Anne Cristine Silva Cabral[i]
RESUMO: O desenvolvimento sustentável é composto por três pilares: crescimento econômico, equidade social e meio ambiente. Esse instituto representa o equilíbrio entre as necessidades sociais e ambientais, direito expresso na Constituição Federal de 1988 para garantir uma existência digna às presentes e futuras gerações. Sede de Conferências das Nações Unidas e detentor de uma vasta riqueza natural e cultural, o Brasil dá os seguintes passos rumo ao desenvolvimento sustentável: legislação pertinente, como a Lei n° 9.795/99, adequando-se à previsão constitucional; entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça favorável às questões socioambientais, compreendendo a supremacia do interesse público sobre o privado; inclusão de critérios sustentáveis nos procedimentos administrativos. Políticas públicas destinadas à justiça social, com oportunidades de ocupação e distribuição de renda, além de um crescimento econômico consciente são essenciais para a redução dos danos ambientais provocados pelo homem.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável. Existência digna. Gerações.
SUMÁRIO: 1. Constituição, Ordem Econômica e Meio Ambiente; 2. O Estado e a coletividade rumo ao desenvolvimento sustentável; 3. Aplicabilidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado através da educação ambiental; 4. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
Com o objetivo de sair da lista de países em desenvolvimento e ocupar o mesmo patamar das nações desenvolvidas, a economia brasileira justifica que suas atividades buscam promover o crescimento nacional, assumindo juntamente aos Estados desenvolvidos as questões socioambientais proporcionais aos atos de cada um. Sem sombra de dúvidas a produção, distribuição e consumo de mercadorias são necessárias à soberania nacional, todavia, a natureza capitalista desse sistema econômico, voltado ao acúmulo de capital, provoca o aumento das desigualdades sociais, além da crescente degradação ambiental.
A questão levantada é a seguinte: o que deve ser feito para conciliar o crescimento econômico e ao mesmo tempo reduzir os problemas socioambientais no Brasil?
A resposta está na implementação do desenvolvimento sustentável. A Constituição Federal de 1988 inovou ao igualar esses três objetivos em um mesmo dispositivo, qual seja o artigo 170, e reiterar a relevância desse tema no caput do artigo 225, Capítulo VI. Por se tratar de um texto constitucional detentor de normas programáticas, torna-se necessário que o legislador esmiúce a legislação infraconstitucional, focando no desenvolvimento sustentável. Logo, para que este objetivo seja alcançado, Estado e coletividade precisam trabalhar juntos.
Acredita-se que os incentivos sustentáveis do Poder Público, somado às políticas públicas destinadas a equidade social podem remodelar o caminho traçado pela economia tradicional. Não significa que o sistema econômico existente será abolido, mas que deve passar por algumas modificações no seu procedimento, tendo em vista que a situação atual do meio ambiente é de interesse de todos.
O objetivo principal desta pesquisa é relatar o posicionamento adotado pelos três Poderes em determinados casos, de modo a demonstrar que é possível implantar o desenvolvimento sustentável. Especificamente, foi analisada a educação ambiental como instrumento constitucional destinado a materialização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever do Poder Público em fomentar essa ferramenta tanto nas escolas como ao público.
Devidamente aplicadas as diretrizes para estabelecer o desenvolvimento sustentável, espera-se garantir melhor qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.
Por essas razões, o primeiro capítulo desta pesquisa é destinado à análise da harmonia entre crescimento econômico, equidade social e meio ambiente na ótica da Constituição Federal de 1988; como essas normas constitucionais são aplicadas; e as desigualdades regionais, fruto da injustiça social. O segundo descreve situações que representam avanços do Poder Público, da sociedade e legislação pertinente rumo à cultura sustentável. O terceiro finaliza com a educação ambiental, forma genuína de aproximar as extremidades que são o homem e o meio ambiente.
1. CONSTITUIÇÃO, ORDEM ECONÔMICA E MEIO AMBIENTE.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, contempla normas com direitos e deveres destinados a sociedade bem como fins e objetivos ao Estado para que atue em prol do interesse público, tendo em vista que o poder emana do povo, nos termos do artigo 1°, parágrafo único (BRASIL, 1988).
Trata-se de um documento “solene estabelecido pelo poder constituinte originário” (MORAES, 2013, p. 8), que codifica e sistematiza as regras primordiais à organização político-social do Estado. Promulgado por uma Assembleia Nacional Constituinte, e só podendo ser desfeito por processo legislativo, o texto constitucional de 1988, de acordo com Moraes (2013, p. 10), possui normas dirigentes que “examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado”.
Esse controle exercido em face do Estado tem por finalidade atender aos anseios do povo, sendo um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana. Sobre o assunto, posiciona-se Canotilho (2003, p. 225):
Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.
Ora, dentre os fundamentos da República Brasileira, está, no artigo 1°, a dignidade da pessoa humana. Significa que não basta a vida por si só, deve haver qualidade e, com fulcro no artigo 225 da CF/88, o meio ambiente equilibrado é elemento para uma vivência adequada. Mesmo não estando disposto no rol de direitos fundamentais, o parágrafo 2º do artigo 5º, CF/88, assegura ao meio ambiente equilibrado essa mesma natureza (BRASIL, 1988), devendo, por conseguinte, ser igualmente garantido.
A Carta de 1988 inovou no constitucionalismo brasileiro ao adotar uma posição antropocêntrica protecionista (THOMÉ, 2014, p. 60). Sendo o homem organismo central, e o seu bem-estar objetivo constitucional a ser alcançado, o meio ambiente passou a ser visto como mais um meio que atribuiria existência saudável às pessoas, cabendo ao Estado e à coletividade protegê-lo. Nesse sentido, ensina Milaré (2006, p. 158/159 apud THOMÉ, 2014, p. 65):
O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência – a qualidade de vida –, que faz com que valha a pena viver.
Da mesma forma, a iniciativa privada também está inserida no artigo 1° como fundamento constitucional, inciso IV, cabendo ao Poder Público intervir somente para atender aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, de acordo com artigo 173, CF/88 (BRASIL, 1988).
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visa, através da justiça social (artigo 170, CF/88), contribuir para que a dignidade da pessoa humana seja alcançada; por este motivo, o dispositivo que trata dos direitos econômicos incluiu no rol de princípios a defesa do meio ambiente.
1.1 Base Constitucional
O crescimento demográfico ganhou poder quando foi acompanhado de uma evolução política e jurídica das sociedades, e assim desenhou gradativamente o Estado, organização ligada ao povo. A institucionalização do poder político, então, precisou ser solidificada por uma constituição, de modo a fundamentar a soberania estatal.
Assim sendo, o texto constitucional tornou-se instrumento do Estado, cuja finalidade na ótica do jurista lusitano Canotilho (2003, p. 87) seria:
A constituição, informada pelos princípios materiais do constitucionalismo – vinculação do Estado ao direito, reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais, não confusão de poderes e democracia – é uma estrutura política conformadora do Estado. [...] A constituição pretende ‘dar forma’, ‘constituir’, ‘conformar’ um dado esquema de organização política.
