RESUMO: O instituto processual da tutela antecipada foi inserido no ordenamento jurídico pátrio pelas leis nº 8.952/1994 e 10.444/2002. Um dos requisitos estabelecidos pelo art. 273 do antigo CPC, para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, consiste no requerimento da parte interessada, sendo considerado, na visão doutrinária, um obstáculo à efetividade da prestação jurisdicional, pois a simples ausência de pedido expresso da parte não constitui óbice para o magistrado conceder a tutela antecipada, desde que presentes os demais requisitos legais para a sua concessão. Os princípios constitucionais fundamentais são os alicerces para que o magistrado defira de ofício a tutela antecipatória, servindo como um antídoto a inefetividade processual. Diante disso, cabe a seguinte indagação: é possível no ordenamento jurídico pátrio a aplicação da tutela antecipada de ofício? Atento a morosidade que reina no Poder Judiciário, o legislador editou várias leis que possibilitassem a concessão da tutela antecipada de ofício, a saber: as Leis nº 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis Estaduais), nº 10.259/01 (Juizados Especiais Cíveis Federais), nº 12.153/09 (Juizados Especiais da Fazenda Pública), nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), dentre outras.
Palavras-chave: Princípios constitucionais. Efetividade. Tutela antecipada de ofício.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tratará da técnica processual da tutela antecipada, incorporada no ordenamento jurídico brasileiro pela Leis nº 8.952/94 e 10.444/2002, como um instrumento hábil a concretizar a celeridade processual, até então ineficaz em decorrência da morosidade existente no Poder Judiciário. Tal instituto é expresso no art. 273 do antigo Código de Processo Civil, bem como no Novo Código de Processo Civil.
Assim, a pesquisa tem como objetivos analisar a possibilidade da concessão da tutela antecipada de ofício pelo magistrado, como forma de oferecer efetividade a prestação jurisdicional, bem como estudar os princípios constitucionais do acesso à justiça, da máxima efetividade constitucional, da interpretação conforme a constituição, da razoável duração do processo, da igualdade processual e da segurança jurídica, com o fim de ratificar a concessão de ofício da tutela antecipada.
Ademais, demonstrar-se-á, ainda, a efetividade da tutela antecipada de ofício nas ações que envolvam pessoas vulneráveis (Estatuto do Idoso e Código de Defesa do Consumidor), natureza alimentar (Legislação Previdenciária), menor complexidade (Juizados Especiais), e o envolvimento do interesse público (Ação Civil Pública), assim como o entendimento dos nossos tribunais acerca da possibilidade do deferimento daquela, dando ênfase as decisões que abordam a ineficácia do provimento final.
Apesar do art. 273 do antigo Código de Processo Civil prevê o requerimento da parte como um dos pressupostos genéricos para a concessão da tutela antecipada, cabe a seguinte indagação: é possível no ordenamento jurídico pátrio a aplicação da tutela antecipada de ofício? Parcela da doutrina e da jurisprudência entendem que é perfeitamente possível à concessão da tutela antecipatória de ofício, principalmente nas ações que envolvem interesses de pessoas vulneráveis, de natureza alimentar, nas de menor complexidade e o envolvimento do interesse público. Os objetos dessas ações, aglutinados com os princípios constitucionais, fornecem ao magistrado a base necessária para conceder, mesmo sem haver requerimento da parte interessada, a tutela antecipada de ofício.
2 A TUTELA ANTECIPADA NO DIREITO BRASILEIRO
É inegável a enorme quantidade de processos que o Poder Judiciário mantém em sua estrutura organizacional, sendo um obstáculo à efetivação prestação jurisdicional. Diante disso, e pensando na concretização dos princípios constitucionais, o legislador infraconstitucional criou um instrumento que agisse de forma imediata em prol da satisfação de determinados direitos, cuja demora ou protelação no seu deferimento acarretasse a ineficácia do provimento final, principalmente nas ações de natureza alimentar e de caráter urgente. Sabe-se que a tutela antecipada surgiu no ordenamento jurídico como forma de dar eficácia aos mandamentos constitucionais, que até então não irradiava os seus efeitos pretendidos por causa da burocratização dos ritos processuais.
O instituto da Tutela Antecipada tem a sua gênese no Direito Europeu, mais precisamente em Roma, onde os povos romanos utilizavam desse instrumento provisório para, diante de um juízo de verossimilhança, tutelar direitos prestes a perecerem com o decorrer do tempo, satisfazendo, dessa maneira, a pretensão jurídica deduzida em juízo. Em relação ao surgimento da tutela antecipada na Europa, Cavalcanti (2006, p. 12), expressa que:
A Tutela Antecipada, surgiu no Continente Europeu, datando a mais de quarenta anos, esta possuía raízes históricas no clássico Direito Romano. Evoluindo no Direito Europeu, em que era concebida a tutela provisória tanto para conservar, como para regular a situação jurídica material da parte, sendo permitido utilizar as medidas de urgência para antecipar os efeitos de possível julgamento do mérito, se denominando regulamento provisório do litígio, sendo este Instituto acolhido por diversos países como a Alemanha, Itália, França, Suíça, e posteriormente se espalhou por outros países e outros continentes.
Assim, verifica-se que a técnica processual da tutela antecipada surgiu no Continente Europeu como forma de conservar e regular situações jurídicas prestes a perecerem, sendo utilizada, ainda, na antecipação dos efeitos do mérito da demanda, denominada nesta situação regulamento provisório do litígio.
No direito pátrio, a tutela antecipada somente foi introduzida com a Lei nº 8.952, de 13 de dezembro 1994, que alterou, substancialmente, a redação dos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil (CPC), e com a edição da Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002, que inclui o art. 461 – A e parágrafos no Código de Processo Civil. Acerca das modificações feitas na legislação pátria, afirma Cabral (2010, p. 26) que “as reformas introduzidas pelas Leis 8.952/94 e 10.444/02 determinou significativa mudança no sistema processual civil brasileiro, que vem sendo acompanhada de perto pelos ordenamentos jurídicos de origem latina”.
A edição das leis supra mencionadas expressou uma revolução no direito brasileiro, criando mecanismos aptos à concretizar a efetividade da tutela jurisdicional, materializando os princípios do acesso a justiça e da razoável duração do processo explícitos na Carta Magna de 1988.
O instituto processual da tutela antecipada surgiu no ordenamento jurídico como uma forma de obstacularizar a insatisfação das partes com a morosidade processual, possibilitando a satisfação dos efeitos executivos e mandamentais da sentença de mérito de imediato, gerando, assim, um estado de satisfação por parte do demandante, o que a tutela cautelar não poderia realizar.
Acrescente-se que a inovação legislativa (Lei nº 8.952/94) foi consequência dos apelos da sociedade que não mais suportava o procedimento comum ordinário, necessitando o mais rápido possível de algum instrumento que concedesse uma maior eficácia processual aos jurisdicionados, o que antes da edição da lei supracitada somente se conseguiria através da chamada “ação cautelar satisfativa”, de criatividade dos Tribunais da época do Código de Processo Civil de 1973.
