RESUMO: o contrato social versus a dignidade da pessoa humana. Intentou-se compreender em quais momentos tal cautelar afronta os princípios constitucionais resguardados pela Carta política de 1988. A presente dissertação tem por objetivo discutir a custódia de presos em delegacias de polícia, prática bastante, corriqueira, ainda que avessa às leis e aos tratados internacionais afetos ao tema ratificados pelo Brasil.
Palavras-chave: Direito a vida, Princípios Constitucionais, Estado de necessidade.
INTRODUÇÃO:
O Caso dos Exploradores de Cavernas é uma história que inicia em maio de 4299, a historia conta que cinco membros de uma sociedade amadorística de exploradores resolvem explorar uma caverna no Condado de Stowfield. Quando eles se encontravam distantes da entrada, acontece um grande desmoronamento, bloqueando a única saída da caverna. Não retornado para suas casas, seus familiares sente a falta deles, e avisam a sociedade, e em seguida uma equipe de socorro é encaminhada para o local. Embora a equipe trabalhasse constantemente novos deslizamentos provocaram a morte de dez operários, dificultando o salvamento. Durante este período os prisioneiros esgotaram as escassas provisões alimentares de que tinham. A equipe de resgate ao descobrir que os exploradores levavam consigo um rádio de comunicação, estabeleceu-se o primeiro contato entre eles, logo eles questionaram sobre o tempo necessário para o resgatem, e foram informados que a desobstrução demoraria pelo menos dez dias, os exploradores descreveram a quantidade de alimentos de que dispunham; perguntaram ao médico da equipe se seria possível sobreviverem com aqueles mantimentos durante os dez dias faltantes. Informados que dificilmente sobreviveriam com o que possuíam de alimentos, um dos encavernados, Whetmore, em nome do grupo, perguntou se poderiam resistir se comessem carne humana. Muito a contragosto, o médico da equipe respondeu afirmativamente que seria possível. Quanto a um pronunciamento moral sobre a questão não houve quem se dispusesse a assumir o papel de conselheiro, pois o plano seria sacrificar um dos encavernados, ou seja, aquele que perdesse no jogo de dados, seria morto. Whetmore carregava consigo sempre um par de dados e esta ideia partiu dele, a partir desse diálogo interrompeu-se a comunicação via rádio. No trigésimo segundo dia conseguiu á equipe libertar os exploradores, mas Whetmore tinha já sido morto e servido como alimento a seus companheiros. A morte aconteceu no vigésimo terceiro dia do cativeiro, três dias após cessarem as comunicações de rádio. Segundo o relato dos quatro sobreviventes, dentro da caverna, por sugestão de Whetmore, todos concordaram em sortear uma vítima através de um lance de dados; porém, antes de realizarem o sorteio, Whetmore declarou querer esperar mais uma semana, então ele foi acusado de violar o pacto do grupo, recusando-se a lançar os dados, fizeram seus companheiros em seu lugar, para seu infortúnio, o jogo de azar caiu sobre o próprio Whetmore, no qual foi morto e serviu-se de alimento para os encavernados.
ARGUMENTOS APRESENTADOS NO CASO
ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À CONDENAÇÃO
Keen, J.Tatting, J.
“...Se esses homens na verdade se encontravam sob a lei natural, de onde vem nossa autoridade para estabelecer e aplicar aquela lei? Certamente nós não estamos em um estado de natureza...” (pg13)
“Mas, examinemos o conteúdo deste código de leis naturais que meu colega propõe que adotemos e o apliquemos a este caso. Que código desordenado e odioso é este! É um código em que as normas reguladoras dos contratos assumem maior importância do que aquela referente ao homicídio. É um código segundo o qual um homem pode estabelecer um contrato válido, conferindo poderes a seus semelhantes de comer seu próprio corpo. Além disso, segundo os seus dispositivos, uma vez feito, tal contrato é irrevogável, e, se uma das partes tenta rescindi-lo, as outras podem tomar a lei em suas próprias mãos e executá-lo pela força - pois embora meu colega não refira, por conveniência, o efeito da rescisão unilateral do contrato feita por Whetmore, esta é uma inferência necessária de sua argumentação.” (pg13)
Keen, J.
Na verdade, irei mais longe e direi que os princípios por mim expostos são os melhores para as nossas condições atuais; e, mais, que nós teríamos herdado um melhor sistema jurídico dos nossos antepassados se estes princípios tivessem sido observados desde o início. Por exemplo, com respeito à excludente da legítima defesa, se nossos tribunais tivessem permanecido firmes na letra da lei, o resultado teria sido, sem dúvida alguma, a sua revisão legislativa. Tal revisão teria suscitado a colaboração de cientistas e psicólogos, e a regulamentação da matéria, daí resultante, teria tido um fundamento compreensível e racional, ao invés da miscelânea de verbalismos e distinções metafísicas que emergiram de seu tratamento judicial e acadêmico.