Baseando-se na realidade histórica da comunidade política, a carta constitucional brasileira é voltada à proteção dos mais vulneráveis para que seja construída uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3°, I). Assegura-se, por exemplo, a liberdade (artigo 5°, caput), o direito de propriedade e a sua função social (artigo 5°, XXII e XXIII), os direitos sociais (artigo 6°, caput), a soberania popular (artigo 14°, caput), dentre outros, sendo a atuação do Poder Público destinada e limitada a promover o bem comum (MARINELA, 2012, p. 15). O Texto de 1988, portanto, é composto de normas que traçam meios e metas que devem ser rigorosamente seguidos pelo Estado.
José Gomes Canotilho, cuja obra é referência para a Teoria da Constituição Dirigente, assim conceitua norma programática:
A Constituição da República de 1976 é uma constituição programática porque contem numerosas normas-tarefa e normas-fim (cfr., por exemplo, artigos 9° e 80°) definidoras de programas de acção [sic] e de linhas de orientação dirigidas ao Estado. Trata-se, pois, de uma lei fundamental não reduzida a um simples instrumento de governo, ou seja, um texto constitucional limitado à individualização dos órgãos e à definição de competências e procedimentos da acção [sic] dos poderes públicos. A ideia de “programa” associava-se ao caráter dirigente da Constituição. A Constituição comandaria a acção [sic] do Estado e imporia aos órgãos competentes a realização das metas programáticas nela estabelecida.” (CANOTILHO, 2003, p. 217, grifo do autor).
Do mesmo modo, a Constituição Brasileira de 1988 é vista como uma constituição dirigente, pois, de acordo com Bercovici (1999, p. 35), ela “define, por meio das chamadas normas constitucionais programáticas, fins e programas de ação futura no sentido de melhoria das condições sociais e econômicas da população”.
Importante frisar que o Estado Democrático de Direito é baseado em princípios materiais de onde emergem os demais princípios, direitos fundamentais e regras destinadas à atividade pública. O primeiro princípio é o Estado de Direito, este possui pressupostos voltados à realização da justiça social, quais sejam: 1) a juridicidade, que transforma o direito em ordenação racional e visa atender à “necessidade de garantias jurídico-formais de modo a evitar acções [sic] e comportamentos arbitrários e irregulares de poderes públicos” (CANOTILHO, 2003, p. 244); 2) a constitucionalidade, a qual une o Poder Legislativo, Executivo e Judiciário em um único texto constitucional, preestabelecendo as medidas e formas dos seus atos; 3) e os direitos fundamentais, com uma “raiz antropológica que se reconduz ao homem como pessoa, como cidadão, como trabalhador e como administrado” (CANOTILHO, 2003, p. 248, grifo do autor). O segundo princípio, o Democrático, fixa os direitos políticos do povo, detentor de soberania popular para eleger seus representantes mediante voto direto e secreto, podendo inclusive participar da política através de plebiscito, referendo ou iniciativa popular, nos termos do artigo 14, CF/88 (BRASIL, 1988). Os direitos e garantias dispostos na constituição seguem o modelo desses princípios basilares, caracterizadores da natureza estatal.
As críticas levantadas contra a constituição dirigente, no entanto, estão ligadas à transformação da realidade. Comparando à constituição garantia, “é óbvio que uma constituição apenas definidora de competências e garantidora de liberdades formais atinge mais facilmente o ideal de efetividade imediata” (BERCOVICI, 1999, p. 38). Ao contrário, a norma programática transfere à Administração Pública o dever de concretizar de forma transparente os fins e tarefas previstos em seu dispositivo. O princípio da legalidade, contudo, veda a atuação dos órgãos públicos sem legislação anterior que a especifique e autorize (MARINELA, 2013, p. 31). Isso faz com que a execução da norma programática constitucional dependa primeiramente do legislador para detalhar suas diretrizes e depois da Administração Pública para por as mesmas em prática.
Exemplos de programas mediatos do Estado são as políticas públicas. Enquanto que os direitos de primeira geração são individuais e estão naturalmente inerentes aos particulares, os direitos sociais para serem materializados carecem de uma prestação positiva do Poder Público (BUCCI, 1997, p. 90). Isso faz com que, mesmo a constituição estabelecendo normas que indiquem a atuação estatal, limitando a sua arbitrariedade, as metas constitucionais dependerão das políticas públicas para serem aplicadas ao caso concreto, o que Grau defende da seguinte forma:
Constituição dirigente que é, a de 1988 reclama – e não apenas autoriza – interpretação dinâmica. Volta-se à transformação da sociedade, transformação que será promovida na medida em que se reconheça, no art. 3° – e isso se impõe –, fundamento à reivindicação, pela sociedade, de direito à realização de políticas públicas. Políticas públicas que, objeto de reivindicação constitucionalmente legitimada, hão de importar o fornecimento de prestações positivas à sociedade. (GRAU, 2007, p. 215, grifo do autor).
Quanto à aplicabilidade da norma, salienta Miranda (1990, p. 218 t. 1, apud MORAES, 2013, p. 13, grifo do autor):
São de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regra, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; tem como destinatário primacial – embora não único – o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos a invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjetivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados.
Noutras palavras, as normas programáticas, a priori, não dispõem aos indivíduos um direito subjetivo, prestação positiva, porque “fazem nascer um direito subjetivo negativo de exigir do Poder Público que se abstenha de praticar atos que contravenham os seus ditames” (BARROSO, 2003, p. 121, apud, SOUZA, 2005, p. 27).
O entendimento doutrinário quanto à eficácia das normas programáticas, segundo Diniz (1998, p. 116, apud SOUZA, 2005, p. 18), assevera que elas não permitem que o legislador edite leis contrárias ao que foi anteriormente firmado pelo constituinte; impõem um dever político ao órgão com competência normativa; demonstram a natureza do Estado Democrático de Direito ao indicar suas finalidades sociais e os valores objetivados pela sociedade; regulam os atos discricionários da Administração Pública e do Judiciário; servem de “diretrizes teleológicas para interpretação e aplicação jurídica (subsunção, integração e correção)”; e estabelecem direitos subjetivos por impedirem comportamentos antagônicos a elas.
Os efeitos imediatos das normas programáticas, conforme Barroso (1993, p. 113, apud SANTOS, 2004, p. 8), são:
[...] a) revogam os atos normativos anteriores que disponham em sentido colidente com o principio que substanciam; b) carreiam um juízo de inconstitucionalidade para os atos normativos editados posteriormente, se com elas incompatíveis." Quanto ao ângulo subjetivo, as normas programáticas conferem aos jurisdicionado direito a: "a) opor-se judicialmente ao cumprimento de regras ou à sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários ao sentido do preceptivo constitucional; b) obter, nas prestações jurisdicionais, interpretação e decisão orientadas no mesmo sentido e direção apontados por estas normas, sempre que estejam em pauta os interesses constitucionais por ela protegidos.
