Resumo: Aborda-se neste trabalho o tema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. A proposta do artigo é demonstrar que os direitos fundamentais têm aplicabilidade direta e imediata nas relações privadas, e, em especial, nas relações de emprego. Após a pesquisa realizada, os resultados obtidos revelaram que, ainda que existam teorias divergentes, tem sido consagrada na doutrina e jurisprudência brasileiras a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais. Com apoio na jurisprudência e doutrina, nacionais e estrangeiras, desenvolve-se um estudo que aponta que, apesar do reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, é imprescindível que sejam fixados parâmetros e critérios que balizem a aplicabilidade de tais direito, a fim de evitar a eliminação da liberdade da pessoa humana e, por conseguinte, resguardar a autonomia privada dos indivíduos.
Palavras-Chave: Direitos Fundamentais. Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas. Relações Trabalhistas. Autonomia Privada. Princípio da Proporcionalidade.
Sumário: 1. Introdução 2. Os Direitos Fundamentais e a Estrutura do Poder 3. A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas: 3.1 Teorias sobre a Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas; 3.2 A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Trabalhistas. 4. Direitos Fundamentais: restrições e critérios. 5. O Caso das Metas de Produtividade. 6. Conclusão. 7. Notas de Referência.
1 INTRODUÇÃO
Uma das questões mais importantes hoje no cenário jurídico diz respeito à eficácia das normas jurídicas, e, em especial, à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sobretudo quando se está diante de direitos fundamentais na seara laboral.
É difícil encontrar atualmente litígios de grande relevância que não digam respeito, ao menos tangencialmente, a direitos humanos consagrados constitucionalmente. Desse modo, os direitos fundamentais tornaram-se centrais no ordenamento jurídico em suas mais variadas esferas, desde o Direito Constitucional, passando pelo Processo Penal, até o Direito do Trabalho.
A expressão eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas representa a ideia de que tais direitos vinculam não só os sujeitos públicos, estatais, mas também os sujeitos privados. Pode-se afirmar, com isso, que os direitos fundamentais podem ser reclamados e aplicados em circunstâncias nas quais o Poder Público não figure como agente, inclusive na seara laboral. É o que se pretende demonstrar nesse trabalho.
Para isso, será realizado um exame do tema tendo como base de sustentação a concepção da moderna hermenêutica do Direito, segundo a qual, a concretização do direito somente é possível diante do caso concreto, utilizando-se a técnica da ponderação de interesses, a partir do princípio da proporcionalidade.
Em um primeiro momento, será apresentada uma abordagem geral do tema, passando pelas teorias que tratam do assunto, para, então, adentrar-se na análise da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações de emprego.
Ato contínuo, visando contribuir para esta importante discussão, serão analisados os critérios e parâmetros para a incidência dos direitos fundamentais na área trabalhista. Por fim, com o objetivo de dar maior clareza ao trabalho, conclui-se com o exame da aplicação da tese adotada ao caso das metas de produtividade.
2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A ESTRUTURA DO PODER
Com base na teoria dos direitos de Ronald Dworkin, pode-se afirmar que os direitos fundamentais são autênticos “trunfos frente ao poder”[1]. Contudo, o fenômeno do poder se apresenta de maneira oscilante ao longo do processo histórico, e, portanto, também a proteção da pessoa varia de acordo com tal processo.
Daniel Sarmento sustenta que os direitos fundamentais surgiram como resultado de uma evolução histórica ocorrida por meio de batalhas, lutas e rupturas sociais que miravam a exaltação da dignidade do homem e a construção de garantias desses direitos, visando resguardá-los dos abusos de poder praticados pelo Estado. [2] Assim, os direitos fundamentais, originalmente, foram pensados para regular a relação entre particulares e o ente estatal, e possuíam, portanto, eficácia vertical.
Contudo, tem-se detectado que, muitas vezes, os direitos fundamentais são violados não pelo Estado, mas por sujeitos privados, principalmente aqueles dotados de poder, social e/ou econômico. Inclusive, em um Estado Democrático de Direito, o Estado deve apresentar-se não como adversário dos direitos dos cidadãos, mas, ao contrário, como protetor e concretizador de tais direitos.
Assim, os operadores/aplicadores do Direito não podem ficar alheios às alterações históricas que envolvem o fenômeno do poder, uma vez que esse não se restringe à esfera estatal, sendo imperativo, desse modo, a construção de novos significados para os direitos fundamentais.
Como é cediço, o poder, em especial nas sociedades capitalistas, é conceituado como a capacidade que um sujeito tem de eliminar, condicionar ou restringir a liberdade de um outro sujeito. Esse poder, como visto, não é centralizado apenas pelos entes estatais, ao contrário, está presente em grande parte das relações sociais.
Para Foucault, o poder não se identifica necessariamente com a figura do Estado, uma vez que existe uma série de relações sociais que não são criadas ou incorporadas pelo Estado, mas que são relações de poder, já que o poder é sempre relacional, mas não necessariamente estatal.
Foucault demonstra ainda que o que sustenta o poder é o fato que ele se mantém não apenas como uma força negativa, que repreende, mas também uma força produtiva, que cria, produz saber, dá prazer, forma discursos. Ou seja, o poder faz parte de toda uma rede produtiva, que se emaranha no corpo da sociedade, funcionando, mais do que como uma força de repressão, como uma força criadora. [3]
Assim, é certo que o poder sempre existiu nas relações privadas da sociedade capitalista, mas, com as mudanças econômicas e sociais, principalmente com a transição do Estado Social para o Estado pós moderno e globalizado, o poder privado tem ampliado e alastrado sua força de controle sobre as relações públicas e privadas.
Pode-se afirmar que no Estado pós-social, surge um novo poder, que, de um lado, condiciona e impõe determinadas políticas aos Estados, mormente no âmbito econômico, e, de outro, regula as relações privadas. Não é possível, no Estado neoliberal, negar que o fenômeno do poder alcança não apenas as relações travadas com o Estado, mas, sobretudo, as relações entre os indivíduos particulares na sociedade civil.
Ubillos ressalta que o crescimento do fenômeno do poder desmistifica a existência de uma simetria em boa parte das relações privadas, uma vez que o poder tem a capacidade de condicionar juridicamente as decisões dos sujeitos:
Hoy, como ayer, la realidad desmiente la existencia de una paridad jurídica en buena parte de los vínculos entablados entre sujetos privados. El derecho privado conoce también el fenômeno de la autoridad, del poder, como capacidad de determinar o condicionar jurídicamente o de facto las decisiones de otros, de influir eficazmente en el comportamiento de otros, de imponer la propria voluntad. Basta con mirar alrededor y observar atentamente la realidad que nos rodea. Es un hecho fácilmente constatable la progresiva multiplicación de centros de poder privados y la enorme magnitud que han adquirido algunos de ellos.[4]
É nesse contexto que se situa a questão da incidência dos direitos fundamentais nas relações privada. Sarmento explica:
Diante da brutal desigualdade material que se verifica na sociedade, torna-se imperativo condicionar os atores privados – sobretudo os investidos de maior poder social – ao respeito dos direitos fundamentais. A ficção da igualdade jurídica entre os indivíduos, num contexto de gritantes desigualdades sociais, não se presta mais para justificar a imunidade dos particulares aos direitos fundamentais, a partir do dogma da autonomia privada.[5]
Assim, ante essa realidade, de relações assimétricas de poder e dominação, surgiu na Alemanha, na década de 1950, a chamada Drittwirkung, ou, como ficou consagrada na doutrina brasileira, eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Em 1954 a teoria da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas ganhou repercussão justamente em sua aplicação a um contrato de trabalho, quando o Tribunal Federal do Trabalho alemão reconheceu que a igualdade e a liberdade individual devem ser garantidas também nas relações entre os sujeitos particulares, e não somente contra o poder estatal.
