RESUMO: O vertente artigo objetiva tecer considerações sobre um tema assaz relevante à processualística civil, porém pouco explorado, que é a interpretação da decisão judicial. A temática assume agora especial relevância diante do novel parágrafo terceiro do art. 489 do Novo Código de Processo Civil, que prevê expressamente a necessidade de se interpretar a decisão judicial a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. Não se pretende aqui fazer uma releitura da hermenêutica jurídica orientada à intepretação e aplicação da decisão judicial, mas, sim, pôr em relevo o tema em si próprio, o qual certamente será aprofundado pela doutrina e jurisprudência nacional. Ao longo da presente exposição procurar-se-á deixar claro que o significado da decisão judicial – enquanto norma jurídica individualizada – é (re)construído a partir de seu texto, levando-se em conta as discussões travadas no decorrer da relação jurídica processual, das quais emanaram aquela resposta do órgão jurisdicional certificando ou não a existência da relação jurídica afirmada. Igualmente, será enaltecido o fato de que a decisão judicial há de ser necessariamente interpretada; quer para definir-se qual é a regra jurídica que regulará o caso, quer para dela extrair-se a norma jurídica que funcionará como precedente. Destarte, será trazida à colação neste trabalho a doutrina moderna que já se antecipou em comentar o tema, bem como alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que, ao menos indiretamente, já fizeram uso da interpretação da decisão judicial tendo como base as premissas abordadas nesta exposição. Em síntese, pretender-se-á sumarizar e examinar as aludidas premissas metodológicas até o momento fornecidas pela literatura jurídica em relação ao tema, as quais servirão, de certo modo, para um esboço do que se pode chamar de teoria da interpretação da decisão judicial.
PALAVRAS-CHAVE: Interpretação da Decisão Judicial. Premissas.
1 INTRODUÇÃO. COSIDERAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE INTERPRETATIVA:
Inequivocamente a decisão judicial é um exemplo de enunciado normativo e, como tal, é passível de interpretação. De sua interpretação podem ser extraídas normas jurídicas.
Não se pode confundir, entretanto, o enunciado normativo (texto) com o resultado da sua intepretação (norma). Nesse sentido, é clássica a lição de Riccardo Guastini segundo a qual a norma é o resultado da interpretação; o texto, o seu objeto. Entende o autor como interpretação jurídica "a atribuição de sentido (ou significado) a um texto normativo" (2005, p. 23-24.). Em abono desse entendimento, Humberto Ávila assevera que "normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos" (2012, p. 33).
Daí se dizer, ainda com apoio em Humberto Ávila (2012, p. 36), que interpretar é construir algo a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguajem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assim dizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual.
Em razão disso, a decisão judicial há de ser necessariamente interpretada; quer para definir-se qual é a regra jurídica que regulará o caso, quer para dela extrair-se a norma jurídica que funcionará como precedente. É por intermédio dessa atividade interpretativa que se enaltece o duplo discurso ao qual o processo civil é chamado a desempenhar no Estado Constitucional, assim explicado por Daniel Mitidiero (2013.p. 23 e ss.): um discurso para o caso concreto (tradicionalmente chamado de fundamentação da sentença), direcionado às partes, e um discurso para a ordem jurídica (tradicionalmente chamado de precedente), direcionado à administração da Justiça Civil e à sociedade como um todo.
Como se pode inferir, a intepretação da decisão é tema relevantíssimo. Além do mais, como bem pontua Fredie Didier Jr.(2015, p. 389), “a definição dos limites da coisa julgada dependerá, necessariamente, da interpretação da decisão. Não é por acaso que se costuma, em execução de sentença, alegar ofensa à coisa julgada, baseando-se exatamente em questões relacionadas à interpretação da sentença”.