2.1 A EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA
No que diz respeito ao resultado da efetivação da aplicação da tutela antecipada em uma determinada relação jurídica, mais precisamente na vida cotidiana do jurisdicionado, é imperioso destacar que aquela serve como um instrumento hábil no meio da legislação procedimental, capaz de abrandar a morosidade processual, decorrente dos vários empecilhos entravados no ordenamento processual, fornecendo ao magistrado o poder antecipar os efeitos de uma tutela de mérito, com a conseqüente satisfação do direito pretendido. Nesse aspecto, Marinoni (2008, p. 208) dispõe que:
Atualmente, diante das novas regras dos arts. 273, § 3º e 475-O, III e § 2º, do Código de Processo Civil, não pode haver mais dúvida de que a decisão que concede a tutela antecipada pode levar à integral realização do direito e, assim, a uma “execução completa”, embora fundada em cognição sumária ou exauriente e não definitiva.
Ademais, vale frisar que, para efetivar a decisão da antecipação dos efeitos da tutela, o magistrado pode usar de várias alternativas, a exemplo de determinar a imposição de multa diária (art. 273, § 3º, c/c art. 461, § 4º, ambos do CPC), como também, em caso de inadimplemento, determinar a busca e apreensão e remoção de pessoas e coisas.
Assim, o legislador já antevendo que a parte que sofresse os efeitos da tutela antecipada pudesse inserir empecilhos no cumprimento da mesma, introduziu no CPC a multa diária (astreintes), que serve como um dos instrumentos de coação para o cumprimento da medida antecipatória, efetivando, dessa forma, o mandamento judicial.
Outrossim, e de maneira inovadora, a prisão civil poderia ser uma das formas efetivas para o cumprimento de determinada decisão antecipatória, isto porque não pode o magistrado ver a restrição da liberdade apenas no seu sentido negativo, mas visualizar que a prisão, em situações em que a efetivação da tutela antecipada não dependa do desembolso de certa quantia em dinheiro, é a única alternativa para a realização de um direito indisponível.
Verifica-se, portanto, uma série de consequências positivas que a antecipação dos efeitos da tutela trouxe para o jurisdicionado, fazendo com que o Poder Judiciário fornecesse uma rápida resposta acerca de uma situação urgente, que não pode esperar o fim de uma demanda processual, sem prejuízo do próprio direito em discussão.
3 A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
Com a evolução social e cultural da sociedade, o legislador constituinte percebeu que determinadas normas não se adequava mais a realidade atual, necessitando, para tanto, da criação ou da interpretação de regulamentos jurídicos que atendesse aos propósitos ou necessidades do destinatário da lei.
Diante disso, observam-se vários diplomas normativos que possibilitam ao magistrado a concessão de ofício da tutela antecipada, deixando de lado o rigorismo formal que reinava na legislação outrora. Isso aconteceu, principalmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que materializou em seu corpo princípios fundamentais para a efetiva prestação da tutela jurisdicional.
Contudo, para que o juiz possa ter fundamento jurídico para a aplicação da antecipação dos efeitos da tutela de ofício, é necessário que antes analise o espírito da lei, bem como os seus fins sociais, que fundamenta a sua decisão, nos termos do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto Lei nº 4.657/42), que passou, com a edição da Lei nº 12.376/10, a ser chamada de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A letra do artigo 5º do diploma mencionado reza que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Assim sendo, a aplicação de uma norma deverá ser interpretada dentro do meio social que ela está inserida, inserindo-a a situações de fatos que não estejam dentro das hipóteses contempladas pela lei, para que seja cumprida os seus fins sociais. Resumindo, o direito existe para a sociedade, e não a sociedade para o direito. Dessa forma, quando da aplicação da tutela antecipada de ofício o juiz deve, antes de analisar os seus pressupostos legais, fazer uma interpretação sistemática e teleológica do instituto a ser aplicado para, somente após, verificar o sistema jurídico na qual a norma está inserida, bem como os fins sociais que emergem da mesma.
Desta feita, o princípio do dispositivo, expresso no art. 128 do antigo CPC, não pode ser considerado empecilho para a concessão da tutela antecipada de ofício, pois esta deve ser examinada à luz dos princípios constitucionais, a exemplo, do acesso à justiça. Compartilhando desse entendimento, assevera Luiz Fux (1995, p. 80 e 81):
O princípio dispositivo não pode servir de apanágio daqueles que visam a excluir por completo a atuação oficiosa do Judiciário em prol dos interesses objeto do processo. É que o princípio referido há que se submeter aos interesses mais altos que suscitam a pronta atuação jurisdicional. Na medida em que esses interesses conclamam a atuação imediata do juiz e se transmudam de disponíveis em indisponíveis, cresce o “poder-dever do juiz agir de ofício.”
Pelo trecho citado, extrai-se que o princípio do dispositivo deve atender a um interesse maior, chamado de efetivação da prestação jurisdicional, devendo o magistrado, principalmente quando estiver diante de direitos indisponíveis, proceder com cautela na análise destes, pois ao requerente não é dado o poder de dispor dos mesmos. Não deve o juiz oferecer o mesmo tratamento aos direitos indisponíveis que oferece aos direitos disponíveis, tendo em vista as peculiaridades de cada um.
Apesar de não ser unânime na doutrina acerca da aplicação da tutela antecipada sem haver o requerimento da parte, alguns doutrinadores, a exemplo de Roberto Eurico (2009, p. 51), afirma que “observando o instituto da antecipação de tutela de uma forma genérica, não nos parece adequada à assertiva de que não é possível a concessão de ofício”. Esse pensamento se coaduna perfeitamente com os ditames principiológicos expressos na Carta Magna de 1988.
Prossegue o citado autor (2009, p.111), ainda, afirmando que:
Desta sorte, sendo caso de antecipação da medida, deverá a mesma ser concedida. Ademais, é decisão interlocutória atacável por meio do agravo de instrumento. Ora, ficasse a critério subjetivo do juiz concedê-la, ou não, quando, então, não se vislumbrasse aí, uma obrigatoriedade, sequer seria recorrível tal decisão. Mais ainda: ficasse ao exclusivo critério do juiz conceder, ou não, a antecipação, seriam desnecessários os §§ 1º e 2º, pois, se a avaliação coubesse somente ao foro íntimo do magistrado, porque seria necessário estabelecer justificativa para a concessão ou a denegação?
Isto posto, verificando o juiz que estão presentes os pressupostos para a concessão da tutela antecipada (fumus boni júris e o periculum in mora), mesmo não existindo requerimento da parte, seja por mero esquecimento (quando detém o jus postulandi – juizados especiais) ou por deficiência de sua defesa técnica (advogado), deve o aplicador da lei conceder a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, sob pena de assim não fazendo, negar os direitos e garantias do cidadão participante do Estado Democrático de Direito.
