem prioritária de bens penhoráveis para satisfazer a execução fiscal, diversa da prevista no artigo 835 do Novo Código de Processo Civil:
Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:
I - dinheiro;
II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;
III - pedras e metais preciosos;
IV - imóveis;
V - navios e aeronaves;
VI - veículos;
VII - móveis ou semoventes; e
VIII - direitos e ações.
§ 1º - Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção.
A Lei nº 6.830/80 é expressa quanto à possibilidade de a penhora recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, em casos excepcionais. Inclusive, existe entendimento sumulado admitindo a possibilidade[9].
No mesmo limiar, a jurisprudência pátria admite a penhora do faturamento da empresa, desde que se trate de medida excepcional e não haja outro meio de garantir o juízo, nem bens suficientes para cobrir o valor cobrado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. INDICAÇÃO À PENHORA. COMBUSTÍVEL. MERCADORIA DE DIFÍCIL GUARDA, ARMAZENAMENTO, CONSERVAÇÃO E CONTROLE DE ESTOQUE, SUSCEPTÍVEL DE COMERCIALIZAÇÃO PELA DEVEDORA. RECUSA DO CREDOR. PROCEDÊNCIA. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS. RECURSO IMPROVIDO.
1. Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a penhora sobre o faturamento da empresa é admitida em casos em que se mostre necessária ou adequada a medida, desde que observados, cumulativamente, os seguintes requisitos: I) inexistência de bens passíveis de garantir a execução ou que sejam de difícil alienação;
II) nomeação de administrador (CPC, art. 655-A, § 3º) e; III) fixação de percentual que não inviabilize a atividade empresarial.
2. Hipótese em que as circunstâncias da causa, nos termos em que expostas pelas instâncias ordinárias, permitem constatar a existência de condições aptas a autorizar a penhora de percentual sobre o faturamento da empresa executada.
3. (...)
4. Recurso especial improvido.
(STJ. REsp 1540914/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 01/02/2016)[10] (grifos do autor)
Desta feita, para a penhora de faturamento da empresa, a jurisprudência entende ser necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: i) não existam bens para garantir o juízo efetivamente, sendo o faturamento medida residual; ii) nomeação de administrador; iii) a penhora deve ser determinada em percentual que não comprometa o exercício de atividade econômica pela empresa, a ser fixado pelo julgador.
Assim, em execução fiscal, a sociedade empresária pode ter, por exemplo, o seu estabelecimento empresarial ou o faturamento penhorado, a fim de satisfazer o débito cobrado. A grande discussão surge sobre a possibilidade de penhora de bens ou faturamento da filial para pagamento de débitos da matriz, tendo em vista o princípio da autonomia dos estabelecimentos, conforme se demonstrará no presente artigo.
2. Diferença entre a constituição da pessoa jurídica e a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
O artigo 45 do Código Civil determina que o surgimento legal das pessoas jurídicas ocorre a partir da inscrição do seu ato constitutivo no respectivo órgão de registro:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. (grifos do autor)
Esse artigo, ao ressaltar a tese de que o Código Civil adota a teoria da realidade técnica, demonstra a relação entre o ato de constituição e a existência da pessoa jurídica.[11]
Nesse limiar, Fábio Ulhoa Coelho[12] aduz que a personalização jurídica da sociedade empresária gera: i) Titularidade negocial, pela qual a sociedade se torna sujeito de direitos e deveres da ordem jurídica, e assume um dos polos da relação negocial; ii) Titularidade processual, pela qual pode ser demandada judicialmente em nome próprio, e não dos sócios; iii) e a responsabilidade patrimonial, pela qual a sociedade responde diretamente pelas obrigações sociais com seu patrimônio próprio, o qual não se confunde com o dos sócios.
Em relação à terceira consequência da personalização jurídica mencionada, Daniel Amorim Assumpção Neves aduz que a responsabilidade patrimonial é a possibilidade de sujeição de um determinado patrimônio à satisfação do direito substancial do credor.[13]
Outrossim, pode-se inferir que não há previsão legal a autorizar que qualquer outro ato de registro em órgãos públicos, diverso do previsto no artigo 45 do Código Civil, constitua pessoa jurídica.
Dentre esses outros atos de registro que não atribuem personalidade jurídica, há a previsão de inscrição das pessoas jurídicas e equiparados no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).
Isso significa que, assim como o exercício da empresa não constitui personalidade, a mera inscrição no CNPJ também não o faz[14], já que não se confunde com o ato previsto no artigo 45 do Código Civil.
