Resumo: Os “Direitos Humanos” e a “cidadania” são concepções que não devem ser confudidas. Direitos Humanos é um termo abrangente que norteia os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. São os direitos, sem os quais, o indivíduo não pode viver. O termo “direitos humanos” é utilizado para evitar preconceitos e desvirtuamentos. Já “cidadania”, em seu sentido amplo, está relacionada mais ao princípio da igualdade, ao passo que, no seu sentido restrito, está relacionado à capacidade de exercer direitos políticos. A afirmação da cidadania por meio de cotas raciais é uma temática complexa. Isto, porque, afirmar a cidadania é estabelecer políticas públicas respeitando o princípio da igualdade. Entretanto, na complexidade da polêmica de cotas raciais para negros, é dificil encontrar um consenso a cerca desta ação afirmativa. Disversas teorias são levantadas. A teoria da Justiça Distributiva e a Teoria da Justiça Compensatória.
Palavras-chave: Afirmação da Cidadania. Direitos Humanos. Negros. Cotas Raciais.
1 – Introdução
O objetivo do presente trabalho é desenvolver, inicialmente, concepções gerais a cerca da cidadania e direitos humanos, confrontando com a ação afirmativa de cotas raciais para negros no Brasil. Serão estudados as diversas concepções de cidadania e o posicionamento de autores no que tange a eventual sinonimia dos termos cidadania e direitos humanos.
Insta salientar que, com a finalidade de englobar o trabalho em uma concepção mais ampla, estudaremos, ações afirmativas ao redor do mundo, traçando os resultados.
Ao adentrar no coração do tema, cotas raciais para negros, os argumentos favoráveis e contrários serão esmiuçados. As teorias em que fundamentam, tanto os argumentos contraríos, quanto os favoráveis serão desenvolvidos. Ao se falar em cotas raciais para negros, duas teorias surgem: a teoria da justiça distributiva, visando combater uma injustiça do presente e a teoria da justiça compensatória, visando combater uma injustiça do passado. Essas são as teorias utilizadas, tanto para apoiar ou refutar o sistema de política de cotas raciais.
Será verificado, utilizando não apenas um método empirista, mas também dedutivo, afim de traçar opiniões sobre a afirmação da cidadania por meio desta política. Isto, porque, independente do resultado frutífero ou não desta medida objetivando afirmar a cidadania, deve, ainda, ser analisado, a luz da equidade, a política empregada, de sorte que uma política de cotas raciais para negros necessariamente exclui diversos grupos sociais. Logo, será necessário estudar se os negros necessitam de privilégios em face de outros grupos sociais.
O tema é polémico e poucos autores têm a audácia de manifestar-se sobre este ponto. Principalmente, porque, vivemos a era do “politicamente correto”. Neste interim, aqueles que manifestam-se acerca desta médida deve, sempre, utilizar uma cautela exagerada, seja para defender ou atacar a política. Isto, porque, ainda que para defender, não se pode rebaixar um grupo de pessoas em detrimento de outro, de sorte que muitos ficariam ofendidos.
O único teório da ciência política, notoriamente conhecido, que se manifestou de maneira expressa a cerca das ações afirmativas foi Duorkin. O pensador afirmou que ações afirmativas, exlusivamente, pelo critério cor, não ofende direitos. Manifestou-se, inclusive, que um direito concedido a determinado grupo, não necessariamente, outorga direitos a outros grupos. Em outras palavras, uma política de cotas raciais para negros não faz com que índios também mereçam um tratamento privilegiado.
É neste liame que Micheal Sandel traz o posicionamento do autor, Duorkin, mas afirma que seguidores de Kant e Rawls são contrários a política de cotas raciais. Infelizmente a explosão de ações afirmativas ao redor do mundo não são da época destes pensadores e, tal fato, impossibilitou que estes estudiososos, pessoalmente, manifestassem a cerca da medida. A incumbência, então ficou para seus seguidores.
Destarte que as ações afirmativas, por meio de cotas raciais para negros, objetivando afirmar a cidadania é um tema intrigante, haja vista os diversos posicionamentos a cerca da política. Todavia, desconhece-se um artigo que traga, de maneira expressa, a afirmação da cidadania por meio desta medida. É com audácia que o trabalho irá desenvolver a temática, traçando sempre uma concepção de equidade, sob a perspectiva humanística ou de direitos humanos. Isto, porque, não será analisado a constitucionalidade da médida. Partiremos do norte que a política é constitucional e está em consonância com a Constituição Federal de 1988.
2 – Desenvolvimento
2.1 – Cidadania e Direitos Humanos
A expressão “direitos humanos” é necessária duplamente. Primeiro para evitar preconceitos e segundo para evitar desvirtuamentos. As pessoas humanas são iguais em direitos e obrigações. Logo, com espírito de solidariedade é necessário respeitar as diferenças entre uns e outros. (Dallari, 2004: p. 12).
Direitos Humanos consiste numa forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais inerentes as pessoas. São fundamentais, porque, sem eles a pessoa não consegue existir e viver. Os seres humanos devem ter assegurados, desde o seu nascimento, as condições mínimas para tornar-se úteis a humanidade, devendo ter os benefícios que uma vida em sociedade proporciona. O conjunto de condições e possibilidades relacionadas as características naturais do ser humano é conjunto que se da o nome de direitos humanos. (Dallari, 2004: p. 12-13).