Por fim, sob a perspectiva da instrumentalidade do processo na antecipação da tutela de ofício, assim como a permissão legal da concessão desta na legislação infraconstitucional, Roberto Eurico (2009, p. 149) expõe que:
Assim sendo, isto é, não se perdendo de vista a instrumentalidade do processo, ou, mais precisamente, não se olvidando que o processo é um instrumento de justiça, é que pode o julgador antecipar de ofício a tutela pretendida no pedido inicial, após um juízo de cognição sumária, onde verificará o fumus boni júris e o periculum in mora, bem como, a irreversibilidade do provimento antecipado, alertando que a irreversibilidade nem sempre é obstáculo a que se conceda a antecipação da tutela. É interessante observar que o ordenamento jurídico aceita, em determinadas situações, que se conceda de ofício a antecipação da tutela. Nesse sentido, observa-se o art. 4º da lei nº 5.478 (Lei de Alimentos) que determina que o juiz, ao despachar o pedido, fixar, desde logo, alimentos provisórios, “salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”.
Portanto, considerando a instrumentalidade processual que reina ou que ao menos deveria reinar no ordenamento jurídico processual brasileiro, são várias as normas infraconstitucionais, assim como o entendimento da jurisprudência, que oferecem ao juiz o poder-dever da aplicação da tutela antecipada de ofício, quando presentes os requisitos legais. As leis que tratam da matéria são aquelas que disciplinam, principalmente, interesses de pessoas vulneráveis, quais sejam: Estatuto do Idoso e Código de Defesa do Consumidor; ações de natureza alimentar: Legislação Previdenciária; as causas de menor complexidade de competência dos Juizados Especiais; e as que envolvem o interesse público: Ação Civil Pública.
3.1 NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
O Código de Processo Civil de 1973 expressa no art. 273, caput, o requerimento da parte como requisito necessário para a concessão da tutela antecipada, porém o seu § 3º afirma que a efetividade desta seguirá as normas estabelecidas no art. 461, §§ 4 e 5º, daquele diploma processual. Deve-se, portanto, fazer uma aglutinação desses dispositivos para extrair o verdadeiro significado que o legislador quis oferecer a norma quando de sua edição. Reza o art. 273, § 3º, do antigo CPC, in verbis:
Art. 273...
(...)
§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 2002).
Verifica-se que o magistrado, quando da análise dos pressupostos essenciais para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, deve analisar não só os requisitos estabelecidos no art. 273 do CPC, mas também o teor da norma estabelecida nos §§ 4º e 5º do art. 461 deste código processual, principalmente o comando deste último parágrafo. Outrossim, apesar do legislador não ter mencionado o § 3º do art. 461 do CPC quando da remição feita pelo art. 273, § 3º, deste diploma, é indispensável mencioná-lo, pois o mesmo ratifica, juntamente com os demais artigos citados, a possibilidade da concessão da tutela antecipatória de ofício.
Neste diapasão, estabelece o art. 461, §§§ 3º, 4º e 5º, do CPC que:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)
(...)
§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 2002).
Analisando o dispositivo citado, percebe-se que o seu caput dispõe que o juiz concederá a tutela específica da obrigação, não mencionado que para a concessão de tal medida se faz necessário o requerimento da parte. Ademais, o § 3º, fornece ao magistrado a possibilidade de conceder a tutela antecipatória liminarmente, ou seja, desde o início do processo, quando presentes o relevante fundamento da demanda e havendo receio justificado da ineficácia da decisão final. Também, o legislador, neste caso, não mencionou o requerimento da parte como requisito essencial para o deferimento liminarmente da tutela.
Importante também é o conteúdo do § 5º do art. 461 do CPC, quando descreve que, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de resultado equivalente a esta, o magistrado concederá de ofício as medidas necessárias. Diante disso, vê-se que o juiz pode deferir ordens judiciais de ofício, desde que sejam para dar efetividade a prestação jurisdicional. E uma dessas medidas é a tutela antecipada.
Insta mencionar que, apesar do art. 461 do CPC está localizado na parte que estabelecem normas concernentes a sentença, o art. 273, § 3º, desse mesmo diploma processual, determinou que o magistrado quando da análise da tutela antecipada observasse o mesmo. Sendo assim, faz-se necessário que o aplicador da lei faça uma ponderação de valores que regem as referidas normas, quais sejam, os arts. 273 e 461, ambos do CPC, pois aquela exige o requerimento da parte, sendo que esta no seu caput, ao contrário daquela, não expressou o pedido da parte como necessário para concessão da tutela antecipada. Esta última norma, precisamente no seu § 5º, estabelece que o juiz pode de ofício determinar as medidas necessárias para a efetivação da tutela específica, demonstrando, assim, que ao magistrado é dado o poder de conceder a tutela antecipada de ofício quando presentes os demais requisitos para a sua concessão.
Outro não é o entendimento do enunciado nº 140 do FONAJE – Fórum Nacional de Juizados Especiais, quando expõe que:
Enunciado 140 – Art. 12: A primeira parte do art. 12 do Código Civil refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo. (Grifos do autor).
O art. 12, primeira parte, do Código Civil reza que “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade...”. Assim sendo, em casos em que exista a ameaça ou perigo de lesão a direito de alguém, que é igual ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, estampado no art. 273, I, do CPC, deve o magistrado antecipar de ofício os efeitos da tutela de mérito, obedecendo aos termos do art. 461 do CPC, por ser norma mais favorável ao jurisdicionado, já que não impõe o requerimento da parte para a concessão daquela.
Diante de tudo o que foi exposto, chega-se ao entendimento que, fazendo a junção do art. 273, § 3º, com o art. 461, ambos do CPC, bem como diante dos princípios constitucionais fundamentais do acesso à justiça, da razoável duração do processo e da interpretação da norma infraconstitucional à luz da Carta Magna de 1988, é possível que o magistrado antecipe, de ofício, os efeitos da tutela de mérito, mitigando o pressuposto genérico do requerimento da parte como forma de efetivar a prestação da tutela jurisdicional.
3.2 NOS JUIZADOS ESPECIAIS
A Constituição Federal de 1988 expressou no seu art. 24, X, que compete, concorrentemente, a União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre a criação, funcionamento e o processo dos juizados especiais, sendo que a criação destes no Distrito Federal, assim como nos territórios federais, cabe a União. Os Estados, também, poderão criar juizados especiais, conforme art. 98, I, da CF/88.
Sendo assim, foi editada a Lei nº 9.099/95, que dispõe acerca dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais. Tal norma foi criada com o fim de materializar determinados princípios consagrados na Carta Magna de 1988, como o princípio do acesso à justiça e o da razoável duração do processo. O art. 2º, da mencionada lei afirma que “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”. Já o art. 6º do mesmo diploma expressa que “o Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”.
Ademais, tais normas expressas no diploma normativo da Lei nº 9.099/95 servem de subsídio para eventuais lacunas das leis editadas posteriormente, a exemplo das leis nº 10.259/01 e 12.153/09, principalmente no que se referem às regras que trazem uma instrumentalidade para o processo, como as normas que tratam da informalidade processual, da simplicidade e da economia processual.
Discorrendo sobre o princípio da informalidade e da simplicidade, Câmara (2009, p. 16 e17) assevera que:
Não obstante fale a lei em simplicidade e em informalidade como conceitos distintos, a rigor está-se aqui diante de um só princípio, que tanto pode ser chamado de princípio da informalidade como de princípio da simplicidade.
