RESUMO: A terminologia “nepotismo” é utilizada como referência ao favorecimento de parentes, por consanguinidade ou afinidade em nomeação ou elevação de cargos públicos. O Nepotismo, como prática política há muito tempo utilizada por nossos administradores públicos, recebeu com recente edição da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Nepotismo. Súmula Vinculante nº 13.
SUMÁRIO: Introdução. I. Do Nepotismo. II. Princípios da Administração Pública e Nepotismo. III. Princípio da Impessoalidade. IV. Princípio da Moralidade. V. Atuação do Conselho Nacional de Justiça no Combate ao Nepotismo. VI. Súmula Vinculante Nº 13.
INTRODUÇÃO
O nepotismo tem raízes antigas, tendo surgido a nível mundial. Em Roma com o papado e, no Brasil, desde as Capitanias Hereditárias, percorrendo longos anos chegando até os dias atuais.
A palavra nepotismo é de origem latina e significa: NEPOS (netos, sobrinhos ou (Descendentes, a posteriore), ou também pode ser visto como NEPOTE (favorito). A terminologia é utilizada como referência do favorecimento de parentes, em nomeação ou elevação de cargos públicos.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a conduta de nomeação de parentes ou amigos para a administração publica tornou-se proibido, pois, através dos princípios norteadores da Administração Pública tais como o principio da impessoalidade, moralidade evitam que cargos públicos sejam ocupados por parentes ou amigos do governante.
Além dos princípios, temos a previsão do Estatuto dos Servidores da União, Lei n°.8.112/90, proíbe o servidor de manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil.
No âmbito do poder executivo a vedação do nepotismo se encontra no Decreto n° 7.203, de 04/06/2010. Segundo Fernanda Marinela:
”Esses diplomas proíbem a presença de cônjuge, companheiro ou até parente na linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive dos respectivos membros ou juízes vinculados ao tribunal, assim como de qualquer servidor ocupante de cargo de direção ou assessoramento, para exercer cargo em comissão ou função de confiança, para as contratações temporárias e para as contratações diretas com dispensa ou inexigibilidade de licitações em que o parentesco exista entre os sócios, gerentes ou diretores da pessoa jurídica. (Curso de Direito Admistrativo, 5°ed., pg. 65.)
Mesmo com a existência destes dispositivos a pratica do nepotismo ainda persistia. Em agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante n° 13 que impede a pratica do nepotismo em todos os órgãos do Estado acrescentando o poder executivo, legislativo e pessoas jurídicas da Administração Publica indireta (autarquias, empresas públicas e sociedade de economia mista).
Estabelece a Súmula:
“A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade até o 3° grau inclusive, da autoridade nomeante ou do servidor da mesma pessoa jurídica, investindo em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou ainda, de função gratificada na Administração Pública direta ou indireta, em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”
I. DO NEPOTISMO
Etimologicamente, Nepotismo deriva do latim nepos, nepotis, significando, respectivamente, neto, sobrinho. Nepos (ao qual foi acrescido o sufixo ismo) também indica os descendentes, a posteridade, podendo ser igualmente utilizado no sentido de dissipador, pródigo, perdulário e devasso, está relacionado à lealdade e à confiança existente entre o "benemérito" e o favorecido, sendo praticado com o fim precípuo de resguardar os interesses daquele (GARCIA, O nepotismo, 2010).
É considerado Nepotismo quando um indivíduo é promovido ou consegue um cargo não pela sua qualificação, mas pelo sua relação de parentesco cor quem esta realizando a contratação ou promoção, ou seja, o Nepotismo acontece quando este favorecimento em detrimento das qualificações reais do indivíduo.
Historicamente, o Nepotismo surgiu no Brasil pela primeira vez quando então as Capitanias Hereditárias inicialmente foram doadas a pessoas próximas da Coroa, como forma de agrado e pagamento de favores e dívidas, mas sempre com o compromisso de receber altos valores periódicos usurpados da recém descoberta terra. Pero Vaz de Caminha oficiou ao Rei de Portugal pedindo um emprego para o genro em sua famosa carta. É evidente a preocupação da Coroa Portuguesa em colocar pessoas de confiança na administração do Novo Mundo. Não poderia ser diferente já que naquele momento não era viável para o Rei de Portugal transferir esforços próprios para administrar um patrimônio exclusivamente de exploração. Daí por diante foi efeito dominó e tudo veio parar nos escândalos que conhecemos hoje.
Outro grande Nepotista da história mundial foi Napoleão Bonaparte que em 1809, nomeou três de seus irmãos para o cargo de reis de países ocupados por seus exércitos. Está então caracterizado o favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego.