O significado de direitos humanos, em sintese, consiste nos direitos essenciais e necessários da pessoa humana. São aqueles que a pessoa necessita para viver com dignidade e devem ser assegurados a todas as pessoas (Dallari, 2004: p. 13).
Insta salientar que os direitos humanos tem proteção constitucional, podendo ser extraídos de diversos artigos da Constituição da República Federativa do Brasil. O artigo 1º, inciso, III dispõe:
Art. 1º: A república federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municipios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
Inciso III - A dignididade da pessoa humana
Além dos direitos humanos terem proteção internacional, haja vista diversos tratados em que o Brasil é signatário, a carta fundamental fez questão de estabelecer, de maneira expressa, a proteção.
É possível extrair a proteção aos direitos humanos em diversos artigos da Constituição Federal de 1988, tal como o artigo 5º e seus vários incisos. Todavia, parece-nos que o dispositivo mais direto e preciso é aquele supramencionado, sem retirar, porém, a importância de outros artigos.
Insta salientar que, ainda na seara de direitos humanos, é facil reconhecer que as pessoas tem necessidades, por esta razão uma não vale mais do que outra. É fato, porém, que as pessoas tem suas peculiaridades e, então, esta igualdade não significa uma igualdade física, material ou psicológica. As pessoas tem suas individualidades, advindo de sua história e cultura, que é o resultado de condições naturais e sociais. Os costumes e relações sociais daqueles que vivem em uma metrópole são diferentes daqueles que vivem numa cidadezinha do interior. (Dallari, 2004: p. 13).
Portanto, as pessoas são diferentes, mas continuam iguais como seres humanos, pois tem necessidades e faculdades essenciais identicas. É nesta linha de raciocínio que decorreu-se os direitos fundamentais como caráter universal. (Dallari, 2004: p. 14).
Segundo Dalmo de Abreu Dallari:
Todas as pessoas nascem essencialmente iguais e, portanto, com direitos iguais. Mas, ao mesmo tempo que nascem iguais, todas as pessoas nascem livres. Essa liberdade está dentro delas, em sua inteligência e consciência. É evidente que todos os seres humanos acabarão sofrendo as influências da educação que receberem e do meio social em que viverem, mas isso não elimina sua liberdade essencial. É por isso que muitas vezes uma pessoa mantém um modo de vida até certa idade e depois muda completamente. Essa pessoa estava vivendo sob certas influências mas continua livre e num determinado momento decidiu usar a liberdade para mudar o rumo (Dallari, 2004: p. 14).
A transcrição acima descreve, perfeitamente, a necessidade das pessoas se respeitarem, apesar de suas diferenças. Inclusive quando alterarem seu percurso de vida, de sorte que a proteção humanística estabelece a liberdade das pessoas como um elemento essencial a ser exercido a qualquer momento, até mesmo quando não exercido durante longo período.
Insta salientar que os direitos fundamentais, sendo os mesmos para todos, deve respeitar, até mesmo, aqueles que os ofendem. Os direitos continuam existindo para os criminosos que prejudicam a sociedade. Aquele que pratica ato ilegal deve sefrer punição prevista em lei, sem esquecer, todavia, que este criminoso continua a ser pessoa humana. (Dallari, 2004: p. 15).
A proteção internacional dos direitos humanos é extraída pela Declaração Universal dos Direitos Humanos:
No ano de 1948 a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz em seu artigo 1 que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Além disso, segundo a Declaração, todos devem agir, uns em relação aos outros, “com espírito de fraternidade”. A pessoa consciente do que é e do que os outros são, a pessoa que usa sua inteligência para perceber e ajudar muitos. E todos, mesmo os afultos saudáveis e muitos ricos, podem facilmente perceber que não podem dispensar a ajuda de muitas pessoas, para conseguirem satisfazer suas necessidades básicas. Existe, portanto, uma solidariedade natural, que decorre da fragilidade da pessoa humana e que deve ser completada com o sentimento de solidariedade. (Dallari, 2004: p. 15-16)
Havendo respeito e solidariedade de todos, no relacionamento entre pessoas, certamente, injustiças serão eliminadas e poderemos viver em paz (Dallari, 2004: p. 16)
A cidadania foi uma palavra utilizada na antiguidade e retomada nos seculos XVII e XVIII, expressando a liberdade individual e igualdade de todos. (Dallari, 2004: p. 17).
A palavra cidadania, inicialmente, foi usada na Roma antiga com o fito de indicar a situação política de uma pessoa, bem como os direitos que essa pessoa tinha ou poderia exercer. A sociedade romana separava as pessoas em classes sociais, fazendo verdadeira discriminação. No que tange a liberdade das pessoas era feita a diferenciação entre escravos e pessoas livres, distinção entre ricos e pobres, ou seja, patrícios e plebeus. Com o tempo foram criadas categorias intermediárias com o objetivo de colocar alguns plebeus próximos aos patrícios. (Dallai, 2004: p. 17-18).