De fato, a decisão judicial é o resultado da interpretação do texto. É significado, pois. A norma jurídica individualizada está contida na decisão judicial e não no seu texto. Ela é reconstrução que tem como ponto de partida os seus núcleos de sentidos aos quais se refere Humberto Ávila (2012, p.36): “traços de significados mínimos incorporados ao uso ordinário ou técnico da linguagem”, a sua literalidade. O seu sentido literal não é seu critério único, mas é ponto de partida e limite a ser verificado.
A reconstrução da norma jurídica individualizada, a partir do texto da decisão, não pode ultrapassar os seus próprios lindes, isto é, os seus sentidos literais possíveis. Não se trata, aqui, de integração da norma jurídica individualizada, que, quando possível, deve ser feita mediante liquidação. A atividade interpretativa da decisão não se confunde com a atividade integrativa, pois. Não ser permite, na atividade executiva, ir além do limite da interpretação, porquanto se estaria indo além do título executivo, da coisa julgada.
Em atenção à importância que é devida ao tema da interpretação da decisão judicial, o legislador ordinário fez incluir no artigo 489 do Novo Código de Processo Civil o parágrafo terceiro assim dispõe: “A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.
As considerações acerca desse novel e alvissareiro dispositivo serão feitas no próximo tópico.
2 ANÁLISE DO PARÁGRAFO TERCEIRO DO ART. 489 DO NCPC. ALGUMAS PREMISSAS PARA A INTEPRETAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL.
Com a positivação do art. 489, §3º do NCPC, pela primeira vez há um dispositivo que cuida da interpretação da decisão judicial. E como dito em linhas transatas, uma decisão judicial é um texto normativo produzido por um julgador e com tal deve ser interpretado, sobretudo para construção de precedentes. Os elementos da sentença – relatório, fundamentação e dispositivos – interagem para se chegar à correta interpretação da decisão judicial, a qual deve estar em conformidade com a boa-fé, que é um parâmetro de interpretação da decisão.
Assim, faz-se necessário – tendo como ponto de partida a doutrina de Fredie Didier Jr. (2015, p.391 e ss.) – estabelecer algumas premissas ancilares à formação de uma teoria geral da intepretação da decisão judicial e à correta aplicação do dispositivo em apreço:
Primeiro. Dispositivo e fundamentação devem ser interpretados conjuntamente. A compreensão do dispositivo carece do exame da fundamentação, que também somente será devidamente interpretada a partir do que foi enunciado no dispositivo. A decisão há de ser interpretada, enfim, como um todo. Trata-se, na lição de Didier Jr. (2015, p. 391), de aplicar a técnica da interpretação sistemática à compreensão da decisão judicial.
Com efeito, o §3º do art. 489 CPC corrobora essa exigência ao enunciar que “a decisão deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos...”.
Nessa medida, refere o art. 489 que são elementos essenciais da sentença (rectius: da decisão judicial): I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. Note-se que não são simples requisitos, como no direito anterior: são verdadeiros elementos sem os quais não se pode reconhecer a própria existência da sentença como ato decisório interpretativo e voltado à aplicação normativa. Sem um caso bem delineado, sem razões que suportem as decisões interpretativas e sem um comando normativo aplicável às partes não há que se falar em decisão judicial diante do direito brasileiro.
O relatório tem uma dupla finalidade, por assim dizer. Em primeiro lugar, o relatório colima permitir que o juiz demonstre para as partes e para a sociedade em geral que conhece o processo que vai julgar. No relatório, o juiz faz uma caracterização do processo, delineando o caso que será julgado em todos os seus aspectos fático-jurídicos e apontando o que nele se verificou de mais importante. Com o relatório, o juiz demonstra o que aconteceu no processo, o que o obriga a estudar a totalidade daquilo que está nos autos. Isso quer dizer que o relatório permite que se verifique se o magistrado conhece o “processo”. Em segundo lugar, o relatório visa a permitir que seja possível comparar o caso que foi julgado com outros que ainda o serão a fim de que casos iguais ou semelhantes recebam igualmente o mesmo tratamento (treat like cases alike), como observa a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni (2012, passim), constitui um princípio básico de qualquer administração não arbitrária da justiça.