Nesse emblemático julgamento, Hans Carl Nipperdey, então presidente do Tribunal Federal do Trabalho alemão, adotando a Drittwirkung, reconheceu a igualdade salarial entre homens e mulheres que exerciam a mesma função.
Em 1958, por sua vez, no antológico caso Lüth, foi reconhecida a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, a Corte Constitucional alemã admitiu que os valores consagrados por tais direitos devem ser garantidos em todas as esferas da vida social, irradiando-se por todo o ordenamento jurídico.
Entretanto, cabe lembrar, segundo as lições de Sarmento, que a eficácia dos direitos fundamentais não existe apenas nas relações privadas assimétricas, mas em todas elas:
De qualquer forma, é importante destacar que os direitos fundamentais não vinculam diretamente apenas os chamados “poderes sociais”, mas também os demais particulares, mesmo em casos de relações paritárias. De fato, mesmo em relações de tendencial igualdade, impõe-se uma proteção direta dos direitos fundamentais, sob pena de se proporcionar uma garantia incompleta à dignidade humana. (...) Todavia, nestes casos, a proteção à autonomia privada há de ser mais intensa no momento da ponderação de interesses, já que não mais prevalecerá aquela presunção de que a parte mais fraca não agiu livremente, no momento em que “consentiu” com determinada restrição ao exercício de certo direito fundamental de que era titular.”[6]
Portanto, não há como negar ou reduzir a extensão dos direitos fundamentais às relações privadas. Ao contrário, com a transição do Estado Social para o Estado pós-moderno, momento em que as mudanças impostas levaram ao recrudescimento das “[...] desigualdades econômicas e fortaleceram os poderes privados, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, é, mais do que nunca, um escudo contra a barbárie, do qual não podemos prescindir.” [7]
No contexto brasileiro, uma das mudanças mais positivas introduzidas pela Constituição Federal de 1988 foi, justamente, o destaque conferido aos direitos fundamentais. A partir de então, foi consagrada como epicentro do ordenamento jurídico brasileiro a dignidade da pessoa humana, irradiando efeitos em todos os demais ramos do direito e conferindo proteção aos cidadãos não só nas relações travadas com o Estado, mas também em todas as relações privadas que se desenrolam no seio da sociedade civil. [8]
3 A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS
Como visto no tópico anterior, os direitos fundamentais, bem como o tema da eficácia horizontal de tais direitos, tornarem-se fulcrais no ordenamento jurídico, sobretudo a partir do reconhecimento da extensão do fenômeno do poder nas relações entre particulares.
Classicamente, durante a vigência do modelo liberal burguês, a eficácia dos direitos fundamentais era limitada à esfera pública, ou seja, os direitos fundamentais somente eram aplicados nas relações entre o Estados e os cidadãos. Em razão disso, ao Direito Público competia a proteção dos direitos fundamentais, e o estabelecimento de balizas à atuação do Estado. Ao Direito Privado, por sua vez, cabia regular as relações entre os particulares, pautadas pela autonomia privada. Sarmento esclarece que:
Na lógica do Estado liberal, a separação entre Estado e sociedade traduzia-se em garantia da liberdade individual. O Estado deveria reduzir ao mínimo a sua ação, para que a sociedade pudesse se desenvolver de forma harmoniosa. Entendia-se, então, que sociedade e Estado eram dois universos distintos, regidos por lógicas próprias e incomunicáveis, aos quais corresponderiam, reciprocamente, os domínios do Direito Público e do Direito Privado. No âmbito do direito público, vigoravam os direitos fundamentais, erigindo rígidos limites à atuação estatal, com o fito de proteção do indivíduo, enquanto no plano do Direito Privado, que disciplinava relações entre sujeitos formalmente iguais, o princípio fundamental era o da autonomia privada.[9]
O modelo burguês clássico via nos direitos fundamentais uma espécie de proteção do sujeito contra a opressão e a ingerência do Estado na esfera individual dos cidadãos. Contudo, como analisado alhures, a partir do momento em que se reconhece que a violência contra as pessoas não parte apenas do Estado, mas sobretudo de outros sujeitos privados, como a própria família, a sociedade civil, as empresas e etc., expandir a incidência dos direitos fundamentais para as relações privadas se tornou um imperativo.
Segundo Sarmento, os direitos fundamentais, no constitucionalismo liberal, eram analisados exclusivamente sob uma perspectiva subjetiva, uma vez que se preocupava apenas em identificar quais pretensões jurídicas o indivíduo poderia exigir do Estado. Essa característica subjetiva dos direitos fundamentais continua essencial para o constitucionalismo contemporâneo, todavia, a doutrina moderna passa a revelar outra face desses direitos. [10]
O reconhecimento de uma dimensão objetiva aos direitos fundamentais, principalmente a partir do Estado Social, permite que tais direitos produzam eficácia também na esfera privada, possibilitando uma ruptura com a teoria clássica liberal, que limitava a aplicabilidade dos direitos fundamentais aos domínios das relações entre cidadão e Estado. [11]
A teoria contemporânea dos direitos fundamentais afirma que o Estado não deve apenas abster-se de violar tais direitos, tendo também de proteger seus titulares diante de lesões a ameaças provindo de terceiros. Este dever de proteção envolve a atividade legislativa, administrativa e jurisdicional do Estado, que devem guiar-se para promoção dos direitos da pessoa humana. Tal aspecto constitui um dos mais importantes desdobramentos da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, e está associado à ótica emergente do Welfare State, que enxerga o Estado não apenas como ‘inimigo’ dos direitos do Homem, que por isso deve ter suas atividades limitadas ao mínimo possível (Estado mínimo), mas uma instituição necessária para a própria garantia destes direitos na sociedade civil. [12]
Desse modo, com a transição para o Welfare State, o Estado adotou uma postura mais participante no sentido de garantir a proteção dos direitos fundamentais de seus cidadãos, já que não era mais suficiente que o Poder Público simplesmente reconhecesse a autonomia privada, sendo necessário proporcionar condições mínimas para que os sujeitos pudessem dela usufruir. Além disso, introduziu-se a ideia de que os direitos fundamentais, além de vincularem, subjetiva e objetivamente o Estado, vinculam também os poderes privados. Ainda nas palavras de Sarmento:
Assim, o Poder Público distancia-se da sua posição anterior, caracterizada pelo absenteísmo na esfera econômica, e passa a assumir um papel mais ativo, convertendo-se, mesmo no regime capitalista, no grande protagonista da cena econômica. O Estado Liberal transforma-se no Estado Social, preocupando-se, agora não apenas com a liberdade, mas também com o bem-estar do seu cidadão. [13]
Com o advento do Estado pós-social, esse quadro, no entanto, começou a se inverter. O poder estatal volta a ser limitado e ocorre o fenômeno da privatização do público, fortalecendo os poderes privados. Assim, como visto, para reduzir os perigos que tal cenário pode causar à tutela dos direitos dos cidadãos, é que se faz necessário reforçar ainda mais a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a fim de garantir a proteção dos sujeitos nas relações entre os atores privados.
No Brasil, e em outros contextos sociais gravados por uma intensa assimetria de poder e desigualdade social, tal reconhecimento se torna ainda mais categórico.
Contudo, quando se fala de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, isto é, de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, não se está querendo com isso propor uma equiparação dos sujeitos particulares ao Estado, até porque os indivíduos são titulares de direitos fundamentais, e, portanto, têm capacidade de autodeterminação dos seus interesses.