No que tange a possibilidade de participar das atividades políticas havia distinções entre os próprios romanos. Os romanos livres tinham cidadania e, consequentemente eram cidadãos, mais poucos podiam ocupar cargos públicos. Naquela época era feita uma distinção entre cidadania e cidadania ativa. Apenas os últimos tinham direito de participar das atividades políticas (votar) e de ocupar cargos (ser votado). (Dallari, 2004: p. 18).
Insta salientar que na atualidade, adentrando na seara jurídica, este conceito sofreu uma certa mutação. Na seara jurídica, cidadão em sentido estrito é aquele que tem direitos políticos, mas, não necessariamente todos os direitos políticos.
Na ciência jurídica a capacidade política é dividida em ativa e passiva. A capacidade política ativa é o direito de votar, ao ponto que a passiva é o direito de ser votado. Porém, apenas com a capacidade ativa o indivídio já é considerado cidadão em sentido restrito (strito). Logo, diferente da idade média em que capacidade política ativa era o direito de votar e, ainda, de ser votado.
O termo cidadão em sentido amplo, na atualidade, confunde-se com aquele empregado na antiguidade, pois, consiste numa serie de direitos destinados a uma pessoa, respeitando o princípio da igualdade.
Uma inovação interessante, ocorrida poucas decadas antes da idade média foi o uso das palavras cidadão e cidadania, para simbolizar a igualdade de todos. Naquela época, muitos políticos vinham defendendo a idéia de que todos os seres humanos nascem livres e são iguais e, portanto, merecem ter os mesmos direitos. Essa idéia foi utilizada pelos burgueses, que queriam participar do governo e estavam insatisfeitos com as regras advindas do rei e dos nobres. Os pobres, também, apoiaram a ideia, pois, acreditavam que se todos são iguais, os mais humildes, também, poderiam participar do governo. (Dallari, 2004: p. 20).
Cabe lembrar que as mulheres também tiveram importante particpação nos movimentos políticos e sociais da Revolução Francesa. Quando se falava nos direitos da cidadania, a intenção era dizer que todos deveriam ter os mesmos direitos de participar do governo, não havendo mais diferença entre nobres e não-nobres nem entre ricos e pobres ou entre homens e mulheres. (Dallari, 2004: p. 20)
No trecho transcrito, observa-se a importância das mulheres na revolução francesa, aproveitando o movimento para, também, reivindicar pelos seus direitos. O resultado é sabido, pois, as mulheres obtém o direito de votar em vários países.
Os revolucionários franceses, com o objetivo de apontar novos caminhos para a humanidade, publicaram em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pretendendo que ela tivesse um carater universal, afirmando a igualdade e a liberdade. A declaração foi, deveras, importante pois influênciou diversos países que visavam a conquista da liberdade e igualdade dos povos. Todavia, muitos dos seus preceitos rapidamente foram esquecidos, de sorte que rapidamente a igualdade deixou de ser proclamada e surgiram novas desigualdades. (Dallari, 2004: p. 20).
Destarte que direitos humanos e cidadania, pelo menos segundo Dallari, parece não se confundir, tanto que o autor utilizou capitulos distintos em sua obra para fazer as definições dos termos cidadania e direitos humanos. Logo, não podemos, porém, dizer que a cidadania não está ligada aos direitos humanos, principalmente a cidadania em sentido amplo, ou em outras palavras, aquele que busca raizes nos princípios relacionados a igualdade. Entretanto, a cidadania em sentido restrito, ou seja, o direito de votar e ser votado não pode ser visto como direitos humanos em absoluto. No Brasil, por exemplo, para candidatar-se a senador é necessário ter mais de 35 anos e, nem por isso, aqueles que não atingiram essa idade é considerado um não-cidadão. É neste liame que devemos fazer a distinção entre os conceitos, ressaltando, por óbvio, que geralmente a cidadania está dentro dos direitos humanos, mas a reciproca não é, necessariamente, verdadeira.
2.2 – Ações Afirmativas ao redor do mundo
Thomas Sowell, afrodescendente, economista e norte-americano, realizou uma pesquisa acerca da política de cotas ao redor do mundo. Foi observado, segundo o pesquisador, que na maioria dos casos estudados houve confronto físico entre os grupos beneficiados e não beneficiados e, deduziu que os prejuízos causados e os transtornos para sua implementação não são bons caminhos que o governo deve buscar. (NUNES. 2010: p. 73).
Na Íindia as ações afirmativas adveio com o fito de contornar a segregação social existente em virtude das castas impostas na religião indu. O objetivo foi, na época, beneficiar uma camada chamada de “intocáveis”, possibilitando, para este grupo, o acesso a estudo e a cargos no governo. Houve uma violenta repressão das demais castas, culminando com algumas mortes. (SOWELL, 2004: p. 109 apud NUNES, 2010: p 73).
Na linha do pesquisador, na Nigéria, a política foi infrutífera:
O mesmo ocorreu na Nigéria, onde grupos até então desfavorecidos, como Moslem Fulani, Hausa, Yoruba ou Ibo, obtiveram acesso facilitado a alguns cargos públicos, tendo em vista a posição social e econômica, mas que os resultados mostraram que alguns anos após a aplicação destas políticas públicas os nigerianos raramente categorizam os outros pela riqueza ou cargo, mas pela etnia a que pertenciam. (SOWELL, 2004: p. 109 apud NUNES, 2010: p 73).