(...)
Além disso, no entanto, uma breve leitura do texto da Lei nº 9.099/95 mostra que há, no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, uma quase total deformalização, um verdadeiro desapego à forma. Basta ver os seguintes exemplos: o ajuizamento da demanda pode ser verbal; a citação por oficial de justiça independe de mandado ou de carta precatória; a resposta do demandado pode ser verbal; os embargos de declaração podem ser interposto oralmente; o requerimento de execução de sentença pode ser formulado oralmente. Por esses exemplos claramente se vê a simplicidade do processo que tramita perante os Juizados Especiais Cíveis.
Se há uma deformalização nos Juizados Especiais, em decorrência dos princípios da informalidade e da simplicidade, nada impede que o magistrado, diante de situações que reclamem urgência na sua apreciação, defira a antecipação dos efeitos da tutela de ofício. Advirta-se que existem casos em que a situação jurídica do requerente se modula ao longo do processo, motivo pela qual poderá inexistir a situação de urgência no começo da lide, mas no seu decorrer é possível que o status jurídico do demandante da medida judicial se modifique.
Assim sendo, percebendo o magistrado que em um determinado momento processual estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada, tem o mesmo o poder-dever de conceder a medida antecipatória mesmo que não haja requerimento formalizado nos autos.
É importante frisar, ainda, que o art. 9º da Lei nº 9.099/95 dispensa a presença do advogado nas causas inferiores a vinte salários mínimos. Conforme dispõe o art. 9º: “nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória”. Escrevendo sobre o assunto, afirma Câmara (2009, p. 61 e 62) que:
No direito processual civil brasileiro, por conta de comando constitucional (art. 133 da Constituição da República), a presença do advogado é essencial. Em razão disso, o art. 36 do Código de Processo Civil exige que a parte se faça representar em juízo por advogado legalmente habilitado.
(...)
Nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, porém, estabelece a lei que não sendo o valor da causa superior a vinte salários-mínimos, a presença do advogado é facultativa (art. 9º da Lei nº 9.099/95). Ultrapassado esse valor, diz o mesmo artigo da lei, a presença do advogado é obrigatória.
(...)
Apesar disso, porém, não pode deixar de ser registrado que o Supremo Tribunal Federal já afirmou, em processo de controle direto da constitucionalidade, que não há qualquer incompatibilidade entre o art. 9º da Lei nº 9.099/95 e o art. 133 da Constituição da República.
É exatamente diante do princípio da informalidade-simplicidade e do singular jus postulandi conferido a parte, que o magistrado tem o poder-dever de conceder a tutela antecipada de ofício, quando presentes os requisitos legais (fumus boni iuris e o periculum in mora) na ação judicial. Apesar da parte interessada na tutela jurisdicional possuir em determinadas situações (nas causas de até vinte salários mínimos) o jus postulandi, aquela não necessitará, ao requerer a tutela do Estado, de saber de termos técnicos para a efetivação do seu direito. Ou seja, o requerente ao ajuizar uma ação não precisará demonstrar com termos técnicos a existência dos requisitos da tutela antecipada, pois não é expert no assunto, como a figura do advogado.
Ratificando esse entendimento, George Marmelstein (2001) relata que:
Em quarto lugar, há o próprio despreparo de alguns advogados que esquecem , por ignorância, de fazer o requerimento. Nos casos de ações de competência dos Juizados Especiais Cíveis ou da Justiça do Trabalho, em que é possível peticionar sem a representação técnica do advogado, também fica manifesta a desnecessidade do requerimento expresso de antecipação de tutela, já que seria cômico exigir que um sujeito de parca instrução saiba o que é antecipação de tutela e, por consequência, venha a requerê-la. Lembre-se que o Direito Processual moderno pauta-se no princípio da instrumentalidade das formas, e como decorrência da instrumentalidade – corolário do princípio da efetividade e do acesso à justiça -, o magistrado é obrigado a sanar, sempre que possível, as atecnias cometidas pelas partes hipossuficiente.
Assim, mesmo não havendo requerimento da parte para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, deve o magistrado ao verificar a existência dos requisitos legais para a sua concessão, deferir a tutela antecipada de ofício como forma de efetivar os direitos mínimos do jurisdicionado, pois o Juizado Especial Cível é norteado pelo princípio da informalidade-simplicidade.
Numa situação hipotética, pode-se exemplificar um caso de uma pessoa que teve a sua assinatura falsificada em um empréstimo consignado, não lhe restando outra alternativa senão procurar o Poder Judiciário. Considerando que esta pessoa procurou a sede do fórum sozinha, sem assistência de advogado, fazendo requerimento verbal no sentido de ver cancelado tal empréstimo e devolvido os valores descontados do mesmo, deve o magistrado conceder a tutela antecipada desde o início do processo (initio litis), mesmo sem haver requerimento da parte, para suspender os descontos advindos na folha de pagamento da parte, pois esta não tem o conhecimento jurídico necessário para saber como funciona o instituto processual da tutela antecipada. O juiz, na busca de uma prestação jurisdicional efetiva, deve tão somente analisar se estão presentes os pressupostos para o deferimento ou não da antecipação dos efeitos da tutela de mérito.
No que diz respeito à Lei nº 10.259, publicada em 13 de julho de 2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal, materializando o que estava expresso no § 1º, do art. 98, da CF/88, a mesma afirma que a “lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”. O art. 4º da lei dos juizados especiais federais expressa categoricamente que “o Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação”. Vê-se que o presente artigo não expressa a figura da tutela antecipada, mas somente a tutela cautelar, o que diante dos princípios da informalidade, da simplicidade, do acesso à justiça, bem como da razoável duração do processo, não impede que o magistrado aplique subsidiariamente o Código de Processo Civil, pois este condiz com o espírito daquela lei.
Para corroborar esse entendimento, a Turma Recursal dos Juizados Federais da Bahia proferiu o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO CONTRA DECISAO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAÇÕES A PACIENTE PORTADOR DE HTLV-I. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM O ESTADO E MUNICÍPIO. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NOS JUIZADOS ESPECIAIS. POSSIBILIDADE. REQUISITOS AUTORIZADORES DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA PRESENTES. RECURSO DESPROVIDO.
(...)
4. Cabível a antecipação dos efeitos da tutela nos Juizados Especiais Federais como medida de urgência prevista no art. 273, inciso I, do CPC, efetuando-se uma interpretação não literal do art. 4º da Lei nº 10.259/2001, conforme exige o art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, como também considerando a aplicação supletiva do Código de Processo Civil.
5. Comprovada a existência nos autos de prova inequívoca da doença da Recorrida (Paraparesia Espástica Tropical, causada pelo vírus HTLV-I), bem como o fundado receio de dano irreparável à saúde, sem o fornecimento do medicamento necessário, deve ser mantida a decisão que antecipou os efeitos da tutela. 6. Recurso desprovido.
(Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Estado da Bahia. Recurso Inominado. 2004.33.00.762691-0. Rel. Rosana Noya Weibel Kaufmann. 16/ 12/2005).
No mesmo sentido da decisão ora exarada, o FONAJE editou o enunciado nº 26, que diz “são cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis”. Ora, se é possível à antecipação dos efeitos da tutela de mérito em sede de Juizados Especiais Federais, conforme o julgado e o enunciado acima, apesar do conteúdo da lei mencionar somente as medidas cautelares, é racional, também, que essa tutela antecipada seja aplicada de ofício pelo juiz, seguindo a sistemática apresentada pela Lei nº 9.099/95. Um dos argumentos mais importante para a concessão de ofício da tutela antecipatória pela Lei 10.259/01, é o fato de que esta regulamenta, em suas competências, causas de natureza alimentares e previdenciárias, que não necessitam de um formalismo exacerbado para o merecido amparo do Estado.
Nestes termos, Hylea Ferreira (2007) afirma que:
Com relação à sua concessão ex oficio, adota-se o entendimento de que é possível e necessário. Negar que a antecipação da tutela possa ocorrer de ofício por ato do juiz é negar, do mesmo modo, as garantias que à lei outorga ao requerente, leigo, de propor ação sem a representação judicial. Ora, não se pode exigir que a parte autora possua conhecimento técnico para apontar ao remédio legal do seu litígio, tampouco prosperará a idéia de que o magistrado não possa vir a reconhecer este remédio pelo seu próprio impulso.
Assim sendo, indiscutível a possibilidade de concessão de ofício da tutela antecipada no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Federais, principalmente quando a parte procura o Poder Judiciário sem a assistência de advogado, usando do seu jus postulandi na busca da reparação do seu direito violado. É a informalidade que reina sobre a formalidade e o acesso à justiça que prevalece sobre a burocracia processual.
É imperioso destacar, ainda, a Lei nº 12.153, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Diferente das demais leis que tratam da criação dos Juizados Especiais (Leis nº 9.099/95 e 10.259/01), o art. 3º daquela menciona que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação”.
Dessa forma, o legislador expõe de forma expressa no texto da lei a possibilidade da concessão de ofício da tutela antecipatória, deixando, portanto, a medida cautelar de ser o único instrumento legal a ser usada em caso de urgência e necessidade. Nesse sentido Melo e Neto (2011) asseveram que:
Indiscutivelmente, uma das principais inovações da Lei 12.153/2009 está prevista no art. 3º, que se pede vênia para citar textualmente: “O juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação” (destaque nosso). Trata-se de importante inovação legislativa na medida em que prevê, expressamente, a possibilidade de o juiz, ex offício, conceder a antecipação dos efeitos da tutela pretendida. O art. 273 do Código de Processo Civil, que previu originalmente os principais fundamentos para concessão da tutela antecipada, não foi tão abrangente quanto o art. 3.º, da Lei 12.153/2009, haja vista que naquele se exige o requerimento da parte para que o juízo analise o pedido, enquanto que nos Juizados Especiais da Fazenda Pública tal medida poderá ser deferida de ofício pelo juiz. Outrossim, na visão como microssistema, revoga tacitamente a previsão do art. 4.º, caput, da Lei dos Juizados Especiais Federais, que autorizava somente o deferimento de medidas cautelares no curso do processo. A introdução legislativa dessa autorização é um forte indício de que o novo Código de Processo Civil superará de vez a dicotomia entre medidas cautelares e antecipatórias, englobadas na disciplina uniforme da tutela geral de urgência.
Portanto, vê-se que a dicotomia até então existente acerca da possibilidade ou impossibilidade da concessão da tutela antecipada de ofício em sede de Juizados Especiais não tem mais importância com a edição da Lei 12.153/09, que previu expressamente, em seu art. 3º, o poder dado ao magistrado de deferir, de ofício, antecipadamente os efeitos da tutela de mérito. Por ser norma mais favorável ao jurisdicionado, aplica-se a todas as leis editadas anteriores, tendo em vista o diálogo existente entre as normas que disciplinam os Juizados Especiais.
3.3 NA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Sabe-se que o Direito Previdenciário consiste num ramo do Direito que busca definir quais são os benefícios que os segurados fazem jus, bem como o período de carência para a sua concessão, como também a forma de financiamento da Previdência Social com a descrição de cada parcela devida pelo contribuinte.
As Leis nº 8.212/91 e 8.213/91 são consideradas os estatutos do Direito Previdenciário, pois tratam de todos os tipos de benefícios existentes a disposição do segurado, assim como descrevem quais são as formas de contribuição para a Previdência Social. Em decorrência das referidas leis regulamentarem apenas normas concernentes ao direito material, não trazendo em seu bojo normas de direito processual, o instituto da tutela antecipada nas lides previdenciárias obedece às normas gerais do art. 273 do Código de Processo Civil.
Para ratificar essa informação, Fábio Zambitte (2010, p. 773 e 744) ensina que:
Embora tenhamos diversos tipos das chamadas tutelas de emergências, a tutela antecipada com fulcro no art. 273, I, do CPC é a melhor que atende às demandas dos segurados da previdência social, pois reúne os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iure. Não obstante, nada impede a obtenção desta na hipótese do inciso II, em razão “do abuso de direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório do réu”, quando, por exemplo, a autarquia previdenciária posterga judicialmente o reconhecimento do direito do segurado sem razão aparente.
(...)
Enfim, a tutela antecipada é perfeitamente possível nas demandas previdenciárias, sendo instrumento preferível à liminar em mandado de segurança, pois este instituto nem sempre é adequado, máxime pela regular ausência da prova de direito líquido e certo do segurado, demandante do benefício previdenciário.
Verifica-se, dessa forma, que é totalmente viável a concessão da tutela antecipada nas ações que envolvam prestações de natureza previdenciária. Ademais, por terem os benefícios previdenciários natureza alimentar, portanto indispensável para o desenvolvimento digno da parte que postula em juízo, é dever do juiz, quando estiver diante de fatos e provas que comprovam desde já o direito ao benefício pleiteado, deferir a tutela antecipada de ofício em favor do requerente, para que o mesmo possa usufruir desde logo dos efeitos da concessão do benefício.
Tal medida se faz necessária principalmente quando as ações previdenciárias são ajuizadas nos Juizados Especiais Federais, que, conforme já suscitado, são regidos pelos princípios da informalidade e da simplicidade, bem como do deferimento, em certas situações, do jus postulandi ao interessado. Dessa forma, não pode o magistrado ficar adstrito ao formalismo exagerado exigido pela lei, devendo antes disso analisar se a situação jurídica do jurisdicionado permite a satisfação imediata dos efeitos da tutela pretendida.