Na verdade, conforme esclarece Leandro Paulsen[15], a inscrição no CNPJ é uma obrigação acessória das pessoas jurídicas e entidades equiparadas, de modo que haverá um mesmo CNPJ com terminação diferente para cada estabelecimento, mas a empresa pode optar por centralizar na matriz o recolhimento dos tributos devidos por todos os seus estabelecimentos.
Do mesmo modo, o Desembargador Federal Luiz Antônio Soares do Tribunal Regional Federal da 2ª Região[16], em decisão publicada no dia 12 de janeiro de 2016, explana que cada estabelecimento é inscrito no CNPJ sob um número específico em decorrência de determinação da Receita Federal do Brasil, a fim de facilitar a fiscalização e cumprimento das obrigações (art. 10, § 1º, da Instrução Normativa RFB nº 748, de 2007), “tanto que o número do CNPJ da filial é derivado do número do CNPJ da matriz”.
Nesse ponto, importante analisar os conceitos de estabelecimento, matriz e filial.
3. Matriz e filial como espécies de estabelecimento
A doutrina conceitua o estabelecimento comercial como “todo o conjunto de bens, materiais ou imateriais, que o empresário utiliza no exercício da sua atividade”.[17]
Nesse sentido, André Luiz Santa Cruz Ramos[18] explica que a doutrina majoritária sempre considerou o estabelecimento empresarial uma universalidade de fato, haja vista que há a formação de uma coisa unitária não em razão de disposição legal, mas sim em virtude da vontade do empresário.
Outro não é o entendimento obtido a partir da leitura dos artigos 1.142 e 1.143, ambos do Código Civil:
Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.
Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza. (grifos do autor)
Desse modo, não há que se confundir o conceito de estabelecimento (objeto de direitos) com o de pessoa jurídica (sujeito de direitos).
Em relação aos conceitos de matriz e filial, no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), no Processo nº TC 022.343/2008-6[19], há a diferenciação de ambas:
Conceitua-se matriz aquele estabelecimento chamado sede ou principal que tem a primazia na direção e ao qual estão subordinados todos os demais, chamados de filiais, sucursais ou agências.
10. Como filial conceitua-se aquele estabelecimento que representa a direção principal, contudo, sem alçada de poder deliberativo e/ou executivo. A filial pratica atos que tem validade no campo jurídico e obrigam a organização como um todo, porque este estabelecimento possui poder de representação ou mandato da matriz; por esta razão, a filial deve adotar a mesma firma ou denominação do estabelecimento principal. Sua criação e extinção somente são realizadas e efetivadas através de alteração contratual ou estatutária, registradas no órgão competente.
11. Deste modo, matriz e filial não são pessoas jurídicas distintas. A matriz e filial representam estabelecimentos diferentes pertencentes à mesma pessoa jurídica, fato corroborado, inclusive, pelo art. 10, § 1º, da Instrução Normativa RFB nº 748, de 28 de junho de 2007 (...) (grifos do autor)
No que se refere à definição de filial, Ricardo Negrão aduz que, embora sejam mencionadas de forma diversificada em dispositivos do Código Civil (artigos 969, 1.000, 1.136 e 1.172), as expressões sucursal, filial e agência não possuem diferença jurídica, uma vez que se referem a “uma só realidade: o estabelecimento subordinado a um principal. São, portanto, ramificações de uma estrutura administrativa.”[20]
Desta feita, a filial é estabelecimento que integra o acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, conforme dispõe o Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE BENS EM NOME DA FILIAL. POSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
1. A filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, que faz parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, não ostenta personalidade jurídica própria, e não é pessoa distinta da sociedade empresária. Dessa forma, o patrimônio da empresa matriz responde pelos débitos da filial e vice-versa, sendo possível a penhora dos bens de uma por outra no sistema Bacen Jud (REsp 1.355.812/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/5/2013).
(...) 3. Agravo Regimental não provido. (STJ. AgRg no REsp 1490814/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 05/08/2015)[21] (grifos do autor)
Logo, pode-se inferir que tanto a filial quanto a matriz são espécies de estabelecimento empresarial, ou seja, objeto de direitos, de modo que constituem parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica.
