Orientadora: Geisa Cavalcante Carbone Sato
RESUMO: No Brasil, desde a época do Império, nunca existiu a tese de irresponsabilidade estatal nos atos que causassem prejuízos a terceiros. Isto, como qualquer outra responsabilidade, desde que devidamente comprovada a conduta do agente público, o dano sofrido pela vítima e o nexo causal entre a conduta do agente e o dano sofrido pelo lesado. Mas, como a responsabilidade civil do Estado não é absoluta, se admite a aplicação das excludentes do nexo de causalidade para que se afaste a responsabilidade estatal perante o dano causado. Embora no Brasil, a regra sobre a responsabilidade civil daquele que agiu mediante culpa ou dolo, a responsabilidade civil do Estado é uma responsabilidade objetiva, que tem por base a teoria do risco administrativo. O que muito se discutia, entretanto, era quando a responsabilidade do Estado por erros do Poder Judiciário. Muitos doutrinadores alegavam incabível tal responsabilidade em face da soberania dos magistrados, o fato de que, antigamente, a Constituição Federal do Brasil previa que o Estado seria responsável pelos danos causados a terceiros pelos seus funcionários públicos, nesta qualidade, dentre outros argumentos que apoiavam a irresponsabilidade do Estado perante os atos do Poder Judiciário. Entretanto, hoje não só é certa a responsabilidade estatal por erros judiciários, como também é direito assegurado constitucionalmente.
Palavras-chave: Responsabilidade. Agente público. Estado. Responsabilidade objetiva. Teoria do risco administrativo.
ABSTRACT: In Brazil, since the days of the Empire, it never was the thesis of state irresponsibility in acts causing damage to third parties. This, like any other liability, if properly proven the conduct of the public official, damage suffered by the victim and the causal link between the conduct of the agent and the damage sustained by the individual. But as the civil responsibility of the state is not absolute, it admits the application of the exclusionary causation for deviating state liability to the damage. While in Brazil, the rule on civil liability that he acted by negligence or willful misconduct, the civil liability of the State is a strict liability that is based on the theory of administrative risk. What much was discussed, however, was when the responsibility of the State for the Judiciary errors. Many scholars claimed incabível such responsibility to the sovereignty of the judiciary, the fact that, previously, the Federal Constitution of Brazil stated that the State would be liable for damages caused to third parties by its public officials, in this capacity, among other arguments supporting the irresponsibility of the State before the acts of the Judiciary. However, today is not only right to state liability for judicial errors, it is also constitutionally guaranteed right.
Keywords: responsibility. public officer. State. strict liability. Theory of administrative risk.
INTRODUÇÃO
Desde os tempos do Império, a legislação brasileira sempre previu a reparação dos danos causados a terceiros pelo Estado, por ação ou omissão de seus agentes públicos, antes chamados de funcionários públicos pela Constituição Federal, entretanto, com a utilização deste termo, deixou de abranger muitas classes de pessoas servidoras do Estado.
É claro que não é toda ação ou omissão dos agentes públicos que possam ser objetos de reparação civil pelo Estado, mas sim apenas aqueles atos juridicamente relevantes.
Além disso, há que se considerar que o fato de que os atos do Estado, seus poderes e suas funções sejam realizados por pessoas físicas, é perfeitamente plausível se admitir que todos esses atos estejam sujeitos a falhas. O que não significa absoluta liberdade para que esses agentes públicos cometam erros, já que os abusos de direito, a má prestação, a não prestação ou a prestação tardia do serviço publico são causas para a responsabilidade civil do Estado.
Embora a regra geral da responsabilidade civil seja a responsabilidade subjetiva prevista no Código Civil, ou seja, aquela responsabilidade onde se depende da análise da culpa ou dolo do agente causador do dano, na responsabilidade civil do Estado não se discute os critérios subjetivos dos autos, mas somente se faz necessária a presença do nexo causal entre a conduta do agente público e o dano sofrido pela vítima, que caracteriza a chamada responsabilidade civil objetiva, pela teoria do risco administrativo, sendo assegurado ao Estado, entretanto, o direito de regresso em face do servidor quando restar caracterizada a subjetividade em sua atuação.
Dentre as falhas do Estado que asseguram a reparação civil ao terceiro prejudicado está o erro judiciário, reconhecido expressamente como direito constitucional a todos os cidadãos brasileiros.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL
Para Maria Helena Diniz, uma boa definição abrangente sobre o tema responsabilidade civil seria:
Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. Definição estaque guarda, em sua estrutura, a ideia de culpa quando se cogita da existência de ilícito, e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa. (2007, p. 34).
Vale ressaltar outra citação da referida autora:
Caberá à vítima, que sofreu uma lesão em seu patrimônio ou em sua pessoa, o direito de pleitear, judicialmente, a indenização, desde que prove o liame de causalidade, o prejuízo, a culpabilidade do lesante, se, objetivamente, não se tratar de culpa presumida ou de responsabilidade objetiva. (Op. Cit., p.201).
Como diria Carlos Roberto Gonçalvez (2010), aquele que pratica um ato, ou incorre numa omissão que acarrete danos a terceiros, deve suportar as consequências do seu procedimento.
E, ainda, ele ensina que: “Responsabilidade Civil é, assim, um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário” (2010, p. 24).
A própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, prevê a inviolabilidade dos direitos da personalidade, estando sujeitos a indenização os lesados por dano material ou moral.