Escrevendo sobre o tema, George Marmelstein (2001) assevera que:
Tenho me deparado com inúmeros feitos previdenciários em que a antecipação da tutela de ofício mostra-se não apenas útil como também fundamental. São processos que tramitam em primeiro grau há cerca de cinco anos e certamente levarão outros cinco anos nas instâncias superiores. Os autores são sempre bem idosos, pedindo uma simples aposentadoria rural por idade, pensão ou amparo assistencial, cujo valor corresponde a tão somente um salário mínimo. A eficácia do provimento final estaria seriamente comprometida caso seus efeitos não fossem antecipados imediatamente, pois, não obtendo desde logo tão sonhada aposentadoria, certamente a parte autora já haverá falecida quando a sentença transitar em julgado, o que, infelizmente, ocorre com certa frequência.
Percebe-se pela lição do autor que a antecipação da tutela de ofício nas ações que envolvem benefícios previdenciários é medida que se coaduna com os ditames constitucionais da efetividade jurisdicional, principalmente quando uma das partes da relação jurídica é pessoa idosa pleiteando direitos de natureza alimentar.
Ademais, não se pode afirmar, por exemplo, que a tutela antecipada de ofício, determinando a implantação de benefício previdenciário antes do trânsito em julgado acarreta a irreversibilidade do provimento, pois é perfeitamente possível que a Fazenda Pública, responsável pelos pagamentos dos valores decorrentes da implantação do benefício possa reaver esses, em caso de improcedência da ação, utilizando para tanto da execução fiscal ou do processo ordinário de conhecimento, como entendeu recentemente o Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Para ratificar a aplicação da tutela antecipada de ofício nas ações previdenciárias, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5, em julgado recente expressou que:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL. REVISÃO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CATEGORIA PROFISSIONAL. PRESUNÇÃO LEGAL. DIREITO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EX OFFICIO. CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO.
1. O erro material pode ser corrigido pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a qualquer tempo ou grau de jurisdição.
(...)
3. A tutela antecipada pode ser concedida a qualquer tempo, até a prolação da sentença. In casu, considerando-se a natureza alimentar do benefício previdenciário e, sendo as provas suficientes para demonstrar a plausibilidade do direito, correta a antecipação ex officio.
(...)
7. Apelação improvida.
(Tribunal Regional Federal – 5ª Região - Apelação Civel - AC513606/AL - Número do Processo: 00020815020104058000 - Relator: Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria - Órgão Julgador: Terceira Turma - Data do Julgamento: 14/07/2011). (Grifos do autor).
Pela ementa do acórdão mencionado acima, verifica-se que diante do caráter alimentar do benefício pretendido judicialmente, da análise das provas documentais apresentadas e da morosidade processual que reina no Poder Judiciário, deve o magistrado, mesmo havendo ausência de requerimento expresso da parte interessada na medida antecipatória, conceder a antecipação dos efeitos da tutela. Corroborando o entendimento do TRF5, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu que:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. TUTELA ANTECIPADA EX OFFICIO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO DO ARTIGO 201, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTADO DE NECESSIDADE COMPROVADO. FUNDAMENTOS E OBJETIVOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL INSCRITOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO IMPROVIDO.
I - Em matéria de Direito Previdenciário, presentes os requisitos legais à concessão do benefício do artigo 201, V, da Constituição Federal, meros formalismos da legislação processual vigente não podem obstar a concessão da tutela antecipada ex officio, para determinar ao INSS a imediata implantação do benefício, que é de caráter alimentar, sob pena de se sobrepor a norma do artigo 273 do CPC aos fundamentos da República Federativa do Brasil, como a "dignidade da pessoa humana" (CF, art. 1º, III), impedindo que o Poder Judiciário contribua no sentido da concretização dos objetivos da mesma República, que são "construir uma sociedade livre, justa e solidária", bem como "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (CF, art. 3º, I e III).
(...)
IV - Agravo Regimental a que se nega provimento.
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
(Agravo Regimental nº 224215/SP (94031042893), 1ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Juiz Walter Amaral. j. 11.03.2002, DJU 01.08.2002, p. 196). (Grifos do autor).
Portanto, não restam dúvidas quanto à possibilidade da concessão de ofício da antecipação dos efeitos da tutela de mérito nas ações previdenciárias, pelos motivos já expostos, e principalmente pelos repetidos recursos que as representações judiciais das autarquias previdenciárias de cada pessoa jurídica, seja municipal, estadual ou federal, interpõem das sentenças concessivas de benefícios previdenciários. Na maioria das vezes, se quer existem fundamentos para a interposição dos recursos, mas por estarem os procuradores municipais, estaduais e federais sujeitos a responsabilidade por suas ações ou omissões, principalmente quando gerem danos para o erário público, acabam recorrendo das decisões judiciais.
3.4 NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor - CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, surgiu diante dos anseios da comunidade em ter um estatuto que regulamentasse as suas relações contratuais consumeristas, tutelando os direitos dos consumidores e garantindo deveres para os empresários.
O art. 84, caput, do CDC, que tem redação idêntica a do art. 461 do CPC, traz a possibilidade da concessão da tutela antecipada de ofício nas obrigações de fazer ou não fazer, protegendo os direitos dos consumidores prestes a perecerem, pois a partir de uma interpretação gramatical e sistemática do mencionado artigo, percebe-se que não há como requisito fundamental para o deferimento da tutela antecipatória o pressuposto genérico do requerimento da parte.
Reza o artigo 84 do diploma consumerista que:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...)
§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. (Grifos do autor).
Dessa forma, apesar do artigo mencionado expressar o termo “tutela específica” e “determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente”, a doutrina entende que essas expressões podem perfeitamente se adequar as diretrizes da tutela antecipada, pois as finalidades de ambas são as mesmas, quais sejam, a satisfação imediata dos efeitos do mérito da demanda judicial. Outrossim, vê-se que o legislador não estabeleceu para a concessão da tutela específica ou das providências que assegurem o resultado equivalente, ou seja, para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, o prévio requerimento da parte interessada.
Nestes termos, como o legislador não inseriu obstáculos para a efetividade da prestação jurisdicional, não pode e nem deve o juiz se negar a conceder um provimento jurisdicional por ausência de requisito que a lei não estabeleceu, no caso o requerimento da parte. Diante disso, verifica-se que o magistrado deve, quando se deparar com ações de obrigação de fazer ou não fazer, e existentes fumus bonis iuris e o periculum in mora, conceder a tutela antecipada de ofício em favor do consumidor, visto que, na maioria das vezes, este é a parte mais vulnerável e hipossuficiente da relação jurídica, sendo dispensável o pedido expresso a fim de obter a antecipação dos efeitos da tutela, até mesmo porque o disposto em análise não mencionou acerca do requerimento.
Sobre o assunto, Júnior Sgarioni (2003, p. 42-43) afirma categoricamente que:
O magistrado diante do relevante fundamento da demanda e do receio da ineficácia do provimento final pode adiantar a tutela de mérito nos termos do artigo 84, para que desta maneira exista tempo para atender ao direito da parte ameaçada ou lesada em seu direito. As soluções processuais devem ser efetivas e tempestivas, é esse o pensamento dos legisladores do Código de Defesa do Consumidor, que criaram um controle para as abusividades, gerando uma antecipação de tutela, com requisitos próprios, permitindo o adiantamento do provimento final, afastando em parte os requisitos da tutela antecipatória do artigo 273 do Código de Processo Civil.