O ponto principal da questão, inclusive, consiste na busca de uma fórmula adequada para a compatibilização entre, de um lado, a efetiva proteção dos direitos fundamentais, e de outro, a tutela da autonomia privada. [14]
Apesar disso, a doutrina contemporânea ainda diverge sobre o modo como e em que medida se dá o alcance da incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, existindo, inclusive, aqueles que insistem em negar a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre os sujeitos particulares.
Desse modo, antes de adentrar-se especificamente na questão da eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, é imperiosa uma breve análise genérica do tema, passando pelas teorias que tratam do assunto.
3.1 TEORIAS SOBRE A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS
a) A teoria da State Action
No cenário estadunidense, prevalece, ainda hoje, o entendimento de que a eficácia dos direitos fundamentais, em regra, incide apenas nas relações entre o Estado e os indivíduos, isto é, os direitos fundamentais, segundo a doutrina e a jurisprudência norte-americanas, não se estendem às relações privadas. É o que se chama de teoria da state action.
Os argumentos teóricos que fundamentam a teoria estadunidense se baseiam, centralmente, na preocupação com a autonomia privada, já que esta representa um dos pilares do Estado Liberal, como o norte-americano. Para Sarmento, a autonomia privada é um dos elementos axiais da liberdade, que possibilita que o cidadão decida como vai governar a própria vida e interfira na vida pública:
[...] a autonomia privada representa um dos componentes primordiais da liberdade, tal como vista pelo pensamento jurídico moderno. [...] é um pressuposto da democracia, pois sem ela não há possibilidade de que se forme um debate franco de ideias, que permita ao cidadão a realização consciente das suas escolhas políticas e a fiscalização dos governantes da coisa pública.[15]
De outro lado, a doutrina do state action defende sua posição no argumento relacionado ao federalismo, pois, nos Estados Unidos, a competência para legislar sobre Direito Privado é dos Estados, e, portanto, tal doutrina serviria para preservar a própria autonomia de tais entes em face da União.
Desse modo, a teoria do state action firma uma premissa básica: os direitos fundamentais previstos na Constituição norte-americana não vinculam particulares, apenas os Poderes Públicos, ou seja, prevalece naquele país a teoria da eficácia vertical dos direitos fundamentais.
Entretanto, a partir da década de 40, a própria Suprema Corte estadunidense começou a relativizar a teoria do state action, quando passou a adotar a chamada teoria da public function, segundo a qual os direitos fundamentais se aplicam às relações privadas quando os sujeitos particulares estiverem no exercício de atividades de caráter estatal, essencialmente públicas.
Uma outra mitigação à teoria do state action está na teoria chamada de entanglement exception, também adotada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que defende que se o Estado delega uma de suas funções para um sujeito privado, esse sujeito será considerado um agente estatal somente em relação às funções delegadas, e, portanto, estará vinculado aos direitos fundamentais.
Todavia, apesar dessas mitigações, a jurisprudência estadunidense continua fortemente contrária ao reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, tanto é que, além de não reconhecer a aplicação desses direitos nas relações privadas, ainda impõe empecilhos à tutela dos direitos fundamentais pelo legislador ordinário. Em diversos julgados, a Suprema Corte insiste em declarar a inconstitucionalidade de leis que tutelam os direitos fundamentais nas relações privadas.[16]
Nada obstante, diante de tudo quanto visto até então, pode-se afirmar, com segurança, que a teoria do state action não é consentânea com o Estado Democrático de Direito, que pretende tutelar os direitos individuas, não somente em face do Estado, mas em face de qualquer lesão ou ameaça de lesão, provenha ela dos entes estatais, ou não.
b) A teoria da eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais
A teoria da eficácia horizontal mediata dos direitos fundamentais, por sua vez, tem origem germânica, na doutrina de Günter Dürig, que lançou uma obra sobre o tema em 1956, e, desde então, tem sido a teoria prevalecente no país.
Segundo a teoria da eficácia mediata, os direitos fundamentais produzem eficácia nas relações privadas, contudo, para isso, devem estar previstos em lei. Ou seja, para que os direitos fundamentais tenham oponibilidade nas relações particulares seria necessária a intermediação do legislador ordinário, não sendo possível uma aplicação direta e imediata a partir da própria Constituição.
A teoria da eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais tem como ponto de partida a ideia de que os direitos fundamentais, além de estabelecerem direitos subjetivos públicos oponíveis ao Estado, representam uma ordem de valores que irradia efeitos em todas as esferas do direito, e, em razão disso, o direito privado deve ser interpretado à luz da Constituição. Contudo, a aplicação de tais direitos, nas relações privadas não se dá de forma direita, pois há a necessidade de atuação do legislador. Segundo Robert Alexy:
Segundo a teoria de efeitos indiretos perante terceiros [...] os direitos fundamentais [...], como princípios objetivos, [...] influenciam a interpretação do direito privado.[17]
De acordo com Dürig, o que justifica a necessidade de intermediação pelo legislador é justamente a tutela da autonomia privada, já que os indivíduos poderiam, simplesmente, renunciar a direitos fundamentais no âmbito das suas relações privadas, e, portanto, em nome da preservação dessa autonomia, não seria possível se falar em aplicação direta de tais direitos.
Segundo a teoria da eficácia mediata, caso fosse reconhecida a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas a liberdade dos particulares estaria seriamente comprometida.
Desse modo, de acordo com essa escola, é necessário a construção de uma ponte entre a Constituição, e, por conseguinte, os direitos fundamentais, e o Direito Privado, através deu uma intercessão operada pelo legislador.
Nessa perspectiva, os direitos fundamentais devem ser protegidos nas relações privadas através de instrumentos próprios do Direito Privado, a partir da atuação do legislador, isto é, o Judiciário não poderia aplicar, no caso concreto, direitos fundamentais derivados da Constituição em litígio entre particulares, a menos que estivessem previstos em lei.
Esse é o sentimento que prevalece, ainda hoje, na doutrina e jurisprudência germânica. São inúmeras as decisões da Corte Constitucional alemã que aplicaram e aplicam a teoria da eficácia mediata, dentre elas, a decisão proferida no caso Lüth, umas das decisões mais emblemáticas e conhecidas daquela Corte.
No caso em comento, se consolidou a teoria mediata quando o Tribunal Constitucional reconheceu que as normas de direitos privado deveriam ser interpretadas à luz da Constituição, levando em consideração os direitos fundamentais e toda ordem de valores sobre a qual se assenta a ordem constitucional.
A teoria da eficácia indireta representa uma evolução em relação a doutrina do state action, na medida em que reconhece a Constituição como uma ordem de valores, que emana efeitos para os demais ramos do Direito, produzindo uma eficácia mínima, já que as normas do Direitos Privado devem ser interpretadas em conformidade com a Lei Maior.
Trata-se, portanto, de uma construção intermediária entre uma teoria que simplesmente nega a vinculação dos particulares e aquela que sustenta a incidental e imediata eficácia destes direitos na esfera privada.
Entretanto, assim como a doutrina do state action, a teoria da eficácia indireta dos direitos fundamentais não tutela adequadamente os direitos individuais dos sujeitos, uma vez que não oferece uma proteção completa de tais direito na esfera privada, já que a preservação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares fica na dependência da atuação do Poder Legislativo.
c) A teoria da eficácia direta ou imediata dos diretos fundamentais
A teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas reações privadas surgiu igualmente na Alemanha, por volta da década de 50, na doutrina de Hans Carl Nipperdey. O autor alemão defendia que, apesar de existirem direitos fundamentais que, de fato, tem incidência apenas nas relações entre particulares e o Estado, existem tantos outros que, por sua natureza, têm eficácia erga omnes, e, portanto, vinculam também os particulares.