1.1) Pressupostos da Responsabilidade Civil
1.1.1) Ação ou Omissão
O requisito inicial para que seja caracterizado o dever de indenizar pela responsabilidade civil é que fique caracterizada a existência de uma ação ou omissão, que podem sem apresentar através de um ato lícito ou ilícito.
Em outras palavras, o elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior. Não haverá responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica.
A omissão é um “não fazer” que seja relevante para o Direito, desde que atinja a um bem jurídico tutelado. Ou seja, ela é uma conduta negativa, que surge por alguém não ter realizado determinada ação quando deveria fazê-lo.
Geralmente, a regra de que a obrigação de indenizar pela prática de ato ilícito está acompanhada pela culpa, o que vem consagrado do artigo 186 do Código Civil.
A esse respeito, Francisco Amaral ensina que:
O Código Civil estabelece no art. 186 a noção e a estrutura do ato ilícito, dispondo que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (...) Esses dispositivos (refere-se aos arts. 186 e 187) exprimem ou encerram verdadeiras cláusulas gerais, no sentido de que, em virtude de sua ampla generalidade e abstração, podem disciplinar um número muito amplo de casos, em contraposição à casuística típica das fattispecies determinadas, o que leva ao problema da identificação dos atos ilícitos. (2006 apud STOCO, 2007, p. 131).
Caso a ação de caracterize em um ato ilícito e seja realizada de modo a contrariar um dever geral previsto no ordenamento jurídico, esta ação estará integrada na seara da responsabilidade civil extracontratual, prevista especificamente nos artigos 186 e 927 do Código Civil, vejamos:
“Art 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
E, ainda:
“Art. 935. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Entretanto, caso a ação se caracteriza em um descumprimento de uma obrigação assumida, restará configurada a responsabilidade civil contratual, prevista no artigo 389 do Código Civil.
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
Além dessas hipóteses, o dever de reparar pode proceder de acordo com a lei, o que desvincula o ressarcimento do dano da ideia de culpa, deslocando a responsabilidade fundada na culpa para a responsabilidade fundada no risco, conforme prevê os artigos 927, parágrafo único, e 931 do Código Civil.
De modo geral, não há responsabilidade sem culpa, exceto quando houver expressa disposição legal, o que caracterizará a presença de responsabilidade objetiva.
Outro requisito importante, ainda na esfera da conduta do agente, é que para que a conduta possa ser considerada a origem do dano causado e gere a responsabilidade baseada na culpa se faz necessário que o agente do dano tenha capacidade de discernimento, ou gerará a responsabilidade civil objetiva.
Sobre a responsabilidade objetiva, Ruy Rosado de Aguiar Junior diz que: “A orientação subjetivista prevaleceu entre nós por quase um século. Só mais recentemente, sob o influxo de novas realidades admitiu-se, para situação especiais e bem definidas, a hipótese de responsabilização sem culpa” (2005 apud STOCO, 2007, p. 132).
Importante ressaltar que a conduta do agente, ação ou omissão, deverá sempre ser voluntária para que gere a responsabilidade civil de indenizar.
A ação ou omissão, em sentido geral, compreendem o dolo e a culpa em sentido estrito.
São imputáveis a uma pessoa os atos por ela praticados, desde que de forma livre e consciente. Por isto, se faz essencial a existência de capacidade de entendimento e autodeterminação do agente.
Nesse sentido, Rui Stoco diz que:
Deve haver um comportamento do agente, positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste. Esse comportamento (comissivo ou omissivo) deve ser imputável a consciência do agente, por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência ou imperícia), contrariando, seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato). Esse comportamento gera, para o autor, a responsabilidade civil, que traz, como consequência, a imputação de resultado a sua consciência, traduzindo-se, na prática, pela reparação do dano ocasionado, conseguida, normalmente, pela sujeição do patrimônio do agente, salvo quando possível a execução específica. (2007, p. 127).
Assim, por exemplo, se o agente do dano é menor a época da conduta lesiva, o ato ilícito por ele praticado acarretará a responsabilidade objetiva da pessoa a quem incumbe sua vigilância, expressamente prevista dos artigos 932, incisos I e II, e artigo 933, ambos do Código Civil.
Neste caso, entretanto, embora se caracterize responsabilidade objetiva, onde não se discute a culpa ou dolo de quem lesou, a pessoa que respondeu pelos danos causados pelo menor, por ser sua obrigação a vigilância dele, haverá o direito de reaver os valores pelo que pagou. Exceto, entretanto, se o menor, a quem lhe incumbia a vigilância, for seu descendente.
Já na hipótese do representante legal não possuir o dever de reparar o dano, nem mesmo possua recursos financeiros para fazê-lo, o incapaz responderá excepcionalmente de forma equitativa e subsidiária pelo prejuízo que causou, desde que esta reparação não o prive do mínimo necessário para prover sua subsistência.
1.1.2) Relação de Causalidade
A responsabilidade civil não poderá exigir sem que fique demonstrado o vínculo entre a conduta realizada, que é vista como o fato gerador da responsabilidade, e o dano gerado.
Assim, restando demonstrada a existência de nexo causal entre o fato gerador e o dano sofrido, está caracterizado o dever de indenizar.