4. Do entendimento do Superior Tribunal de Justiça
Em consonância com o exposto, o Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos, no Recurso Especial 1.355.812/RS, defendeu o entendimento de que tanto a matriz quanto a filial não detêm personalidades distintas, mas sim formam uma única pessoa jurídica, de modo que os valores depositados em nome das filiais estão sujeitos à penhora por dívidas tributárias da matriz.[22]
De início, o Ministro Relator Mauro Campbell Marques dispôs que a filial é uma universalidade de fato, que não ostenta personalidade jurídica própria, nem é sujeito de direitos, mas sim espécie de estabelecimento empresarial, “fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando os mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz”.[23]
Nessa condição, afirmou que a discriminação do patrimônio da empresa, por meio da criação de filiais, não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, que, na condição de devedora, deve responder com todo o ativo do patrimônio social por suas dívidas.
Outro não é o entendimento do artigo 789 do Novo Código de Processo Civil:
Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei. (grifos do autor)
Além do mais, esclareceu que o princípio tributário da autonomia dos estabelecimentos não tem relação com a responsabilidade patrimonial dos devedores:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS DA MATRIZ. PENHORA, PELO SISTEMA BACEN-JUD, DE VALORES DEPOSITADOS EM NOME DAS FILIAIS. POSSIBILIDADE. ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL COMO OBJETO DE DIREITOS E NÃO COMO SUJEITO DE DIREITOS. CNPJ PRÓPRIO DAS FILIAIS. IRRELEVÂNCIA NO QUE DIZ RESPEITO À UNIDADE PATRIMONIAL DA DEVEDORA.
1. (...)
3. O princípio tributário da autonomia dos estabelecimentos, cujo conteúdo normativo preceitua que estes devem ser considerados, na forma da legislação específica de cada tributo, unidades autônomas e independentes nas relações jurídico-tributárias travadas com a Administração Fiscal, é um instituto de direito material, ligado à questão do nascimento da obrigação tributária de cada imposto especificamente considerado e não tem relação com a responsabilidade patrimonial dos devedores prevista em um regramento de direito processual, ou com os limites da responsabilidade dos bens da empresa e dos sócios definidos no direito empresarial. (STJ. REsp 1355812/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 31/05/2013) (grifos do autor)
Assim, explicou que tanto a autonomia do estabelecimento quanto a autonomia do domicílio tributário, trazida pelo artigo 127 do Código Tributário Nacional[24], não conduzem à cisão da unidade patrimonial da sociedade empresária.[25]
Ademais, destacou que a obrigação acessória de que cada estabelecimento se inscreva com número próprio no CNPJ é importante para a atividade fiscalizatória da administração tributária, mas não afasta a unidade patrimonial da empresa, cabendo ressaltar que a inscrição da filial no CNPJ é derivada da inscrição do CNPJ da matriz.[26]
Outro argumento bem utilizado no julgado em apreço foi o de que limitar a satisfação do crédito tributário a somente o patrimônio do estabelecimento que participou da situação caracterizada como fato gerador seria um contrassenso:
(...) limitar a satisfação do crédito público, notadamente do crédito tributário, a somente o patrimônio do estabelecimento que participou da situação caracterizada como fato gerador é adotar interpretação absurda e odiosa. Absurda porque não se concilia, por exemplo, com a cobrança dos créditos em uma situação de falência, onde todos os bens da pessoa jurídica (todos os estabelecimentos) são arrecadados para pagamento de todos os credores, ou com a possibilidade de responsabilidade contratual subsidiária dos sócios pelas obrigações da sociedade como um todo (v.g. arts. 1.023, 1.024, 1.039, 1.045, 1.052, 1.088 do CC/2002), ou com a administração de todos os estabelecimentos da sociedade pelos mesmos órgãos de deliberação, direção, gerência e fiscalização. Odiosa porque, por princípio, o credor privado não pode ter mais privilégios que o credor público, salvo exceções legalmente expressas e justificáveis. (STJ. REsp 1355812/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 31/05/2013) (grifos do autor)
Até porque, quando se fala em execução fiscal, não só a efetividade do direito da Fazenda credora está em jogo, “como o próprio equilíbrio das contas públicas, que é posto em risco pela inadimplência daqueles créditos inscritos em dívida ativa.”[27]
Por fim, Mauro Luís Rocha Lopes[28], ao concordar com o entendimento do STJ, aduz que “do contrário, estaria aberto o caminho para inúmeras fraudes contra interesses fazendários, mediante desvio de patrimônio de unidades inadimplentes para unidades regulares de uma mesma pessoa jurídica.”
Conclusão
Com base nos argumentos expostos, não se pode negar a possibilidade de a penhora recair tanto sobre a matriz quanto sobre as respectivas filiais na execução fiscal, por constituírem estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica.
Assim, restou evidenciado que a inscrição no CNPJ é obrigação acessória, relevante para a atividade fiscalizatória da administração tributária, mas não tem o condão de atribuir personalidade jurídica.
