1. Introdução
A concepção moderna dos Conselhos de Justiça foi resultado de um processo de evolução que obteve destaque a partir da década de 1960, com inúmeras finalidades, dentre elas: garantir a independência do Judiciário ou mesmo de melhorar sua imagem; definir a sua estrutura; elaborar o orçamento, destinar os gastos e exercer o chamado controle administrativo-funcional da atividade (cf. SAMPAIO, 2007, p.161-163).
A história, porém, nos apresenta um passado não tão recente. Importado da Europa, a finalidade inicial dos Conselhos era a de conferir maior independência ao Judiciário, uma vez que era assaz atrelado ao Executivo, em um período marcado por várias críticas a autonomia dos tribunais e juízes.
No Brasil, enganam-se os que pensam que a instituição de um Conselho Nacional da Justiça é tema hodierno no sistema jurídico-constitucional brasileiro, posto que durante o regime militar, a Emenda Constitucional 777, instituiu o Conselho Superior da Magistratura como órgão censório do poder Judiciário (cf. SAMPAIO, 2007, p. 73; e PELEJA JUNIOR, 2009, p. 95).
Dessa forma, a semente introduzida na década de 70, após um longo período de maturação, resultou no Conselho Nacional de Justiça, concebido via Emenda Constitucional nº 452004.
O presente trabalho tem por escopo estudar as atribuições, competências e poderes do Conselho Nacional de Justiça, enquanto exemplo de controle administrativo de órgão integrante da função jurisdicional, sob a perspectiva dos princípios da separação dos Poderes e da independência do Poder Judiciário.
2. Da estrutura, composição e atribuições do CNJ
O Conselho Nacional de Justiça foi inserido pelo legislador constituinte derivado no âmbito do Poder Judiciário. É um órgão não-jurisidicional, com atuação nitidamente administrativa e financeira dos órgãos jurisdicionais e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, segue, por isso, seu caráter correicional e fiscalizatório.
Foi intensamente debatida a sua instituição, por representar um “controle externo”, uma ingerência dos outros Poderes no Poder Judiciário. De acordo com o art. 103-B da Constituição Federal, assim é a composição e as atribuições do Conselho Nacional de Justiça:
"Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
II um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;
III um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;
IV um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
V um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
VI um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
VII um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
VIII um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
IX um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
X um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República;
XI um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;
XII dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
XIII dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
§ 1º O Conselho será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e, nas suas ausências e impedimentos, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
§ 2º Os demais membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
§ 3º Não efetuadas, no prazo legal, as indicações previstas neste artigo, caberá a escolha ao Supremo Tribunal Federal.
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
III receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;
V rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.
§ 5º O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Ministro-Corregedor e ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as seguintes:
I receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários;
II exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral;
III requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios.
§ 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça."
No que diz respeito a natureza jurídica do Conselho Nacional de Justiça, trata-se de um órgão administrativo com previsão constitucional. Apesar de ser tachado de órgão de controle externo, é previsto constitucionalmente como órgão componente da estrutura do Poder Judiciário.
A polêmica residente na expressão “controle externo” será melhor abordada no tópico “Da discussão dos poderes” a seguir, mas, de forma resumida, diz respeito ao fato do CNJ ser um órgão administrativo com autonomia (mesmo que relativa) inserido com a finalidade de controle do Poder Judiciário, símbolo da função jurisdicional na tradicional divisão dos Poderes.
Na dicção de José Adércio Leite Sampaio:
“A natureza administrativa é dada pelo rol de atribuições previstas no artigo constitucional 103-B, § 4º, que escapam ao enquadramento, obviamente, legislativo, uma vez que não pode inovar a ordem jurídica como autor de ato normativo, geral e abstrato, e, por submeter-se ao controle judicial, ainda que pelo STF, escapa da feição jurisdicional”.
Sua composição é mista e democratizada, possibilitando a participação popular: a par dos membros da magistratura, comum e especial, há membros da advocacia, do Ministério público e a participação popular via representantes indicados pelo Senado Federal e Câmara dos Deputados.
Segundo o Ministro Cézar Peluzo, na ADI 3367, é um órgão administrativo nacional de controle externo, “democratizado na composição por meio da participação minoritária de representantes das áreas profissionais afins”.
O Conselho não possui iniciativa de lei, tampouco de coordenação dos processos seletivos dos cursos de aperfeiçoamento de magistrados. Além disso, não detém autonomia orçamentária e financeira.
Dentre as funções, a que mais de destaca é a de controle, o que se destoa da normal função de um Conselho que é a de garantir a independência do Judiciário.
