Professor orientador:
ANDRÉ DE PAULA VIANA
RESUMO: O presente trabalho busca, sobretudo, analisar os diferentes posicionamentos existentes sobre conceito, origens e natureza jurídica deste instituto, bem como sua evolução com o passar dos anos e os avanços a que ainda pode se ter. Para tanto, serão citados alguns posicionamentos doutrinários acerca da questão sem, contudo, deixar de mencionar a previsão legal do referido instituto.
Faz- se de grande importância analisar os conceitos do perdão judicial, para que se possa compreender sua amplitude, ressaltar sua importância e possibilitar assim que seja concedido aqueles que o tenham como direito, garantindo a real aplicação da justiça. Por vezes ouve- se falar em “impunidade” quando ocorre a aplicação deste instituto em alguns casos, visto que aqueles que não possuem conhecimento jurídico não compreendem o que é o instituto e o porquê de sua aplicação nestes casos. A analise de forma simples e clara visa justamente possibilitar o acesso à informação e a compreensão, sejam os interessados leigos ou não.
Palavras chave: Perdão judicial. Doutrina. Instituto. Graça. Conceito. Natureza juridica.
ABSTRACT: This study aims mainly to analyze the different existing positions on concept, origins and legal nature of this institute as well as its evolution over the years and the progress that can still have. To this end, some doctrinal positions on the matter will be referred without, however, fail to mention the legal provisions of the said institute. it is of great importance to analyze the concepts of judicial forgiveness, so that we can understand its scope, to emphasize their importance and to allow so be granted those who have such rights, ensuring the effective implementation of justice. Sometimes you will hear talk about "impunity" when the application of this institute is in some cases, whereas those who do not have legal knowledge do not understand what is the institute and why its application in these cases. The analysis simply and clearly aimed precisely provide access to information and understanding, are interested laymen or not.
Keywnords: judicial forgiveness. Doctrine. Institute. Grace. Concept. Juridical nature.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Do conceito e da nomenclatura. 2. Da natureza jurídica do perdão judicial. 3. Origem histórica do instituto. 4. Introdução do perdão judicial no direito brasileiro. 5. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O perdão judicial é um instituto jurídico que carece de sistematização em nosso conjunto legislativo. Não é difícil identificar divergências doutrinarias e jurisprudenciais fundadas acerca dele em nosso ordenamento.
É uma hipótese de extinção da punibilidade e esta prevista no Art. 107, IX e 120 do Código Penal.
O instituto foi introduzido em 1940, mas tratado com pouca importância ate 1977, justificado pela falta de previsão na legislação anterior. Arnaldo Sampaio, em 1955 escrevia que:
(...) muito poucas vezes a controvérsia, aqui, tem chegado aos tribunais. Justifica- se este fato porque, raramente, entre nós, ocorre ao juiz, valer- se da faculdade que lhe confere a lei, preferindo utilizar- se da suspensão condicional da pena para beneficiar o réu, quase sempre, na suposição de que, por esse ultimo caminho, atinge o mesmo desiderato (...). Haverá, por certo, uma razão para que o juiz se abstenha de lançar mão do instituto, quando se lhe apresente a hipótese. Dele não cuidava a legislação anterior. E a inovação, introduzida na lei atual (...) não parece encorajar o magistrado que, de ordinário, passa a encara- la como faculdade mais ou menos supérflua, já que a suspensão condicional da pena parece, à primeira vista, supri- la inteiramente, na sua finalidade, assim mal interpretada. (Apud ALMEIDA AGUIAR, 2004, p. 1)
Com a reforma do Código Penal em 1984, o perdão judicial passa a tratar das hipóteses de homicídio culposo e lesão corporal culposa, e não mais apenas dos casos de crimes de pequeno potencial ofensivo, como era ate então, reacendendo assim as discuções sobre o assunto.
Pode- se definir três importantes momentos na escala evolutiva do instituto em nosso ordenamento, sendo o primeiro a Lei n. 6.416/77, que introduziu os crimes de lesão corporal culposa e homicídio culposo como hipóteses de aplicação do perdão judicial. Em seguida destacou- se a reforma do Código Penal de 1984, com a Lei n. 7.209/84, pela primeira vez tratando do perdão judicial, e trazendo- o na parte geral do Código Penal. Foi tambem a referida lei que concedeu a nomenclatura ao instituto.
