Resumo: Com o intuito de sanar as inúmeras divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da relativização da presunção de violência, em especial, no que se referia ao menor com idade igual ou inferior a quatorze anos, foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro a figura do “estupro de vulnerável”, com a Lei n.º 12.015/2009.[1] Apesar de gerar novas interpretações acerca da possibilidade de relativização do conceito de vulnerável e sua limitação, essa alteração legislativa não foi suficiente para sanar os questionamentos levantados pela doutrina e pela jurisprudência acerca da possibilidade de consentimento válido pelo menor de quatorze anos para a prática de ato sexual. A detalhada análise do tipo penal descrito, seus elementares, bem como o sujeito e a ação penal inerente ao delito, demonstra o aperfeiçoamento da questão até sua conclusão, com a aplicação do real objetivo da Lei, que atenda os anseios sociais. Nesse foco busca-se confrontar os diplomas normativos, orientações doutrinárias, sentenças e acórdãos, no intuito de descobrir a natureza da violência presumida contra o vulnerável.
Palavras Chaves: Direito Penal. Estupro de Vulnerável. Relativização da Vulnerabilidade. Menor de Quatorze Anos.
Abstract: In order to remedy the numerous doctrinal and jurisprudential disagreements about the relativity of the presumption of violence, especially when it came to minor aged less than fourteen, was introduced in the Brazilian legal system the figure of "rape the vulnerable ", with Law No. 12,015 / 2009. While generating new interpretations about the possibility of relativization of the concept of vulnerable and its limitations, this legislative change was not enough to address the questions raised by the doctrine and jurisprudence of the possibility of valid consent by the minor fourteen years for the act of practice sexual. A deep analysis of the criminal type described, its elementary, as well as the subject and the criminal action inherent in the offense, demonstrates the maturity of the issue to completion, with the application of the real purpose of the Act, which meets social expectations. In this focus we seek to confront the regulatory instruments, doctrinal guidelines, rulings and judgments in order to discover the nature of the alleged violence against the vulnerable.
Key words: Criminal law, Rape Vulnerable. Vulnerability relativity. Minor Fourteen Years.
1 INTRODUÇÃO
Previamente, os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor eram associados com a figura da presunção de violência quando a vítima contasse com idade igual ou inferior a quatorze anos, fosse alienada ou débil mental ou estivesse, por qualquer outro motivo, impedida de oferecer resistência. Nestas hipóteses, a legislação entendia que o consentimento da vítima para a prática do ato sexual era desprezível. Assim, não se fazia fundamental a demonstração do emprego de violência física ou de coação moral para o ato sexual, pois a vítima não apresentaria capacidade para entender o ato sexual e consentir de forma válida.
Com a alteração legislativa operada pela Lei n.º 12.015/2009, houve a revogação da norma penal integrativa que previa a presunção de violência pelo termo vulnerável em tipo penal qualificado de estupro.
Assim, não foi possível evitar as lacunas na compreensão integral da aplicação do Artigo 217-A do Código Penal, e dedicado à proteção dos menores e dos vulneráveis. Dentre as lacunas existentes, surgiu a necessidade de se investigar com maior cautela o conceito e aplicação da presunção, de forma absoluta ou relativa, da situação de vulnerabilidade do menor de quatorze anos.
Diante de tais circunstâncias, o presente estudo visa aclarar os novos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no que tange à possibilidade de relativização da vulnerabilidade.
2 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Com a publicação, da Lei 12.015, em 07 de agosto de 2009, houve uma revolução ao que refere-se o crime de estupro, indicando uma fusão de dois tipos penais em uma só figura, hora denominada estupro, deixando de existir o art. 214 (atentado violento ao pudor) do Código Penal. O que mais se destaca deste ato é que há uma ruptura histórica, pois até então só se admitia como vítima a mulher; doravante a vítima de estupro definido no Código Penal passa a ser “alguém”.
Outra pertinência abrangida pela Lei 12.015/09 foi a inserção do “estupro de vulnerável” nos rol dos crimes hediondos, seja na forma simples ou qualificada (art. 217-A e §§ 1º, 2º, 3º e 4º)[2], alterando o inciso VI da Lei 8.072/90, onde o “atentado violento ao pudor” cedeu lugar a essa inovação.
Desta breve análise histórica vimos à evolução do Direito Penal concernente ao crime de estupro, evidenciando épocas de pouca mudança nos primórdios, mas de grandes revoluções na contemporaneidade
Nos termos da Lei 12.015/09, consiste em: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos”.
“O nomem juris abriga também a conduta prevista no parágrafo primeiro, em que se punem, com as mesmas penas, as ações descritas no caput quando praticadas” MIRABETE[3], contudo, no presente trabalho, abordamos com maior ênfase o estudo dos casos em que a vítima apresenta vulnerabilidade em virtude do fator cronológico: idade menor de quatorze anos.
2.1 Sujeito ativo
O sujeito ativo, aquele que executa a ação penal ilícita, por ser crime comum, pode ser realizado por qualquer pessoa, de ambos os sexos, desde que maior de 18 (dezoito) anos.