Em razão da polêmica acerca da aplicabilidade normativa, aduz Silva (2005, p. 180):
Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque, quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais.
A política não é um “domínio juridicamente livre e constitucionalmente desvinculado” (MIRANDA, 2003, p. 198). Não cabe à Constituição simplesmente estabelecer fronteiras aos atos políticos e administrativos, o texto constitucional deve prever normas-tarefa que fixem o que deve ser feito pelo Estado, tendo em vista a matriz constitucional por onde surgiu esse conjunto político.
No que diz respeito à previsão constitucional do meio ambiente, este deixou de ser visto simplesmente como matéria-prima – noutras palavras, essa era a ótica das Constituições anteriores à de 1988 – e passou a ser posto no mesmo patamar de relevância que a ordem econômica. No tocante ao assunto, explica Antunes (2010, p. 63):
[...] houve um aprofundamento das relações entre o Meio Ambiente e a infraestrutura econômica, pois, nos termos da Constituição de 1988, é reconhecido pelo constituinte originário que se faz necessária a proteção ambiental de forma que se possa assegurar uma adequada fruição dos recursos ambientais e um nível elevado de qualidade de vida às populações.
O direito ao meio ambiente é classificado por Silva (2005, p. 196) como direito solidário, cabendo a cada titular de direitos individuais reconhecer e respeitar igualmente o direito do próximo. Por isso, esse direito fundamental possui peculiaridades que o distinguem do rol de direitos do artigo 5°. Ele é assegurado, por exemplo, a todos, e não somente aos brasileiros, cidadãos, ou estrangeiros residentes no país (ANTUNES, 2010, p. 65); ainda mais, por ser um direito difuso, a norma constitucional que prevê a aplicabilidade de meios de proteção ao meio ambiente é de eficácia plena.
Da seguinte forma prevê o artigo 225, parágrafo 1°, da Constituição Federal de 1988 in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (BRASIL, 1988).
A distinção existente entre a eficácia das normas programáticas e as previsões do parágrafo 1° do artigo 225 pode ser assim explicada, baseando-se em Diniz (1998, p. 117, apud SOUZA, 2005, p. 18):
Há um escalonamento na intangibilidade e nos efeitos dos preceitos constitucionais, pois a Constituição contém normas com eficácia absoluta, plena e relativa. Todas têm juridicidade, mas seria uma utopia considerar que têm a mesma eficácia, pois o seu grau eficácia é variável. Logo, não há norma constitucional destituída de eficácia. Todas as disposições constitucionais têm a possibilidade de produzir, a sua maneira, concretamente, os efeitos jurídicos por elas visados.
Dessa forma, a norma referente à proteção ambiental é classificada como programática e de efeito imediato, estando plenamente apta a gerar resultados jurídicos, visto que sua extensão vai além de conjuntos sociais determinados, envolvendo toda a humanidade.
1.2 Da Ordem Econômica na Constituição de 1988
Com o fim do Estado Liberal e a ascensão do Estado Moderno a separação que existia entre a sociedade e o órgão estatal foi substituída pela interferência do ente público para com o povo, através da efetivação de prestações positivas. Não significa que o capitalismo decaiu, e sim que o mesmo foi renovado, competindo ao Poder Público “atuar como agente de implementação de políticas públicas”, o que enriqueceu suas “funções de integração, de modernização e de legitimação capitalista” (GRAU, 2007, p. 45).
Apesar de o Estado ser capitalista, a Carta de 1988 buscou atribuir um caráter humanista ao poder econômico, em conformidade com Silva (2005, p. 789):
Assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, não será tarefa fácil num sistema capitalista e, pois, essencialmente individualista. É que a justiça social só se realiza mediante equitativa distribuição da riqueza. Um regime de acumulação ou de concentração do capital e da renda nacional, que resulta da apropriação privada dos meios de produção, não propicia efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao lado de minoria afortunada. A história mostra que a injustiça é inerente ao modo de produção capitalista, mormente do capitalismo periférico. Algumas providências constitucionais formam agora um conjunto de direitos sociais com mecanismos de concreção que devidamente utilizados podem tornar menos abstrata a promessa de justiça social. Esta é realmente uma determinante essencial que impõe e obriga que todas as demais regras da constituição econômica sejam entendidas e operadas em função delas.
Os fundamentos humanitários da ordem econômica constitucional, mesmo que na prática não sejam espontaneamente respeitados, estão dispostos na constituição para comandar a atuação do poder público quando forem violados. Dessa forma, leciona Peluso (1989, p. 31):
Não nos parece de menor importância analisar o modo pelo qual os elementos nomeados por “princípios” figuram como norteadores da “Ordem Econômica”. Se não se incluem decisivamente na configuração desta “ordem”, registram as marcas ideológicas que aí devam predominar como instrumentos a serem acionados para a sua correta efetivação.
Logo, o dispositivo que inicia os princípios gerais da ordem econômica é o artigo 170 da CRFB/88, prevendo in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988).
Enquadram-se como fundamentos constitucionais os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1°, IV, CF/88), e estes princípios são reiterados no caput do artigo 170 da CF/88, quando prevê a valorização do trabalho humano e livre iniciativa. Não se trata de um Estado Social, haja vista que a livre iniciativa é componente do sistema capitalista (SILVA, 2005, p. 788), porém, é dado um tratamento especial ao princípio da valorização do trabalho, qual seja uma proteção politicamente racional, e não mera caridade ao trabalhador (GRAU, 2007, p. 198). Ou seja, nivelada ao respeito pelo trabalho, se a iniciativa privada desacatar tal preceito deverá o Poder Público intervir. Importante deixar claro que não é o caso de dirigismo econômico – arbitrariedade do poder público na economia –, e sim dever do Estado reprimir violações aos direitos dos empregados.
Percebe-se, então, que a livre iniciativa não é um princípio absoluto. No tocante a esse assunto, ADI n° 1.950 (STF, 2006) prevê em sua ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.7.844/92, DO ESTADO DE SÃO PAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA AOS ESTUDANTES REGULARMENTE
MATRICULADOS EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURA E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS 1º, 3º, 170, 205,208, 215 e 217, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais.
2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.
3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa.
4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário.
5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes.
6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF, ADI n° 1.950, plenário, maioria, relator: Min. Eros Roberto Grau, DJ: 05/06/2006).
A liberdade de iniciativa, todavia, foi citado no inciso IV do artigo 1°, no caput do artigo 170, e novamente mencionado no parágrafo único deste dispositivo, para esclarecer que mesmo que a Constituição procure atender o bem comum, deve ser respeitado o livre exercício da atividade econômica, o direito de propriedade, a livre concorrência, dentre outros direitos provenientes do sistema capitalista. Para Bagnoli (2008, p. 68), “o constituinte buscou afastar empecilhos burocráticos que retardassem, dificultassem ou impedissem o exercício de qualquer atividade econômica”, salvo os casos previstos em lei.