As práticas de Nepotismo substituem a avaliação de mérito para o exercício da função pela valorização de laços de família. É prática que viola as garantias constitucionais de impessoalidade administrativa, na medida em que estabelece privilégios em função de relações de parentesco e desconsidera a capacidade técnica para o exercício do cargo. Isso está estreitamente vinculado à estrutura de poder dos cargos e funções da administração pública e se configura quando, de qualquer forma, a nomeação do servidor ocorre por influência de autoridades ou agentes ligados a esse servidor por laços de parentesco. (CNJ, nepotismo, 2010)
II. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E NEPOTISMO
A função administrativa do Estado submete-se a um especial regramento jurídico, dentre esses regramentos a principal base de todo regramento jurídico são os princípios, os quais são normas jurídicas dotadas de interpretações.
Os princípios norteadores dos atos administrativos estão explicitamente encartados em seu artigo 37 da Constituição Federal afirmando que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (...)”.
Conforme ensina Cardozo (1999, p. 150):
"Estes são princípios gerais, necessariamente não positivados de forma expressa pelas normas constitucionais, mas que consistem nos alicerces jurídicos do exercício da função administrativa dos Estados. Todo o exercício da função administrativa, direta ou indiretamente, será sempre por eles influenciado e governado.”
Cardozo (1999, p. 151) explica que se trata de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), nas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais.
Com preponderância explica Meirelles (2010, p. 87):
“Como salientado, por esses padrões é que deverão se pautar todos os atos e atividades administrativas de todos aqueles que exercem poder público. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. ”
A Constituição da República consagra os princípios da impessoalidade e da moralidade no caput do art. 37, e determina expressamente competir ao Conselho Nacional de Justiça a fiscalização e sua efetivação no âmbito do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, §4° II)
III. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
Como tão bem destaca Di Pietro (2010, p. 67), o princípio da impessoalidade desfralda como luz maior, que a Administração Pública, pautando-se no interesse público que imperiosamente norteia seu agir, não pode ter objetivas prejudicar ou beneficiar pessoa(s) determinada(s). nesta linha de exposição, revela-se necessário colher o entendimento do doutrinador Carvalho Filho (2010, p. 22-23), no que concerne ao princípio da impessoalidade, em especial quando destaca o princípio da impessoalidade objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto, representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado, para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público e, não para o privado, vedando-se, em consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicação do princípio da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas da matéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público, e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminatória.
A Administração Pública deve ser impessoal, ou seja, o agente público deve visar o interesse público e não a satisfação de seus interesses pessoais ou familiares.
Nas nomeações de cargos em comissão ou funções de confiança, os órgãos diretivos do Poder Judiciário atuam como executor do ato, que serve de veículo de manifestação da vontade estatal e, portanto, as realizações administrativas governamentais não são simplesmente do agente político, mas sim da entidade pública em nome da qual atuou, na hipótese, o Poder Judiciário, que deve agir de forma impessoal e moral.
IV. PRINCÍPIO DA MORALIDADE
Consagrado no texto da Carta Magna de 1988, no caput do art. 37, o princípio da moralidade, como vetor de orientação e inspiração da Administração Pública, impõe que “o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto”.
Essa moralidade não é o elemento do ato administrativo, como ressalta GORDILLO, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente. As indeterminações semânticas dos princípios da moralidade e da impessoalidade não podem ser um obstáculo à determinação da regra da proibição ao nepotismo. Como bem anota GARCÍA DE ENTERRIA, na estrutura de todo conceito indeterminado é identificável um 'núcleo fixo' (Begriffhern) ou 'zona de certeza', que são configurados por dados prévios e seguros, dos quais pode ser extraída uma regra aplicável ao caso.
Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios morais e éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública.
V. ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA NO COMBATE AO NEPOTISMO
A prática do nepotismo, conforme exposto anteriormente, decorre do próprio texto constitucional, bem como, decorre da Constituição Federal a possibilidade do Conselho Nacional de Justiça desconstituir atos administrativos editados contrariamente ao ordenamento jurídico.
Caso o Conselho Nacional de Justiça entendesse constitucional a prática de nepotismo no Poder Judiciário, por inexistir texto legal expresso, estaria chancelando uma das práticas mais imorais, antiéticas, não-razoáveis e contrárias ao sentimento geral de justiça e legalidade da sociedade.
Além disso, estaria o Conselho Nacional de Justiça afirmando que a questão do nepotismo no Poder Judiciário não é constitucional, mas sim meramente legal, e, consequentemente, estará permitindo que futura legislação, inclusive, viesse a consagrar essa prática nefasta, em total descompasso com os princípios da Administração Pública.
Não é razoável entender que o nepotismo no Poder Judiciário respeita os princípios da Administração Pública. Não é razoável entender que o nepotismo no Poder Judiciário não configura desrespeito aos princípios da impessoalidade e moralidade.