Com o advento da Lei 12.015/09, o estupro deixa de ser de cometimento próprio do homem, sendo possível ser praticado tanto por homem ou mulher; corroborando com esta ideologia, GRECO[4] disserta:
Tanto o homem quanto a mulher podem figurar como sujeito ativo do delito de estupro de vulnerável, com a ressalva de que, quando se tratar de conjunção carnal, a relação deverá, obrigatoriamente, ser heterossexual; nas demais hipóteses, ou seja, quando o comportamento for dirigido a praticar outro ato libidinoso, qualquer pessoa poderá figurar nessa condição.
No mesmo sentido, MIRABETE[5] nos lembra de que apesar de ambos os gêneros poderem ser autores do estupro, há de se ter a oposição de gêneros para que se configure o primeiro núcleo (verbo) do tipo penal, qual seja a conjunção carnal; já a prática de qualquer outro ato libidinoso independe de oposição de sexos, podendo ser o sujeito ativo e o passivo do mesmo gênero.
2.2 Sujeito Passivo
A nova redação do tipo 217-A do Código Penal tem como sujeito passivo o indivíduo que se enquadre nas condições de vulnerável, independentemente de seu gênero, quer masculino ou feminino, como aduz NUCCI[6], sujeito passivo do estupro vulnerável é “A pessoa vulnerável (menor de 14 anos, enfermo ou deficiente mental, sem discernimento para a prática do ato, ou pessoa com incapacidade de resistência)”. Observa-se que está excluído deste rol, aquele com quatorze anos completos, afastando-se a possibilidade do configurar estupro de vulnerável.
Também é sujeito passivo, aqueles que padecem de enfermidade ou deficiência mental que os privam do discernimento necessário a respeito das questões sexuais. O que se observa então, é que nesse caso sempre será relativa a situação de vítima do sujeito passivo, pois “o discernimento necessário para a prática do ato” exigido pelo tipo penal impõe que deve ser verificado não somente o grau da doença mental ou deficiência mental, mas também como ela afeta o discernimento do sujeito passivo quanto a prática de atos de natureza sexual.
Da mesma forma, deve-se verificar, outras causas que interfiram na vontade do sujeito passivo, cerceando lhe oferecer resistência, para que configure a parte final do parágrafo primeiro do tipo, o que deve ser verificado caso a caso, o que trás a tona a subjetividade do estado de vítima, caracterizando a relativização da presunção da vulnerabilidade.
2.3 Elemento objetivo e subjetivo
A conduta restringida pelo legislador neste caso, caracterizando o elemento objetivo consiste em ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso com vulnerável.
Segundo preleciona NUCCI[7] são elementos objetivos do tipo: “Ter (conseguir, alcançar) conjunção carnal (cópula entre pênis e vagina) ou praticar (realizar, executar) outro ato libidinoso (qualquer ação relativa à obtenção de prazer sexual) com menor de 14 anos [...]”.
CAPEZ[8] preleciona que “conjunção carnal é a cópula vagínica, ou seja, a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher; ato libidinoso compreende-se, nesse conceito, outras formas de realização do ato sexual, que não a conjunção carnal. São os coitos anormais (por exemplo, a cópula oral, anal)”.
Ajudando a compreender os elementos objetivos da norma debatida, MIRABETE[9] nos lembra:
[...] entendemos tratar-se de tipo misto cumulativo, punindo-se num único artigo condutas distintas, a de ter conjunção carnal e a de praticar ato libidinoso com menor de 14 anos, ou outra pessoa vulnerável [...] Inclina-se, porem, boa parte da doutrina reconhecer a existência de tipos mistos alternativos nos crimes de estupro (art. 213) e de estupro de vulnerável (art. 217-A) e, assim, segundo essa orientação, a prática de uma ou de ambas as condutas típicas, ainda que de forma reiterada no mesmo contexto fático, configura sempre crime único.
Por outro lado, o elemento subjetivo é representado pelo dolo genérico, demonstrado pela consciência e vontade em realizar os elementos objetivos do tipo penal, porém sem fim, ou seja, a lei penal não prevê qualquer resultado naturalístico. O exercício sexual seria praticado pelo sujeito ativo com o intuito único de contentamento sexual do autor.
Pelos ensinamentos de JESUS[10], “subjetivamente, deve ter por finalidade a satisfação de um impulso de luxúria, de lascívia”.
Retratando o único intuito do sujeito ativo em praticar o ato sexual, não precisando causar resultado esta conduta criminosa.
2.4 Consumação e tentativa
O delito em tela se consuma com a efetiva conjunção carnal, ou com a prática de qualquer ato libidinoso, já devidamente explicado anteriormente.
No que tange a tentativa, é de difícil aplicação, pois, se o sujeito ativo não praticou efetivamente a conjunção carnal, este pelo menos executou o ato libidinoso, o que já é suficiente para consumar o ilícito.