O terceiro marco veio com a Lei n. 9.807/99, que tornou abrangente o instituto, considerando que a partir desse momento, o perdão judicial passou a ser aplicável a qualquer crime existente em nosso sistema, na hipótese de colaboração premiada.
A lei permanece lacunosa a cerca do tema, tornando- o fruto da interpretação do texto legal, fazendo assim durar as divergências doutrinarias e jurisprudenciais, possibilitando ricas discuções, mas que infelizmente pouco contribuem para a evolução do instituto.
O fato é que o instituto tem evoluído e ganhado importância, e ainda tem muito a evoluir, como pretende- se mostrar no presente trabalho.
1. DO CONCEITO E DA NOMENCLATURA
Não há um conceito de perdão judicial definido pela legislação brasileira, sendo assim coube à doutrina apresentar entendimentos sobre o tema. No entanto, restam varias opiniões diversas sobre a natureza jurídica, seus efeitos, e também sobre a sentença que concede o perdão judicial.
Dentre os doutrinadores brasileiros, o que apresenta o melhor conceito para o perdão judicial talvez seja Romeiro (1978, p. 153, 154), segundo ele, o perdão judicial:
Pode ser definido como o instituto jurídico pelo qual o juiz, reconhecendo a existência de todos os elementos para condenar o acusado, não o faz, declarando- o não passível de pena, atendendo a que, agindo por essa forma, evita um mal injusto, por desnecessário, e o acusado não tornara a delinquir.
Por esse conceito, fica claro que há um crime formal, no entanto o magistrado se isenta de aplicar a pena, declarando o acusado não passível desta, visando evitar um mal injusto, pela certeza de que o acusado não voltara a repetir o delito.
Outro conceito importante é o trazido por Frederico Marques (1954, p. 270). Segundo ele, o perdão judicial é “a providencia de caráter jurisdicional com que o juiz deixa de aplicar ao autor de uma infração penal, nas hipóteses taxativamente previstas em lei, o preceito sancionador cabível”.
Na mesma linha de raciocínio, Damásio (1977, p. 677) leciona que: “perdão judicial é o instituto pelo qual o juiz, não obstante comprovada a prática da infração penal pelo sujeito culpado, deixa de aplicar a pena em face de justificadas circunstancias”.
É certo que praticamente todos os doutrinadores penalistas apresentaram seu ponto de vista sobre o instituto, cada qual sendo uma importante contribuição. Apresentam-se aqui alguns dos conceitos que se destacam por serem mais completos e explicativos. Entretanto, cabe ressaltar que nenhum deles se satisfaz por completo.
Com tudo isso, pode- se entender que o perdão judicial é o instituto do direito penal que visa evitar um mal injusto, através da individualização e estudo do caso concreto, vinculado a determinadas circunstancias, onde o magistrado se abstém de aplicar a sanção cabível ao autor de conduta típica, ilícita e culpável, por ter por certo que este não tornara a cometer o mesmo ato, extinguindo assim a punibilidade da conduta.
Muito se discute tambem, acerca da nomenclatura adotada para o instituto. Muitos doutrinadores, como Gessinger (1984, p. 35,36) não acatam a nomenclatura legal, entendendo que o instituto não é um ato de perdão concedido pelo juiz.
(...) há de se ver que o nome ‘perdão judicial’ é absolutamente inadequado. Veja- se o que ocorre com muita frequência: a tomada do mundo da pseudoconcreticidade –o mundo fenomênico- pelo mundo da essencialidade. O fenômeno indica a essência, mas, ao mesmo tempo, a esconde. Esta- a essência- não se da, imediatamente, ao ser cognoscente. Às vezes apresenta- se mascarada, enganosa, no fenômeno. Daí o erro de se tomar o fenômeno pela essência. (...) o nome ‘perdão judicial’, assim, poderá fazer com que se escorregue em raciocínios não rigorosamente verdadeiros ou lógicos. Tudo porque, para esses raciocínios, não se parte do instituto, em si, mas do seu nome. Ora, é fácil de ver que, se o nome apresenta problemas, o edifício construído sobre ele tendera a ruir, fragorosamente, mais cedo ou mais tarde.