Tal teoria se baseia justamente na ideia de que o fenômeno do poder não se restringe às relações estatais, mas que, muitas vezes, o poder provém dos sujeitos particulares, e, por isso, é necessário que se reconheça a incidência dos direitos fundamentais em todas as relações sociais, proporcionado aos sujeitos privados instrumentos de proteção frente a outros particulares.
Essa oponibilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, ao contrário do que defende a teoria da eficácia mediata, é direta e imediata, já que decorre da própria aplicação das normas constitucionais às relações privadas. De acordo com Alexy
Da mesma forma que ocorre no caso da teoria de efeitos indiretos, a influência das normas de direitos fundamentais no direito privado decorre da “sua característica como direito constitucional objetivo e vinculante”. A diferença reside no fato de que não se sustenta que os princípios objetivos produzam efeitos na relação cidadão/cidadão por meio de uma influência na interpretação das normas de direito privado, mas porque deles “fluem também diretamente direitos subjetivos privados para os indivíduos”.[18]
Obviamente, existem especificidades quando da aplicação dos direitos fundamentais diretamente nas relações entre particulares. Nesses casos, é preciso observar que ambas as partes da relação jurídica são sujeitos passivos de direitos fundamentais que devem ser assegurados.
Dentre os direitos que devem ser tutelados, encontra-se, exatamente, a autonomia privada. Portanto, a aplicação dos direitos fundamentais na seara privada deve representar o resultado da ponderação entre a autonomia do cidadão e o direito fundamental que se deseja aplicar, já que, em muitos casos, a aplicação do direito fundamental representará, diretamente, uma limitação à liberdade dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, Daniel Sarmento:
Reconhece-se então que tais direitos limitam a autonomia dos atores privados e protegem a pessoa humana da opressão exercida pelos poderes sociais não estatais, difusamente presentes na sociedade contemporânea.[19]
Como se sabe, a autonomia privada representa, ainda hoje, um dos elementos basilares da liberdade, através do qual o cidadão tem a possibilidade de governar a própria vida e fazer as suas escolhas sem a ingerência indevida do ente Estatal. Mas não é só. Além disso, a autonomia privada permite que os indivíduos participem também da condução da coisa pública, representando assim um componente do princípio da democracia.
Contudo, não existem direitos absolutos, e, segundo Borges, apesar de ser “[...] um dos princípios fundamentais do direito privado, o conteúdo da autonomia privada encontra fronteiras em normas legais e na ordem pública.”[20] Assim, a autonomia deve ser conciliada com os valores sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito, dentre os quais incluem-se os direitos fundamentais.
Como veremos, é imperioso identificar, em cada caso concreto, o direito que deverá prevalecer, se o direito fundamental ou a autonomia privada, através do estabelecimento de standards para a aplicação de direitos fundamentais nas relações privadas. São as chamadas relações de “precedência condicionada entre princípios” a que aludiu Alexy:
“[...] um princípio restringe as possibilidades jurídicas de realização do outro. [...] A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto.”[21]
A evolução da argumentação jurídica serve, justamente, para reduzir o subjetivismo na aplicação dos direitos fundamentais, fortalecendo a justiça e a segurança jurídica.
Portanto, um dos aspectos centrais no tema da eficácia direita dos direitos fundamentais nas relações privadas é o estabelecimento de critérios e parâmetros para a resolução do conflito entre direitos fundamentais e autonomia privada, de forma a harmonizar a proteção da liberdade do sujeito e a proteção efetiva dos seus direitos básicos.
d) Teoria dos deveres de proteção
Por fim, existe ainda uma quarta teoria da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Na verdade, essa quarta teoria, que nada mais é do que uma variação da teoria da eficácia indireta dos direitos fundamentais com bastante destaque na doutrina alemã, defende que “[...] os efeitos na relação cidadão/cidadão são consequência da vinculação do Estado aos direitos fundamentais como direitos públicos subjetivos.”[22]
Em outras palavras, a doutrina dos deveres de proteção sustenta que o Estado, além de se abster de violar os direitos fundamentais, é responsável também protegê-los e promovê-los. Assim, os direitos fundamentais vinculam negativa e positivamente o Estado, no primeiro aspecto, ao proibir o Estado de intervir sobre os direitos fundamentais e, positivamente, a partir de um imperativo de proteção de tais direitos. Segundo Eugênio Facchini,
Na nova concepção de direitos fundamentais, diretamente vinculantes, a Administração deve pautar suas atividades no sentido de não só não violar tais direitos, como também de implementá-los praticamente, mediante a adoção de políticas públicas que permitam o efetivo gozo de tais direitos fundamentais por parte dos cidadãos. Quanto ao legislador, o reconhecimento da eficácia jurídica dos direitos fundamentais impõe os mesmos deveres positivos, no sentido de editar legislação que regulamente as previsões constitucionais, desenvolvendo os programas contidos na Carta.[23]
Portanto, a teoria dos deveres de proteção está lastreada na noção, amplamente aceita na doutrina, de que o Estado deve proteger os direitos fundamentais das lesões e ameaças de lesões provocadas pela conduta de outros sujeitos privados. Entretanto, o princípio em que se apoia essa ideia, segundo o qual somente o Estado está diretamente vinculado aos direitos fundamentais, é claramente incompatível com a própria ideia que sustenta. Ora, se o Estado deve proteger os direitos fundamentais das lesões que possam ser provocadas por particulares, isso significa, logicamente, que também os sujeitos privados estão diretamente vinculados aos direitos fundamentais.
e) Teoria adota no Brasil
No caso brasileiro, o sistema de direitos fundamentais albergado pela Constituição determina que a eficácia dos direitos individuais nas relações privadas é direta e imediata, independentemente da atuação do legislador ordinário. Daniel Sarmento explica a opção do constituinte brasileiro:
Com efeito, qualquer posição que se adota em relação à controvérsia em questão não pode se descurar da moldura axiológica delineada pela Constituição de 1988, e do sistema de direitos fundamentais por ela hospedado. Não há dúvida, neste ponto, que a Carta de 88 é intervencionista e social, como o seu generoso elenco de direitos sociais e econômicos (arts. 6° e 7°, CF) revela com eloquência. Trata-se de uma Constituição que indica, como primeiro objetivo fundamental da República, ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’ (art. 3°, I, CF) e que não se ilude com a miragem liberal de que é o Estado o único adversário dos direitos humanos. Nossa Constituição, apesar da irresignação de alguns, consagra um modelo de Estado Social, voltado para a promoção da igualdade substantiva, o que projeta inevitáveis reflexos sobre a temática versada.[24]
Logo, a efetiva proteção dos diretos fundamentais não deve ser efetivada apenas do plano normativo, através da intermediação do legislador ordinário, é necessário que também o Poder Judiciário esteja comprometido com a tutela dos direitos fundamentais, “[...] consciente da dimensão político-social da jurisdição, a qual tem outros escopos além do estritamente jurídico[...].”[25]
Conclui-se, assim, que no Brasil é adotada a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, essencialmente porque tanto as teorias do state action¸ adotada no Estados Unidos, quanto a teoria da eficácia indireta, adotada na Alemanha, são incongruentes com a Constituição Brasileira, que não impõe qualquer limitação à aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre os sujeitos privados.
Abaixo, apenas a título de exemplo, algumas decisões em que o STF reconheceu a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas:
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores -UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO[26]
CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. -Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. –A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. -Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. -R.E. conhecido e provido [27]
Depreende-se que os direitos fundamentais foram positivados no Brasil como verdadeiros direitos públicos subjetivos, e não como meros princípios para guiar a interpretação do direito Privado, aplicáveis, desse modo, de modo direito e imediato às relações desenvolvidas no seio da comunidade.