2.5 Ação Penal
O legislador prevê como sanção para o delito do artigo 217 – A do Código Penal, reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Logo, para as formas qualificadas, no caso de lesão corporal de natureza grave, é pena de reclusão de 10 (dez) a 20 (vinte) anos, e no caso de morte, é pena de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Como prevê o artigo 217 - A parágrafos 3º e 4º respectivamente.
Referente à ação penal, os crimes definidos no Capitulo I e II do título “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”, são procedidos mediante ação penal pública condicionada à representação da vítima.
Contudo, o parágrafo único do artigo 225 do Código Penal Brasileiro traz a possibilidade desta ser feita mediante ação penal pública incondicionada, nos casos da vítima ser menos de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável, acobertada pelo artigo hora estudado. Isto preciso se faz para facilitar a punibilidade do sujeito ativo de delito sexual, e não expor a vítima frente ao polo ativo da demanda.
Ademais, a lei 12.015/2009 classificou o delito de estupro de vulnerável como crime hediondo, tanto na sua forma simples quanto na sua forma qualificada, conforme artigo 1º inciso V da lei 8.072/1990.
Portanto, como disciplina o artigo 2º inciso I e II da última lei referida e artigo 5º inciso XLIII da Constituição Federal, são insuscetíveis de anistia, graça, indulto ou fiança.
Nessas hipóteses, a pena deve ser cumprida inicialmente em regime fechado, pelo artigo 2º parágrafo 1º da mesma lei. E a prisão temporária tem o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por mais 30 (trinta) dias se comprovada extrema necessidade, diz o artigo 2º parágrafo 4º da lei 8.072/1990. Em continuação, o livramento condicional reclama o cumprimento de mais de dois terços da pena, caso o apenado seja reincidente específico em crime hediondo ou equiparado.
2.5.1 Do segredo de justiça
Conforme prevê o artigo 234 – B do Código Penal[11], o crime de estupro de vulnerável terá sua tramitação em segredo de justiça. O segredo de justiça incide em realizar as audiências do caso de portas fechadas, podendo participar apenas as partes, os juízes e os auxiliares da justiça. O acesso aos autos é autorizado apenas ás partes e seus advogados.
Tal medida se justifica, pois, a intimidade das vítimas deve ser preservada, a fim de evitar exposição e escândalo sobre o fato, essa necessidade ficou evidente na previsão do artigo 201 § 6 do Código de Processo Penal.[12]
2.5.2 Do aumento de pena
Artigo 226 do Código Penal Brasileiro[13]:
Cuida-se de aumento de pena no delito de estupro de vulnerável as seguintes causas: caso de concurso de agentes na pratica do crime, grau de parentesco ou autoridade sobre a vítima.
3. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À RESPEITO DE SEUS DIREITOS E PROTEÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu em 1990 com o objetivo de defender direitos infanto-juvenis, intencionando uma sociedade mais igualitária e justa. Assim, as questões relacionadas á infância e juventude receberam fundamento e garantias, destinados á um grupo pequeno que merece privilégios.
Analisando o Estatuto da Criança e do Adolescente, a precariedade do primeiro posicionamento de que a presunção de violência é absoluta começa a aparecer, pois, em seu Artigo 2º, infra citado[14], é considerado menor, ou criança, aquele que ainda não tenha atingido 12 (doze) anos de idade. Sendo por seguinte, avaliados como adolescentes aqueles menores a partir dos 12 (doze) anos completos, que inclusive podem ser responsáveis por ato infracional, até completados seus 18 (dezoito) anos.
Estatuto da Criança e do Adolescente :
Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Paragrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Pela simples leitura do caput do artigo e seu parágrafo primeiro concluímos que mesmo aquele com doze anos ou mais, pleno de volição e sapiente dos atos sexuais e seus resultados, se encontram “impedidos” da prática sexual, uma vez que faria recair sobre o(a) parceiro(a) sexual as sanções da Lei.
Parece razoável diferenciar uma pessoa com doze anos ou mais, pleno de suas faculdades, a um indivíduo acometido de enfermidade ou doença mental, que não tenha condições de expressar validade seu consentimento.
Na análise da legislação para proteção das crianças e adolescentes, o art. 103 vislumbra o ato infracional, como “a conduta descrita como crime ou contravenção penal” e assevera no art. 104 que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nessa Lei”. Nesse ínterim, o art. 106 dispõe a possibilidade de privação de liberdade do adolescente (indivíduo com doze anos ou mais e menor de dezoito anos), bem como, o art. 112 elenca as medidas socioeducativas aplicáveis aos mesmos.
É lógico então, deduzir que a lei imputa capacidade ao adolescente para entender que determinado ato é ilícito (ato infracional), inclusive elencando possibilidades de imposição de medida socioeducativa.
Ressalta-se, que na contemporânea sociedade, fervorosa no resguardo das liberdades e garantias, onde a informação é abundante e está disponível tanta para adolescentes quanto para crianças, seja nos meios escritos, televisivos, e principalmente na internet, vemos como retrocesso limitar a capacidade do indivíduo poder escolher praticar ou não atos sexuais com um parceiro que lhe agrade, baseando-se em um fator cronológico.