(...) é a lei que prevê o seguinte: se existir o delito, mas o juiz constatar que a aplicação da pena não é necessária seja porque a pronuncia de culpa já é o suficiente, seja porque já houve a poena naturalis, estamos diante de um direito que o agente tem de não ser agredido pela desobediência ao principio do ne bis in iden. Foi o legislador, no seu momento político específico, quem previu a possibilidade. O trabalho do juiz, pois, é de investigação e de constatação dessas circunstancias possibilitadoras de não aplicação da pena. Ele- Juiz- simplesmente aplica a lei. Não há nada de perdão nisso. (...) Nada de se falar em ato de perdão, ato de perdoar. Há que se falar, simplesmente, em caso de dispensa da pena ou caso de não aplicação de pena, por respeito ao principio do ne bis in idem, enunciado pelo legislador.
Segundo a linha de raciocínio do autor, o instituto se fundamenta unicamente ao principio do ne bis in iden, o que não esta de acordo com a corrente majoritária, como demonstrar- se- á a seguir.
Outros autores, seguindo o mesmo raciocínio e inspirados pelo direito germânico adotaram a terminologia ‘dispensa de pena’ ou ‘isenção de pena’, como Wagner Pacheco e Rogério Tucci, entretanto, tal pensamento já resta ultrapassado.
Há diversos fatores que apontam para a melhor adequação da nomenclatura perdão judicial. Na Itália, por exemplo, o instituto é denominado há muito de perdono giudiziale; na França, incluía- se à Loi Du Pardon. No direito brasileiro, há outro instituto que se assemelha, chamado “perdão do ofendido”, cabível em ação penal privada e que extingue a punibilidade (Art. 105 e 106, CP). Tal adequação foi consagrada com a reforma da parte geral do nosso código penal, que instituiu ao instituto a nomenclatura perdão judicial.
2. DA NATUREZA JURÍDICA DO PERDÃO JUDICIAL
A natureza jurídica do perdão judicial é um tema bastante controvertido, como afirma Marcelo Barbosa (1991, p. 65), “autores dos mais renomados divergem a respeito e a divergência é tanto mais importante na medida em que ela reflete em segurança”.
No mesmo sentido, Arnaldo Sampaio (1955, p.1-2)
Não ficou bem clara, parece certo, a intenção do legislador, no que respeita à significação e ao alcance do perdão judicial, no Direito Positivo Brasileiro. Perfilhando a medida, tudo indica que ele se inspirou no Código italiano, fonte tradicional do nosso direito punitivo, mas ao faze- lo, mostrou- se temeroso, talvez, das consequências de sua aplicação com amplitude difícil de ser controlada, tratando- se de providencia da mais alta importância, justificada pela moderna política criminal. Talvez por isso, limitou-se a salpicar o Código, em algumas de suas paginas, desse vigoroso remédio, sem ousar um passo alem do insopitado desejo de inovar na superfície. E a consequência disso se traduz, clara e inapelavelmente, na circunstancia de vermos perdido, no corpo do nosso Direito Penal, instituto de tão grande relevância, sem que dele tenhamos podido auferir as grandes vantagens que pode oferecer no campo da moderna sociologia. (...) Mas isso não exime de critica o legislador brasileiro, pela maneira indecisa do seu comportamento, esquivando- se de dar ao instituto melhor consideração. Na verdade foi alem: absteve- se, mesmo, de uma definição que seria de todo desejável, quanto â disciplina a ser dada ao perdão judicial, no sistema do moderno direito penal brasileiro. Imperdoável é, sem sombra de duvida, o silencio da Exposição de motivos, a respeito de um instituo que, pela primeira vez, vinha figurar em nosso direito positivo. Incompreensível é, ainda, a omissão relativa à sua disciplina processual.
Tamanha a complexidade do tema, encontramos quatro diferentes correntes que sobre ele divergem: causa de exclusão do crime, escusa absolutória, indulgencia judicial e causa de extinção de punibilidade.
A primeira posição vê o instituto como causa de exclusão do crime e foi inspirada pelo direito italiano. Segundo seus defensores, a providência seria um meio de tornar nulo o caráter delituoso que reveste o fato típico.