Dentre as atribuições, destacam-se:
a) de planejamento estratégico, plano de metas, programas de avaliação institucional (art.19, XIII, Regimento Interno);
b) defesa da soberania do Judiciário;
c) regulamentar, ou seja, estabelecer regulamentação acerca da atuação dos membros do Poder Judiciário
O § 7º prevê a criação, pela União, de ouvidorias de justiça nos Estados, Distrito Federal e Territórios, com o fito de facilitar a reclamação dos cidadãos. Trata-se de uma longa manus do CNJ. Contudo, há de se ressaltar que o Poder Judiciário de alguns Estados conta com tal órgão.
3. Da discussão acerca dos seus poderes
Grande parte da polêmica que envolve a atuação do Conselho Nacional de Justiça está associada aos limites de seus poderes, ou seja, se no exercício de suas funções ele está autorizado a editar normas, elaborar leis ou expedir atos complementares.
A Constituição Federal, nos incs.I e II, § 4º, art. 103-B, estabelece nitidamente que o CNJ possui o poder regulamentar, que na concepção de Carvalho Filho é a :
“prerrogativa conferida à Administração pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação. A prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando. Se o fizer cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do legislativo. Por essa razão, o art.49, V, da CF, autoriza o Congresso Nacional a sustar os atos normativos que extrapolem os limites do poder de regulamentação”
Por sua vez, a ilustre doutrinadora Maria Sylvia Di Pietro afirma que o Poder Regulamentar é:
“uma das formas pelas quais se expressa a função normativa do Poder Executivo. Pode ser definido como o que cabe ao Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para sua fiel execução”
Nesse sentido, oportuna é a lição do conspícuo Celso Antônio Bandeira de Mello sobre a definição de ato regulamentar:
“é ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública”
Dessa forma, na teoria, consoante demonstrado pelos insignes juristas, o poder regulamentar é sinônimo de operacionalização, isto é, de agir de forma a complementar à lei, visando a sua fiel execução, e não, como alternativa, como substituto, que faça as vezes da própria lei. Em suma, não há que se falar, ao menos no início da discussão, em autorização para legislar, inovar ou elaborar leis, em que pese ser somente a ponta introdutória do debate.
Como toda teoria, quando trazida à prática, várias situações e desdobramentos não previstos se impuseram aos operadores jurídicos. No que atine aos poderes do CNJ, grave embate surgiu quando o Supremo Tribunal Federal conferiu ao Conselho Nacional de Justiça o poder normativo primário. Fê-lo o Ministro Carlos Ayres Britto no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12, que questionava a validade da Resolução 07 5, do mencionado Conselho.
Segundo o entendimento exarado na ADCON 12, o CNJ tem a competência implícita de editar, com os atributos da generalidade, impessoalidade e abstratividade, os atos normativos associados às matérias de sua competência expressa. Com efeito, assim expõe acerca do tema:
“Noutro giro, tenho que a Resolução em foco intenta retirar diretamente da Constituição o seu fundamento de validade, arrogando-se, portanto, a força de diploma normativo primário. Questão que se confunde com o próprio mérito da causa e como tal é que paulatinamente me disponho a enfrentá-la. Seja como for, cuida-se de ato normativo que se reveste dos atributos da generalidade, impessoalidade e abstratividade, sujeitando-se, no ponto, ao controle objetivo de constitucionalidade.”
Trocando em míudos, entendeu o Ministro ser plausível, crível e possível, que o CNJ possa retirar “diretamente da Constituição o seu fundamento de validade, arrogando-se, portanto, a força de diploma normativo primário”, do que concluiu, de forma razoável, proporcional e afinada com princípios constitucionais administrativos, mormente o da moralidade, eficiência, igualdade e o da impessoalidade, não ser admissível o nepotismo no âmbito dos tribunais pátrios, independentemente da existência de norma expressa editada pelo legislador, porque o Conselho Nacional de Justiça, por força do poder normativo primário, extraíra da Constituição Federal a base de validade a amparar o atacado ato normativo - Resolução 07 5.
Com efeito, são as lições do Ministro:
19. Quanto ao requisito da abstratividade, fácil é perceber que a Resolução nº07, do Conselho Nacional de Justiça, veio ao mundo das postitividades jurídicas para enlaçar de modo permanente o descritor e o prescritor dos seus dispositivos. É como dizer: cuida-se de modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos. Modelo de conteúdo renovadamente normativo, então, a desafiar o manejo de ações instauradoras de processo do tipo objetivo, como é o caso da ADC.
20. Já no plano da autoqualificação do ato do CNJ como entidade jurídica primária, permito-me apenas lembrar, ainda nesta passagem, que o Estado-legislador é detentor de duas caracterizadas vontades normativas: uma é a primária, outra é derivada. A vontade primária é assim designada por se seguir imediatamente à vontade da própria Constituição, sem outra base de validade que não seja a Constituição mesma. Por isso que imediatamente inovadora do Ordenamento Jurídico, sabido que a Constituição não é diploma normativo destinado a tal inovação, mas á própria fundação desse Ordenamento. Já a segunda tipologia de vontade estatal-normativa, vontade tão-somente secundária, ela é assim chamada pelo fato de buscar o seu fundamento de validade em norma intercalar; ou seja, vontade que adota como esteio de validade um diploma jurídico já editado, este sim, com base na Constituição. Logo, vontade que não tem aquela força de inovar o Ordenamento com imediatidade.