A educação sexual faz parte dos currículos escolares, o que nos induz dizer que desde sua tenra idade, as crianças e adolescentes de nossa sociedade estão sendo preparadas e conscientizadas das práticas sexuais, seja com fulcro na reprodução humana, ou mesmo na satisfação dos anseios sexuais que lhes afloram.
4 DA POSSIBILIDADE DE VULNERABILIDADE SEXUAL
Mesmo após a alteração legislativa, a doutrina majoritária permaneceu comportando a possibilidade de relativização do conceito de vulnerável, principalmente no que se refere ao menor de quatorze anos, uma vez que esse poderá possuir maturidade suficiente para desejar a prática de ato sexual saudável.
Entretanto, a vulnerabilidade representa a suscetibilidade do individuo perante as experiências sexuais, razão pela qual a adoção de um critério absoluto não contempla o princípio da liberdade sexual, que ficaria associado a uma circunstância que nem sempre irá corresponder ao caso concreto.
A discussão sobre a capacidade de compreensão da vítima é essencial, pois o consentimento válido ilide o caráter criminoso da conduta. Dito isso, a possibilidade de relativização do conceito de vulnerável deverá ser apreciada em conjunto com o caso concreto, não podendo se tratar de mera utilização da norma jurídica sem qualquer estudo do desenvolvimento da vítima.
A vulnerabilidade é conceito polissêmico que se aplica a diferentes situações, ou seja, é preservado pelo direito penal em diferentes contextos. No que tange ao art. 217-A, é cognoscível que a vulnerabilidade dos menores de quatorze anos decorreria de sua imaturidade frente aos atos sexuais, razão pela qual não possuiriam capacidade de condescender de forma válida. No entanto, é de observar que o consentimento é questão que se liga diretamente com o bem jurídico protegido pela norma, no caso, o ingresso prematuro na vida sexual.
Para esclarecer, vale mencionarmos o que disse JESUS[15]:
O escopo da mudança foi o de impedir a subsistência do entendimento, segundo o qual a realização de atos sexuais voluntário com adolescentes menores de 14 anos, pudesse ser considerada atípica, por ser relativa a presunção de violência em tais casos.
Com isso, a concepção de vulnerável acabou por ampliar as possibilidades de vítimas do delito do artigo 217-A, haja vista que independe do gênero.
4.1 Vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa
Na nova direção do Código Penal, o legislador enfatiza como sendo a vulnerabilidade o ponto determinante para a definição do delito sob estudo.
Sobre o tema, pode admitir que o legislador apontou duas espécies de vulnerabilidade, uma absoluta (menor de quatorze anos) e outra relativa (menor de dezoito anos).
Há momentos em que o legislador preocupa-se em resguardar apenas os menores de 14 anos e outros em que designou por bem a proteção aos menores de 18 anos.
A presunção de vulnerabilidade absoluta (juris et de jure) é aquela que entende que a vítima é integralmente incapaz e não possui consciência da prática de suas condutas. Esta configuração ignora qualquer avaliação a respeito da culpa ou dolo do agente e este será considerado culpado independentemente de qualquer situação que possa modificar a condição de vulnerabilidade da vítima. Tratar-se-ia, portanto, de responsabilização penal objetiva.
A presunção relativa (júris tantum), por sua vez, admite a produção de provas em contrário daquilo que se alega, permitindo a existência do contraditório e da ampla defesa, isto é, autoriza o agente a trazer elementos que possam reconfigurar a vulnerabilidade da vítima sob aspecto distinto.
Cita-se JESUS[16]:
Busca-se defender a intangibilidade sexual de determinado grupo de pessoas, consideradas em sua condição de fragilidade, pondo-as a salvo do ingresso precoce ou abusivo na vida sexual. Para a configuração dos delitos tipificados neste capítulo é desnecessária a existência do dissenso da vítima, que se considera, por força de disposição legal, irrelevante.
Para o autor, estes conceitos não se diferenciam, mas também não podem se distanciar, pois não se excluem. Inicialmente, parte-se do pressuposto da existência da vulnerabilidade para identificarmos seu grau, intensidade e extensão e, logo após, verifica-se, através de juízo de cognição, a natureza da presunção, se relativa ou absoluta; e depois valora-se o quantum de vulnerabilidade que a vítima apresenta.
Neste liame, autor sugere que partindo do pressuposto da existência da vulnerabilidade, primeiro deve-se verificar se o tipo penal orienta para a consideração da vulnerabilidade relativa ou absoluta. Neste caso, tem-se que a vulnerabilidade absoluta para o Artigo 217-A em comento e da vulnerabilidade relativa para o Artigo 218-B.
Entretanto, teria que verificar se naquela situação concreta a vulnerabilidade da vítima específica é relativa ou absoluta.