Portanto, para que não reste caracterizado o dever de indenizar é imprescindível que sejam produzidas provas de que está presente alguma das excludentes de ilicitude, que afastam a caracterização do nexo entre o dano e a conduta do agente.
Necessário se faz o nexo de causalidade entre o prejuízo e a conduta do lesante porque se o dano advier de negligência da própria vitima, por exemplo, não estará caracterizado o dever de ressarcir.
1.1.3) Dano
Não pode haver responsabilidade civil sem a preexistência de um dano causado por uma conduta omissiva ou comissiva do agente ou de terceiro por quem o imputável é responsável ou, ainda, causado por um fato de animal ou coisa que a ele esteja vinculada.
Embora os direitos da personalidade sejam, em si, personalíssimos e intransmissíveis, a pretensão ou direito de exigir a sua reparação pecuniária, em caso de ofensa, transmite-se aos sucessores.
O dano deve ser certo e deve ofender a um bem ou interesse jurídico protegido, sendo necessária a prova real e concreta dessa lesão.
A exigibilidade do ressarcimento do dano cabe a todos aqueles que efetivamente experimentam o prejuízo, isto abrange os lesados diretos ou indiretos.
A reparação do dano patrimonial ou moral poderá ser reclamada pela vítima, bem como seus herdeiros (art. 943, 1ª parte), seu cônjuge, os membros de sua família (art. 12, parágrafo único, Código Civil), seus dependentes econômicos e, em algumas hipóteses, seu companheiro, desde que a vítima não seja casada e suas relações não sejam incestuosas.
Vale lembrar que já é expressamente previsto na súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça que os danos morais e patrimoniais podem ser cumuláveis (il cumulo di damni material e morali).
De forma mais sucinta, pode-se definir também o dano patrimonial como sendo a diferença entre o valor atual do patrimônio da vítima e aquele que ela teria no mesmo momento se a lesão não tivesse ocorrido.
A reparação de dano material ou patrimonial deverá se proceder de forma a buscar uma reparação natural do prejuízo, que poderá consistir na entrega da própria coisa ou entrega de objeto da mesma espécie, ou, ainda poderá haver a reparação de dano material através de uma indenização pecuniária, que deve tentar aproximar ao máximo o valor real do prejuízo.
O dano patrimonial abrange tanto o dano emergente, que é aquele que o lesado efetivamente perdeu, como o lucro cessante, que é caracterizado pelo aumento no patrimônio que o lesado teria e deixou de ganhar em razão do evento danoso.
No dano emergente se faz imprescindível que haja uma concreta diminuição na fortuna da vítima. Já no dano por lucro cessante, se faz necessária a privação de um lucro pelo lesado que ele deixou de auferir em razão do prejuízo que lhe foi causado.
A reparação do dano patrimonial poderá se dar de duas formas: reparação específica, também conhecida por in natura, ou através de reparação por equivalente ou indenização.
A primeira forma prevista de reparação é aquela que consiste em fazer com que as coisas lesadas voltem ao estado que teriam se não houvesse ocorrido o evento danoso.
Já a reparação equivalente ou indenização é aquela de caráter patrimonial, onde o pagamento do dano patrimonial se dá pelo equivalente em dinheiro. Aqui, conclui-se que há a compensação da perda patrimonial sofrida em razão do dano, de modo que a restabelecer o equilíbrio patrimonial, necessitando que haja a efetiva avaliação dos prejuízos.
O dano moral vem a ser lesão de interesses não patrimoniais sofridos por pessoa física ou jurídica (art. 52, Código Civil; súm. 227, Superior Tribunal de Justiça) provocada pela conduta lesiva.
A regra é de que as pessoas jurídicas não teriam direito à reparação do dano moral subjetiva que fere interesses espirituais, justamente por não possuírem capacidade afetiva ou receptiva sensorial, como diz Maria Helena Diniz, mas poderiam sofrer dano moral objetivo.
A respeito da indenizabilidade das pessoas jurídicas por dano moral, Carlos Roberto Gonçalvez prescreve que:
A pessoa jurídica, como proclama a Súmula 227 do STJ, pode sofrer dano moral e, portanto, está legitimada a pleitear a sua reparação. Malgrado não tenha direito à reparação do dano moral subjetivo, por não possuir capacidade afetiva, poderá sofrer dano moral objetivo, por ter atributos sujeitos à valoração extrapatrimonial da sociedade, como o conceito e bom nome, o crédito, a probidade comercial, a boa reputação etc. (2010, p. 386).
De modo geral, pode-se dizer que o dano moral é a dor, a angustia, o desgosto, a aflição espiritual, bem como a humilhação sofrida pela vítima, incluindo todo o complexo moral sofrido pela vítima do evento danoso.
Os lesados indiretamente pelo dano moral, bem como a vítima direta, poderão reclamar reparação pecuniária. Entretanto, importante lembrar que essa reparação não lhes paga a dor que sentem ou sentiram, apenas serve para atenuar as consequências da lesão por eles sofrida.
O dano moral, que dá origem a responsabilidade contratual, obriga o contratante moroso e inadimplente a reparar as perdas e danos do credor, conforme determinam os artigos 389 e 395 do Código Civil, além de ser obrigado a reparar o que o credor efetivamente deixou de perder e o que ele deixou de lucrar.
Entretanto, o dano moral, que dá origem a responsabilidade extracontratual, é de difícil fixação, já que não há contrato com cláusulas prevendo valor de indenização, bem como não há lei que estabeleça valores.