Por conseguinte, ao redor do mundo, os fatos relacionados a diversos tipos de políticas afirmativas, revelam que não alcançou-se os resultados esperados e, muito menos, a diminuição da desigualdade entre os grupos envolvidos. Ao contrário, viu-se o acirramento do preconceito que já existiam nessas sociedades. As ações afirmativas devem ser aplicadas, quando possível, juntamente por ações transformacionais de longo prazo, a fim de amenizar possíveis atritos entre os grupos envolvidos. Caso contrário, poderiam surgir grandes problemas. (NUNES, 2010: p. 73).
A história é repleta de exemplos neste prisma. Neste liame, Gabriel Pinto Nunes, expõe:
Um exemplo mais que comum, mas nem sempre lembrado nessas discussões de cotas, são as leis votadas por plebiscitos nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial na Alemanha. Na época, alguns dos membros da comunidade judaica alemã representavam uma parcela significativa dos donos de empresas e bancos; portanto, eram responsáveis por grande parte da economia alemã. Por se tratar de um povo que historicamente unido independentemente das fronteiras nacionais, ele se tornaria um problema para a economia alemã caso não apoiasse a política econômica adotada pelo governo. Por esse e outros motivos, houve uma propaganda sistemática do governo alemão com o intuito de criar uma imagem nagativa dos judeus para os alemães, o que culminou no extermínio em massa, como visto nos campos de concentração. (NUNES, 2010: p. 74).
Adentrando nas esferas nacionais, no Brasil, houve uma política, com base na lei 6.465 de 1968, objetivando beneficiar os filhos de agricultores. Nos anos que seguiram observou-se que a política foi desastrosa, pois, o que ocorreu foi o privilégio de fazendeiros, de sorte que os beneficiários da ação afirmativa vendiam as suas terras aos latifundiários para terem recursos financeiros para se sustentarem ou abandonavam o campo em direção a cidade. Logo, a norma agiu contrariamente ao que objetivava promover. (NUNES. 2010: p. 75).
Destarte que a politica de ações afirmativas deve ser vista com cuidado, de sorte que o impacto é extremamente agressivo e, quando adotado como medida única, pode trazer mais prejuízos que benefícios.
2.3 – Teorias à cerca das cotas raciais para negros
Os defensores da política afirmativa de cotas raciais para negros buscam fundamento em duas teorias: teoria da justiça compensatória e teoria da justiça distributiva. A teoria distributiva tem fundamento na justiça do presente. Já a justiça compensatória busca amparo na justiça do passado. Muitos defensores, todavia, acabam misturando os argumentos causando uma grande confusão. (MELIN-SOUCRAMANIEN, 1997: p. 206-207 apud KAUFMANN, 2007: p. 221).
A justiça compensatória busca amparo em injustiças cometidas no passado, seja por particulares, seja pelo governo. (GREENE, 1989: p. 3 apud KAUFMANN, 2007: p 222). Esta teoria é a reinvindicação para a reparação de um dano ocorrido no passado sob determinado grupo minoritário. (KAUFMANN, 2007: p. 222).
O problema da adoção desta teoria é que torna-se relmente complicado responsabilizar, no presente, os brancos descendentes de outros brancos que, num passado, tiveram escravos. Inclusive, no caso brasileiro, é impossível identificar, em um país missigenado, eventuais beneficiários deste sistema compensatório, de sorte que os negros de hoje não foram vítimas da escravidão. (FISCUS, 1997: p: 9-10 apud KAUFMANN, 2007: p 223).
Ora, culpar pessoas inocentes a cerca de atos que discordam é praticar a injustiça. Tal teoria não deveria ter espaço, na atualidade, pois, os descendentes dos antigos senhores de engenho não aprovaram os atos outrora realizados, nem, tampouco, obtinham controle sobre atos realizados no passado. O sistema compensatório é tão criticado que até a Suprema Corte norte-americana, em julgamento da universidade de Michigan, frisou que as políticas afirmativas tem amparo contitucional, desde que o critério utilizado fosse para promover uma maior diversidade cultural e, jamais, a compensação do trabalho escravo. (KAUFMANN. 2007: p. 223).
Existe, inclusive, um outro problema, o qual, consiste em saber quem são os reais beneficiários da política afirmativa. Alan Goldman, citado por Kaufmann disserta:
Ademais, haveria ainda o problema de identificar quem seriam os possíveis beneficiários da política compensatória. Todos os descendentes de africanos? E os negros que imigraram para o País recentemente, teriam direito? E os descendentes de negros que não foram escravizados, mesmo à epoca da escravidão, também fariam jus aos benefícios? Tais perguntas podem parecer absurdas, mas não é simples definir uma linha divisória entre os beneficiários e não beneficiários da política afirmativa compensatória. (GOLDMAN. 1979: p. 98 apud KAUFMANN. 2007: p. 224).