De acordo com CAPEZ [17]:
A lei não se refere aqui à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vitima, mas ao fato de se encontrar em situação de maior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica, etc. Uma jovem menor, sexualmente experimentada e envolvida em prostituição, pode atingir às custas desse prematuro envolvimento um amadurecimento precoce. Não se pode afirmar que seja incapaz de compreender o que faz. No entanto, é considerada vulnerável, dada a sua condição de menor sujeita à exploração sexual.
É de se compreender o intuito do nobre legislador, porém, fica a incoerência em alguns casos na contradição de tentar proteger uma vítima que não se encaixa na definição desta palavra.
4.2 Erro de tipo
Erro de tipo é a crença que o sujeito tem de estar agindo segundo os preceitos normativos, baseando-se em realidade falsa ou equivocada. Ele recai sobre elementares ou circunstâncias da figura típica. Não há de se fazer confusão entre erro de tipo e ignorância sobre o tipo penal, já que esse contempla o desconhecimento sobre determinado fato, enquanto aquele induz falsa sapiência, ou mesmo, equívoco.
Tal situação jurídica está contemplada no art. 20 do Código Penal Brasileiro[18], que assim descreve:
Erro sobre elementos do tipo
Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§1º É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Sobre o erro de tipo, GRECO salienta a necessidade de o agente ativo conhecer a condição da vítima possuir menos de 14 (catorze) anos, pois, para incorrer nesse delito, o dolo é essencial; caso contrário, poderá o dito autor alegar o erro de tipo, e que, analisando os fatos e circunstâncias concretos poderá resultar na atipicidade do fato ou desclassificação, que no caso seria a aplicação do estupro nos moldes do art. 213. Para exemplificar essa afirmação, GRECO[19] nos descreve a seguinte situação:
Assim, imagine-se a hipótese em que o agente, durante uma festa, conheça uma menina que aparentava ter mais de 18 anos, devido à sua compleição física, bem como pelo modo como se vestia e se portava, fazendo uso de bebidas alcoólicas etc., quando, na verdade, ainda não havia completado os 14 (catorze) anos. O agente, envolvido pela própria vítima, resolve, com o seu consentimento, levá-la para um motel, onde com ela mantém conjunção carnal. Nesse caso, se as provas existentes nos autos conduzirem para o erro, o fato praticado pelo agente poderá ser considerado atípico, mantendo em vista a ausência de violência física ou grave ameaça.
4.3 Da responsabilidade penal objetiva
Com a evolução social, todos sabem que o ordenamento jurídico tem de acompanhá-lo, se amoldando aos comportamentos humanos (Princípio da adequação social), em que bens jurídicos tutelados em tempos passados já não vislumbram proteção, noutro giro, há bens que passam a ter notoriedade e importância, necessitando de intervenção Estatal pelo Direito Penal, sendo criados por nossos legisladores novos tipos penais, prescrevendo condutas ou restringindo ações.
Todavia essa interferência do Estado na vida dos seus seres sociais deve ser na exata medida da necessidade, é o que prevê o princípio da intervenção mínima, que aqui avocamos no intuito de debater os casos em que menores de catorze anos, contudo, maior de 12, consentem e desejam a prática dos atos sexuais ou mesmo libidinosos; fato opositor seria a proteção desses mesmos adolescentes frente aos devaneios dos pedófilos, ou qualquer outro agente, que aproveitando da sua innocentia consilii, praticam atos sexuais ou libidinosos. Observemos os ensinamentos de NUCCI[20]:
[...] o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade, os quais pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.
Neste ínterim, o que este estabelecido no artigo 13 do Código Penal Brasileiro[21], do qual sobrevém um princípio de suma importância para o tema abordado.
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Superveniência de causa independente
§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
Relevância da omissão
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Então, verifica-se que o princípio da culpabilidade, que em sua acepção acomoda à máxima nullum crimen sine culpa (não há crime sem culpabilidade) e, impõe a subjetividade da responsabilidade penal.
Para tanto, há de se levar em consideração as diversas áreas abrangidas pelo Direito, aplicando-se o conhecimento abstraído nos campos jurídicos, sociológicos, filosóficos, com égide em parâmetros e informações concretos.
No mesmo pensamento MIRABETE[22] em sua obra, Manual de Direito Penal, preleciona condições inerentes à vítima menor de catorze anos, que se observadas, afastaria a culpabilidade do agente, e portando, vai de encontra à responsabilidade objetiva penal:
Não se caracteriza o crime, quando a menor de 14 anos se mostra experiente em matéria sexual; já havia mantido relações sexuais com outros indivíduos; é despudorada e sem moral; é corrompida; apresenta péssimo comportamento. Por outro lado persiste o crime ainda quando menor não é mais virgem, é leviana, é fácil e namoradeira ou apresenta liberdade de costumes[...]
Mesmo após o advento do tipo penal autônomo do artigo 217-A, estupro de vulnerável, persistiu e, ainda acirrou-se mais a discussão quanto à aplicação objetiva da responsabilidade penal do agente, que como vimos é, majoritariamente, repudiada no ordenamento jurídico pátrio.
5 DO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
A discussão em torno da matéria no que tange a decisões judiciais estava longe de ser pacífica.