Essas conclusões finais estão, por certo, além dos deveres que devo cumprir relativamente a este caso, mas as enuncio porque sinto de modo profundo que meus colegas estão muito pouco conscientes dos perigos implícitos nas concepções sobre a magistratura defendidas pelo meu colega Foster.
Minha conclusão é de que se deve confirmar a sentença condenatória. (pg20)
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À CONDENAÇÃO
Foster, J.
Há os que protestam em altas vozes, dizendo tratar-se de usurpação judicial, sempre que um tribunal, depois de analisar o propósito de uma lei, dá às suas palavras um significado não imediatamente perceptível pelo leitor apressado, desatento aos objetivos que ele busca atingir. Seja-me permitido dizer enfaticamente que eu aceito sem reserva a proposição segundo a qual esta Corte deve obediência às leis do país e que ela exerce seus poderes em subordinação à vontade devidamente expressa pela Câmara de Representantes. A linha de raciocínio de que me utilizei acima não põe a questão de fidelidade às disposições legais, embora possa talvez colocar a questão da distinção entre fidelidade inteligente e fidelidade não inteligente. Ninguém deseja um empregado incapaz de ler nas entrelinhas. A mais estúpida doméstica sabe que quando lhe é ordenado "descascar a sopa e tirar a escuma dos tomates", sua patroa não quer significar o que está dizendo. Ela também sabe que quando seu patrão lhe diz para "soltar tudo e vir correndo”, ele não tem em mente a possibilidade de que, neste momento, ela esteja salvando uma criança prestes a afogar-se. Certamente nós temos o direito de esperar a mesma pequena porção de inteligência de parte do Poder Judiciário. A correção de óbvios erros ou equívocos legislativos não importa em suplantar a vontade do poder legislativo, mas em faze-la mais efetiva. Nestas condições concluo que, sob qualquer aspecto que este caso possa ser considerado, os réus são inocentes do crime de homicídio contra Roger Whetmore e que a sentença de condenação deve ser reformada”. (pag12,13)
Keen, J.
Concluo, portanto, que no momento em que Roger Whetmore foi morto pelos réus, eles se encontravam não em um "estado de sociedade civil" mas em um "estado natural", como se diria na singular linguagem dos autores do século XIX. A consequência disto é que a lei que lhes é aplicável não é a nossa, tal como foi sancionada e estabelecida, mas aquela apropriada a sua condição. Não hesito em dizer que segundo este princípio eles não são culpados de qualquer crime. (pg10)
FUNDAMENTOS DA SUA DECISÃO
Violaram o artigo 5 da CF que trata da inviolabilidade do direito à vida, no mesmo artigo 5°, Afirma que : ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; ( Art: 5º Captu II). e no Captu III afirma que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante., À Constituição afirma que o indivíduo tem direito à vida, não podendo ser interrompida por outro ser humano, sob nenhuma hipótese, e que a vida é um direito fundamental a todos, sua interrupção só pode ser pela morte espontânea e inevitável. É pelo reconhecimento deste direito fundamental à vida que a legislação penal qualifica e pune os atos à existência e à integridade física das pessoas. Assim, tirar a vida de um ser humano, mesmo sendo para salvar a vida de outro é uma conduta inaceitável e um crime de homicídio, descrito no Art. 121 do código penal, que prevê pena de reclusão de seis a vinte anos de reclusão para o autor ou os autores desse tipo de delito. A lei pode ser dura, mais é a lei, e tem que ser obedecida ou então deixa de ter o seu devido exemplo e poder de punição contra os crimes.
REFUTAÇÃO DE ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AOS SEUS
Foster, J.
Concluo, portanto, que no momento em que Roger Whetmore foi morto pelos réus, eles se encontravam não em um "estado de sociedade civil" mas em um "estado natural", como se diria na singular linguagem dos autores do século XIX. A consequência disto é que a lei que lhes é aplicável não é a nossa, tal como foi sancionada e estabelecida, mas aquela apropriada a sua condição. Não hesito em dizer que segundo este princípio eles não são culpados de qualquer crime. (pg10)
Discordo do argumento de estado de natureza, mesmo debaixo de uma mina, as leis devem ser respeitadas, além do mais todos eles eram pessoas esclarecidas e conhecedores da punição que a lei prevê, em caso de homicídio, portanto eles estavam cientes dos seus atos desumano praticado, e esse ato não caracteriza estado de natureza, por viverem em estado de sociedade civil mesmo no momento em que se encontrava.