E, nesta linha de raciocínio, um sistema de compensação não teria limites, seja no passado ou, ainda, no futuro por aqueles que ainda nem nasceram. Kaufmann argumenta:
Em sendo assim, por que não pleitear indenização a Portugal, devido a exploração de riquezas brasileiras – açúcar, café, tabaco, minérios, ouro e diamantes? Por que não cobrarmos de Portugal a indenização a ser devida aos afro-descendentes, já que foram os portugueses que organizaram o tráfico escravos e a escravidão no Brasil? E dos Holandeses que, que esbulharam pernambuco? E dos ingleses, que exploraram o Brasil e também Portugal? E dos franceses, que invadiram o País diversas vezes chegando a formar a França Antartica, no Rio de Janeiro e a França Equinocial no Maranhão? Com efeito, de nada adiantaria pleitear ressarcimento, nesses termos, porque a resposta, se é que chegariamos a ter qualquer tipo de reação diversa da solene ignorância, seria uníssona: não podemos ser responsabilizados por um fato cometido há quinhentos anos. Nada temos com isso. (KAUFMANN. 2007: p. 224).
Por derradeiro, saber quem é ou não descendente de escravo em um país totalmente missigenado é uma missão impossível. (KAUFMANN. 2007: p. 224).
No que tange a outra modalidade de fundamento, qual seja, a justiça distributiva diz respeito a distribuição de riquezas, direitos e obrigações aos membros de uma sociedade, com o fito de encontrarmos uma sociedade mais equilibrada. A teoria objetiva, por meio de ações afirmativas, encontram mecanismos para promover a oportunidade para aqueles que não podem competir de maneira igual. Logo, observa-se que a teoria tem amparo no presente e objetiva combater as desigualdades e preconceitos existentes. (KAUFMANN. 2007: p. 225).
Por meio desta teoria redistribui-se os benefícios, direitos e oportunidades dos cidadãos. O Estado deveria, neste sentido, agir de forma interventiva para garantir a efetivação da igualdade. Entretanto, ações afirmativas devem ser precedidas de um estudo para saber o que realmente impedem a progressão social do negro. No caso norte-americano restou constatado que o obstáculo é a ascenstralidade africana. Entretanto, no caso brasileiro, parece que a questão não está reduzida a uma simples razão. Existem dois fortes indícios que concorrem para a exclusão: a cor e a classe econômica desfavorável. Por esta razão devem ser observados vários critérios, sob pena de, a política afirmativa, ser considerada ilegítima pela sociedade. (KAUFMANN. 2007: p. 226).
As críticas às ações afirmativas, na maior parte, tem os mesmos argumentos. Opositores das ações afirmativas argumentam que a medida põe em xeque o critério republicano do mérito, conduzindo a uma discriminação reversa, que aumenta o rascismo. (ANDREWS. 1997: p 139 apud KAUFMANN. 2007: p 230).
A medida poderia favorecer o ódio entre as raças, de sorte que beneficiaria negros de classe média ou alta, que não estariam entre aqueles que mais precisariam de benefícios (KAUFMANN. 2007: p 230).
Outro ponto negativo, apontado pelos opositores, é que a ação afirmativa fomentaria o rascismo e criaria guetos nas localidades em que a medida fosse implantada. Logo os negros seriam vistos como cidadãos de segunda classe, ou pessoas inferiores, que necessitou de uma ajuda governamental, pois são incapazes de ingressar sozinhos em determinado setor. (KAUFMANN. 2007: p 231).
Assim, argumentos favoráveis e contrários existem em diversos seguimentos da sociedade. Entretanto, necessário saber os prejuízos e benefícios reais existentes nas ações afirmativas.
2.4 – Afirmando a cidadania por meio de cotas raciais para negros
Afirmar a cidadania pode ser entendida como afirmar os direitos políticos, vislumbrando a palavra cidadania em seu sentido estrito. Poderá, todavia, entender a afirmação da cidadania vislumbrando a palavra “cidadania” em seu sentido amplo, neste caso, mais relacionado ao princípio da igualdade.
Ora, afirmar a cidadania nada mais é do que encontrar movimentos ou políticas públicas destinadas ao cidadão, seja em seu sentido amplo ou no seu sentido estrito. Analisaremos, com profundidade, o seu sentido amplo.
Nesta linha de raciocínio, as cotas raciais para negros, objetivando incluir o afrodescendente em diversos seguimentos da sociedade, em princípio, parece, afirmar a cidadania, pois é uma política pública destinada a um grupo específico, no caso, o negro.
Por derradeiro, todavia, a política pública de cotas raciais para negros, na tentativa de afirmar a cidadania deve respeitar o princípio da igualdade. Caso contrário, não estaria respeitando o termo “cidadania” no seu sentido amplo, de sorte que a palavra, utilizada para tratar os seres humanos com igualdade não estaria sendo respeitada.