Alguns Tribunais vinham admitindo constantemente que a vulnerabilidade do menor de 14 (quatorze) anos prevista no artigo 217 – A do Código Penal era relativa, pelas particularidades de cada ocorrência.
Situação de aplicação desta relativização é a feita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, pelo relator ULHÔA[23]:
PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CP. ERRO DE TIPO. ART. 20, § 1º, DO CP. MENORIDADE DA VÍTIMA. DESCONHECIMENTO PELO AGENTE. COMPLEIÇÃO FÍSICA E COMPORTAMENTO SOCIAL. PERCEPÇÃO DE MAIOR IDADE. AMPARO EM SATISFATÓRIO CONJUNTO PROBATÓRIO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
1. A negativa de conhecimento da menoridade da vítima, amparada em satisfatório conjunto probatório demonstrativo de que a compleição física e o comportamento social da vítima inspiravam a percepção de maior idade, caracteriza o erro sobre elementar constitutiva do tipo previsto no artigo 217-A do Código Penal, apto a evidenciar a ausência do dolo necessário à configuração do delito de estupro de vulnerável, quando ausente ameaça ou violência e presente o consentimento da menor. Precedentes deste eg. Tribunal.
2. Não provimento do recurso.
(...) Corroborando a MM. Juíza a quo, o cotejo do laudo pericial e da prova oral colhida em juízo leva à convicção segura de que o apelado não detinha conhecimento da menoridade da vítima, cuja compleição física e comportamento social geravam a percepção de uma garota de maior idade.
Com efeito, o laudo pericial (fls. 10/11) descreve a vítima com 1,70m (um metro e setenta centímetros) de altura e 62 Kg (sessenta e dois quilos); a testemunha S.L.J. declarou que a vítima "chegou a consumir bebida alcoólica e cigarros", "já beijou outros rapazes", "aparentava ter uns 16 anos porque já tinha um corpo avantajado e atitudes de mulher" e que com ela já saiu "para beber e ficou até altas horas da noite" (fl. 123). A testemunha N.M.A. declarou que a vítima "aparentava ser mais velha devido ao seu 'jeito'." (fl. 120). A própria vítima, não obstante ter declarado que "namorou o irmão de 13 (treze) anos do apelado e que seus colegas não achavam que a depoente tinha mais idade", afirmou que "acredita que o acusado não sabia a idade da depoente. A depoente 'sempre teve jeito de menina maior'." (fl. 119/119v). (Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Criminal nº 20120510030227APR. Relator: Des. Humberto Ulhôa. Órgão Julgador: 3ª Turma Criminal. Data do Julgamento: 18/09/2014. Data de Publicação: Publicado no DJE: 23/09/2014, p. 276)
Ao adotar a presunção relativa, seria em virtude da transformação nos costumes que ocorre pela natural evolução dos tempos que não foi acompanhada pela legislação.
Cumpre salientar o evento em que houve relacionamento amoroso e sexual entre vítima de 12 (doze) anos de idade e o denunciado, com 22 (vinte e dois) anos de idade, por determinado período. A conduta enquadra-se no, hora estudado estupro de vulnerável. No entanto, a vulnerabilidade da vítima não foi entendida de forma absoluta, simplesmente pelo critério etário, trazida a apreciação do Poder Judiciário ainda à vista de suas particularidades. Na hipótese dos autos, provas revelaram que a relação entre ambos advinha de aliança afetiva, e que as relações ocorreram de forma consentida e voluntária. Aponta também que a até então vítima, apresentava experiência sexual. E com a análise destas peculiaridades, foi possível a relativização de sua vulnerabilidade, importando em absolvição do réu.
Nesta linha, merece destaque o que pondera igualmente a relatora do Supremo Tribunal de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, ERESP 1021634 SP 20110099313-2, (2011, S/P)[24]:
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. MENOR DE 14 ANOS. REVOGADO ART. 224, A, DO CP. PRESUNÇÃO RELATIVA. DIVERGÊNCIA CARACTERIZADA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. 1. A violência presumida prevista no revogado artigo 224, “a”, do Código Penal, deve ser relativizada conforme a situação do caso concreto, cedendo espaço, portanto, a situação da vida das pessoas que demonstram a inexistência de violação ao bem jurídico tutelado. 2. Embargos de divergência acolhidos.
Em contrapartida, alguns Tribunais vêm constantemente afirmando que a vulnerabilidade do menor de 14 (quatorze) anos prevista no artigo 217 – A do Código Penal é absoluta, configurando-se a completa falta de maturidade para os atos da vida sexual, e que, nenhuma particularidade poderá ser levada em conta. Bastando para estes, o enquadramento no tipo penal.
A falta de consenso levou a inúmeros de recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça em torno do tema. A maior parte das apelações era apresentada pelo Ministério Público contra decisões que inocentaram o réu por considerar que a vítima, apesar de menor de quatorze anos, concordaram com a relação sexual. Havia também muitos casos de condenados buscando absolvição sob a mesma justificativa.