A respeito do livre exercício da atividade econômica, o Ministro Carlos Velloso assim relatou o julgamento do RE 422941/DF:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ECONÔMICO. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA: REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO DE SETORES ECONÔMICOS: NORMAS DE INTERVENÇÃO. LIBERDADE DE INICIATIVA. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I. - A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. - Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica,com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. - Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. - Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. - RE conhecido e provido. (STF, RE 422941/DF, segunda turma, relator: Carlos Velloso, DJ: 24/03/2006).
A justiça social está diretamente ligada ao objetivo da República Federativa do Brasil em construir uma sociedade livre, justa e solidária e, para ser materializada, dependerá da implementação de políticas públicas (GRAU, 2007, p. 215). A título de exemplo, o julgamento da ADI n° 2.649-6/DF foi assim proferido pela relatora ministra Cármen Lúcia:
A busca da igualdade de oportunidades e possibilidade de humanização das relações sociais, uma das inegáveis tendências da sociedade contemporânea, acolhida pelo sistema constitucional vigente, determina a adoção de políticas públicas que propiciem condições para que se amenizem os efeitos das carências especiais de seus portadores e toda a sociedade atue para os incluir no que seja compatível com as suas condições. [...] O desempenho das atividades relativas a transportes coletivos obedece, portanto, rigorosamente às regras específicas que o bem estar da sociedade haverá de determinar. [...] Não se há negar que as empresas associadas da Autora dispõem de liberdade constitucionalmente garantida para se constituírem e desempenharem as atividades para as quais foram criadas, nos termos da legislação vigente. Todavia, a titularidade de serviços públicos, como são os transportes coletivos, mantém-se com o concedente – ente público – e o seu exercício afeiçoa-se à demanda social e, ainda, ao cumprimento das exigências constitucionais e legais. (STF, ADI 2.649, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-5-2008, Plenário, DJE de 17-10-2008).
A seguir, no inciso I do artigo 170 há o princípio da soberania nacional, que serve como diretriz ou norma-objetivo, munida de caráter constitucional conformador (Grau, 2007, p. 225). Trata-se de independência econômica internacional, um sinal de que a República Federativa do Brasil não possui sujeições para com outros países.
Os incisos II e III do mesmo artigo dispõem os princípios da propriedade privada e a função social da propriedade. Aquele é direito exclusivo do proprietário, mas não é absoluto, pois ligada à propriedade está o dever de ser respeitada a sua função social, podendo ocorrer intervenção estatal para que esta seja garantida. “A competência para legislar sobre propriedade é privativa da União” (MARINELA, 2013, p. 864), com fulcro no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal/88. A jurisprudência do Supremo, no julgamento dos recursos extraordinários RE 140.436 e RE 387.047, proferiu, respectivamente, que:
Se a restrição ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao Poder Público. (STF, RE 140.436, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 25-5-1999, Segunda Turma, DJ de 6-8-1999.)
Solo criado é o solo artificialmente criado pelo homem (sobre ou sob o solo natural), resultado da construção praticada em volume superior ao permitido nos limites de um coeficiente único de aproveitamento. (...) Não há, na hipótese, obrigação. Não se trata de tributo. Não se trata de imposto. Faculdade atribuível ao proprietário de imóvel, mercê da qual se lhe permite o exercício do direito de construir acima do coeficiente único de aproveitamento adotado em determinada área, desde que satisfeita prestação de dar que consubstancia ônus. Onde não há obrigação não pode haver tributo. Distinção entre ônus, dever e obrigação e entre ato devido e ato necessário. (...) Instrumento próprio à política de desenvolvimento urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, nos termos do disposto no art. 182 da CF. Instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da função social da propriedade (...). (STF, RE 387.047, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 6-3-2008, Plenário, DJE de 2-5-2008.)
Em virtude da adoção da economia de mercado, o constituinte tornou viável a competição entre empresas ao dispor no texto constitucional econômico o princípio da livre concorrência (BAGNOLI, 2008, p. 66), competindo à lei reprimir o abuso do poder econômico que não respeite a justa competitividade, com fulcro no parágrafo 4° do artigo 173, CF/88. Acerca da livre concorrência, alega a Súmula 646 do STF que “ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”.
Previsto no artigo 5°, CF/88, e reafirmado no inciso V do artigo 170, a defesa do consumidor constitui princípio da ordem econômica por ser um direito público e que envolve interesse social. Em decorrência da reconhecida vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo a ação do poder público deve ser no sentido de protegê-lo efetivamente por iniciativa direta; incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; presença do Estado no mercado de consumo; ou pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. Também deve ser buscada uma conciliação dos interesses de ambas as partes das relações de consumo, assim como o equilíbrio da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, respeitando a boa-fé. Necessário, portanto, o conhecimento de fornecedores e consumidores dos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo, como forma até de repreender abusos como a concorrência desleal e utilização indevida de inventos (artigo 4°, incisos I, II, III, IV e VI da Lei n° 8.078/90).
Conforme já mencionado, o direcionamento adotado pela Constituição Federal de 1988 tornou a mesma um texto cidadão no qual prevalece o interesse coletivo sobre o interesse individual. Da mesma forma deve ser a constituição econômica, de acordo com Bagnoli (2008, p. 67):
A defesa do meio ambiente como princípio constitucional da ordem econômica implica na limitação da propriedade privada, destacadamente industrial e agrícola, para que assim se proteja um interesse maior, da coletividade. O todo deve prevalecer sobre o único.
Tendo em vista que o cuidado com o meio ambiente é essencial à sadia qualidade de vida (artigo 225, CF/88), não pode a sua segurança ser comprometida pelas atividades empresariais, pois a extensão que o meio ambiente alcança, em se tratando de interesse social, é maior que o poder econômico. Em breve parágrafo destacado da MS 22.164, o ministro do STF, relator Celso Antônio de Mello, manifestou-se da seguinte forma:
O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (STF, MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.11.1995).
As ações constitucionais e garantias disposta na Carta de 1988, desse modo, viabilizam a proteção desse direito, conforme proferido na ADI 3.540/DF:
Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. (STF, ADI 3.540/DF, relator Celso Antônio de Mello, DJ 03.02.2006).
O princípio da redução das desigualdades regionais e sociais é uma norma-objetivo, e assim expressamente previsto no artigo 3°, como meta a ser alcançada pela República. Essa diretriz será posteriormente estudada. Ademais, o princípio do pleno emprego está inerente ao “desenvolvimento e aproveitamento das potencialidades do Estado” (BAGNOLI, 2008, p. 67).