Assim, o juiz fixará, por equidade, considerando as circunstâncias especificas de cada caso, o quantum indenizatório para dano moral, já que a lei é omissa ao estabelecimento do justo montante indenizatório.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:
Na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores, e, ainda, ao porte da empresa recorrida, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. (REsp 135.202-0-SP).
Outra característica do dano moral é exatamente dispensar prova em contrário, pois é in re ipsa, tratando-se de presunção, sendo que prova em contrário cabe ao defensor. Nesse sentido:
Responsabilidade civil. Dano moral. Comprovação pelo ofendido. Desnecessidade. Existência do ato ilícito apto a ocasionar sofrimento íntimo. Suficiência. Prova negativa a cargo do defensor. Verba devida. Recurso provido. (JTJ, Lex 216/191).
Portanto, é de se verificar que o caráter patrimonial ou moral dos danos não advém da natureza do direito subjetivo danificado, mas dos próprios efeitos da lesão jurídica.
É de se verificar então que mão se faz necessário que o dano tenha resultado apenas de forma imediata do fato que o produziu, de forma que basta que haja condições de se verificar que o dano não ocorreria se aquele fato não tivesse ocorrido.
A prática de um ato ilícito que infrinja preceito normativo de tutela de interesse privado, que venha a produzir dano a bem jurídico tutelado, lesando direitos pessoais ou reais, dá origem ao ressarcimento do prejuízo.
Sempre que restar caracterizado o prejuízo causado pela conduta do agente, os bens do responsável pelo ato ilícito ficarão sujeitos à reparação em favor do lesado. Neste caso, se o dano houver mais de um ator, todos responderão solidariamente pela reparação através de seus bens, cabendo ao lesado a faculdade de acionar um dos causadores do dano individualmente ou, ainda, poderá acionar todos ao mesmo tempo.
O dever de ressarcir estabelecido por lei ocorre sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo sem que haja a necessidade de se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, nem mesmo há a necessidade de se verificar se houve ou não erro de conduta. Com a simples apuração do dano, o ofensor ou seu responsável devera indenizá-lo. A vítima deverá provar apenas o nexo causal, não se admitindo qualquer escusa subjetiva do imputado.
Será obrigado a reparar o dano aquele a quem a lei onerou com tal responsabilidade, salvo se restar provada alguma causa de escusa. São os artigos 186 e 927 do Código Civil que indicam a qualidade de sujeito passivo do dano.
A obrigação de prestar a reparação transmite-se com a herança, de forma que o lesado poderá demandar o espolio até onde existir o saldo positivo deixado pelo de cujus nos seus sucessores, que não responderam com seu patrimônio pessoal pela reparação dos danos, ou seja, a responsabilidade civil pela reparação dos danos é intra vires hereditatis, pois os herdeiros não respondem com encargos superiores à herança.
Em regra, a responsabilidade será individual. Mas, é possível a existência de responsabilidade indireta, bem como é possível a responsabilidade de duas ou mais pessoas, pois estas podem ter concorrido para a produção do dano a terceiro.
Caso haja coautoria, todos os coautores ou cúmplices, além das pessoas designadas do artigo 932 do Código Civil, responderão solidariamente, conforme determina o artigo 942, parágrafo único, Código Civil.
Vale lembrar que, embora as pessoas elencadas no artigo 932 do Código Civil não tenham agido com culpa para figurarem no pólo passivo de uma ação de indenização por dano patrimonial ou moral, elas responderam objetivamente para responderem pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Entretanto, os artigos 930 e 934 do Código Civil expressamente preveem o direito de regresso.
“Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”.
A pretensão indenizatória do lesado somente surgirá no momento da consumação do fato lesivo, entretanto, seu direito de crédito apenas se concretizará com a decisão judicial.
1.2) Ação de Reparação
Preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil, há a possibilidade do lesado ingressar em juízo com a ação de reparação.
Caso ele não ingresse em juízo, não pode o juiz propor a ação de ofício pelo princípio da inercia, entretanto, se admite que a ação de reparação seja proposta, além da vítima, por seus herdeiros, seu cônjuge, membros de sua família, seus dependentes econômicos, bem como tem se reconhecido a possibilidade do companheiro figurar no pólo ativo da ação, desde que comprovada a existência da união estável e a vítima não seja casada ou suas relações não sejam incestuosas.
A ação de reparação, assim como as demais ações, deve preencher os pressupostos da ação, que são: legitimidade das partes; possibilidade jurídica do pedido; interesse processual.
O principal objetivo desta ação é exatamente a ressarcibilidade do dano sofrido pelo lesado para que seja restaurado o equilíbrio.
Quanto a ação de ressarcimento ou de reparação, Carlos Alberto Bittar ensina que:
Constitui, portanto, a ação de ressarcimento fórmula jurídica de compensação ao lesado, transferindo ao agente o ônus correspondente à satisfação do dano por ele causado. Assim, enquanto para o autor representa reparação (ou sucedâneo) pelo prejuízo suportado, para o réu reveste-se de caráter ressarcitivo e sancionatório. (1990, p. 51).
No pólo passivo da presente ação, devera figurar o responsável pelo dano ou quem por ele for responsável, sendo que, quando houver mais de um autor do dano, todos deverão responder solidariamente pela reparação. Além disso, como já era dito, a reparação civil de um dano admite que a obrigação seja transferida por sucessão.