3.2 A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS
No direito do Trabalho o tema é igualmente central. É difícil imaginar relações laborais no cenário jurídico recente sem pensar em direitos fundamentais. Contudo, apesar da relevância do tema, que já tem sido percebido pela jurisprudência pátria, ainda existe um déficit doutrinário no que pertine aos parâmetros para aplicação dos direitos fundamentais nas relações de trabalho.
É preciso esclarecer, de plano, que quando refere-se a direitos fundamentais nesse trabalho, se está reportando também aos chamados direitos fundamentais inespecífico, ou seja, aqueles direitos humanos previstos na Constituição que não são destinados exclusivamente aos trabalhadores, mas a todos os sujeitos privados, como são os direitos à liberdade de expressão, o direito à intimidade, à privacidade, o direito à liberdade religiosa, dentre outros, e, não só, aos direitos fundamentais específicos, ou seja, aqueles direcionados pela Constituição aos trabalhadores.
As relações de trabalho são tipicamente relações assimétricas, e, em razão disso, diferenciadas das demais relações que são travadas na esfera privada. Mesmo quando estamos diante de altos empregados, extremamente qualificados, e até mesmo independentes economicamente, a relação que se estabelece com o empregador é desigual em razão da subordinação jurídica, inerente à própria caracterizações da relação de emprego. Em função desse tipo de subordinação, o trabalhador estará sempre obrigado a se submeter as diretrizes organizacionais do empregador, bem como à sua fiscalização e sanção.
Não foi por outro motivo, como visto, que as primeiras concepções acerca da teoria horizontal dos diretos fundamentais se deram justamente na esfera laboral, quando, em 1954, o Tribunal Federal do Trabalho alemão aplicou a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais em um de seus julgados.
Assim, principalmente em razão desse desequilíbrio nas relações de emprego é que se defende a aplicação direita e imediata dos direitos fundamentais nas relações laborais, já que o poder diretivo do empregador representa uma ameaça, igualmente direta, aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Ademais, é o ambiente de trabalho o local onde a pessoa desenvolve grande parte de sua personalidade. Os indivíduos passam a imensa maioria do seu tempo no ambiente laboral, onde constroem conhecimento e se desenvolvem a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. Por isso, o trabalho tem papel socializador, afinal, a pessoa irá construir sua moralidade a partir da sua interação com as inúmeras e cotidianas experiências que tem com as pessoas, com as situações e com ambiente em que vive.
Nessa perspectiva, o meio ambiente de trabalho é corresponsável pelo desenvolvimento individual e social de seus membros, objetivando sua inserção como cidadãos autônomos e conscientes em uma sociedade plural e democrática.
O respeito à dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais e ao meio ambiente de trabalho, portanto, são os objetivos fundamentais do ordenamento, devendo a atividade jurídica ser voltada à concretização da personalidade do indivíduo de modo a garantir o nível de efetividade dos direitos individuais e sociais da pessoa humana.
É necessário que se estabeleça uma proteção direta dos direitos fundamentais do indivíduo, que inclua a tutela de todas espécies de direitos e a diversidade da pessoa humana em todos os seus aspectos, no sentido de que, somente desse modo, se estará protegendo efetivamente a dignidade da pessoa humana enquanto postulado fundamental do Estado Democrático de Direito.[28]
Dessa forma, os direitos fundamentais, fulcrais no ordenamento jurídico, abrangem a proteção da pessoa e todas as suas singularidades, incluídos aí os direitos do indivíduo nas relações privadas de trabalho. Por conseguinte, o papel do julgador deverá ser reforçado para a criação de normas no sentido de efetivamente tutelar os direitos fundamentais também no âmbito das relações laborais.
Tendo em vista a diversidade de possibilidades de ameaça aos direitos da pessoa humana na sociedade contemporânea, e considerando que o ambiente laboral é o local onde a pessoa desenvolve substancialmente a sua vida, é esse também o lugar mais propício para a violação dos direitos fundamentais.
Um trabalho desenvolvido sem a busca pela promoção da dignidade, no qual não sejam respeitados os direitos básicos do indivíduo, representa uma violação direta à ordem constitucional.
Contudo, não se pretende com isso afastar completamente a tutela da autonomia privada nas relações empregatícias. A liberdade das partes deve ser sempre preservada e considerada quando da ponderação de interesses, pois não se pode eliminar completamente a capacidade de autodeterminação das partes, muito embora, em razão da assimetria característica de tais relações, essa se apresente bastante mitigada.
É importante, portanto, estabelecer critérios e parâmetros para a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas de trabalho, analisando-se criticamente a possibilidade de restrição a tais direitos em face do poder empregatício.
4 DIREITOS FUNDAMENTAIS: RESTRIÇÕES E CRITÉRIOS
Nesse momento, é preciso verificar se existem critérios (e quais são eles) para a restrição de direitos fundamentais nas relações de emprego.
Como visto, a aplicação dos diretos fundamentais nas relações laborais, muitas vezes, é uma questão de conflito de interesses, e, consequentemente, de ponderação, sendo necessário estabelecer critérios para o sopesamento entre os interesses representados pelo poder empregatício, a autonomia privada e a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Assim, em que pese o reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, tais direitos ficam sujeitos a restrições quando em conflito com outros direitos constitucionalmente assegurados, e devem passar, necessariamente, por um juízo de proporcionalidade.
Em regra, os direitos fundamentais dos trabalhadores colidem diretamente com o poder diretivo do empregador (fundado no direito de propriedade e na autonomia privada) ou, ainda, com a autonomia privada assegurada ao próprio trabalhador, de se autodeterminar e estabelecer suas relações como melhor lhe aprouver.
Segundo Maurício Godinho Delgado, o poder diretivo do empregador:
É o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à organização da estrutura e espaço empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidianas no que tange à prestação de serviços.[29]
Esse poder diretivo do empregador, que se volta, na grande maioria das vezes, sobre a forma de prestação dos serviços, é limitado, justamente, pela tutela dos direitos fundamentais dos trabalhadores, tais como as vedações previstas no art. 5º da Constituição, que proíbem o empregador de discriminar o trabalhador (incisos I e VIII); obrigá-lo a fazer ou não fazer algo senão em virtude de lei (inciso II); submetê-lo a tortura e a tratamento desumano ou degradante (inciso III); impedir a manifestação do seu pensamento (inciso IV); violar a sua liberdade de consciência e crença (inciso VI); bem como a sua intimidade, honra, imagem e vida privada (inciso X); obrigá-lo a associar-se ou impedi-lo de o fazer (incisos XVI, XVII e XX); obstar o acesso à justiça (incisos XXXIV e XXXV), dentre outros.
Nesse contexto, segundo Arion Sayão Romita, os direitos fundamentais possuem o papel de balizar o exercício do poder diretivo do empregador no decurso da relação laboral, bem como, funcionam como um óbice à flexibilização das condições de trabalho mediante negociação individual/coletiva.[30]
Quanto a autonomia privada, reconhece-se, atualmente, a necessidade de proteção de uma esfera privada livre do controle do Estado, isto é, é imprescindível que seja resguardado ao trabalhador uma dimensão de sua vida que não sofra ingerências do poder estatal, no qual o sujeito possa exercer sua liberdade.
Nesse sentido, existem direitos sobre os quais os particulares têm poder de disposição, ou seja, os empregados podem estabelecer normas individuais na elaboração dos contratos de trabalho para regularem seus próprios direitos, no exercício de sua liberdade negocial.
Entretanto, ao contrário do que dispunha a superada teoria da autonomia da vontade, o negócio jurídico não surge, simplesmente, da manifestação de vontade da parte, uma vez que, a autonomia privada deve estar em sintonia com os princípios e valores estabelecidos pelo ordenamento jurídico, e, portanto, o negócio deve observar os pressupostos de validade por este estabelecidos.