Por fim, o princípio do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (inciso IX, artigo 170, CF/88), o qual foi base para a criação, por exemplo, do Simples Nacional, “regime que foi criado para diferenciar, em iguais condições, os empreendedores com menor capacidade contributiva e menor poder econômico” (RE 627.543, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 30-10-2013, Plenário, DJE de 29-10-2014, com repercussão geral).
Esses princípios que compõem a ordem econômica foram implantados na constituição formal com o intuito de acatar as necessidades sociais, conforme ensina Peluso (1989, p. 47):
A configuração da temática incluída na Constituição Econômica constitui outro ponto fundamental do seu estudo e exalta a importância do sentido experimental de sua escolha. Os temas não são ali incluídos por mero capricho do legislador constituinte, mas devem ser tomados como a expressão dos anseios do País, pelo menos enquanto presentes ao texto. Quanto à orientação e ao comando a respeito assumem decisiva importância as forças políticas predominantes que podem, até mesmo, excluí-los ou ignorá-los, muitas vezes frustrando pretensões da opinião pública.
Neste caso, atuará o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, de acordo com as diretrizes previstas na lei, devendo fiscalizar, incentivar e planejar as atividades, sendo o planejamento determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (artigo 174, CF/88). Quanto a essa atuação estatal ante a economia, posiciona-se Comparato (1978, p. 467):
Na execução de sua política econômica, o Estado pode agir unilateralmente, exercendo as prerrogativas do imperium ou entrar em colaboração com os agentes privados da economia numa posição de relativa igualdade.
Atuando de forma imperativa sobre as estruturas econômicas, o Estado poderá agir diretamente, ou por intermédio de entidades públicas descentralizadas.
Resta claro que a nova ordem econômica firmada na Constituição de 1988 é um texto que não garante total liberdade ao poder econômico e fixa normas programáticas que devem ser efetivamente executadas pelo Estado, respeitando a supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
1.3 Combate à pobreza e redução das desigualdades socioeconômicas como meio de amenizar os problemas ambientais.
O equilíbrio entre crescimento econômico, preservação ambiental e equidade social, todos previsto no dispositivo constitucional da Ordem Econômica (artigo 170, CF/88), é a chave para se alcançar o desenvolvimento sustentável (THOMÉ, 2014, p. 58).
José Afonso da Silva adota uma terminologia peculiar, um princípio gênero que engloba os princípios previstos no artigo 170, na intenção de que sejam compreendidos como parte da ordem econômica constitucional (SILVA, 2005, p. 796):
Juntemos aqui considerações sobre a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego. Chamamo-los de princípios da integração, porque todos estão dirigidos a resolver os problemas da marginalização regional ou social. [...] é importante destaca aqui que, tendo-a elevado ao nível de princípio da ordem econômica (a defesa do meio ambiente), isso tem o efeito de condicionar a atividade produtiva ao respeito do meio ambiente e possibilita ao Poder Público interferir drasticamente, se necessário, para que a exploração econômica preserve a ecologia.
No entanto, a informatização do processo produtivo, a dinamização do tempo, a crescente necessidade de mão de obra especializada, e a terceirização (CHAGAS, 2007, p. 45) foram fatores prejudiciais ao pleno emprego, princípio constitucional que garante o aumento das oportunidades em firmar vínculos empregatícios, invés de diminuir. Trata-se do conteúdo ativo do princípio da função social da propriedade, cabendo ao proprietário ou detentor do bem exercer o seu direito-função (GRAU, 2007, p. 253), sujeitando-se a intervenção estatal.
A jurisprudência do STF no julgamento da ADI 319-QO, relator Ministro Moreira Alves, se posiciona da seguinte forma:
Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros. (STF, ADI 319-QO,Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 3-3-1993, Plenário, DJ de 30-4-1993.)
Em diversos pontos do Brasil a precarização do trabalho e a ausência de políticas públicas voltadas à melhoria do déficit habitacional propiciou a instalação da população marginalizada em locais impróprios, provocando desmatamento, e formação de periferias sem saneamento básico e infraestrutura (CHAGAS, 2007, p. 46). Ora, os pobres compõem a classe social mais atingida pelas consequências do uso irresponsável dos recursos naturais.
Acerca da ligação entre as desigualdades sociais e o impacto ambiental assim ensina Thomé (2014, p. 34):
A pobreza, principalmente nos países do sul, também pode ser considerada tanto causa como efeito dos problemas ambientais atuais. Necessitados de empregos que lhes deem sustento, os pobres buscam terra em todos os lugares onde possam encontrá-la para implantar uma produção de alimentos de subsistência e obter combustível. Praticam, não raras vezes, uma destrutiva agricultura de subsistência que, em pouco tempo, esgota a fertilidade do solo, obrigando-os a migrar. Se o impacto ambiental é evidente nos locais em que as pessoas se aglomeram em grandes números, as classes menos favorecidas economicamente, por outro lado, são exatamente as mais vulneráveis aos problemas ambientais.
Francisco Morato, por exemplo, constitui modelo de agrupamento social periférico, formado em decorrência do crescimento econômico desenfreado e suas consequentes desigualdades. A emigração para a metrópole paulista em busca de trabalho, a desvalorização dessa mão de obra pelos empreendimentos, e a necessidade de estabelecer sua residência, fez com que grupos se dirigissem às regiões periféricas da Grande São Paulo, fugindo do aluguel, das favelas, e rumo à casa própria (CHAGAS, 2007, p. 57). De acordo com este autor (2007, p. 59), “a cidade está inserida em um ciclo de pobreza que barra o desenvolvimento da mesma, uma vez que a prefeitura não possui estrutura administrativa e financeira para lidar com o constante aumento dessa pobreza”, assim como para atender as novas demandas das comunidades. A falta de condição monetária e departamentos competentes nas instituições públicas locais dificultam a implantação de diretrizes estatais voltadas à educação e desenvolvimento da população.
O município não recebe investimentos da economia por não possuir uma infraestrutura atrativa às empresas, e com a escassez de recursos próprios não adota políticas públicas. Conclui-se que não é uma mudança em curto prazo e que o “tratamento de questões locais deve se dar de forma multidisciplinar e intersecretarial como forma de se conseguir trabalhar a complexidade das questões sociais e econômicas” (CHAGAS, 2007, p. 134).
Ainda mencionando a dissertação de mestrado de Chagas (2007, p. 134), o mesmo findou sua pesquisa informando que o investimento para que a cidade se desenvolva, deve partir da estruturação do indivíduo, isto é, o crescimento econômico deve ser conciliado com os valores sociais e a proteção ambiental para que seja alcançado o desenvolvimento sustentável.