Sobre a influencia fundada no Direito italiano adotada pela corrente, Arnaldo Sampaio (1955, p. 3) que explica:
Partindo do pressuposto de que foi o direito peninsular, a fonte em que o legislador brasileiro foi buscar o novo instituto, para lhe dar aplicação entre nós, há de prevalecer a tendência que se manifesta ali, na doutrina, através de seus interpretes, no sentido da maior amplitude na aplicação da medida.
Adotando essa corrente, Wagner Pacheco (Revista dos Tribunais, p.289-290) explica que, na Itália o juiz, depois de comprovada a existência do fato delituoso, ele o cancela com o instituto do perdão.
É a lição de Carnelutti (El delito, p.219), para quem essa atividade judicial representa uma atenuação do rígido dever do juiz de infligir a pena, desde que demonstrada a existência do crime (idem, p.26). O mestre peninsular, ademais, por entender que ‘o juízo penal é um mal para quem o sofre e que , por isso, ocasiona um sofrimento’, que, para certas pessoas, ‘é mais grave do que aquele que lhe possa ser causado em caso de condenação’ (El problema de La Pena, p. 52-53), afirma que com o perdão judicial não há uma total remissão da pena, posto que co o processo o réu já a sofreu pelo menos em parte (Idem, p.54). Também Bettiol (Direito Penal) vê o instituto como causa extintiva genérica do crime. No mesmo sentido, Giuseppe Lampis (Nuevo Digesto Italiano, Torino), afirmando que ‘o perdão judicial, mais que sobre o delito em si mesmo, exercita o seu efeito extintivo sobre o direito- dever do Estado, que a extinção desse direito- dever, em consequência da renuncia sobrevinda com o perdão judicial, leva a considerar o delito extinto, o Código italiano colocou ordenadamente o perdão entre as causas de extinção do delito’.
A segunda corrente trata do perdão judicial como causa de escusa absolutória. Segundo esse entendimento, o perdão judicial levaria a uma absolvição do acusado.
Adotaram essa corrente os penalistas de escol, Pacheco (Revista dos Tribunais, p.289-291) em defesa desta, instrui que
Envolvidos nesta corrente encontramos Luiz Jimenéz de Asúa (La Ley e El Delito, p.541 et seq.), Basileu Garcia (Comentários ao Código de Processo Penal), José Frederico Marques (Elementos de Direito Processual Penal) (...) e Euclides Custodio da Silveira (Direito Penal: crimes contra a pessoa, p.253). E é, também, a posição, frente ao Direito Alemão, de Hans Welzel, embora o jurista germânico agregue a facultatividade de sua concessão como atributo próprio do perdão (Das Deutsche Strafrecht, p. 422). Cremos poder incluir, entre os que veem o instituto como uma escusa absolutória, os insignes Aníbal Bruno (Direito Welzel Penal, p.165-166) e Alcides Munhoz Netto (A Ignorância da Antijuridicidade em Matéria Penal, p.128), posto que ambos aludem a uma isenção de pena decorrente do perdão, com evidente conotação de exclusão de punibilidade. E dando essa mesma conotação ao instituto podem encontrar- se pelo menos dois arestos de tribunal nacional, ambos originários do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (RT 404/276 e 520/398).
Esse pensamento teve origem na França, em 1918 com a Loi du Pardon, mas ainda entre eles, foi rejeitado.
O perdão não é meio de absolvição do acusado pelo julgador, visto que é reconhecida a existencia de fato tipico, ilicito e culpavel, bem como a certeza da autoria do fato, sendo por fim não aplicada a pena ao acusado. Compreende- se assim que são institutos diversos e não se confundem.
A corrente ve o perdão judicial como mera indulgencia judicial, “sem qualquer correlação com a sanção penal em si, otologica e teleologica considerada “ (PACHECO, p. 290)
Não é admitida, uma vez que não se pode admitir que o magistrado possa se colocar acima do Estado, exercendo por suas proprias razoes o perdão.
A quarta corrente é a mais plausivel e acatada em nosso ordenamento. Segundo ela, o perdão judicial tem natureza juridica de extinção da punibilidade.