A ação de ressarcimento será ação de conhecimento revestida de caráter reparatório.
Em regra, o foro competente para processar e julgar a presente ação é o foro do lugar do ato ou do fato.
A ação de reparação admite a cumulação com outras ações, desde que verificada a compatibilidade entre os pedidos, bem como o mesmo juiz deverá ser competente para julgar as ações cumuladas e o procedimento devera ser adequado para todos os pedidos.
Assim, proposta a ação, cabe ao autor demonstrar os fatos alegados na inicial e caberá ao réu demonstrar a presença de qualquer das excludentes.
Procedente a ação, a sentença judicial deverá condenar o causador do dano ao pagamento de indenização, que deverá abranger não só as custas processuais, honorários e juros, contados a partir do momento da consumação do fato lesivo, bem como o condenará a tudo o que o lesado fizer jus.
1.2.1) Liquidação da Indenização
Reconhecido o direito do lesado na ação ordinária de reparação do dano, surgirá a liquidação, que servirá para a concretização da indenização, fixando seu montante e o modo de ressarcimento.
Maria Helena Diniz diz sobre liquidação:
Havendo direito à reparação do dano, surge a liquidação, que é a operação de concretização da indenização, fixando o seu montante e o modo de ressarcimento. A estimatio damni tem por escopo tornar liquida a obrigação de indenizar, estipulando quanto o lesante deverá pagar ao lesado. (2007, p. 210/211).
A função jurídica da liquidação será justamente tornar efetiva a reparação do prejuízo sofrido pela vítima.
De forma reduzida, Carlos Roberto Gonçalvez diz que a fixação do quantum fica ao prudente arbítrio do magistrado, podendo ele fixar a indenização que julgar adequada ao caso concreto.
Na fase de liquidação, o magistrado deverá averiguar o grau de culpa do lesante, a situação econômica da vítima e do causador do dano, bem como a influência de acontecimentos exteriores ao fato prejudicial, para que se permita uma fixação da indenização próxima ao dano sofrido.
A respeito da liquidação e critérios para fixação da indenização, a jurisprudência diz que:
“A situação econômica do requerido deve ser levada em conta, porque a condenação por um dano moral não pode gerar outro dano moral no sentido de privar a família do requerido do necessário à sobrevivência condigna” (JTARS 95/260)
E, ainda:
“Cabe ao juiz levar em conta o grau de suportabilidade do encargo atribuído ao ofensor. Porque não adiantaria estabelecer indenização por demais alta sem que o ofensor possa suportá-la, tornando inexequível a obrigação” (RJTJRS 163/261)
A liquidação poderá ser legal, quando a própria lei fixar o meio de efetivação do pagamento. Importante ressaltar que aqui a lei não delimita o quantum indenizatório, nem como a indenização deverá ser calculada, mas estabelece em que a indenização nos crimes de homicídio, lesão corporal, injúria, difamação, calúnia, ofensa a liberdade pessoal, usurpação, esbulho, estabelecendo apenas os critérios de indenização a serem seguidos.
Ainda, a liquidação poderá ser convencional, aquela que o ressarcimento do dano se perfaz por acordo de vontade das partes. Acordo deste que estipula o seu valor e suas condições.
Assim, na liquidação convencional, permite-se que o lesado receba valor indenizatório inferior ao prejuízo realmente sofrido, desde que ele concorde.
Quando a liquidação for judicial, será mediante o juiz, obedecendo aos critérios do Código de Processo Civil, que o quantum da indenização é fixado, bem como seus critérios de livre apreciação do juiz.
Então, pode-se dizer que o pagamento das custas do processo, bem como dos honorários advocatícios, pela parte sucumbente, apenas visa ressarcir o lesado das despesas necessárias à impulsão do processo.
Entretanto, se ambas as partes vierem a sucumbir, repartem-se proporcionalmente as despesas e os honorários.
Importante lembrar que a indenização, a ser concedida em favor do ofendido e paga pelo ofensor, não poderá exceder o valor do dano causado pelo ofensor. Isto porque a reparação civil tinha a função ressarcitiva, não se permitindo o enriquecimento ilícito.
1.3) Garantias de Indenização
O artigo 1489, inciso III, do Código Civil, prevê, em favor do lesado, a garantia da hipoteca legal sobre os bens do lesante, visando exatamente assegurar que haverá bens necessários para que se cubra danos extracontratuais.
A hipoteca se aplica sobre bens imóveis ou outras coisas que a lei entenda ser hipotecável, pertencente ao devedor ou terceiro, entretanto, sem que haja a transmissão da posse ao credor, possuindo ele o direito de promover a venda judicial do bem.
Hipoteca legal é a garantia conferida a credores específicos, que merecem uma proteção especial. No valor do bem garantido pela hipoteca deverá abranger a satisfação do dano causado pelo agente, bem como o pagamento de custas ou despesas processuais.
O direito do lesado à hipoteca surge com o prejuízo e não com a prolação da sentença.
Outro modo previsto de garantia para a reparação civil é o seguro obrigatório, que visa aliviar o lesante dos riscos inerentes ao exercício de certas atividades lícitas e, ainda, assegurar a indenização do lesado.
Neste caso, haverá a transferência para uma seguradora da obrigação de pagar as perdas e danos decorrentes de ato lesivo do segurado, preservando a integridade de seu patrimônio.