A solução aos olhos dos estudiosos e da comunidade internacional, segundo Thomé (2014, p. 58) seria:
Um dos maiores estudiosos sobre o desenvolvimento sustentável, Ignacy Sachs, afirma que a saída do “duplo nó” (pobreza e destruição do meio ambiente) exige um período relativamente longo de crescimento econômico nos países do hemisfério sul e no leste europeu. Os mais importantes documentos produzidos sobre meio ambiente tem enfatizado a necessidade de mais crescimento econômico, mas com formas, conteúdos e usos sociais completamente modificados, com uma orientação no sentido das necessidades das pessoas, da distribuição equitativa de renda e de técnicas de produção adequadas à preservação dos recursos.
Sobre o dever atribuído a todos os Estados em erradicar a pobreza, o princípio Cinco da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92) prevê:
Para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender às necessidades da maioria da população do mundo.
A proteção do meio ambiente é, portanto, um elemento de interseção entre a ordem econômica e os direitos individuais (ANTUNES, 2010, p. 64), cabendo ao Poder Público ponderar esses direitos e juntamente com a sociedade os implementar para que os objetivos da República Federativa do Brasil sejam alcançados.
2. O ESTADO E A COLETIVIDADE RUMO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
A degradação ambiental, conforme salientado no capítulo anterior, está ligada à pobreza, e do mesmo modo ao crescimento econômico desequilibrado. A harmonia entre esses três pilares tem como resultado o desenvolvimento sustentável, questão levantada pela Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Relatório Brundtland, 1987 (1988, p. 40 apud ANTUNES, 2010, p. 25):
O desenvolvimento não se mantém se a base de recursos ambientais se deteriora; o meio ambiente não pode ser protegido se o crescimento não leva em conta as consequências da destruição ambiental. Esses problemas não podem ser tratados separadamente por instituições e políticas fragmentadas. Eles fazem parte de um sistema complexo de causa e efeito.
Hodiernamente, em virtude da urgência em desenvolver nos órgãos públicos e na sociedade a consciência de que os recursos naturais estão se tornando cada vez mais escassos, cabe ao legislador especificar as diretrizes destinadas ao poder Executivo, as consequências pelo descumprimento da norma e as atitudes sustentáveis a serem adotadas pela população.
Com a nova ótica da Constituição Federal de 1988 acerca da proteção do meio ambiente algumas leis infraconstitucionais precisaram ser alteradas para que seus dispositivos convergissem com a previsão constitucional.
Desse modo, a Administração Pública vem implantando a sustentabilidade como componente na execução de seus atos, porém, a estruturação social não acompanha o mesmo ritmo. Necessário um maior investimento na formação do indivíduo e da coletividade, cumulada com outros fatores como o aumento da distribuição de renda, para que os particulares possam efetivamente cumprir seu papel como defensores do meio ambiente.
A nova redação dada ao caput do artigo 3° da Lei n° 8.666/93, por exemplo, dispõe que a licitação deve, além de respeitar o princípio constitucional da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa para a administração, garantir a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, observando os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
A competência para legislar sobre licitação é privativa da União, com fulcro no artigo 22, XXVII, CF/88 in verbis:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III (BRASIL, 1988).
As normas gerais “estabelecem os princípios, os fundamentos, as diretrizes, enfim, os critérios básicos conformadores das leis que necessariamente terão de sucedê-las para completar a regência da matéria” (MARINELA, 2013, p. 347). Nesse sentido, além dessa competência ser delegada por lei complementar aos estados para tratarem de questões específicas (artigo 22, parágrafo único, CF/88), compete ao Presidente da República, no exercício de sua função atípica, expedir decreto para que a lei seja fielmente executada (artigo 84, IV, CF/88). Esse decreto deverá dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal (VI, “a”, CF/88), assunto que será posteriormente tratado no Decreto nº 7.746/2012.
À coletividade também são atribuídas obrigações ante a proteção ambiental, tendo em vista que igualmente desfrutam dos recursos naturais, responsabilizando-se o poluidor, seja pessoa física ou jurídica, do setor público ou privado, pela degradação que provocou. Cabe às empresas modificarem seu sistema de produção e aos particulares seguirem novos hábitos, adotando um consumo sustentável. Este tema foi tratado na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, e da seguinte forma previsto no documento “Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20” (2011, p. 11):
O papel da sociedade civil no multilateralismo é de especial relevância nos foros dedicados ao desenvolvimento sustentável, tendo sido fundamental para a própria consolidação desse conceito durante e depois da Rio-92. [...] A enorme capacidade de ação e reflexão da sociedade civil ainda pode ser mais bem integrada aos trabalhos dos diversos organismos multilaterais, os quais devem buscar formas para promover níveis de participação ainda maiores.
Todavia, um dos mais relevantes e eficientes métodos de se promover a proteção ambiental é através da educação, pois é educando a população que se forma indivíduos com capacidade crítica. Segundo Antunes (2010, p. 255), “é através da educação ambiental que se faz a verdadeira aplicação do princípio mais importante do Direito Ambiental: o princípio da prevenção”.
2.1 O Decreto nº 7.746/2012 e a Administração Pública
A função do Estado na busca pelo desenvolvimento sustentável está em regular o uso dos recursos naturais e estimular comportamentos mais sustentáveis para que não seja necessária a sua imposição, mas tão somente espontaneidade dos agentes econômicos em realizar novas atividades. Assim foi discutida a responsabilidade estatal na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20, 2011, p. 12):
A adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável demanda substantivos investimentos e financiamento de fontes públicas e privadas, as quais, no atual cenário de crise econômica e restrições fiscais, têm apresentado fortes limitações. Nesse contexto, é fundamental que o Estado retome seu papel de indutor e regulador do desenvolvimento, favorecendo a adoção de práticas econômicas e processos produtivos inovadores, calcados no uso racional e na proteção dos recursos naturais e na incorporação de pessoas excluídas à economia, por meio do acesso ao emprego, ao trabalho decente e à renda. Por meio de instrumentos econômicos e políticas públicas, o Estado deve remover barreiras e criar incentivos positivos, que facilitem a adesão do setor produtivo a padrões mais sustentáveis sob as óticas econômica, ambiental e social.
Desse modo, tornou-se conveniente alterar o artigo 3° da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que assim foi feito pela Lei nº 12.349/2010, legislação relacionada à Agenda Ambiental na Administração Pública – A3P, para que dentre os critérios para selecionar uma proposta mais vantajosa ao Poder Público, estivesse a sustentabilidade. Ora, em 2012 foi expedido pela Presidente da República o Decreto n° 7.746/12 que visa regulamentar o artigo 3° da Lei n° 8.666/93, estabelecendo critérios, práticas e diretrizes gerais para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável por meio das contratações realizadas pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional e pelas empresas estatais dependentes, além de instituir a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP (artigo 1°).
Em conformidade ao conceito já analisado de desenvolvimento sustentável, conclui-se que a nova licitação prevista no artigo 3°, Lei n° 8.666/93, visa, seguindo o procedimento administrativo formal, optar pela proposta que não necessariamente seja a mais barata, mas que atenda às necessidades sociais, ambientais e econômicas. Esse comportamento do Poder Público também serve para refletir e incentivar ações voltadas à sustentabilidade na economia.