Sobre ela, explica Pacheco (1980, p. 290- 291):
É na quarta posição que se concentra a força amplamente majoritaria da doutrina (...). Já Enrico Ferri (Principios de Derecho Criminal, p.313, 336 e 699) assim entendera o instituto e com essa natureza o previra no artigo 82 de seu projeto ( Idem, p. 757). Assim o viu hungria (Novas questoes Juridico- Penais, p.105), embora mais tarde o equiparasse à extinção posterior da sentença condenatoria (Comentarios ao Codigo Penal) (...). Revendo sua posição anterior, Fragoso (Revista Brasileira de Criminologia e direito Penal, p. 36) passou, tambem, a observar o instituto como causa extintiva da punibilidade. Da mesma forma Frederico Marques (Curso de Direito Penal), embora o ilustre Mestre, em algumas passagens, como já se disse, fale em escusa absolutoria. Alinham- se, ainda, na mesma corrente de pensamento Jorge Alberto Romeiro (Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal) e Paulo Jose da Costa Junior (A Nova Lei Penal, p. 81). Tambem nela se encontram Damasio Evangelista de Jesus ( O Novo Sistema Penal, p. 171) e Edgar Magalhaes Noronha (Curso de Direito Processual Penal, p. 295) (...)
Certamente, esta é a corrente que se poe ao lado da vera natureza juridica do perdao judicial, que nada mais é senao uma causa extintita da punibilidade, ocorrente no momento em que o juiz observa a existencia das circunstancias preordenadas pela lei e autorizadas da concessao.
Tourinho Filho (1995, p.474) é bastante citado como explicação ao que vem a ser extinção de punibilidade:
Com a pratica da infração penal, o direito de punir sai do plano abstrato para o concreto. O jus puniendi, antes em estado potencial, torna- se efetivo. Já agora surge para o Estado a possibilidade de poder pedir ao Juiz a aplicação da sanctio júris ao culpado.
Razoes varias, entretanto, fazem surgir uma renuncia, uma abdicação do direito de punir do Estado (...). Extingue- se a punibilidade, em face de certas contingências ou motivos de conveniência ou oportunidade. Tais contingências ou motivos de conveniência ou oportunidade fazem desaparecer os próprios fundamentos da punibilidade, tornando, assim, impossível a concretização Jô jus puniendi. E quais esses fundamentos? A necessidade e a utilidade da punição. Não falou o legislador em extinção do crime ou da pena, ma em extinção da punibilidade, correspondendo à exata significação dos efeitos jurídicos dela resultantes.
Fica entendido, dessa forma, que a extinção da punibilidade é a abdicação do direito subjetivo de punir que tem o Estado. É essa a natureza jurídica entendida como a mais palpável em nosso ordenamento.
3. ORIGEM HISTÓRICA DO INSTITUTO
Há uma parcela da doutrina que remonta as origens do perdão judicial ao instituto da graça, tendo como marco inicial a separação dos poderes com a Revolução Francesa. Os institutos hoje, muito distintos, ainda assim se correlacionam por inúmeras evidencias históricas.
A graça era a manifestação de um poder absoluto e incondicionado, onde toda a Justiça advinha do Soberano. Desta forma, cabia somente ao Rei, ou a alguém que este por ventura tenha indicado o poder de julgar. Todavia, tinha tambem o Soberano o poder de perdoar, denomina- se essa faculdade como “clemência real”, que acontecia de diversas formas, como a revisão, graça, anistia, reabilitação, etc.
Todavia, o perdão judicial é uma forma de perdoar mais estável que a graça, visto que no perdão há uma abstenção de inclusive incutir uma pena formal ao réu, enquanto que na graça, essa pena é imposta, na efetuando- se apenas a sua execução.
Dada à separação dos poderes, que teve inicio com a Revolução Francesa, entre o Estado e os cidadãos passou a atuar o Poder Judiciário, destacando-se uma das mais importantes incumbências desse poder, o de intermediar o conflito: direito de punir em face do direito à liberdade. As funções básicas do Estado (legislação, administração e jurisdição) passaram a ser exercidas por órgãos distintos. Daí dizer-se que o Poder Soberano do Estado se triparte em Poder Executivo (o que administra), Poder Legislativo (o que elabora as leis) e Poder Judiciário (aquele que julga os conflitos de interesses). Nessa tripartição dos Poderes coube ao Judiciário, como órgão da Soberania Nacional, a função específica de julgar, isto é, de aplicar a lei a uma situação concreta.