Uma vez que o sistema de precedentes exige a comparação entre casos, em especial, sobre os fatos a partir dos quais os problemas jurídicos surgem e são resolvidos, o relatório serve para identificação do caso para aplicação de eventual precedente existente e para a elaboração de eventuais distinções que impeçam semelhante aplicação. Daí a razão pela qual o relatório deve ser o mais completo possível.
A fundamentação é a parte da decisão em que o juiz analisa as questões fático-jurídicas trazidas pelas partes ao processo, o que inclui obviamente a análise da prova produzida nos autos. Com a fundamentação, o juiz exprime as razões jurídicas que o levaram a decidir as questões processuais e as questões materiais da causa da maneira como decidiu. É na fundamentação que aparecem as razões que devem sustentar a convicção judicial sobre o caso. Tal a sua importância para o sistema do novo Código que o legislador resolveu disciplinar aquilo que entende por decisão carente de fundamentação (art. 489, §§ 1.º e 2.º).
O dispositivo é o local em que o juiz afirma se acolhe ou não o pedido do autor e, em caso de acolhimento, o que deve ser feito para que o direito material seja efetivamente realizado. Assim, por exemplo, o juiz pode, na parte dispositiva da sentença, ao acolher o pedido formulado, condenar o réu a pagar certa soma em dinheiro ou ordenar o réu a fazer ou a não fazer ou mesmo determinar a entrega de determinada coisa. Como a parte dispositiva é aquela que dá resposta ao pedido do autor, ela também é chamada de conclusão da sentença. O dispositivo é o comando que rege a vida das partes e exprime como essas devem se comportar diante do caso concreto.
Segundo. As postulações (e comportamentos) de ambas as partes são dados que sempre devem ser levados em consideração para a interpretação da decisão. Segundo Fredie Didier Jr. (2015, p. 391), “a definição precisa da norma jurídica extraída da sentença não prescinde do exame do que foi postulado pelas partes, limite que é do exercício da função jurisdicional, como define a regra da congruência objetiva”, preconizada nos artigos 141 e 492 (ambos do NCPC).
Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça já se utilizou dessas duas premissas acima explicitadas para interpretar uma decisão judicial. Veja-se:
“Havendo dúvidas na interpretação do dispositivo da sentença, deve-se preferir a que seja mais conforme à fundamentação e aos limites da lide, em conformidade com o pedido formulado no processo. Não há sentido em se interpretar que foi proferida sentença ultra ou extra petita, se é possível, sem desvirtuar seu conteúdo, interpretá-la em conformidade com os limites do pedido inicial". (STJ, REsp n.º 818.614/MA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, publicado no DJ de 20.11.2006).
Com relação ao comportamento das partes, Fredie Didier Jr. (2015, p. 391) aponta que:
[...] também passa a ser um dado relevante para a compreensão do que foi demandado e, por consequência, do que foi decidido. As manifestações da parte ao longo de todo o processo, assim como comportamentos adotados fora do processo, não podem ser ignorados na interpretação da decisão.
Imagine que a parte se tenha manifestado, durante o processo, sempre em uma direção, sobretudo em relação à interpretação do seu pedido. Esse comportamento torna-se um elemento imprescindível na interpretação da decisão.
Pense, ainda, na hipótese de a parte, ao formalizar negócios jurídicos extraprocessuais, ter adotado um sentido às postulações que fez em juízo. Por exemplo, em um negócio, a parte refere-se expressamente ao conteúdo de um processo judicial em curso. Esse comportamento passa a ser também relevantíssimo para a interpretação da sua postulação e, obviamente, da decisão a respeito dela.
Nesse ponto, é possível traçar um paralelo envolvendo a parte final do aludido §3º (“a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”) com a boa-fé objetiva e a vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium). De fato, não se pode hoje conceber uma interpretação da decisão judicial apartada da análise de tais institutos.