Nessa passagem, fica evidente a intenção do ilustre Ministro em sustentar que quando o CNJ edita um ato com os atributos da generalidade, impessoalidade e abstratividade, e que estando este associado às matérias de sua competência expressa, o fundamento de validade extraído é do próprio texto constitucional, configurando-se, portanto, em uma “vontade normativa primária”.
Visando esmiuçar o conceito, colaciona-se a lição do brilhante jurisconsulto Miguel Reale sobre a divisão dos atos normativos em originários e derivados, consoante se extrai dos ensinamentos abaixo:
“Originários se dizem os emanados de um órgão estatal em virtude de competência própria, outorgada imediata e diretamente pela Constituição, para edição de regras instituidoras de direito novo; compreende os atos emanados do Legislativo. Já os atos normativos derivados tem por objetivo a explicitação ou especificação de um conteúdo normativo preexistente, visando à sua execução no plano da práxis; o ato normativo derivado, por excelência, é o regulamento”
Partindo dessa idéia, nota-se que a construção argumentativa do Ministro conflui no sentido de sustentar que ao CNJ foi outorgada competência própria para edição de regras instituidoras de direito novo, uma vez que “atua extraindo seu fundamento de validade diretamente da Constituição”.
Além disso, no final de seu voto, o Ministro ratifica a sua posição a favor do poder normativo primário do CNJ, in verbis:
“31. II – o núcleo inexpresso é a outorga de competência para o Conselho dispor, primariamente, sobre cada qual dos quatro núcleos expressos, na lógica pressuposição de que a competência para zelar pela observância do art.37 da Constituição e ainda baixar os atos de sanação de condutas eventualmente contrárias à legalidade é poder que traz consigo a dimensão da normatividade em abstrato, que já é uma fomra de prevenir a irrupção de conflitos. O poder de precaver-se ou acautelar-se para minimizar a possibilidade das transgressões em concreto.”
Nota-se que este é o ponto de nascimento do poder normativo primário do CNJ. Ressalte-se que, sob o argumento de uma existência “inexpressa”, implícita, concedeu-se ao CNJ o poder de editar normas abstratas com o condão de sobrepujar todas as demais, ainda que produzidas legitimamente pelo legislador. Em síntese: concedeu-se a um órgão de atuação administrativa o poder de elaborar leis.
Com a devida vênia, tal posicionamento mostra-se deveras perigoso, uma vez que, o próprio órgão, em suas decisões administrativas, tem distorcido o conceito do poder normativo primário, estendendo o seu exercício até no âmbito das “decisões”, em nítido caso de ativismo judicial em um órgão com atuação administrativa. Exemplo disso é o Procedimento de Controle Administrativo 2007.10.00.001564-8, em que entendeu inconstitucional e inaplicável determinada norma estadual, além de criar atribuições específicas para determinados cargos (juiz substituto de segundo grau), sem previsão na lei estadual neste sentido.
Assim, admitir-se entendimento apto a legitimar o poder normativo primário via resoluções ou atos administrativos, ou o ativismo judicial equivale a conceder extremos poderes ao CNJ, invadindo a seara do legislador e do próprio Poder Judiciário, no exercício de suas funções típicas: legislar e julgar.
4. Do CNJ e a independência do Poder Judiciário
Nos países como o Brasil, que adotam o sistema de governo presidencialista, o Judiciário é um Poder do Estado. Por isso, alega-se que o Conselho Nacional de Justiça representa uma quebra da separação dos poderes, inserta no texto constitucional como cláusula pétrea.
No sistema parlamentarista, o Judiciário não é um poder, mas uma função atrelada, em regra, ao Chefe de Governo, ou quem o represente – v.g., primeiro ministro. Nos países que adotam o sistema parlamentarista a instituição dos Conselhos de Justiça teve por escopo conferir uma maior independência ao Judiciário, como se deu na França e Itália.
Ives Gandra da Silva Martins, sob a ótica do sistema de governo afirma que os países que adotam o parlamentarismo se identificam com os Conselhos de Justiça, porque não há nítida separação entre os poderes, como se dá no sistema presidencialista. Isso porque neste sistema o Presidente da República acumula as funções de Chefe de Governo e Chefe de Estado. Não há um elemento moderador como no regime parlamentarista e, por isso, a quem cumpre tal função é ao próprio Poder Judiciário.
Já no parlamentarismo, o chefe de Estado além de possuir poderes representativos, detém, em especial, de um poder fundamental: o de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, sempre que o Parlamento não der estabilidade aos gabinetes por ele formados.