O fortalecimento do Poder Judiciário, pelo conseguinte desenvolvimento do novo modelo de separação de poderes, revela a autêntica origem do instituto: Perdão Judicial, ou seja, o poder de renunciar, em nome do estado, ao direito de punir. Porém há doutrinadores que resgatam a história e defendem a presença do perdão Judicial desde a antiguidade, sendo utilizado pelos hindus, egípcios, hebreus e persas.
Há outros que vislumbram a origem do instituto em Roma, referindo-se ao perdão em caso de incêndio culposo. Há ainda, os que defendem construir a origem do instituto no Livro V das Ordenações Filipinas, onde a sua concessão aparece vinculada à vontade dos parentes do falecido. Existem aqueles que buscam a origem no Direito Canônico, destacando-se a opinião de Ariovaldo Figueiredo: No mundo das letras jurídicas alienígenas o perdão judicial é tão velho como do direito canônico. Apesar de certos doutrinadores afirmarem que ele já existia, na sua primitividade, entre os povos hindus, egípcios, hebreus e persas, e, outros ainda, de que o perdão judicial é um instituto que não tem história, sempre existiu entre os povos, apesar de se ter a “Monitio Canoica” como sendo a mais segura forma constitutiva deste instituto, na antiguidade.
Alguns doutrinadores vislumbram a presença do perdão judicial, apenas nos tempos modernos, mas precisamente no Summary Jurisdiction Act, de 1879, na Inglaterra. Por ultimo há os que negam qualquer história, sob o argumento de ser o instituto um produto do progresso da psicologia, do cuidado que o Estado moderno põe na educação dos menores e daquela tendência de civilização pela qual o Estado se preocupa não só do castigo da delinquência senão ademais da prevenção dela.
Percebe-se que há divergências, para delimitar com precisão qual o exato momento em que o instituto foi pela primeira vez foi versado na História do Direito.
Contudo, desde o surgimento mais remoto da noção de Estado, o direito de punir e perdoar cabia ao soberano. Embasada nessa tese a corrente majoritária defende que somente com a divisão dos poderes é que tais incumbências foram se transportando para o Poder Judiciário e, por conseguinte surgiu o instituto do Perdão Judicial.
Sobre a tripartição dos poderes, Tourinho Filho (Processo Penal, p.215-216) leciona que
O Estado atinge as suas finalidades pelo exercício das sus funções básicas: legislativa, executiva e judiciária. Em sociedades incipientes todas essas funções ficam a cargo de uma só pessoa. Entre os índios, por exemplo, o cacique é o chefe. Ele dita as normas, julga e administra os interesses coletivos. Também isso se verifica nos Estados totalitários, à maneira do eu ocorreu com a Alemanha de Hitler. Com as reivindicações liberais, surgiu a separação dos poderes, exatamente para que melhor ficasse tutelado o direito de liberdade. As funções básicas do Estado (legislação, administração e jurisdição) passaram a ser exercidas por órgãos distintos. Daí dizer- se que o Poder Soberano do Estado se triparte em Poder Executivo (o que administra), Poder Legislativo (o que elabora as Leis) e Poder Judiciário (aquele que julga os conflitos de interesses). Nessa tripartição dos poderes coube ao Judiciário, como órgão da Soberania Nacional, a função especifica de julgar, insto é, de aplicar a lei a uma situação contenciosa concreta.
Com isso, completa- se que, se cabe ao Poder Judiciário a função de aplicar a lei quando se faz necessário, também incube a ele deixar de aplica- la quando se entender pertinente.
4. INTRODUÇÃO DO PERDÃO JUDICIAL NO DIREITO BRASILEIRO
O Perdão Judicial foi instituído no ordenamento jurídico nacional, no Código Penal de 1940, onde o instituto foi apresentado na sua Parte Especial. Teoricamente e doutrinariamente não havia nada que justificasse a presença do perdão judicial no Código, uma vez que nem sequer se mencionava a nomenclatura perdão Judicial.