Ista salientar que Veronika Paulics e Silvio Caccia Bava elucida uma hipótese de afirmação da cidadania:
Ainda que a transição democrática tenha se caracterizado como transição “por cima”, isto é, liderada pelos próprios setores no poder, este longo processo, que muitos consideram ainda inconclusivo, teve alguns momentos marcantes como o processo de elaboração da Constituição de 1988, as Diretas Já!, as eleições municipais em importantes centros urbanos elegendo governantes comprometidos com a universalização de direitos, que expressavam a irrupção de novos atores sociais e políticos no cenário nacional
Outro aspecto interpretado como expressão desses movimentos de afirmação da cidadania foi a eleição para o Congresso Nacional, para as Assembléias Legislativas e para as Câmaras Municipais de representantes de movimentos sociais, cuja principal características era a afirmação de sua autonomia diante dos mecanismos tradicinais de cooptação, clientelismo, patrimonialismo, tão característicos da história polítrica brasileira. (Paulics; Bava, 2002: p. 48).
O autor traz uma concepção de afirmação da cidadania, utilizando a palavra cidadania em seu sentido restrito (strito senso). Isto, porque, delimita sua argumentação na capacidade política do indivíduo. Logo, demonstra a importância do processo de afirmar a cidadania.
Importante ressaltar, todavia, que a afirmação da cidadania, também, pode ser interpretada de outro modo. É o caso em apreço no trabalho, qual seja, a cidadania em seu sentido amplo, mais especificamente por meio da política pública de cotas raciais para negros no Brasil.
Certamernte, fácil observar, que as cotas raciais é um mecanismo utilizado para incluir o negro em diversos seguimentos da sociedade. Entretanto a “afirmação da cidadania” será explicitada, apenas, se o princípio da igualdade estiver sendo respeitado. Caso contrário, estariamos modificando o verdadeiro sentido de cidadania, de sorte que a expressão do termo utilizado na revolução francesa objetivando a universalidade de direitos para as pessoas teve por base, sempre, a igualdade.
O leitor poderia perguntar a razão de respeitar ou não o princípio da igualdade. A indagação é facilmente respondida, pois, “cidadania” é um temo utilizado para garantir a universalidade de direito das pessoas com base na igualdade desde a revolução francesa. Não existe outra acepção ou definição e, a menos que redefina a palavra, a igualdade anda de encontro com a expressão cidadania.
Por esta razão afirmar a cidadania por meio de cotas raciais dependerá se o tratamento respeita a equidade ou, em outras palavras, respeita o senso de justiça. Para afirmar a cidadania por meio de cotas raciais, necessariamente, o princípio da igualdade deve ser observado.
Neste interim, vale ressaltar que existem duas acepções de igualdade. Uma iguadade formal que seria aquela igualdade na forma. É uma igualdade genérica e rígida para todos. É uma igualdade que todos devem ter, porque, todos são iguais. Esta expressão é a que define igualdade formal. Já igualdade material é tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade na medida em que se desigualam, pois esta é a essência da verdadeira igualdade. (SILVA. 2006: p. 214-215). Esta acepção de igualdade material foi introduzida, inicialmente, por Aristoteles.
Por esta razão, afirmar a cidadania por meio de cotas raciais para negros exige uma certa dose de cuidado, pois, a igualdade está na essência de cidadania, devendo, por óbvio ser observada. Importante, então, as definições teórias trazidas no tópico anterior afim de entender as teorias adotadas para defender ou não a adoção da política que, pelo menos no Brasil, é utilizada com rigor nas Universidade Públicas e nos Serviços Públicos Federais, por meio de concursos públicos.
Portanto, dizer que estamos afirmando a cidadania através de cotas raciais para negros é perigoso. Isto, porque, o tema é extremamente polémico e muitos afirmam que o princípio da igualdade não estaria sendo respeitado. Independente de posicionamentos individualistas, a temática é complexa, necessitando de cautela para se posicionar por uma ou outra medida.
Nina Trícia Disconzi Rodrigues e Altemar Constante Pereira Junior, criticando as cotas raciais para negros nos concursos públicos afirma:
Caso ficasse entendido, por exemplo, que a cor da pele atribuiria a um candidato privilégios ao emprego ou cargo público, poderia ser dito que a discriminação é consitucionalmente aceitável. (Rodrigues; Pereira Junior, 2013: p. 137).
Destarte que, por estes e outros posicionamentos, a afirmação da cidadania atráves desta política deve ser vista com cuidado.
2.5 – Instituto Pólis
A afirmação da cidadania é uma temática tão importante que foi criado um instituto para este mister. O instituto “pólis”, criado sob a égide da ditadura, objetivava contribuir para a criação de políticas públicas de Estado.
A formulação de políticas públicas, orientada para entender os interesses da maioria, especialmente os pobres, era somado com a necessidade de tornar a maquina administrativa mais eficiente. É nesse contexto que um grupo de 30 pessoas abre uma discussão sobre a necessidade de criar uma instituição capaz de produzir connhecimento, afim de democratizar a gestão pública municipal e a formulação de políticas públicas orientadas para promover a inclusão social (Paulics; Bava, 2002: p. 49).
A proposta que foi se desenhando objetivava a criação de um instituto orientado para debater as práticas de inclusão social inovadoras. Esse grupo era constituído de professores, técnicos de órgãos públicos e especialistas em educação. O Instituto de estudos, Formação e Assesoria em Políticas Sociais nasceu em 6 de junho de 1987, notoriamente conhecido como Instituto Pólis. O instituto é uma sociedade civil sem fins lucrativos, autônoma com a marca do pluralismo político. Seus sócios fundadores são 108 pessoas de diversas formações profissionais: advogados, engenheiros, professores, etc. (Paulics; Bava, 2002: p. 49).