O exercício da autonomia privada, possui limites impostos pelo sistema jurídico vigente, sobretudo no que se refere ao respeito dos diretos humanos constitucionalmente assegurados. Portanto, é imperiosa a ponderação de interesses quando da aplicação de direitos fundamentais nas relações privadas de modo que a autonomia necessariamente terá de ser confrontada com o direito eventualmente violado.
O reconhecimento da autonomia nas relações de emprego não pode significar uma restrição, a priori, dos direitos fundamentais no âmbito de tais relações. Assim, a celebração de um contrato de trabalho não deve provocar a supressão de diretos fundamentais do trabalhador, muito embora seja preservada a capacidade de negociação das partes, inerente à autonomia privada.
Deve ser afastada, então, qualquer posição radical, seja no sentido de eliminar completamente a autonomia privada das partes, seja no sentido de dar prevalência absoluta à liberdade contratual destas, mormente nas relações de emprego, que são caracterizadas por sua assimetria.
A Constituição Federal brasileira não tomou a autonomia privada de forma absoluta como exercício de liberdades individuais, embora tenha previsto diversas formas de tutela de tal direito. Sua preocupação maior, no entanto, foi a de garantir, por meio dos deveres sociais do Estado, que a pessoa possa exercer sua liberdade, desde que respeitados os demais direitos por ela assegurados.
Feitas essas observações iniciais, é preciso estabelecer algumas premissas para a resolução do conflito de interesses na seara laboral. Segundo Alexy, “Uma norma somente pode ser uma restrição a um direito fundamental se ela for compatível com a Constituição.”[31] Ou seja, a restrição a um direito fundamental somente é possível quando necessário para a assegurar outros direitos constitucionalmente tutelados, cabendo, nesses casos, um juízo de ponderação, a partir do princípio da proporcionalidade. Explica Alexy:
Uma restrição a um direito fundamental somente é admissível se, no caso concreto, aos princípios colidentes for atribuído um peso maior que aquele atribuído ao princípio de direito fundamental em questão. Por isso, é possível afirmar que os direitos fundamentais, enquanto tais, são restrições à sua própria restrição e restringibilidade.”[32]
Desse modo, sendo a autonomia privada das partes um direito assegurado constitucionalmente, como um pilar do direito à liberdade, bem como o poder empregatício, fundado do direito de propriedade e na livre iniciativa, teremos no caso concreto, a colisão entre direitos constitucionais, de um lado os direitos à liberdade, de propriedade e à livre iniciativa (autonomia privada das partes e poder diretivo do empregador) e do outro, um direito fundamental.
Passada essa análise prévia, é necessário, que, no caso concreto, seja salvaguardado o núcleo essencial do direito fundamental colidente. Explica Daniel Sarmento:
Além disso, a renúncia ao exercício não pode importar em lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana, nem ao núcleo essencial dos direitos fundamentais do indivíduo. Por mais livre que seja o agente, a ordem jurídica não admite que ele se submeta voluntariamente a situações que atendem contra a sua humanidade. Assim, mesmo em relações privadas paritárias e equilibradas, o livre consentimento da pessoa não legitima lesões ao núcleo essencial dos seus direitos fundamentais, nem tampouco à sua dignidade como pessoa humana, que são considerados irrenunciáveis.[33]
Ou seja, é necessária uma investigação criteriosa dos interesses postos, para verificar, em primeiro lugar, se esses direitos conflitantes são constitucionalmente assegurados, e, em segundo lugar, é preciso garantir sempre que o núcleo essencial dos direitos fundamentais seja preservado.
Decorrido esse momento inicial, é que será possível decidir no caso concreto, a partir do princípio da proporcionalidade, qual será o direito aplicado. Sendo assim, ultrapassada essa investigação preliminar, é necessário ainda que seja realizado um exame pautado pelo princípio da proporcionalidade e seus três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Estabelecidas essas premissas pergunta-se: existem critérios específicos para a restrição de direitos fundamentais nas relações privadas de emprego?
A partir dos critérios gerais estabelecidos pela hermenêutica contemporânea (ponderação de interesses a partir do princípio da proporcionalidade), é preciso delimitar parâmetros para tutela dos direitos fundamentais nas relações privadas de trabalho, realizados sempre de forma tópica e casuística.
Sem fugir desses critérios genéricos, é preciso observar algumas características inerentes ao sopesamento de interesses na esfera laboral.
Primeiramente, a restrição ao direito fundamental do trabalhador deve manter estrita relação com o objeto do negócio, com a própria essência da atividade produtiva e o poder diretivo, ou seja, deve ser coeso com as necessidades do empregador.
Além disso, quanto maior a assimetria da relação laboral, nos casos de grandes corporações, por exemplo, maior também deverá ser a precedência prima facie do direito fundamental do empregado. Por outro lado, caso a relação empregatícia convirja para a paridade, os direitos das partes tendem a equiparação, e é conferida mais liberdade de negociação aos sujeitos. Para Ubillos:
De los criterios que pueden ayudar al juez a decidir, por ejemplo, en qué medida el consentimiento del afectado excluye la inconstitucionalidad de la autorregulación privada. En primer lugar, la capacidad de penetración de estos derechos en la esfera privada debería ser mayor cuando se detectase una relación asimétrica, análoga a la que se establece entre ciudadanos y poderes públicos. Es decir, cuando en la relación entre particulares una de las partes ostenta una posición de clara superioridad fáctica frente a la otra o cuando la própria relación jurídico-privada constituya en sí misma un ‘bien escaso’ (Alfaro), dadas las dificultades objetivas que encuentra el particular para satisfacer los objetivos que persigue a través de una relación alternativa. Cuanto mayor sea la desigualdad de facto entre los sujetos de la relación, mayor será el margen de autonomía privada cuyo sacrificio es admisible, porque falla entonces el presupuesto o fundamento de la protección de esa autonomía.[34]
Isso se dá, sobretudo, porque a assimetria do poder pode prejudicar o exercício da autonomia privada do trabalhador, que representa a parte hipossuficiente da relação, e, portanto, pode comprometer a proteção dos seus direitos fundamentais no caso concreto.
Dessa forma, quanto mais assimétrica for a relação, maior será a vinculação do empregador aos direitos fundamentais do empregado, e menor a autonomia conferida às partes.
Imperiosa, como visto, é ainda a proteção do núcleo essencial do direito fundamental objeto da restrição, ou seja, no caso laboral, caso a conduta restritiva atente contra um atributo essencial do trabalhador, a precedência prima facie do direto fundamental será intensificada. Segue Ubillos:
(...) En segundo lugar, la incidencia de los derechos en el tráfico privado será más intensa cuando es la propia dignidad de la persona humana la que se ve directamente afectada.[35]
Ou seja, nesses casos, o ônus argumentativo para a restrição do direito fundamental deverá ser maior.
Por fim, para que a restrição a um direito fundamental na seara laboral seja válida, deve concorrer para a realização dos objetivos do empregador (adequação); deve ser o meio mais ameno para a consecução daquele objetivo, ou seja, não deve haver outro meio através do qual o objetivo do empregador possa ser promovido, com a mesma intensidade, e que limite menos o direito fundamental do trabalhador (necessidade); e a consecução do interesse perseguido pelo empregador não pode acarretar em sacrifício superior ao direito fundamental do empregado (proporcionalidade em sentido estrito).[36]
Portanto, não existem critérios específicos para o sopesamento de interesses nas relações de trabalho. Deve-se apenas levar em consideração as especificidades de tais relações no momento da aplicação do princípio da proporcionalidade, a partir dos parâmetros acima delineados, com o fim de conferir maior objetividade ao princípio em comento na ponderação dos interesses das partes.