Assim, no dia 26/08/2015, o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese que o sexo ou "qualquer ato libidinoso" envolvendo adultos e menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável, não importando se a vítima consentiu.
A tese foi fixada sob o rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), com relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 12.015/09. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. ADEQUAÇÃO SOCIAL. REJEIÇÃO. PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que, sob a normativa anterior à Lei nº 12.015/09, era absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, "a", do CPB), quando a vítima não fosse maior de 14 anos de idade, ainda que esta anuísse voluntariamente ao ato sexual (EREsp 762.044/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. para o acórdão Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, DJe 14/4/2010).
2. No caso sob exame, já sob a vigência da mencionada lei, o recorrido manteve inúmeras relações sexuais com a ofendida, quando esta ainda era uma criança com 11 anos de idade, sendo certo, ainda, que mantinham um namoro, com troca de beijos e abraços, desde quando a ofendida contava 8 anos.
3. Os fundamentos empregados no acórdão impugnado para absolver o recorrido seguiram um padrão de comportamento tipicamente patriarcal e sexista, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima da ação delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu.
4. A vítima foi etiquetada pelo "seu grau de discernimento", como segura e informada sobre os assuntos da sexualidade, que "nunca manteve relação sexual com o acusado sem a sua vontade".
Justificou-se, enfim, a conduta do réu pelo "discernimento da vítima cerca dos fatos e o seu consentimento", não se atribuindo qualquer relevo, no acórdão vergastado, sobre o comportamento do réu, um homem de idade, então, superior a 25 anos e que iniciou o namoro – "beijos e abraços" – com a ofendida quando esta ainda era uma criança de 8 anos.
5. O exame da história das ideias penais – e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro – demonstra que não mais se tolera a provocada e precoce iniciação sexual de crianças e adolescentes por adultos que se valem da imaturidade da pessoa ainda em formação física e psíquica para satisfazer seus desejos sexuais.
9. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida nos autos da Ação Penal n. 0001476-20.2010.8.0043, em tramitação na Comarca de Buriti dos Lopes/PI, por considerar que o acórdão recorrido contrariou o art. 217-A do Código Penal, assentando-se, sob o rito do Recurso Especial Repetitivo (art. 543-C do CPC), a seguinte tese: Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.480.881 - PI (2014/0207538-0). DJe: 10/09/2015. Terceira Seção.)[25]
A posição do relator foi acompanhada de forma unânime pelos ministros da Terceira Seção.
A decisão servirá de parâmetro para o Judiciário de todo o país por se tratar da análise de um recurso repetitivo, usado pelo STJ para resolver controvérsias que se repetem em muitos processos. O objetivo é pacificar o entendimento, mas os juízes não são obrigados a deliberar da mesma forma.
6 CONCLUSÃO
Diante de um caso concreto, ou do estudo aprofundado do tema, averígua-se que determinadas lides possuem particularidades que podem, em sua máxima, descriminalizar a conduta do sujeito, devendo esta ter oportunidade de ser levantada no processo, e que a posteriori o magistrado possa decidir com base em todas as provas necessárias e devidamente produzidas. Desembocando exatamente na possibilidade de aplicar da presunção relativa de violência e trazer para o processo as particularidades do caso, tornando-se por evidente, a melhor opção.
Desta forma, não encontra sinônimo de justiça quando ao tipificar o estupro de vulnerável avaliar de forma a procurar indícios de violência ou presumir este ocorrido por meio de laudos que se limitam a buscar indícios de violência física, e sequer dão importância aos indicativos psicológicos e particulares da lide.
Ao punir o agente que praticou atos sexuais com aqueles menores tidos como vulneráveis, sem que haja uma análise detalhada da realidade concreta, a probabilidade de ocorrer uma punição arbitrária e demasiadamente severa é muito grande, tendo como única justificativa a omissão do próprio Estado e daquelas pessoas responsáveis pelo menor. Além do que, o legislador visa proteger com o dispositivo penal, aqueles tidos por vulneráveis, nada fora disso, devendo adequar este conceito ao momento vivido, e não somente punir o agente por aparentemente se enquadrar nas elementares do tipo.
Não é a medida justa desprezar a realidade de que hoje em dia não é difícil encontrar menores de 14 (quatorze) anos que possuem vida sexual ativa e a pratica voluntariamente com normalidade, ou até mesmo outras peculiaridades de cada acontecimento. Ainda que nessas situações a conduta pela visão moral possa ser entendida reprovável, tendo a necessidade de responsabilizar o agente por isso, não se encontra proporcionalidade na aplicação de um tipo incriminador a ele, sendo que sequer houve bem jurídico lesado.
A interpretação e aplicação dos tipos penais devem acompanhar a realidade sociocultural, para que possam desempenhar o papel almejado pelo legislador, enquanto não há a necessária adequação da norma. Adotar a presunção de violência relativa é uma das saídas encontradas para uma das correntes que cresce em seus adeptos, para que somente seja dada, em alguns casos que se comprove necessidade, oportunidade para que o acusado possa trazer aos autos provas que colaborarem com sua melhor defesa, para que o juiz posteriormente profira uma sentença calçada das evidencias imperativas.