Como é cediço, o novo diploma processual consagrou um perfil participativo e cooperativo do processo; uma das consequências mais importantes disso é incluir a boa-fé no debate sobre os atos processuais. É por isso mesmo que se tornou predominante o entendimento de que, no direito processual da atualidade, são inaceitáveis chicanas e expedientes escuros e ilegais.
Nesta ordem de ideias, é lícito dizer, firme no escólio de Antonio do Passo Cabral (2014, p. 130) que com a consideração do processo como ambiente de colaboração passou-se a exigir comportamentos coerentes dos sujeitos do processo: a eles é vedado sinalizar uma conduta em determinado sentido e depois contradizer a expectativa criada com o comportamento anterior.
Assim, admite-se a possibilidade de utilização do venire contra factum prorpium no processo, sobretudo pela sua ligação com a proteção da confiança e a boa-fé. Deveras, a proibição de comportamento incompatível, que ainda hoje recebe a aquela dicção do brocardo romano que a consagrou, vem sendo compreendida como uma espécie de aplicação da boa-fé, ou ainda um de seus efeitos laterais.
De acordo com o entendimento de Anderson Schreiber (2007, p. 132 e ss.) os pressupostos de aplicação da proibição do venire contra factum proprium são: (i) a existência de dois atos sucessivos no tempo (o factum proprium e um segundo comportamento) praticados com identidade subjetiva do agente; (ii) a incompatibilidade da segunda conduta com o comportamento anterior; (iii) a verificação de uma legítima confiança na conservação da primeira conduta; e (iv) a quebra da confiança pela contradição comportamental.
Para Schreiber (2007, p. 155-156), o primeiro requisito é a adoção de dois comportamentos por um mesmo sujeito: o factum (primeiro comportamento), que é aquele que vai gerar a confiança; e a segunda conduta, questionada por ser incompatível com a anterior. Além disso, é obrigatório existir identidade subjetiva na prática de ambas as condutas, vale dizer, o agente que praticou o factum deve ser o mesmo a praticar o ato incompatível, e daí dizer-se que o segundo ato deve ser o proprium.
O segundo requisito diz respeito à existência de uma incoerência que torna os comportamentos incompatíveis entre si de maneira não autorizada pelo ordenamento.
O terceiro e o quarto requisitos para aplicação da proibição de comportamento contraditório, intrinsecamente imbricados, atuam no sentido de verificar que a contradição de conduta implique em violação às expectativas criadas para outros sujeitos, ferindo a confiança legítima de manutenção do comportamento anterior. Portanto, conclui Schreiber (2007, p. 142), o factum proprium deve ser capaz de infundir a previsibilidade de atitude do agente no futuro, e a contradição de conduta deve gerar a ruptura da legítima confiança. No processo, a confiança pode ser demonstrada, por exemplo, a partir de declarações, documentos, pareceres, alegações (orais ou escritas) etc.
Terceiro. Conforme pontifica Fredie Didier Jr. (2015, p. 392), aplicam-se à interpretação da decisão judicial as normas de interpretação dos atos jurídicos; ou seja, as normas que disciplinam a interpretação das declarações de vontade.
O art. 112 do Código Civil, por exemplo, enuncia que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem". Trata-se – no entender do precitado autor (idem, ibidem) – de dispositivo plenamente aplicável à interpretação da decisão judicial.
Conquanto a interpretação literal seja o ponto de partida, ela não é a única técnica possível de interpretação. A interpretação teleológica também é importante. E é disso que trata o art. 112 do Código Civil.
A seu turno, o art. 113 do Código Civil dispõe que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração". A aplicação do dispositivo à interpretação da decisão judicial é clara, até mesmo como reforço à incidência do princípio da boa-fé processual; e como visto acima, o próprio §3º do art. 489 do CPC determina que a interpretação da decisão judicial se dê em conformidade com o princípio da boa-fé.