5 O CASO DAS METAS DE PRODUTIVIDADE
Por fim, nos voltaremos, especificamente, para o caso exemplar da imposição de metas de produtividade na seara laboral, uma vez que esta está intimamente ligada às relações de poder dentro da empresa, sendo, mesmo, considerada inerente à organização empresarial.
Segundo Rodrigues Pinto, o poder empregatício se divide em três espécies, quais sejam:
[...] poder para organizar a empresa (poder de criação), [...] poder para regulamentar e fiscalizar a execução da atividade (poder de direção), [...] poder para disciplinar a execução da atividade e sancionar as transgressões dos executores (poder disciplinar)[37]
Complementa o autor, “[...] através do exercício do poder de direção o empregador determina como realizar a atividade e garante-se de que se realize como determinado.” [38] Portanto, o empregador tem o poder de dirigir e organizar a atividade laborativa de acordo com os seus interesses, pautado no princípio da livre iniciativa.
Dentro desse contexto, se insere o estabelecimento de metas de produtividade, como política organizacional imposta pelos empregadores. A princípio, a cobrança de metas não constitui prática atentatória aos direitos fundamentais. Contudo, a imposição de tais metas, no exercício do poder diretivo, deve ser compatível com a atividade desenvolvida, bem como, deve respeitar os direitos individuais assegurados constitucionalmente aos trabalhadores.
Desse modo, é preciso que a política de produtividade, antes de qualquer coisa, estabeleça uma relação de coerência entre a restrição ao direito do trabalhador e a atividade profissional exercida. Não se trata apenas de cobrar resultados dos empregados, a fixação de metas deve ser benéfica para o empregador. Ou seja, os objetivos impostos devem ser necessários e adequados à capacidade interna.
Além disso, segundo Marie-France Hirigoyen “[...] o empregador é obrigado a fornecer ao assalariado os subsídios normais para executar sua missão, e a tarefa exigida deve corresponder às competências, à situação e ao salário do empregado.”[39] Metas excessivas, irrealizáveis, ou abusivas, por exemplo, configuram uma forma de gestão por estresse, e podem caracterizar, inclusive, assédio moral.
Segundo Lis Andréa Pereira Soboll:
[...] cobranças constantes, supervisão exagerada, comparação do desempenho dos trabalhadores, ranking de produtividade¸ e-mails de comparação de resultados, prazos inadequados às exigências das tarefas são situações comuns quando há predomínio de estratégias de gestão por estresse.[40]
Dessa maneira, para que o empregador imponha políticas de produtividade, e o trabalhador a elas se submeta, através do exercício de sua autonomia privada, devem ser observados os parâmetros estabelecidos para a ponderação de interesses, uma vez que, grande parte das vezes, a imposição de metas de produtividade importa em restrições abusivas a direitos fundamentais.
Nesse sentido já vêm se manifestando os Tribunais Regionais do Trabalho brasileiros. Colacionamos a exemplar decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região:
DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. COBRANÇA OSTENSIVA DE METAS E DESRESPEITO. INDENIZAÇÃO.
A cobrança de metas pelo empregador é natural nas relações de trabalho, pois significa chamar os empregados às suas responsabilidades, nas quais se inclui o dever de cooperar com o empregador para o sucesso do empreendimento, porém, desde que ocorra nos limites da normalidade. O extrapolamento dos limites, todavia, pode caracterizar assédio moral, por atingir aspectos existenciais da pessoa do empregado. Pressão e cobranças constantes, bem como ameaças na hipótese de não cumprimento têm sido corriqueiros, reiterados e abusivos, e chegam à Justiça do Trabalho pela via de inúmeras ações, o que tem despertado interesse de vários segmentos, como a comunidade acadêmica, médicos, psicólogos e psiquiatras, advogados e magistrados, pelo potencial lesivo a direitos de personalidade dos trabalhadores. Modelos de gestão empresarial impõem aos trabalhadores condutas que fomentam a competição predatória entre eles e suas equipes, introduzem práticas de estímulo à produtividade sem limites, impõem metas inatingíveis, expõem os trabalhadores pela publicidade de suas produções individuais, que, se não cumpridas, geram o pagamento de castigos humilhantes, quando não ameaça de perda do emprego, o que os levam a jornadas exaustivas e à execução de trabalho sem limites como forma de assegurar recompensas salariais. Essa prática resulta na degradação das condições de trabalho, no alto nível de estresse, especialmente entre trabalhadores com cargos de gerência, e a quebra do próprio respeito para com colegas de equipe. Tal quadro caracteriza assédio moral organizacional ou institucional, que pode envolver um feixe de indivíduos e conta com a prática reiterada de desrespeito a direitos fundamentais dos trabalhadores, por sua submissão a situações humilhantes e constrangedoras, porém, as vezes não perceptíveis se tomados isoladamente. Tratam-se de condutas dirigidas direta ou indiretamente aos trabalhadores, que compõem um quadro sistemático de agressão, ameaça e perseguição, e se destinam a degradar as condições humanas, sociais e materiais do trabalho. Se a prova produzida nos autos confirma alguma dessas práticas, capaz de gerar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao trabalhador no que diz respeito à sua honra, dignidade, equilíbrio físico e emocional ou outros direitos de personalidade, há que se reconhecer o dano moral e o dever de indenizar. Recurso ordinário da autora a que se dá provimento para deferir o pagamento de indenização por danos morais.[41]
Na formação da política de metas, os empregadores, em regra, instituem programas de incentivos, que se dão na forma de motivação negativa (sanções) ou motivação positiva (recompensas). No que se refere às motivações negativas, é preciso ressaltar que, embora o empregador tenha a faculdade de impor sanções, em razão do poder disciplinar, deve atentar-se aos limites impostos pelo ordenamento jurídico, máxime os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Assim, devem ser colocadas balizas à imposição de sanções, no sentido de impedir que a utilização dessa faculdade se converta em uma ofensa aos direitos fundamentais do trabalhador, e, portanto, configure abuso de direito.
As sanções, destarte, sofrem limitação pelos direitos fundamentais previstos na Constituição e pelo princípio da proporcionalidade. Desse modo, serão invalidas quando não resistam a um exame pautado pelos subprincípios da proporcionalidade, ou seja, a sanção deve contribuir para a promoção do interesse do empregador, ou seja, deve ter o condão de incentivar (motivação negativa) o trabalhador ao cumprimento de suas metas (adequação); deve ser o meio mais suave para a promoção, com a mesma intensidade, daquela motivação (necessidade); e a promoção do objetivo visado pelo empregador (incentivar o empregado) não pode implicar em sacrifício superior ao seu direito fundamental (proporcionalidade em sentido estrito).
A título de exemplo, uma forma de motivação muito praticada pelas empresas é a instituição de sistemas de avaliação e desempenho. Também nesses casos, é preciso que a prática motivacional seja implantada com razoabilidade. Muitas empresas instituem tais sistemas, em verdade, com o objetivo de pressionar os empregados a cumprirem suas metas, através da publicização dos resultados da avalição.
Esse tipo de prática, é flagrantemente inconstitucional, uma vez que viola o direito fundamental do empregado à privacidade. Nesse exemplo, verifica-se um conflito entre o direito fundamental à privacidade, previsto no art. 5º, X, CF/88, e o poder diretivo do empregador, que ampara o próprio poder de fiscalização.
Nesses casos, se o objetivo do empregador é estimular o cumprimento das metas pelo trabalhador (adequação), devem ser utilizadas avaliações individuais, a fim de analisar o progresso do trabalhador e proporcionar uma melhora na execução de suas tarefas (necessidade), sem importar em sacrifício desarrazoado do direito fundamental à privacidade do empregado (proporcionalidade em sentido estrito).