O Código de Defesa do Consumidor foi um grande passo da modernização e efetividade das ações com características peculiares, principalmente no caput do artigo 84: “Na ação que tenha pôr objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
Salienta-se, ainda, que como nas ações previdenciárias, as lides sobre direitos dos consumidores, na sua maioria, são ajuizadas nos Juizados Especiais Cíveis, o que diante dos princípios da informalidade e da simplicidade, bem como da concessão do jus postulandi nas ações de até 20 salários mínimos, é possível que o requerente da medida judicial esqueça-se de solicitar ao juiz a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, tendo em vista que lhe falta conhecimento jurídico para saber se é cabível ou não o deferimento da tutela antecipada, pois não é pessoa habilitada juridicamente, a semelhança do que ocorre com o advogado.
Portanto, diante dessas considerações pode-se afirmar que é indiscutível o cabimento do instrumento processual da tutela antecipada de ofício nas ações que envolvam litígios sobre direitos dos consumidores, haja vista o teor do art. 84 do código consumerista não mencionar o requerimento da parte como requisito essencial ao deferimento daquela, bem como o juízo competente, na maioria das lides, ser o Juizado Especial Cível, regido na sua essência pela informalidade e simplicidade dos atos processuais.
3.5 NO ESTATUTO DO IDOSO
O legislador procurando tutelar os direitos das minorias, editou a Lei nº 10.741, de 01 de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), que veio resguardar os direitos das pessoas idosas. A semelhança do conteúdo do art. 84 do CDC, o art. 83 do Estatuto do Idoso expressa a possibilidade da concessão da tutela antecipada de ofício nas ações que versem obrigações de fazer ou não fazer. Conforme já mencionado anteriormente, a tutela específica ou a determinação de providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação, se assemelha aos pressupostos para a concessão da tutela antecipada, o que nada impede que o magistrado conceda esta última nas ações que envolvam relações jurídicas sobre o idoso.
O art. 83 da Lei nº 10.741/2003 dispõe que:
Art. 83. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.
§ 1o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, na forma do art. 273 do Código de Processo Civil. (Grifos do autor).
Diferente do dispositivo do Código de Defesa do Consumidor, o artigo em comento expressa que existindo relevância no fundamento da demanda e justificado receio da ineficácia da decisão final, poderá o magistrado conceder liminarmente a tutela antecipada, principalmente quando presentes situações que reclamem uma certa urgência na sua apreciação.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – TJRN, em sede de Agravo de Instrumento, decidiu que:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE CONCEDEU TUTELA ANTECIPADA. MEDIDA PROTETIVA. ESTATUTO DO IDOSO. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
Presentes os requisitos autorizadores para a concessão da tutela antecipada, quais sejam, a verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável, deve o Magistrado determinar as medidas protetivas necessárias a assegurar a integridade física e moral do idoso.
(TJRN - Agravo de Instrumento com Suspensividade n.° 2010.008967-4-Origem: 15ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN - Relatora: Juíza Convocada Sulamita Bezerra Pacheco). (Grifos do autor)
Assim sendo, especialmente quando presentes os requisitos autorizadores para a concessão das medidas protetivas, com fundamento na proteção da dignidade das pessoas idosas, deve o juiz antecipar os efeitos da tutela de ofício na defesa dos direitos mínimos destas.
Percebe-se que o artigo 83 do estatuto em estudo, a semelhança do art. 84 do Código do Consumidor, não expressa o requerimento da parte como requisito essencial para o deferimento da tutela antecipada. Por mais que o § 1º, parte final, daquele dispositivo faça referência ao art. 273 do CPC, deve o magistrado antes de analisar a letra da lei, fazer uma interpretação sistemática e teleológica do dispositivo legal em face do conjunto de normas e princípios que regem todo o Estatuto do Idoso.
O Poder Judiciário não pode se esquivar de oferecer uma tutela jurisdicional efetiva pelo simples fato de não haver solicitação da parte interessada, no caso a pessoa idosa, no sentido de antecipar os efeitos de uma obrigação de fazer ou não fazer. Nesse caso, tendo em vista a vulnerabilidade que acomete a pessoa idosa, e verificando o juiz que esta se encontra em situação de perigo iminente ou de ameaça a seus direitos fundamentais, torna-se necessário a aplicação de um instrumento processual efetivo, no caso a tutela antecipada, com fundamento no art. 84 do Estatuto do Idoso, para evitar ou interromper a violação desses direitos, mesmo que não exista requerimento da parte. O que está em foco é a proteção dos direitos fundamentais da pessoa idosa em detrimento do formalismo arcaico da legislação processual.
Assim, evidencia-se que o Estatuto do Idoso, precisamente em seu art. 83, não inseriu obstáculos para a concessão da tutela antecipada de ofício, especialmente quando este dispositivo é interpretado de forma sistemática e teleológica à luz das normas e princípios daquele Estatuto e da Constituição Federal de 1988.
3.6 NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
O legislador editou a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, com o fim de materializar a norma prevista no art. 129, II e III, da Constituição Federal de 1988, fornecendo aos legitimados previstos no art. 5º desta lei um instrumento capaz para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, denominado de ação civil pública.
Nesse sentido, para a tutela desses direitos e interesses metaindividuais, ou seja, aos que referem ao meio-ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e turístico, a infração da ordem econômica e da economia popular, ou à ordem urbanística, podendo ter por objeto, inclusive, a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o art. 11 daquela lei confere ao magistrado, mesmo sem haver requerimento de algum legitimado, o poder de determinar medidas satisfativas a fim de se cumprir a atividade devida por alguém ou fazer cessar esta em decorrência de sua nocividade. Para ratificar estes argumentos, preceitua o art. 11 in verbis:
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. (Grifos do autor).
Pela leitura do conteúdo da norma expressa, verifica-se que o magistrado, independentemente da solicitação da parte legitimada para o ajuizamento da ação civil pública, pode determinar que o obrigado de uma atividade cumpra a prestação devida ou cesse imediatamente essa, a fim de tutelar os interesses maiores resguardados pela lei.
Ademais, insta esclarecer que esse mandamento se adequa perfeitamente aos efeitos do instituto processual da tutela antecipada, já que reproduz o caráter de satisfatividade imediata que existe naquela, possibilitando que o objeto jurídico da ação (meio ambiente, patrimônio público, a ordem econômica e a economia popular etc.) seja preservado desde logo, sem a necessidade de esperar a morosidade dos trâmites processuais.
Nestes termos, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, quando expõe que:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. CONCLUSÕES DO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ.
(...)
3. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 535 do Código de Processo Civil (CPC) - porque o acórdão foi omisso -, 461 do CPC, 11 da Lei n. 7.347/85 e 1º do Decreto n. 750/93 - em razão de a área devastada ser pertencente à zona de mata atlântica, merecendo proteção imediata com deferimento da liminar.
(...)
6. Recurso especial não conhecido.
(STJ – Segunda Turma – Relator Mauro Campbell Marques – Recurso Especial nº 2011/0023573-6 – Julgamento em 22/11/2011). (Grifos do autor).