Para o cumprimento da obrigação de reparar civilmente o lesado por uma seguradora apenas se faz necessário o pagamento de um premio pelo segurado à seguradora.
Maria Helena Diniz ensina que o seguro de responsabilidade civil será aquele pelo qual se transfere, mediante o pagamento de prêmio previamente estipulado, ao segurador as consequências sofridas pelo lesado, das quais o segurado deveria responder civilmente.
No contrato de seguro, coloca-se em segundo plano a discussão da culpa ou de quem seja o responsável, sendo importante primeiro a satisfação econômica do lesado pelo princípio da responsabilidade objetiva. Isto porque o segurador será responsável, mesmo diante da ausência de sua culpa, pela indenização.
Os artigos 787 e 788 do Código Civil preveem a possibilidade da vítima demandar diretamente em face do segurador, embora não seja parte do contrato, pois a vítima do dano gerado pelo segurado será sua beneficiária, sendo necessário apenas que a vítima comprove o prejuízo sofrido.
Entretanto, pelo contrato de seguro, a responsabilidade do segurador será limitada pelo máximo valor fixado no contrato a título de indenização.
Não haverá responsabilidade solidária entre o lesante e o segurador, pois o lesante será responsável em razão do ato lesivo, já o segurador é responsável, em razão de contrato de seguro, até os limites contratuais.
2. RESPONSABILIDADE DO ESTADO
A responsabilidade estatal funda-se no princípio da isonomia, defendendo, assim, que haja igual repartição dos encargos públicos entre os cidadãos, para que não haja um desequilíbrio na distribuição dos ônus públicos.
Por isso, é imprescindível que se restabeleça o equilíbrio, ressarcindo os lesados à custa dos cofres públicos. Portanto, ficará a cargo do Estado a obrigação de indenizar os danos acarretados em virtude do funcionamento do Poder Público.
Em outras palavras, pode-se dizer que o Estado de Direito impõe a responsabilidade estatal pelos danos causados a terceiros.
Assim, as pessoas jurídicas também, como as pessoas físicas, possuem o dever de ressarcir os prejuízos causados a outrem.
O Estado, como pessoa jurídica de direito público, não foge à regra de responsabilização, conforme expressamente previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
Art. 37, §6º. As pessoas jurídicas de direito publico e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Por isso, é permitido concluir que a Constituição Federal adotou a responsabilidade objetiva do Estado, sob a modalidade do risco administrativo.
Para fins de responsabilidade do Estado, ainda inclui-se as pessoas jurídicas de direito publico auxiliares do Estado, as de direito privado que desempenham cometimentos estatais sob concessão ou delegação explicitas ou implícitas.
Não se pode esquecer que, sendo o Estado uma pessoa jurídica, ele não possui vontade, nem ação própria, se manifestando por meio de pessoas físicas que exerçam a condição de seus agentes, desde que revestidos nesta qualidade. Assim, para Maria Helena Diniz a relação entre a vontade e a ação do Estado e de seus agentes é de imputação direta dos atos dos agentes ao Estado, por isso tal relação é orgânica, ou seja, o que o agente publico quiser ou fizer entende-se que o Estado quis ou fez.
Para a responsabilização do Estado, não se exige culpa no comportamento do funcionário, bastando que haja dano, causado pelo agente publico, nesta qualidade, bem como o nexo de causalidade com a conduta do agente, para que disto decorra o dever de indenizar do Estado.
Negar a indenização do Estado ao terceiro prejudicado seria o Poder Público estar infringindo uma de suas funções primordiais. Nesse sentido:
Negar indenização pelo estado em qualquer de seus atos que causaram danos a terceiros é subtrair o poder público de sua função primordial de tutelar o direito. Com isso, a responsabilidade civil do estado passa para o campo do direito público, com base no princípio da igualdade de todos perante a lei, pois entre todos devem ser distribuídos equitativamente os ônus e encargos. (DINIZ, 2002, p, 241).
Do mesmo modo da responsabilidade civil de pessoas físicas, a responsabilidade estatal poderá ser atenuada se comprovada a culpa parcial e concorrente da vitima, bem como poderá ser excluída a responsabilidade estatal se provada a culpa exclusiva da vitima. Podendo ainda aplicar, no que couber, as excludentes de responsabilidade civil do Estado.
Uma evolução que merece destaque, é que a Constituição Federal de 1988 veio expandir a responsabilização estatal ao substituir o termo “funcionários” pelo termo “agentes”. Assim, o serviço publico passou a abranger a atividade jurisdicional, legislativa, e não só a atividade administrativa do Poder Executivo.
A ação de indenização proposta pela vítima poderá ter como sujeito ativo o próprio agente publico ou o Estado, admitindo-se a denunciação da lide quando demonstrada a culpa ou dolo por parte do agente publico.
O Supremo Tribunal Federal já entendeu que:
Segundo a teoria do risco administrativo, a ação de indenização da vítima, em virtude da responsabilidade civil do Estado, há de ser dirigida unicamente contra a pessoa de direito público envolvida. Provada a culpa do servidor no ato lesivo ao particular, cabe apenas a ação regressiva do Estado. Como resume Hely Lopes Meirelles, ‘ o legislador constituinte bem separou as responsabilidades: o Estado indeniza a vítima; o funcionário indeniza o Estado’. Entretanto, demonstrada desde logo a responsabilidade subjetiva, isto é, a culpa do servidor, tem o STF admitido que a ação de indenização se exerça diretamente contra o causador do dano. (RTJ 118/1097, Rel. Min. Carlos Madeira).