A significância mínima em relação ao instituto foi até 1977, quando então começou a ganhar mais destaque devido a introdução de duas novas hipóteses de aplicação do instituto, nos casos de homicídio e lesão corporal culposos, com a Lei n. 6.416/77.
Para Wagner Pacheco (Revista dos tribunais, p. 286)
Admitindo, assim, a concessão do perdão em casos especiais de homicídio culposo e lesões corporais culposas, o novo sistema penal fez reacender-se a velha discussão sobre o assunto. Não só porque agora muito mais amiúde será dado aos tribunais tratar do tema, mas também, porque agora não mais se cuida de infrações de reduzido significado, como acontecia antes da reforma.
Márcia Nunes (1998, p.16) também apresenta opinião nesse sentido:
A Lei n. 6146/77 assumiu expressiva importância na conjuntura jurídica pátria, na medida em que abriu a perspectiva de concessão do perdão judicial, antes adstrito às infrações de menor significância penal, ao homicídio culposo e às lesões corporais culposas.
Na reforma da Parte Geral em 1984, o instituto, passou a ter uma concreta disciplina legal. As hipóteses legais previstas originalmente no Código de 1940, nos artigos 140, 176, 180, 240 e 249, foram ampliadas, acolhendo também o homicídio culposo e lesões corporais pela Lei n. 6.416 de 1977 e o parto suposto pela Lei n.6.898 de 1981.
Com as Leis n. 9.613/98, n.9.807/99, n.10.409/02 e a de n.11.343/06, ocorreram grandes evoluções no instituto. O Perdão Judicial passou a ser aplicável, em tese, a todo e qualquer crime do sistema repressor brasileiro, na hipótese de colaboração premiada.
Nestes diplomas a premiação pela colaboração do réu com as investigações policiais ou para com a instrução processual objetiva que o agente contribua voluntariamente e de maneira efetiva para a persecução penal, salvaguardando-se a integridade física da vítima e a recuperação do produto do crime, bem como o desmantelamento de organizações criminosas.
O instituto ate então citado apenas vagamente na Parte Especial do Código, passou a ser designado também na Parte Geral, em dois artigos:
Art. 107. Extingue- se a punibilidade:
(...) IX- pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
Art. 120. A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência.
Na Nova Parte Geral, a Exposição de Motivos dispõe sobre o Perdão Judicial:
Incluiu- se o perdão judicial entre as causas em exame (art.107, IX) e explicitou- se que a sentença que o concede não será considerada para configuração futura de reincidência (art.120). Afastam- se, com isso, as duvidas que ora tenha suscitado decisões contraditórias em nossos Tribunais. A opção se justifica a fim de que o perdão, cabível quando expressamente previsto na Parte Especial ou em lei, não continue, como por vezes se tem entendido, a produzir os efeitos da sentença condenatória.
Essa foi a primeira vez que o legislador cuidou de denominar o instituto, todavia está limitada à Parte Geral, pois na Parte Especial ainda vale- se da expressão “o juiz pode deixar de aplicar a pena” em detrimento da denominação recebida.
Tal qual, ainda hoje o Direito pátrio não cuidou de precisar sobre aspectos fundamentais do instituto como o regime jurídico e a disciplina legal.
5. CONCLUSÃO
A titulo de conclusão é possível compreender que nem tudo o que vem das tradicionais escolas jurídicas onde o instituto encontra maior respaldo nos serve de base para evoluí-lo em nossa sociedade.
Foi demonstrada sua importância, bem como as lacunas que ainda restam ser saciadas para que possa ocupar um lugar de maior destaque e reconhecimento entre os operadores do direito.
Todavia, a largas passadas caminha o instituto, e toda a controvérsia existente a sua volta, contribui para que cada vez mais ele se molde a nossa realidade e necessidade. Os próximos passos são aguardados ansiosamente, bem como o desenvolvimento de termos e soluções para as tais lacunas.
Pode- se sim, basear- mo- nos nos ensinamentos estrangeiros, mas é necessário que se desenvolva autonomia e quebre- se o vinculo existente, apresentando soluções pela própria evolução e capacidade do meio jurídico pátrio.
REFERENCIAS
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Estudante do Curso de Direito, na universidade Camilo Castelo Branco, Campus Fernandópolis-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Rodolpho Henrique da. O Perdão Judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46896/o-perdao-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
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