Os signos (palavras, números e outros símbolos) utilizados pelo órgão julgador na decisão devem ser interpretados de acordo com a boa-fé e com os usos do lugar de sua celebração. Em virtude disso, Didier Jr. (2015, 393) considera que se uma determinada palavra vinha sendo utilizada no curso de todo o processo em uma dada acepção, a interpretação da decisão em que esta palavra aparece não pode, por exemplo, dar a ela um sentido diverso. Se, em outro exemplo também fornecido pelo mesmo autor (idem, ibidem), em determinada comunidade, uma expressão consagrou-se, pelo uso, em um sentido, não se pode, ao interpretá-la posteriormente, dar a ela um sentido incompatível com aquele que a ela sempre se atribuiu.
Ademais, assim como acontece com os atos jurídicos de um modo geral, a sentença deve ser interpretada de maneira tal que dela se possa extrair algum efeito jurídico. Efetivamente, os textos das decisões judicias devem, sempre que possível, ser interpretados com o intuito de que sejam preservadas a sua validade e eficácia. É o que ocorre, mutatis mutandis, com a preservação dos contratos como regra de interpretação. As decisões judiciais, portanto, devem ser interpretadas para que sejam mantidas e que tenham eficácia.
No mesmo sentido é a lição de Estevão Mallet (2008, v.74, p. 40): “entre duas interpretações possíveis de decisão, igualmente adequadas ao seu texto e em conformidade com os demais cânones hermenêuticos, prefere-se aquela de que decorra alguma eficácia, em detrimento de que a priva de eficácia”.
Foi exatamente nessa linha que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça encaminhou-se no julgamento do AgRg no AREsp n.º 94.186/PR, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, em 07.08.2012, acórdão publicado no Dje de 14.08.2012: "Não há que se falar em ofensa à coisa julgada quando o julgador, diante da imprecisão do comando sentencial, confere nova interpretação da sentença exequenda, de forma a viabilizar a condenação imposta"
Quarto. Os embargos de declaração podem funcionar como um instrumento para orientar a interpretação, já que eles se propõem a esclarecer os termos da decisão (art. 1.022, CPC). É o que entende Didier Jr. (2015, p. 393).
Quinto. A reclamação constitucional também pode servir como instrumento para que o prolator da decisão a interprete.
Didier Jr. (2015, p. 393-394) traz a hipótese de acórdão de o Supremo Tribunal Federal estar sendo executado por juízo de primeira instância; caberá reclamação àquela Corte se o juiz não estiver observando a decisão do tribunal superior; neste caso, o STF terá de interpretar a sua própria decisão, para determinar os rumos da execução.
Oura situação também pode ser aqui aventada com esteio na própria jurisprudência assentada pela Corte Constitucional.
Com efeito, no julgamento pelo Plenário do STF (Rcl 4374/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, 18/4/2013) entendeu-se ser possível que o STF, por meio de reclamação, faça a (re)interpretação de decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Ao julgar uma reclamação, o STF realiza um juízo de confronto e de adequação entre o objeto (ato impugnado) e o parâmetro (decisão do STF tida por violada). Isso pode fazer com que se conclua pela necessidade de redefinição do conteúdo e do alcance do parâmetro (decisão que havia sido proferida). Ao analisar uma reclamação, o STF faz uma espécie de “balançar de olhos” (expressão cunhada por Karl Engisch e trazida no voto do Min. Gilmar Mendes) entre o ato impugnado (objeto) e que havia sido decidido (parâmetro) e poderá chegar à conclusão diferente do que já tinha deliberado anteriormente.
É por meio da reclamação, portanto, que as decisões do STF permanecem abertas a esse constante processo hermenêutico de reinterpretação realizado pelo próprio Tribunal. A reclamação, dessa forma, constitui um instrumento para a realização de mutação constitucional e de inconstitucionalização de normas que muitas vezes podem levar à redefinição do conteúdo e do alcance, e até mesmo à superação, total ou parcial, de uma antiga decisão.