Do mesmo modo que a ação de indenização em face das pessoas físicas, as ações de indenização por responsabilidade civil em face do Estado também deverão ser propostas no prazo prescricional de cinco anos, conforme o previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil.
2.1) Responsabilidade por Atos Judiciais
Vários doutrinadores ainda resistem à ideia de responsabilidade estatal por atos judiciais, sob vários fundamentos.
O primeiro deles seria de que o Poder Judiciário é soberano e, assim, não poderia resultar responsabilidade do Estado.
Outro fundamento seria a independência funcional da magistratura que, em tese, não poderia gerar responsabilidade para o Estado.
Havia também o fundamento, já ultrapassado, de que a norma constitucional se referia especificamente a funcionários públicos serem os causadores de danos, e por isto, não se enquadravam os magistrados e seus atos jurisdicionais.
Isto porque, pela fragilidade dos fundamentos da irresponsabilidade estatal por atos judiciais, bem como pelo principio da igualdade dos encargos sociais, vem se admitindo a responsabilidade estatal por atos judiciais, de modo que a verificação de culpa por parte dos juízes e auxiliares da justiça não é indispensável para que se caracterize a responsabilidade do Estado, bastando que o serviço se revele falho, deficiente, inoperante, obrigando o Estado a responder perante o mau desempenho da prestação jurisdicional a que está obrigado. Nesse sentido:
Seja voluntário ou involuntário, todo erro que produza consequências danosas – em outras palavras, toda atividade judiciária danosa – deve ser reparado, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos, a ele assegurado o direito de regresso contra o agente público responsável pela prática do ato. (RT 652/29).
Assim, embora alguns defendam a irresponsabilidade estatal por atos judiciais pela soberania do Poder Judiciário, isso não exime o Estado de ressarcir danos causados por ato jurisdicional, pois não haveria autonomia entre soberania e responsabilidade.
Também é frágil o argumento da independência do juiz. Ele continua sendo independente e livre para julgar o processo de acordo com seu livre convencimento, pois a responsabilidade do Estado por seus atos não restringe, nem exclui, a independência funcional do magistrado.
Conforme já dito, o fundamento de que a Constituição Federal previa apenas a responsabilidade do Estado por danos causados por funcionários públicos já é obsoleto porque, atualmente, figura o termo “agente” no art. 37, §6º da Constituição Federal. O termo “agente” compreende todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal.
A própria Constituição Federal, especificamente em seu art. 5º, inciso XXXV, assegura a todos que não será excluído da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, portanto, se o Estado assegura o pronunciamento judicial sobre qualquer conflito jurídico, deverá o Estado responder por prejuízos oriundos da má atuação dos magistrados.
No mais, o Estado é responsável civilmente pelos atos lesivos que o Poder Judiciário vier a causar nos casos expressamente previstos em lei.
Além disso, o Código de Processo Penal, art. 630, e a Constituição Federal, art. 5º, LXXV, 1ª alínea, reconhecem a responsabilidade do Estado por ato jurisdicional, ao conceder indenização ao condenado reabilitado, ou seja, à vítima de erro judiciário, em caso de sentença criminal injusta, prisão preventiva injustificada, prisão sem motivação aparente, não relaxamento de prisão ilegal, prisão por engano oriunda de hominímia.
“Art. 630 – O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”. (CPP)
Em regra, o ato jurisdicional regular não gera a responsabilidade civil do Estado. Portanto, o simples fato de alguém perder uma demanda e, com isso, sofrer prejuízo, sem que tenha havido erro, falha ou demora na prestação jurisdicional, não autoriza a responsabilização do Estado pelo ato judicial.
Há também a responsabilidade estatal nos casos em que o magistrado agir mediante má fé, abuso ou desvio de poder, pois constituem ato ilícito e dão origem à responsabilidade do Estado, mas o juiz responderá pelo seu ato, na ação regressiva, se agiu dolosamente.
Entretanto, se o ato jurisdicional que causou dano a outrem for proveniente dos Tribunais, contra este não caberá ação regressiva, exatamente por tratar-se de órgão colegiado e o ato será perfeito se aprovado pelo quórum legalmente admitido.
Assim, os danos causados a terceiros por ato jurisdicional dos Tribunais, apenas o Estado será responsabilizado civilmente, sem direito regressivo, pois os desembargadores ou ministros estão cobertos pelo manto da irresponsabilidade, mesmo se tiverem agido com dolo ou culpa.
2.1.1) Erro Judiciário
O direito da vítima de erro judiciário de se ver ressarcida está assegurado na Constituição Federal, art. 5º, LXXV. Direito este assegurado, inclusive, sem condicioná-la à ação de revisão da sentença condenatória.
Assim, a desconstituição do julgado, através de revisão criminal ou ação rescisória, não é condição para o ajuizamento da ação de indenização em face do Estado.
Entretanto, o fato do Estado ser condenado a indenizar alguém por dano derivado de ato judicial não significa que isto vá implicar na mudança da decisão judicial, exatamente para que não haja ofensa ao princípio da coisa julgada.