Conclui-se, facilmente, que a publicização da avaliação de desempenho do obreiro não passa pelo exame pautado pela razoabilidade, uma vez que a publicidade do resultado da avaliação afasta-se completamente da adequação, da necessidade, e da proporcionalidade da restrição imposta.
Com efeito, caso o empregador torne público o resultado da avalição de desempenho do obreiro estará violando o seu direito fundamental à privacidade, sancionando o empregado simplesmente pelo não atingimento da meta estabelecida pelo empregador, configurando uma extrapolação do seu poder disciplinar/fiscalizador. Nesse sentido já se manifestou o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:
DANO MORAL. COBRANÇAS POR PRODUTIVIDADE. FORMA DESRESPEITOSA. REUNIÕES DE ÂMBITO NACIONAL E REGIONAL. CONFIGURAÇÃO. As cobranças por produtividade de forma desrespeitosa em conferência nacional ou em reunião regional de empregados afrontam os direitos fundamentais e configuram dano moral.[42]
Logo, de um lado, pode o empregador organizar a estrutura laboral do modo mais conveniente aos seus objetivos, possuindo a faculdade de impor metas, transferir empregados, alterar a estrutura do emprego, em decorrência do seu poder diretivo, que poderá ser exercitado de acordo com seu juízo de oportunidade e conveniência, e do outro, o próprio trabalhador, através do exercício da autonomia privada, pode negociar o estabelecimento de metas que caracterizam restrição a direitos fundamentais.
Entretanto, o poder de direção do empregador não é absoluto, tendo seus limites traçados, primeiramente, pelo próprio contrato de trabalho (autonomia das partes), bem como pelos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.
Conclui-se, desse modo, que é perfeitamente possível que o empregador estabeleça uma política de metas no âmbito da sua atividade, com o fim de aumentar a produtividade e estimular seus empregados, entretanto, deverá sempre observar os limites impostos pelo Direito, em especial os valores instituídos pela ordem constitucional.
6 CONCLUSÃO
Espera-se, sem pretender esgotar o tema, que tenha sido demonstrado que o debate acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é essencial no cenário jurídico contemporâneo, especialmente no Direito do Trabalho, tendo em vista que somente com a tutela de todas espécies de direitos e a diversidade do indivíduo em todos os seus aspectos se estará protegendo efetivamente a dignidade da pessoa humana enquanto postulado fundamental do Estado Democrático de Direito.
O direito deverá, portanto, estar sempre atento a proteção dos direitos fundamentais em todas as relações socais, inclusive, e sobretudo, nas relações de trabalho. Isso não significa, obviamente, que se deva anular a capacidade de autodeterminação das partes. O principal desafio hoje é, justamente, harmonizar a proteção dos diretos fundamentais com a autonomia privada das partes, principalmente em relações sociais caracterizadas pela assimetria de poder.
Nesse sentido está, precisamente, a atenção voltada para a instituição de parâmetros e critérios para a resolução dos conflitos de interesses, com o fim de minimizar os efeitos do decisionismo judicial e assegurar a segurança jurídica e a tutela dos direitos fundamentais dos indivíduos. Assim, embora os parâmetros não garantam a resolução definitiva do problema, podem amparar os operadores/aplicadores do direito na solução de cada caso concreto.
Destarte, a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações de emprego, assim como o estabelecimento de critérios para a resolução de conflitos, é indispensável para garantir a proteção da pessoa enquanto trabalhador, sem que isso represente, contudo, eliminação da liberdade assegurada constitucionalmente às partes, tão cara ao desenvolvimento da personalidade humana e à vida em sociedade.
7 NOTAS DE REFERÊNCIA
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª Ed., 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
ÁVILA, Virgílio Afonso da. DIREITOS FUNDAMENTAIS conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª Ed, 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direito de personalidade e autonomia privada. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO. TRT-PR-05187-2008-013-09-00-0-ACO-34207-2014 - 2A. TURMA Relator: MARLENE TERESINHA FUVERKI SUGUIMATSU Publicado no DEJT em 17-10-2014.
______. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. RO: 01026200913103001 0102600-76.2009.5.03.0131, Relator: Taisa Maria M. de Lima, Nona Turma, Data de Publicação: 03/02/2010 02/02/2010. DEJT. Página 228. Boletim: Sim.
______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 161243/DF, rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. 29/10/1996, 2ª T., DJ 19-12-1997, p. 57
______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 201819/RJ, rel. Min. ELLEN GRACIE, rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, j. 11/10/2005, 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 64.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do trabalho. 5 Ed. São Paulo: LTr, 2006.
FACCHINI, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 10ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal. 1979.
HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.
PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho: noções fundamentais de direito do trabalho, sujeitos e institutos do direito individual. 5. ed. São Paulo: LTr, 2003.
ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2 ed. ver. e aum. São Paulo: LTr, 2007.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
SOBOLL, Lis Andréa Pereira. Assédio Moral Organizacional: uma análise da organização do trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
UBILLOS, Juan María Bilbao. “¿En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?”. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
[1] NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 19/20.
[2] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 04
[3] FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, 10ª edição, Rio de Janeiro: Edições Graal. 1979, p. 149
[4] UBILLOS, Juan María Bilbao. “¿En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?”. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 301.
[5] SARMENTO, op. cit., p. 25
[6] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 265/266.
[7] Op. cit., p. 46
[8] Ibidem, p. 85.
[9] Op. cit., p. 13.
[10] Ibidem, p. 105.
[11] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 107.
[12] Ibidem, p. 129.
[13] Op. cit., p. 129.
[14] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 186.
[15] Op. cit., p. 154.
[16] Cf. SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 192/197.
[17] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª Ed., 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 529.
[18] Op. cit., 2014, p. 530.
[19] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 107.
[20] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direito de personalidade e autonomia privada. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 55
[21] Op. cit., 2014, p. 96
[22] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª Ed., 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 530.
[23] FACCHINI, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 61.
[24] Op. cit., p. 237
[25] FACCHINI, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 70
[26] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 201819/RJ, rel. Min. ELLEN GRACIE, rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, j. 11/10/2005, 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 64.
[27] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 161243/DF, rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. 29/10/1996, 2ª T., DJ 19-12-1997, p. 57
[28] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 24/25.
[29] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 629
[30] ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2 ed. ver. e aum. São Paulo: LTr, 2007. p. 422
[31] Op. cit., 2014, p. 281
[32] Op. cit., p. 296
[33] Op. cit., p. 270/271
[34] UBILLOS, Juan María Bilbao. “¿En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?”. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 334.
[35] Op. cit., p. 334.
[36] Cf. ÁVILA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª Ed, 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p.169/174
[37] PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho: noções fundamentais de direito do trabalho, sujeitos e institutos do direito individual. 5. ed. São Paulo: LTr, 2003, p.266
[38] Ibidem, p.268
[39] HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 35
[40] SOBOLL, Lis Andréa Pereira. Assédio Moral/ Organizacional: uma análise da organização do trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, p. 82
[41] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DA 9ª REGIÃO. TRT-PR-05187-2008-013-09-00-0-ACO-34207-2014 - 2A. TURMA Relator: MARLENE TERESINHA FUVERKI SUGUIMATSU Publicado no DEJT em 17-10-2014.
[42] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. RO: 01026200913103001 0102600-76.2009.5.03.0131, Relator: Taisa Maria M. de Lima, Nona Turma, Data de Publicação: 03/02/2010 02/02/2010. DEJT. Página 228. Boletim: Sim.
Mestranda em Direito das Relações Sociais e Novos Direitos pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/JusPodivm, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera Uniderp, Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FAUTH, Juliana de Andrade. Autonomia privada e a eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46670/autonomia-privada-e-a-eficacia-dos-direitos-fundamentais-nas-relacoes-trabalhistas. Acesso em: 23 dez 2024.
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