Sexto. Não é apenas o prolator da decisão que pode interpretá-la. De acordo com Didier Jr (2015, p. 394) o juízo da liquidação ou da execução - que nem sempre será o juízo da sentença - e o juízo que está diante do precedente judicial, por exemplo, também deverão interpretá-la.
Sétimo. Embora considerada medida excepcional, Didier Jr. (2015, p. 394) considera que não se pode excluir a possibilidade de uma ação declaratória autônoma de interpretação da decisão judicial (art.19, I, do NCPC). O objeto desta ação seria a interpretação do ato jurídico “decisão judicial", e não a “rediscussão dos fatos ou do direito nela examinados”, sob pena de ofensa à coisa julgada.
São essas, portanto, as premissas examinadas.
3 CONCLUSÃO.
Diante do expendido no decorrer do artigo em apreço, nota-se que o novel dispositivo (art. 489, §3º) é digno de aplausos quando evidencia ser imperiosa a intepretação das decisões judiciais em conjunto com todos os elementos que a compõem e de acordo com a boa-fé objetiva. Isso porque a intepretação feita dentro desses lineamentos permite tornar os comandos judicias mais íntegros e coerentes.
Nessa mesma medida, ao assim dispor, o comando legal torna as decisões judiciais mais legítimas e mais infensas a expedientes escusos de litigantes ímprobos. É que por meio de uma interpretação que leve em conta também o padrão comportamental dos sujeitos processuais, será assegurado uma decisão consentânea àquele que agiu escudado na boa-fé objetiva e se reprimirá aquele que a ela foi de encontro.
É só imaginar o caso da parte que interpretou a sentença de uma determinada forma e já se portava nessa diretriz. Essa parte não poderá tomar uma atitude contraditória ao seu anterior comportamento, sob pena de afronta à boa-fé objetiva e à proibição do comportamento contraditório.
É certo que ainda não se tem uma verdadeira teoria geral da interpretação das decisões judiciais, mas o preceptivo legal em exame abriu o caminho para a sua construção, assim como o pretende fazer as premissas já estabelecidas pela doutrina que já se atinou para a relevância do tema. Não se duvida que a doutrina especializada juntamente com os tribunais do país, mormente o Superior Tribunal de Justiça (a quem cabe dar à derradeira intepretação da legislação federal), contribuirão para a evolução e sedimentação da matéria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______. (STF). Rcl 4374/PE, Relator: Gilmar Mendes. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso: 15 mar. 2016.
______. (STJ). REsp n.º 818.614/MA, Relatora: Nancy Andrighi. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso: 20 jan. 2016.
______. (STJ). AgRg no AREsp n.º 94.186/PR, Relatora: Maria Isabel Gallotti. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso: 20 jan. 2016.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
CABRAL, Antonio do Passo. Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas: Entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2014.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. vol. 2. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Edson Bini (trad.). São Paulo: Quartier Latin, 2005.
MALLET, Estêvão. Breves notas sobre a interpretação das decisões judiciais. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Porto Alegre, 2008, v.74.
MARINONI. Luiz Guilherme. (org.). A força dos precedentes – Estudos dos cursos de mestrado e doutorado em direito processual civil da UFPR. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012.
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas – Do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: RT, 2013.
SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
Procurador do Município de Osasco/SP. Advogado Tributarista. Consultor Jurídico. Escritor. Ex-Membro Julgador do Conselho de Contribuintes Osasquense. Ex-Juiz Leigo da Primeira Turma Recursal do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RUBEM ALCâNTARA JúNIOR, . Breves considerações sobre o §3º do artigo 489 do NCPC: um bosquejo acerca da interpretação da decisão judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46794/breves-consideracoes-sobre-o-3o-do-artigo-489-do-ncpc-um-bosquejo-acerca-da-interpretacao-da-decisao-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.