Por isso, em observância aos princípios do artigo 3°, caput, da Lei n° 8.666/93 inclusive o instrumento convocatório, os órgãos da administração pública federal direta e as entidades da administração indireta poderão adquirir bens, contratar serviços e obras considerando critérios e práticas sustentáveis, acolhimento que deverá ser justificado nos autos, preservando o caráter competitivo do certame (artigo 2°, parágrafo único, Decreto n° 7.746/12).
O instrumento convocatório, em regra o edital, expressa as normas internas a serem seguidas na licitação, não podendo a Administração Pública se exceder ou rarear o que está ali estabelecido (MARINELA, 2013, p. 356). No caso da licitação voltada a contratos administrativos sustentáveis, o documento pode exigir: a) que o material dos bens a serem adquiridos seja reciclado, atóxico ou biodegradável, entre outros critérios de sustentabilidade (artigo 5º); e b) que a pessoa jurídica contratada adote práticas de sustentabilidade na execução dos serviços contratados e critérios de sustentabilidade no fornecimento dos bens (artigo 7o). Essas e outras determinações podem ser comprovadas através de certificação emitida por instituição pública oficial, instituição credenciada, ou por qualquer outro meio definido no instrumento convocatório, segundo o artigo 8° do Decreto n° 7.746/12. Não havendo certificação, tal documento regulador estabelecerá que, após a seleção da proposta e antes da adjudicação do objeto, o contratante poderá realizar diligências para averiguar se o bem ou serviço atende as suas formalidades. Caso não preencha, a administração pública deverá apresentar razões técnicas, assegurando o direito de manifestação do licitante vencedor.
As diretrizes determinadas pela administração pública federal para as contratações, nos termos do artigo 4° do mesmo decreto, são in verbis:
Art. 4o São diretrizes de sustentabilidade, entre outras:
I – menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo e água;
II – preferência para materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local;
III – maior eficiência na utilização de recursos naturais como água e energia;
IV – maior geração de empregos, preferencialmente com mão de obra local;
V – maior vida útil e menor custo de manutenção do bem e da obra;
VI – uso de inovações que reduzam a pressão sobre recursos naturais; e
VII – origem ambientalmente regular dos recursos naturais utilizados nos bens, serviços e obras.
A implementação dos critérios, práticas e ações de logística sustentável previstos no artigo 1° do decreto é proposta pela Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública (CISAP), órgão de natureza consultiva e caráter permanente, vinculada à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (artigo 10°). A CISAP tem como competência apresentar a esta secretaria normas para elaboração de ações de logística sustentável; regras para a elaboração dos Planos de Gestão de Logística Sustentável, e projetos de incentivos para órgãos e entidades que se destacarem na execução destes; critérios e práticas de sustentabilidade nas aquisições, contratações, utilização dos recursos públicos, desfazimento e descarte; estratégias de sensibilização e capacitação de servidores para a correta utilização dos recursos públicos e para a execução da gestão logística de forma sustentável; cronograma para a implantação de sistema integrado de informações para acompanhar a execução das ações de sustentabilidade; e ações para a divulgação das práticas de sustentabilidade.
O edital da concorrência pública nº 004/2013-DIRAC, processo nº 5389.000356/2013-90, a título de exemplo, foi publicado com o fim de contratar empresa que executasse obras de construção da infraestrutura e edificações de blocos no campus da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, instituição contratante, com certificação alta qualidade ambiental – processo Aqua – 2ª etapa. O procedimento licitatório adotou o critério menor preço e o sistema de execução foi empreitada por preço global, isto é, a contratação já possui preço certo e total. Em obediência às disposições do Decreto n° 7.746/12, as cláusulas contratuais desse edital que dispõem sobre as diretrizes sustentáveis são as seguintes:
16.3. Critérios de Sustentabilidade – Diretrizes para Execução de Obras Sustentáveis
[...]
16.3.2. Diretrizes para limitação da poluição
16.3.2.1. A CONTRATADA é responsável por implementar estratégias e ações de engenharia com objetivo de reduzir a perda de solo por processos erosivos e escoamento superficial, prevenção da sedimentação de galerias pluviais e corpos hídricos, prevenção da poluição do ar por material particulado, e poluição do solo e da água por materiais potencialmente contaminantes.
[...]
16.3.2.9. A CONTRATADA deverá prever medidas de tratamento e contenção de efluentes líquidos para que não sejam lançados diretamente na galeria de águas pluviais.
[...]
16.3.3. Diretrizes para limitação do consumo de recursos
[...]
16.3.3.3. A CONTRATADA deverá implementar estratégias para minimizar o consumo de água e energia do canteiro, e prever ações tais como:
- Aproveitamento de águas pluviais;
- Reuso da água do lava-rodas;
- Preferência por caminhões pipas com água de reuso;
- Utilização de dispositivos economizadores nos sanitários;
- Utilização de lâmpadas de alta eficiência [nível A e B do selo Procel];
- Utilização de energia fotovoltaica;
- O consumo de água [potável e não potável] e energia do canteiro deverão ser medidos diariamente;
- Criar metas de redução de consumo.
Esses bens, serviços e obras sustentáveis adquiridos pela Administração Pública podem não ser os de menor preço no momento da contratação, mas se analisados em longo prazo e incluindo todos os outros gastos que o Estado teria no intuito de minimizar o impacto ambiental, percebe-se que são mais econômicos. De acordo com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, essas compras sustentáveis “reduzem os gastos do Estado com políticas de reparação de danos ambientais, têm maior durabilidade, menor consumo de energia e materiais, e incentivam o surgimento de novos mercados e empregos verdes”. O dever constitucional do Poder Público em defender e preservar o meio ambiente, portanto, a contratação pública está adotando procedimentos que vão ao encontro da proteção ambiental.
2.2 Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente
Noutro aspecto, com a ascensão da atividade empresarial e a relevante existência de empreendimentos para o crescimento da economia, o legislador além de direitos estabeleceu obrigações aos agentes econômicos que, quando desrespeitadas, implicariam em consequências pelo ato ilícito. O instituto da responsabilidade civil, logo, tornou-se importante instrumento na defesa do meio ambiente, tendo em vista que responder por um dano não se resume a uma simples indenização, e sim um estímulo à prática de ações condizentes ao desenvolvimento sustentável. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a ementa do REsp 1145083/MG:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE.
DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.
[...]
3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.
4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.
[...]
8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur. (BRASIL, STJ, REsp 1145083/MG, Min. Herman Benjamin, segunda turma, unânime, DJ: 27/09/2011, DJe: 04/09/2012).