E levam a esta fim, como demonstrado, a contrariedade tanto com lei especial, como evidente no Estatuto da Criança e do Adolescente, e com os princípios basilares para um bom desenvolvimento da jurisdição. Que são completamente opostos a aplicação da presunção absoluta.
Não se trata, de defender a utilização desta presunção relativa como cláusula geral, aplicada em todos os processos e tornando a impunibilidade mais fácil de ocorrer, ou de não observar que o ato sexual com um menor de 14 (quatorze) anos não seja de certa forma prejudicial e que gere consequências futuras. Contudo, é notória a subjetividade existente em qualquer tipo de lide, e ao ser taxado de estuprador, ao menos a oportunidade de ampla de defesa, trazendo a baila argumentos favoráveis ao seu caso, deveriam ser disponibilizados ao agente.
Defende-se ainda que o Direito não é ciência exata, e portanto, deve se amoldar aos casos sociais, de forma sistêmica, atuando conjuntamente com os diversos ramos e ciências. Dessa ótica não vislumbramos uma ou outra teoria correta, tendo cada caso suas peculiaridades e consequentemente soluções distintas, conforme anseio da sociedade.
Portanto, corroboramos com a noção de que não pode-se ignorar os avanços sociais, bem como a nova “moral social”, pelo que defesa da questão jurídica na aplicação da presunção de vulnerabilidade, outrora, chamada de presunção de violência, de forma “juris tantum”, pois, se considerar essa presunção “juris et de jure” para todos os casos, presume-se a ratificação em nosso ordenamento da temerária responsabilidade objetiva, conforme já debatido, fato este que fere as premissas constitucionais.
BIBLIOGRAFIA
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 3. Editora Saraiva. 9º edição, São Paulo, 2011.
CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade Mecum. Editora Saraiva. 15º edição, 2013.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei 8069 de 13 de julho de 1990. Vade Mecum. Editora Saraiva. 15º edição, 2013.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte especial. 8.ed. Niterói: Impetus, 2011. v.3.
JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Especial. Volume 3. Editora Saraiva. 20º edição. São Paulo, 2011.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte especial: arts 121 a 234-B do CP. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.2.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 6.ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
______. Crimes Contra a Dignidade Sexual: de acordo com a Lei 12.015/2009. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2º edição, 2010.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, jurisprudência disponível em <http://www.stj.gov.br>.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, jurisprudência disponível em <http://www.stf.jus.br>.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, jurisprudência disponível em <http://www.tjsp.jus.br/>.
[1] 1. BRASIL, Lei n.º 12.015/2009. In: Palácio do Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm Acesso em out 2015.
[2] Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
[3] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte especial: arts 121 a 234-B do CP. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.2. p.40.
[4] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte especial. 8.ed. Niterói: Impetus, 2011. v.3. p. 535.
[5] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte especial: arts 121 a 234-B do CP. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.2. p.409.
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 6.ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 826.
[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 6.ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 826.
[8] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 3. Editora Saraiva. 9º edição, São Paulo, 2011. p. 156.
[9] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte especial: arts 121 a 234-B do CP. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.2. p. 245.
[10] JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Especial. Volume 3. Editora Saraiva. 20º edição. São Paulo, 2011. p. 161.
[11] Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.
[12] Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
§ 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.
[13] CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade Mecum. Editora Saraiva. 15º edição, 2013. p. 549.
Aumento de pena
Art. 226. A pena é aumentada:
I – De quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
II – De metade, se o agente é ascendente, padrasto, ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.
[14] ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei 8069 de 13 de julho de 1990. Vade Mecum. Editora Saraiva. 15º edição, 2013. p. 1043.
[15] JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Especial. Volume 3. Editora Saraiva. 20º edição. São Paulo, 2011. p. 156.
[16] JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Especial. Volume 3. Editora Saraiva. 20º edição. São Paulo,2011. p. 155.
[17] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 3. Editora Saraiva. 9º edição, São Paulo, 2011. p. 81.
[18] CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade Mecum. Editora Saraiva. 15º edição, 2013.
[19] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte especial. 8.ed. Niterói: Impetus, 2011. v.3. p. 345.
[20] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 6.ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 81
[21] CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade Mecum. Editora Saraiva. 15º edição, 2013.
[22] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte especial: arts 121 a 234-B do CP. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.2. p.478.
[23] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, jurisprudência disponível em <http://www.tjsp.jus.br/>.
Acesso em Outubro 2015.
[24] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, jurisprudência disponível em <http://www.stj.gov.br>. Acesso em Outubro 2015.
[25] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, jurisprudência disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em Outubro 2015.
Discente do curso de Ciências Jurídicas e Sociais, da Universidade Camilo Castelo Branco, Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOUVEIA, Marinara da Silva. A relativização da vulnerabilidade sexual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46928/a-relativizacao-da-vulnerabilidade-sexual. Acesso em: 23 dez 2024.
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