“O que estes homens fizeram realizou-se em cumprimento de um contrato aceito por todos e proposto em primeiro lugar pela própria vítima. Desde o momento em que se evidenciou que a situação extraordinariamente difícil em que se achavam tornava inaplicável os princípios_ usuais à regulação das relações entre os homens, tornou-se necessário para eleselaborar, por assim dizer, uma nova constituição apropriada a sua peculiar situação”. (pg10)
O contrato celebrado entre os encavernados, mesmo que fosse aceitado por Whetmore, não é válido perante a lei, porque viola o direto a vida, é o bem maior. Que tipo de contrato pode ser considerado válido quando se tem em jogo a vida de um ser humano ?
“A primeira, é certo, é suscetível de oposição enquanto não for considerada de modo imparcial. Afirmo que o nosso direito positivo, incluindo todas as suas disposições legisladas e todos seus precedentes, é inaplicável a este caso e que este se encontra regido pelo que os antigos escritores da Europa e da América chamavam "a lei da natureza" (direito natural). Funda-se este entendimento na proposição de que o nosso direito positivo pressupõe a possibilidade da coexistência dos homens em sociedade. Surgindo uma situação que torne a coexistência impossível, a partir de então a condição que se encontra subjacente a todos os nossos precedentes e disposições legisladas cessou de existir. Desaparecendo esta condição, minha opinião é de que a coercibilidade do nosso direito positivo desaparece com ela” (pg9).
O estado de necessidade não justifica, sacrificar uma vida humano para proveito de outra; pois todos são iguais perante a lei, portanto, ninguém tem direito mais que outro para tirar a vida em sacrifício de outra, configurar estado de natureza, matar alguém sem chance de defesa e ainda para comer a sua própria carne é contrariar todas as leis, inclusive a lei da natureza que é prol da vida.
POSIÇÃO JUSNATURALISTA OU JUSPOSITIVISTA
Minha posição esta mais voltada ao juspositivismo, por inserir meus argumentos voltado ao que está escrito na lei, e por acreditar que a lei escrita ainda que contenha exageros deva ser o caminho a ser seguido, ao contrario do jusnaturalismo que defende e preza o direto natural como o direto a ser seguido, essa teoria que procura fundamentar a partir da razão prática a fim de distinguir o que não é razoável na prática do que é razoável, não pondo a lei escrita como princípio fundamental a ser seguido.
CONCLUSÃO CRÍTICA (fazer uma conclusão crítica sobre o caso)
A história dos Exploradores de Caverna é uma das histórias mais intrigante e impressionante quando se trata de tomar uma posição sobre o caso dos exploradores; no primeiro momento o leitor não sabe qual posição tomar, ou toma uma determinada decisão e depois muda o ponto de vista, as vezes prefere ficar neutro como o juiz Tatting, J. “Recuso-me a participar da decisão deste caso.” (pg16). Assim que me sentir durante a cada leitura ou a cada explicação em sala de aula sobre o Direito Natural x Direito Positivo, creio ser esta intenção do autor, deixar o leitor “confuso” e pensativo sobre a interpretação do direito, ou melhor assim dizendo, trabalhar a mente de quem estuda Direito para mostrar a complexidade de um determinado julgamento, e as várias maneiras de interpretar um mesmo ato jurídico. O caso tem as duas faces de uma mesma moeda, ao mesmo tempo em que pensamos em condenar os réus, também pensamos em absorver, tanto pelo sentido da interpretação dos Direitos como pelo lado que comove, nos comovemos como os réus e às vezes ficamos também comovidos com o Srº Roger Whetmore que se tornou vítima da sua própria ideia de sacrificar um entre eles para comer a carne humana para a sobrevivência, é uma leitura imprescindível ao estudante de Direito, por mostrar que não existe apenas uma razão em uma interpretação de uma determinada lei, pois depois de uma leitura como esta, faz-nos analisar de forma diferente quando formos precisar analisar um determinado caso, pensarmos a olhar de vários ângulos diferentes determinadas leis, e o direito é isto que o livro mostra, é a chance de ambas a partes apresentarem suas acusações e suas defesas, se não for dessa forma deixa de apresentar o seu verdadeiro papel dentro de uma sociedade organizada. O Direto é assim, suas leis: Nasce, Envelhece, Renasce, Caduca, e se interpreta de várias maneiras por uma mesma sociedade ou por outras, porque junto ao direito existe uma população que inevitavelmente pensa diferentemente uns dos outros, e tem pontos de vistas diferentes, como o próprio autor do livro descreve de forma envolvente esse caso, deixando essa decisão e/ou uma reflexão para o próprio leitor.
Referência: O caso dos exploradores de caverna. Autor: Fuller, Lon L.
Acadêmico em Direito pela Faculdade AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Edson Evangelista dos. Estado de necessidade: o contrato social desvelado no caso dos exploradores de caverna Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46863/estado-de-necessidade-o-contrato-social-desvelado-no-caso-dos-exploradores-de-caverna. Acesso em: 23 dez 2024.
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