Não se pode esquecer, entretanto, que a ideia de erro judiciário não se compatibiliza com a simples absolvição pela inexistência de provas suficientes para a condenação.
A caracterização do erro judiciário inicia-se desde a decretação da prisão temporária ou preventiva do acusado pela autoridade judiciária ou mesmo pela lavratura de flagrante pela autoridade policial, e às vezes prossegue durante a instrução criminal.
Esse erro persiste, às vezes, com a própria prolação da sentença de 1º Grau, ou por ela é corrigido com decisão favorável ao acusado.
Mas, se isso não acontece nessa instância julgadora, cabe ao Tribunal esse trabalho de reexaminando a matéria retificar o engano porventura ocorrido da imputação outorgada pelo órgão do Ministério Público.
Se a pessoa foi presa e ao final do processo é absolvida, cabe-lhe reparação pecuniária por dano moral e material.
A indenização é igualmente devida se o acusado for absolvido por via de revisão criminal, que tem a finalidade de corrigir erros de fato e de direito ocorridos em processos findos, quando se encontrarem provas da inocência ou de circunstâncias que redunde na improcedência da responsabilidade penal.
É preciso a existência de uma decisão contrária a lei ou à realidade fática, ou condenação de pessoa errada, aplicação de dispositivo impertinente, indevido exercício da jurisdição, motivada por dolo, fraude ou má-fé.
Não será o Estado responsabilizado civilmente por erro ou injustiça da condenação de estes procederem de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder, conforme prevê o art. 630, §2º, “a”, Código de Processo Penal.
É importante lembrar que a possibilidade de erros é normal e inevitável na atividade jurisdicional, já que, ao sentenciar ou decidir, o juiz está sujeito a erros de julgamento, de raciocínio, de fato ou de direito. Entretanto, não se pode responsabilizar o Estado pela prática desses erros, pois acabaria por inviabilizar a própria justiça.
É certo que deverá o Estado responder pelas consequências dos danos que a pessoa tenha sofrido em sua prisão, já que o Estado não cumpriu com suas obrigações de forma eficaz.
Prisão indevida não pode ser entendida penas como aquela que decorre de uma condenação injusta, mas a compreensão de toda e qualquer privação injustificada da liberdade, seja antes ou depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, como a prisão cautelar, o excesso no tempo de cumprimento da prisão e a não observância do devido regime de cumprimento da pena, por exemplo.
A prisão indevida por erro judicial se traduz na ofensa à liberdade pessoal que empenha responsabilidade do Estado, por força das garantias asseguradas no art. 5º da Constituição Federal e no art. 954, do Código Civil.
Sustenta Canotilho:
Entende-se hoje que o cidadão inocente, após sua reabilitação em processo de revisão, tem verdadeiro direito subjetivo à reparação dos danos. A reparação dos erros judiciários configura-se como responsabilidade por atos lícitos. A inocência, posteriormente demonstrada, virá revelar, sim, um sacrifício individual e grave, absolutamente inexigível sem compensação. A culpa do condenado torna legitimo o exercício do jus puniendi e isentará o Estado do dever de qualquer prestação ressarcitória, a sua inocência não perturba a legitimidade do ato jurisdicional, mas torna obrigatória a atribuição ao lesado ou herdeiros de uma justa indenização. (apud ALCÂNTARA, p. 32/33).
É indiscutível o direito do condenado a ser indenizado por período de tempo em que permaneceu preso, cumprindo pena de outro individuo, que seja seu homônimo.
Como já dito, não há necessidade de desconstituir julgado cível ou criminal, já que pode a indenização ser postulada como ação autônoma.
Verificando o erro judiciário, a reparação do dano deverá ser completa, compreendendo o dano material e moral sofrido pelo lesado, conforme autoriza a súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.
CONCLUSÃO
Analisados todos os pressupostos da responsabilidade civil, verificou-se que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, exatamente por ser independente da verificação de culpa ou dolo por parte dos agentes públicos.
Os cidadãos estão submetidos ao julgamento de seus atos pelo Estado e às consequências por ele impostas. Desta forma, não há como lhe tirar a responsabilidade civil estatal por erro judiciário, não se trata de um direito absoluto, admitindo a exclusão da responsabilidade do Estado pelas excludentes do nexo causal.
A responsabilidade do Estado não afasta a soberania dos magistrados, nem mesmo a responsabilidade pessoal destes, o Estado apenas não pode deixar de ressarcir seus administrados.
Outrossim, convém a ação de indenização ser proposta em face do Estado, em razão da responsabilidade objetiva, ao invés de demandar diretamente contra o magistrado, ocasião em que a responsabilidade seria subjetiva. Cumpre ao Estado exercer seu direito de regresso contra o magistrado ou órgão colegiado, apenas e tão somente quando estes agirem com dolo ou fraude, caso contrário, deve assumir os erros de seus funcionários.
REFERÊNCIAS
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – v.4: responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil: teoria e prática. 2. ed. Editora Forense, 1990.
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Poderes éticos do juiz: a igualdade das partes e a repressão ao abuso no processo. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fabris, 1987.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – v. 7: responsabilidade civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed., 2. tir., Malheiros Editores, 1996, p.75.
Estagiária no escritório Penariol Advocacia e Consultoria Juridica. Estudante do Curso de Direito na Universidade Camilo Castelo Branco - Unicastelo Campus Fernandópolis/SP
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