Pode, pois, consultar o povo para saber se o Legislativo continua merecendo a mesma confiança na sociedade, pelo fato de os gabinetes formados pelo Parlamento dissolvido não terem merecido a confiança e a estabilidade necessárias. Desta forma, o chefe de governo presta contas ao Parlamento; este pode ser dissolvido pelo chefe de Estado e tem que ser responsável, nas indicações para primeiro ministro, a fim de que seus integrantes não voltem mais cedo para casa.
Tais razões, segundo o autor, inviabilizariam a formação de um Conselho de Justiça no Brasil. Ao contrário do sistema parlamentarista no qual o Judiciário sequer é poder, mas um órgão da administração pública. Por isso, a instituição do CNJ violaria a cláusula pétrea da separação dos poderes.
Conclui Ives Gandra afirmando que:
“Mais do que uma questão de inconstitucionalidade - a meu ver, fere o § 4º, III, do art. 60, todo o art. 103-B da Emenda Constitucional 45 no que concerne a participação de outros pólos - trata-se de questão de incompatibilidade, esta transposição de um modelo de controle parlamentar para um país de perfil presidencialista”
Não obstante, ao contrário do que corriqueiramente se propala, mesmo nos países parlamentaristas que adotaram Conselhos de Justiça, como na França e na Itália, há descontentamento com o controle externo, não sendo a experiência tão bem-sucedida. Ao contrário, é encarado como uma forma de reduzir a independência e autonomia do Judiciário, em um amesquinhamento das funções judicantes.
De acordo com pesquisa realizada pelo jornal francês “Figaro”, a opinião pública demonstrou o descontentamento popular com o controle externo. O Poder Judiciário era dos quatro poderes da República – Chefia de Governo, Chefia de Estado, Parlamento e Poder Judiciário – o mais criticado e, para 70% dos franceses, a principal causa é o controle externo que retirava a independência do magistrado (cf. PELEJA JUNIOR, 2009, p. 111).
Em plano diametralmente oposto, há o posicionamento de que o Conselho não fere qualquer princípio constitucional, com base nos seguintes argumentos:
a) Os poderes, quer no parlamentarismo, quer no presidencialismo, não podem estar isolados, mas vinculados entre si e à soberania popular;
b) O princípio da separação imbrica-se mais na idéia de controle do que de independência ou autonomia de cada um deles;
c) O Conselho seria órgão interno na sua definição estrutural, mas heterogêneo em sua composição, fato que se coaduna com o sistema de “checks and balances”
d) A legitimação democrática adviria com a indicação de cidadãos representantes do povo
Quanto à violação do princípio federativo, de vez que o Conselho Nacional de Justiça é órgão federal com “poderes supervisionais administrativos, orçamentários, financeiros e disciplinares sobre os judiciários estaduais”, o que representaria uma intromissão do Congresso Nacional na autonomia dos Estados-membros, há o argumento de que o Judiciário é uno. Aliás, há tão-só a distribuição e a especialização de funções.
O Judiciário, dessa maneira, é nacional. O Excelso Pretório, por ocasião do julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-MC 3854DF), deixou isso claro, com base em que concluiu que não se pode estabelecer remuneração diferenciada (subteto) à magistratura estadual em relação à magistratura federal.
5. Considerações Finais
No que diz respeito a “suposta intromissão” do CNJ, enquanto órgão de controle administrativo na esfera de atuação da função jurisdicional, a própria doutrina e o STF demonstram que só o tempo irá pacificar a discussão, mas independente disso, conceder ao CNJ o poder desenfreado, sem a presença de qualquer dispositivo específico na Constituição fere o princípio da legalidade, bem como transforma a solução em problema.
Não se vislumbra negar ou apagar os benefícios deste Órgão para a sociedade, tendo em vista que combate com maior eficácia à mazelas históricas do Poder Judiciário (e não exclusivas a ele), tais como: corrupção, corporativismo, despreparo, dentre outros, resgatando a tão esperada credibilidade. Além disso, é fato que sem o poder normativo primário o órgão seria meramente figurativo. Entretanto, deve-se ter em mente sempre que isso não pode ser argumento para desrespeitar a separação dos Poderes, a independência do Judiciário e a Constituição.
Em face ao disposto, a idéia do Conselho Nacional de Justiça como órgão de controle externo é extremamente oportuna, contanto que se respeite a sua própria finalidade, ou seja, a de controle administrativo, financeiro e correicional.
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Graduado e Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado. Autor de obras jurídicas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Raphael Rodrigues Valença de. Do controle externo administrativo do Poder Judiciário. Análise de caso do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46660/do-controle-externo-administrativo-do-poder-judiciario-analise-de-caso-do-conselho-nacional-de-justica-cnj. Acesso em: 23 dez 2024.
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