O objetivo central do instituto foi produzir conhecimento, intervindo no espaço público das cidades com a perspectiva de democratização da sociedade e ampliação dos direitos sociais e políticos de cidadania. Os temas urbanos, voltado as políticas públicas, fez com que o instituto polis tornasse uma entidade singular. (Paulics; Bava, 2002: p. 49).
Os objetivos específicos do instituto eram basicamente quatro:
1. Reaizar estudos, analises e pesquisas que abordem as múltiplas dimensões da questão urbana e dos direitos da cidadania e que abarquem as temáticas dos movimentos sociais, dos partidos políticos, dos processos legislativos, do poder local e da administração pública, da cultura, do cotidiano e da participação popular
2. Constituir uma canal efetivo de divulgação, debates e socialização de informações sobre experiências e iniciativas inovadoras, seja no âmbito dos movimentos populares e entidades da sociedade civil, seja no ambito da administração pública no níveis local, estadual e federal, órgãos legislativos ou entidades encarregadas da elaboração de políticas sociais
3. Contribuir para a formação e capacitação dos setores comprometidos com os interesses populares, em movimentos sociais organizados, em entidades encarregadas da elaboração de políticas sociais, articulando e estabelecendo interfaces com organizações não-governamentais com objetivos semelhantes
4. Prestar assessoria e consultoria aos movimentos populares, entidades não-governamentais, entidades envolvidas na gestão municipal e órgãos setoriais encarregados de políticas públicas sempre que as demandas correspondam aos objetivos do Instituto Polis (Insituto Pólis, 1990 in Paulics; Bava, 2002: p. 49).
Um grupo dentre os fundadores do instituto avaliou que manter um sociedade civil capaz de referência era fundamental para o avanço e democratização do País. Isto foi crucial, pois, nos anos seguintes observou uma dificuldade das prefeituras democraticas em preservas boas experiências de seus sucessores e, consequentemente, o sucesso tornava-se cada vez mais dificultoso. (Paulics; Bava, 2002: p. 50).
Os acontecimentos, ainda que prejudiciais ao País, apenas demonstravam a importância e a necessidade do instituto, o qual, trazia pesquisas de referência para todo Brasil. Com isso, o Instituto Pólis, adquiria mais independência, prestígio e credibilidade.
Esse prestígio, fez com que o instituto apoiasse, decisivamente, diversos setores da sociedade.
Essa avaliação levou o Instituto Pólis a apoiar decisivamente alguns foruns de ONGs e movimentos sociais, participando de suas coordenadorias nacionais. São eles o Fórum Nacional da Reforma Urbana, o Fórum Nacional de ONG e Movimentos Sociais em Defesa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento, o Fórum Nacional de Participação Popular. Alguns anos depois, pelas mesmas razões, o Instituto Pólis passou a participar, também, da direção, ou contribuindo para sua criação, do Forum Intermunicipal de Cultura, do Fórum Lixo e Cidadania, do Fórum Nacional de Segurança Alimentar, do Fórum Palusta de ONGs e da Associação Brasileira de Organização Não Governamental. (Paulics; Bava, 2002: p. 50).
Destarte que a importância de afirmar a cidadania fez com que um Insituto adquirisse um prestígio relevante na sociedade, influenciando diversas políticas públicas em diversos seguimentos da sociedade.
Considerações Finais
A expressão “direitos humanos” é extremamanete abrangente, sendo utilizada para minimazar as desigualdades e combater preconceitos e descriminações.
Insta salientar que a expressão é uma forma de ressaltar os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. É fundamental, porque, sem eles a pessoa não existe, sendo considerado, então, uma “coisa” e não “pessoa”.
Esses direitos essenciais e necessários a pessoa tem proteção constitucional no Brasil. O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 afirma que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana. É fato que existem outros artigos do texto constitucional que ampara a proteção aos direitos humanos, porém, o artigo 1º da Carta Fundametal é mais preciso.
É necessário o respeito recíproco entre os seres humanos, respeitando as diferenças entre si. Nesta linha, a abrangência dos direitos humanos é, deveras, abrangente. Os direitos fundamentais, por serem os mesmos para todos, devem ser respeitados até mesmo por aqueles que contrariam a norma desrespeitando direitos. O criminoso, certamente, deve ser punido quando comete um ato ilícito, mas não podemos esquecer que não deixa de ser pessoa humana.
A cidadania é um termo que não deve ser confundido com direitos humanos. O termo “cidadania” pode ser visto em sentido amplo ou em sentido restrito. No seu sentido amplo, cidadania está ligada a uma concepção de igualdade, desde a idade média. No seu sentido restrito está relacionado à capacidade de exercer os direitos políticos.
Insta salientar que no ano de 1789, com a publicação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a cidadania ganhou grande repercussão internacional, de sorte que o objetivo da declaração fora dar um caráter universal ao cidadão, afirmando a igualdade e liberdade.