No mesmo sentido da ementa mencionada, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, no julgamento do agravo de instrumento nº 2011.007583-6, decidiu pela possibilidade da tutela antecipada na Ação Civil Pública, nos seguintes termos:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEIO AMBIENTE. CARCINICULTURA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA NO SENTIDO DE DETERMINAR A SUSPENSÃO DOS PROJETOS EM OPERAÇÃO NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. SUPERVENIENTE CELEBRAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DAS OBRIGAÇÕES IMPOSTAS À EMPRESA COMPROMISSÁRIA NOS TERMOS DO CRONOGRAMA ASSINALADO NO TAC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJRN – 1ª Câmara Cível - Relator: Desembargador Amílcar Maia - Agravo de Instrumento N.º 2011.007583-6 – Julgamento em 03/04/2012). (Grifos do autor).
Diante dos julgados mencionados, juntamente com os dispositivos da Lei nº 7.347/85, é perfeitamente possível a tutela antecipada nas matérias que regulamentam a Ação Civil Pública, sendo medida eficaz para a efetiva preservação dos bens jurídicos expressos naquela lei.
Apenas para confirmar a existência da tutela antecipada de ofício na lei que regulamenta a ação civil pública, além do art. 11 desta lei, o art. 12 afirma que “poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. Inicialmente, analisando o recurso cabível desta decisão liminar, o agravo, vê-se, desde logo, que trata-se de uma decisão interlocutória, a qual tem a mesma natureza jurídica da tutela antecipada.
Ademais, este último dispositivo mencionado expressa que o juiz poderá conceder a liminar ou, mais precisamente, a tutela antecipada sem a justificação prévia, o que significa asseverar que é possível que, diante do caso concreto, o magistrado defira de ofício a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, já que a mensagem dada pelo art. 11 da lei nº 7.347/85 não expressa o requerimento da parte como requisito necessário para a concessão da tutela antecipada. Assim sendo, como a lei não inseriu obstáculo à efetividade da prestação jurisdicional, não deve o magistrado colocá-lo.
Verifica-se, portanto, que é indiscutível o cabimento da tutela antecipada de ofício na lei nº 7.347/85, que regulamenta a Ação Civil Pública, sendo tal argumento corroborado pelo entendimento da jurisprudência dos tribunais pátrios, o que contribui de maneira singular para a efetividade de uma justa e célere prestação jurisdicional.
4 CONCLUSÃO
A tutela antecipada veio para o ordenamento pátrio como forma de subtrair os efeitos da morosidade que reina no Poder Judiciário, constituindo instrumento hábil na celeridade processual. Dessa forma, o legislador ao prevê o requerimento da parte no art. 273, caput, do antigo Código de Processo Civil, como pressuposto genérico necessário para o deferimento da tutela antecipada, obstacularizou, em parte, a efetivação de uma rápida prestação jurisdicional, pois essa exigência não encontra sintonia com os princípios constitucionais.
Viu-se que apesar do art. 273 do diploma processualista pretérito dispor acerca do requerimento da parte como um dos pressupostos genéricos para a concessão da tutela antecipada, parcela da doutrina e da jurisprudência entendem que é perfeitamente possível à concessão da tutela antecipatória de ofício, levando em consideração os princípios constitucionais estudados, aglutinados com as ações que envolvem interesses de pessoas vulneráveis, de natureza alimentar, de menor complexidade e nas que envolvem o interesse público.
Como forma de situar o instituto em análise, foi apresentado à gênese da tutela antecipada, as leis infraconstitucionais que corroboram a possibilidade da aplicação de ofício da tutela antecipada, verificando, ainda, que o deferimento desta não é um mito no ordenamento jurídico pátrio. De tal modo, nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais notou-se que apesar de não ter nada expresso a respeito da concessão da tutela antecipada de ofício, é perfeitamente possível a sua concessão em atendimento aos princípios da informalidade e da simplicidade que regem todos os trâmites processuais nos juizados, bem como o deferimento do jus postulandi ao requerente em certas situações. Constatou-se, ainda, que com a edição da Lei nº 12.153/09, que criou o Juizado da Fazenda Pública, mais precisamente em seu art. 3º, há disposição expressa acerca da possibilidade da concessão de ofício da antecipação dos efeitos da tutela.
Conferiu-se, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso trazem disposição normativa quase idêntica nos artigos 84 e 83, respectivamente, expressando a possibilidade da concessão da tutela antecipada de ofício, já que em nenhum desses dispositivos o legislador frisou o requerimento da parte para o seu deferimento. Na análise da Lei nº 7.347/85, que regulamenta a Ação Civil Pública, percebeu-se que os artigos 11 e 12 desta, bem como o entendimento da jurisprudência sobre o assunto, trazem elementos que possibilitam a concessão, pelo magistrado, da tutela antecipada de ofício, viabilizando que os bens jurídicos difusos e coletivos, expressos na lei, sejam preservados de maneira imediata contra as atitudes maléficas do ser humano.
Ante o estudo, observou-se que o antigo Código de Processo Civil, como dito, apesar de prevê no art. 273, caput, o pedido da parte como requisito indispensável para a análise da tutela antecipada, ao mesmo tempo expressou em seu § 3º, que na efetivação desta será obedecida os termos do art. 461 daquele diploma processual. Percebeu-se que esse artigo não faz referência ao requerimento da parte para a concessão da tutela específica, de forma que deve o magistrado fazer uma análise de valores dos dois dispositivos mencionados, bem como dos princípios constitucionais estudados, para conceder a tutela antecipada de ofício.
Além disso, evidenciou-se que na legislação previdenciária apesar de não ter normas procedimentais estabelecendo o trâmite da tutela antecipada, os Tribunais, em especialmente os Tribunais Regionais Federais, vem decidindo pelo deferimento de ofício desta, tendo em vista a natureza alimentar da ação e a hipossuficiência, na maioria das vezes, da parte que postula em juízo.
Diante de todos os argumentos expendidos, pode-se concluir que a aplicação da tutela antecipada de ofício como instrumento de efetividade da prestação jurisdicional é perfeitamente possível, quando analisada essa técnica processual à luz dos princípios constitucionais fundamentais, assim como diante do entendimento da jurisprudência e de algumas normas expressas na legislação infraconstitucionais, que permitem aplicação, de ofício, deste instituto processual. Até porque a tutela antecipada está a serviço do jurisdicionado, de forma que não deve o magistrado se omitir no deferimento daquela tutela pelo simples fato de não ter existido requerimento da parte, pois assim atuando, estaria indo de encontro aos princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
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servidor do Tribunal de Justiça do Ceará, ex-assessor de Juiz no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Graduado pela Universidade Federal de Campina Grande - UFCG. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATISTA, Francisco Walter Rêgo. Aplicação de ofício dos efeitos da antecipação da tutela de mérito como instrumento de eficácia da prestação jurisdicional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46718/aplicacao-de-oficio-dos-efeitos-da-antecipacao-da-tutela-de-merito-como-instrumento-de-eficacia-da-prestacao-jurisdicional. Acesso em: 23 dez 2024.
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