Nesse limiar, foi visto que matriz e filial são espécies de estabelecimento empresarial (objeto de direitos), de modo que constituem parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica (sujeito de direitos).
Logo, o patrimônio da empresa matriz responde pelos débitos da filial e vice-versa, sendo possível a penhora dos bens de uma por outra, consoante decisão do Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos repetitivos.
Referências
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[1] Lei nº 6.830/80, art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
(...) § 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.
[2] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13. ed., totalmente reformulada. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 399.
[3] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13. ed., totalmente reformulada. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 399.
[4] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13. ed., totalmente reformulada. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 426.
[5] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13. ed., totalmente reformulada. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 428.
[6] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13. ed., totalmente reformulada. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 429.
[7] Art. 10 - Não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis.
[8] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 768.
[9] Súmula 451 do STJ: É legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial.
[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.540.914/SP, Relator: Min. RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 03/12/2015, DJe 01/02/2016. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201401585006&dt_publicacao=01/02/2016> Acesso em: 25 de abril de 2016.
[11] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. p. 159.
[12] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 26. ed. São Paulo : Saraiva, 2014. p. 74.
[13] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume u?nico. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 1260.
[14] OLIVEIRA, João Paulo. Empresa individual e personalidade jurídica. Disponível em: < www.agu.gov.br/page/download/index/id/531810> Acesso em: 24 de abril de 2016.
[15] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário: completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 123.
[16] BRASIL. Tribunal Regional Federal (2. Região). Agravo de Instrumento n.º 0013385-95.2015.4.02.0000. Relator: LUIZ ANTONIO SOARES, Quarta Turma Especializada, DJF2 12/01/2016. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/295962914/andamento-do-processo-n-0013385-9520154020000-12-01-2016-do-trf-2?ref=topic_feed> Acesso em: 26 abr. 2016.
[17] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2014. p. 87.
[18] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2014. p. 88.
[19] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo nº TC 022.343/2008-6. Relator: Ministro Benjamin Zymler, DOU: 12/12/2008. Disponível em: < http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2047958.PDF> Acesso em: 26 abr. 2016.
[20] NEGRÃO, Ricardo. Direito empresarial: estudo unificado. 5. ed. rev. — São Paulo : Saraiva, 2014. p. 74.
[21] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.490.814/SC, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 05/08/2015. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=48387939&num_registro=201402744703&data=20150805&tipo=5&formato=PDF> Acesso em: 23 abr. 2016.
[22] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência nº 0524. Brasília, 28 de agosto de 2013. Disponível em:< https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=@cnot=%2714281%27>. Acesso em: 26 abr. 2016.
[23] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência nº 0524. Brasília, 28 de agosto de 2013. Disponível em:< https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=@cnot=%2714281%27>. Acesso em: 26 abr. 2016.
[24] Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal:
I - quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade;
II - quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento;
III - quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no território da entidade tributante.
§ 1º Quando não couber a aplicação das regras fixadas em qualquer dos incisos deste artigo, considerar-se-á como domicílio tributário do contribuinte ou responsável o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou fatos que deram origem à obrigação.
§ 2º A autoridade administrativa pode recusar o domicílio eleito, quando impossibilite ou dificulte a arrecadação ou a fiscalização do tributo, aplicando-se então a regra do parágrafo anterior.
[25] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.355.812/RS, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 31/05/2013. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201202490963&dt_publicacao=31/05/2013> Acesso em: 26 abr. 2016.
[26] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência nº 0524. Brasília, 28 de agosto de 2013. Disponível em:< https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=@cnot=%2714281%27>. Acesso em: 26 abr. 2016.
[27] NÓBREGA, Lucas Melo. A PENHORA DE CRÉDITOS FUTUROS COMO MEIO VÁLIDO DE RECUPERAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO EM EXECUÇÕES FISCAIS. In: Temas Atuais da Advocacia Pública. ROSSATO, Luciano Alves (Org.). 1 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 408.
[28] LOPES, Mauro Luís Rocha. Processo judicia tributário: execução fiscal e ações tributárias. 9. ed., rev. e atual. Niterói: Impetus, 2014. p. 85.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Pós-graduada em Direito Constitucional. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, Mariana Moulin. Da possibilidade de penhora de bens da filial pelos débitos da matriz na execução fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 maio 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46644/da-possibilidade-de-penhora-de-bens-da-filial-pelos-debitos-da-matriz-na-execucao-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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