Não é razoável entender que o nepotismo no Poder Judiciário é permitido, simplesmente, por que não existe lei que o proíba. Dessa forma, a Constituição Federal veda a prática do nepotismo, devendo o Conselho Nacional de Justiça cumprir sua função constitucional de zelar pela fiel observância dos princípios da Administração Pública no Poder Judiciário, e, conseqüentemente, determinar a vedação, salvo se servidor ocupante de cargo de provimento efetivo do Poder Judiciário, de nomeação para cargo em comissão ou designação para função de confiança, de cônjuge, companheiro, parente ou afim, em linha reta ou colateral, até terceiro grau, de qualquer magistrado, em qualquer juízo ou Tribunal do País, inclusive superior.
VI. SÚMULA VINCULANTE Nº 13
Com a publicação da súmula, será possível contestar no próprio STF, por meio de reclamação, a contratação de parentes para cargos da administração pública direta e indireta no Executivo e no Legislativo. Ao julgar o recurso, os ministros disseram que o artigo 37 da Constituição Federal, que determina a observância dos princípios da moralidade e da impessoalidade na administração pública, é auto-aplicável.
"Não é necessária lei formal para aplicação do princípio da moralidade", disse o ministro Menezes Direito. O ministro Ricardo Lewandowski, relator do recurso extraordinário, afirmou que é "falacioso" o argumento de que a Constituição Federal não vedou o nepotismo e que, então, essa prática seria lícita. Segundo ele, esse argumento está "totalmente apartado do ethos que permeia a Constituição cidadã".
No entanto, os nove ministros que participaram do julgamento fizeram uma diferenciação entre cargos administrativos, criados por lei, e cargos políticos, exercidos por agentes políticos. No primeiro caso, a contratação de parentes é absolutamente vedada. No segundo, ela pode ocorrer, a não ser que fique configurado o nepotismo cruzado.
CONCLUSÃO
Indubitável que o princípio do concurso público, como regra para garantir a ampla acessibilidade aos cargos públicos, deve e merece prevalecer, para dar efetividade à regra constitucional gravada no art. 37, II.
Todavia, a solução para a moralização das nomeações para cargos comissionados, a ser feita de maneira impessoal e que atenda à eficiência positivada no caput do art. 37 da Magna Carta, no sentido mais amplo, certamente não está na vedação ao acesso de parentes a cargos de provimento em comissão.
A medida que se impõe permeia pela correta aplicação do art.37, V, da Constituição federal, limitando-se a criação de cargos comissionados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento superior, bem como estabelecendo as condições e percentuais mínimos para que os cargos em comissão sejam preenchidos por servidores de carreira, reservando-se, assim, parcela minoritariamente razoável para que o gestor público possa exercer a livre escolha dos ocupantes dos cargos de confiança postos à sua disposição, independentemente do grau de parentesco havido entre nomeante e nomeado, no que restaria atendido o fim almejado pelo constituinte quando garantiu exceção à regra do concurso público.
Conforme alhures enfatizado, a existência de um número expressivo de cargos comissionados à disposição da autoridade nomeante permite que esta não se comprometa com uma postura responsável na escolha de quem deva ocupar o cargo, permitindo nomeações cuja seleção não se dará por um critério técnico, sendo, nessa hipótese, indiferente o vínculo existente entre o nomeado e a autoridade.
De fato, a ilusão criada pelo verbete sumular alimenta os anseios de uma população farta dos desvios administrativos, mas se trata de um alimento incapaz de saciar pretensões de Administração justa e igualitária.
REFERÊNCIAS
BOMFIM, Benedito Calheiros. O nepotismo nos três poderes. Revista Consulex. Ano
IX. Nº40. abril 2000.p.33.
CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios Constitucionais da Administração
Pública (de acordo com a Emenda Constitucional n.º 19/98). IN MORAES,
Alexandre. Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo (23ªed. - rev., ampl e atual.). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). O que é o nepotismo?. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5771&Itemid=668>
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo (Vigésima Terceira edição). São Paulo: Editora Atlas S/A, 2010.
GARCIA, Emerson. O nepotismo. Disponível em: <http://br.monografias.com/trabalhos910/o-nepotismo/o-nepotismo.shtml>.
http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/98292/sumula-vinculante-n-13-proibicao-ao-nepotismo-nos-cargos-comissionados.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37ª edição. São Paulo:
Malheiros, 2010.
Acadêmica de Direito da FANESE. Estagiária de Direito no Escritório de Advocacia Gladyson Alves.<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TOURINHO, Krisllen da Silva. O Nepotismo na Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46725/o-nepotismo-na-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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