Neste liame, a cidadania não deve ser confundida com a expressão direitos humanos. A expressão “direitos humanos” é extremamente abrangente e está mais relacionada aqueles direitos inerentes a condição humana. Já cidadania está ligada a uma concepção de igualdade (sentido amplo) ou capacidade de exercer direitos polítocs (sentido restrito). Geralmente cidadania está dentro da expressão “direitos humanos”, mas, a recíproca não é verdadeira. Adentrando na afirmação da cidadania por meio de cotas faz-se necessário, inicialmente, traçar as consequências das ações afimativas ao redor do mundo.
O pesquisador Thomas Sowell adentrou em uma pesquisa de ações afirmativas ao redor do mundo. O resultado foi, deveras, interessante, porque, a conclusão foi que na maioria dos países onde esta política afirmativa foi incluída ocorreu conflitos. Acrescentou, inclusive, que uma política de ação afirmativa não pode ser adotada como medida única para resolver um problema social, sob pena de ser infrutífera. Logo, é facil observar a resistência de políticas de ações afirmativas. Na Nigéria uma política de cotas raciais para negros não obteve o resultado esperado, pois, os beneficiários das políticas eram vistos não pela sua capacidade ou riqueza e sim como uma pessoa beneficiada por uma política de inclusão. Na Índia, outra política de inclusão trouxe grandes problemas. Ocorreu uma violenta repressão, causando, inclusive, alguns mortos.
Vale ressalar que, ao falar em cotas raciais para negros, duas teorias surgem em quase todos os debates. A teoria da justiça distributiva e a teoria da jutiça compensatória. A teoria da justiça distributiva tem base na justiça do presente, visando combater uma desigualdade entre brancos e negros e, com isso, estabelecendo uma divisão mais equânime das riquezas da sociedade. Ja a teoria da justiça compensatória busca compensar uma injustiça ocorrida no passado e está intimamente relacionada a compensar a escravidão.
Insta salientar que a teoria da justiça compensatória é fortemente criticada e facilmente contraditada. Primeiro, porque, é impossível saber quem são os causadores das insjutiças cometidas no passado e, segundo, porque, não se pode encontrar, de maneira precisa, os verdadeiros prejudicados com a escravidão. Isto, porque, dizer que foram os negros é, relativamente, complexo, pois, afinal, no Brasil, a maioria dos brasileiros tem descendência africana. Existe, ainda, os negros advindo de outros países. No Brasil um branco pode ser descendente de escravo e um negro pode ser descendente de senhor de engenho. A dificuldade é comprovada cientificamente, por diversas pesquisas existentes no Brasil. Os defensores das cotas raciais para negros, nem sempre, embasam seus argumentos nesta teoria.
A teoria da justiça distributiva é mais aceita socialmente, pois, os negros são a maioria na população pobre do País. Neste interim, a teoria da justiça distributiva fundamentaria uma cota racial para negros, afim de encontrar uma igualdade entre brancos e negros. Todavia, existem opositores a esta teoria, afirmando que um negro pobre não teria mais direito que um branco pobre. Inclusive, a política afirmativa não estabelece classe social e alguns negros de classe média ou classe média alta estariam sendo beneficiados pela política, ao passo que brancos pobres estariam sendo prejudicados. Outra questão levantada pelos opositores é que a ação afirmativa fomentaria o ódio e o rascimo, pois os negros seriam vistos como cidadãos de segunda classe. O tema é polêmico e existem posicionamentos para todos os sentidos.
Por derradeiro, ao dizer que a cidadania é afirmada por meio de cotas raciais para negros é uma afirmação perigosa. Isto, porque, afirmar a cidadania é apoiar políticas públicas com base no princípio da igualdade e, as cotas raciais para negros, é um tema muito polêmico. Existem argumentos favoráveis e contrários e, muitos, tendem a dizer que a igualdade não está sendo respeitada. Esclareço, inclusive, que neste trabalho não pretendo tecer posicionamento particular, até, porque, não é o intuito do trabalho, que está mais relacionado a afirmação da cidadania por meio do sistema e não sua legitimidade. Pretende-se, em verdade, apontar aspectos de extrema relevância para futuras apreciações.
Afirmar a cidadania é uma temática tão importante que foi criado um instituto com esse mister. O instituto pólis, criado em 1987, teve o intuito de pesquisar e analisar diversas políticas públicas e movimentos sociais para a democratização do país, bem como a discussão acerca de políticas públicas. O instituto ganhou prestígio na atualidade e tem grande influência nas políticas governamentais do País.
Destarte que, a afirmação da cidadania, através de cotas raciais para negros, pode ou não ser concretizada, a depender do respeito ao princípio da igualdade. Caso a igualdade seja respeitada, a cidadania estaria sendo afirmada por meio desta política pública, mas, não sendo respeitado o princípio, que é constitucional, a cidadania não estaria sendo afirmada.
Referências Bibliográfica
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Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Violência. Especialista em Direito e Jurisdição com área de concentração cível. Advogado e Professor Universitário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESSOA, Heitor Vinícius Bento. Afirmação da cidadania por meio de cotas raciais para negros no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46709/afirmacao-da-cidadania-por-meio-de-cotas-raciais-para-negros-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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