No caso concreto, esse mecanismo tem sido bastante utilizado pelo STJ, considerando-se que, nos dias atuais, os prejuízos ambientais, em regra, são provocados por ação humana. Sobre a necessidade de imputar a responsabilização a alguém, aduz Josserand (1941, p. 550):
Temos sede de justiça, isto é, de equilíbrio jurídico, e, quando acontece um desastre, procuramos logo o responsável; queremos que haja um responsável; não aceitamos mais, docilmente, os golpes do destino, e, sim, pretendemos determinar a incidência definitiva. Ou, se o quiserem, o acidente não nos aparece mais como coisa do destino, mas como ato, direto ou indireto, do homem.
A Declaração do Rio expõe no princípio 13 que cabe a todos os Estados ter no ordenamento jurídico leis que estipulem a responsabilização dos poluidores e a indenização das vítimas:
Os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas de poluição e de outros danos ambientais. Os Estados irão também cooperar, de maneira expedita e mais determinada, no desenvolvimento do direito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização por efeitos adversos dos danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle (ONU, 1992).
Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 no parágrafo 3° do artigo 225 instaurou a denominada tríplice responsabilização por danos causados ao meio ambiente (THOMÉ, 2014, p. 541), instituto que engloba tanto a responsabilidade civil como a administrativa e a penal in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (BRASIL, 1988).
O Código Civil de 2002, no parágrafo único do artigo 927, expos que a responsabilidade objetiva, ou seja, o dever de reparar os danos sem a necessária comprovação da culpa incidirá em casos especificados na legislação, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano acarretar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Dessa forma, a Política Nacional do Meio Ambiente determina que o poluidor, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado que, direta ou indiretamente, se responsabiliza por atividade causadora de degradação ambiental (inciso IV, artigo 3°, da Lei n° 6.938/81) é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por seu exercício (parágrafo 1°, primeira parte, artigo 14, Lei n° 6.938/81). Trata-se, portanto, de um dos objetivos da PNMA impor ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, assim como exigir do usuário a contribuição pelo uso dos recursos naturais com intuito econômico (artigo 4°, VII, Lei n° 6.938/81), e compete ao Ministério Público da União e dos Estados propor a ação de responsabilidade civil e criminal (parágrafo 1°, segunda parte, artigo 14, Lei n° 6.938/81).
O civilista Nelson Nery Junior compreende que o legislador ao adotar a responsabilidade civil objetiva pelos danos ecológicos apresenta três consequências: a) a prescindibilidade da culpa para o dever de reparar; b) irrelevância do caso fortuito e da força maior como causas excludentes da responsabilidade; e c) desnecessária licitude da atividade (1984, p. 171). Primeiramente, o caráter dispensável do elemento subjetivo ocorre em virtude da chamada teoria do risco, conforme assevera Cavalieri (2012, p. 152):
Risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 578797/RS, assim se posiciona quanto à objetividade desse instituto:
DANO AMBIENTAL. CORTE DE ÁRVORES NATIVAS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 1. Controvérsia adstrita à legalidade da imposição de multa, por danos causados ao meio ambiente, com respaldo na responsabilidade objetiva, consubstanciada no corte de árvores nativas. 2. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva (art.14, parágrafo 1º.) e foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante e impertinente a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de indenizar. 3. A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva significou apreciável avanço no combate a devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano. 4. O art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81 prevê expressamente o dever do poluidor ou predador de recuperar e/ou indenizar os danos causados, além de possibilitar o reconhecimento da responsabilidade, repise-se, objetiva, do poluidor em indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ou aos terceiros afetados por sua atividade, como dito, independentemente da existência de culpa., consoante se infere do art. 14, § 1º, da citada lei. 6. A aplicação de multa, na hipótese de dano ambiental, decorre do poder de polícia - mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter ou coibir atividades dos particulares que se revelarem nocivas, inconvenientes ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional, como sói acontecer na degradação ambiental. 7. Recurso especial provido (BRASIL. STJ. Resp-578797/RS; Min. Luiz Fux, primeira turma, DJ: 05/08/2004, DJe: 20/09/2004).
A polêmica em torno desse assunto, todavia, reside se o risco é ou não integral, isto é, se as excludentes de responsabilidade são descartadas na responsabilização pelos danos ambientais (THOMÉ, 2014, p. 545). Alguns doutrinadores entendem que se a empresa “assumiu o risco de colocar a atividade no mercado, deve assumir todos os ônus daí decorrentes, exceto aqueles absolutamente imprevisíveis que cortam o nexo causal” (RODRIGUES, 2005, p. 293 apud THOMÉ, 2014, p. 545). Neste caso, a eventual culpa do poluidor não é necessariamente afastada, mas o nexo de causalidade que é rompido por razões imprevisíveis ou inevitáveis (GONÇALVES, 2014, p. 73). Em contrapartida, o outro posicionamento, majoritário, defende que mesmo o nexo causal sendo indispensável para a responsabilidade objetiva, há situações excepcionais em que o dever de indenizar está baseado principalmente no dano (CAVALIERI, 2012, p. 155), é o caso meio ambiente (CAVALIERI, 2012, p. 164), não admitindo as excludentes da responsabilidade:
[...] o poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advém de sua atividade, como se isto fora um começo da socialização do risco e do prejuízo. O interesse público que é ínsito ao direito do meio-ambiente deve sobrepor-se à atividade particular voltada, normalmente, para o lucro. [...] não só a população deve pagar esse alto preço pela chegada do progresso. O poluidor tem também a sua parcela de sacrifício que é, justamente, a submissão à teoria do risco integral, subsistindo o dever de indenizar ainda quando o dano seja oriundo de caso fortuito ou força maior. (NERY JUNIOR, 1984, p. 173/174).
A posição majoritária também é adotada pelo STJ que, em firme jurisprudência, profere que é suficiente a existência do dano para que haja o dever de reparar/indenizar:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA EMISSÃO DE FLÚOR NA ATMOSFERA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. POSSIBILIDADE DE OCORRER DANOS INDIVIDUAIS E À COLETIVIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável.
3. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ.
4. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível.
5. Na hipótese, a leitura da exordial afasta qualquer dúvida no sentido de que os autores - em sua causa de pedir e pedido - pleiteiam, dentre outras, a indenização por danos extrapatrimonias no contexto de suas esferas individuais, decorrentes do dano ambiental ocasionado pela recorrente, não havendo falar em violação ao princípio da adstrição, não tendo a sentença deixado de apreciar parcela do pedido (citra petita) nem ultrapassado daquilo que fora pedido (ultra petita).
6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea "c" do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ).
7. Recurso especial a que se nega provimento (BRASIL, STJ, Resp 1175907/MG, Min. Luis Filipe Salomão, quarta turma, DJ: 19/08/2014, DJe: 25/09/2014).
Ao por em segundo plano o nexo causal, o risco integral carece de método para desvendar qual a dimensão do impacto e o agente que o provocou, para, assim, ser responsabilizado. Em virtude de o dano ambiental ter uma extensão que não é facilmente calculada, além de não poder ser dividida de forma equivalente entre os causadores, a responsabilidade é solidária, cabendo aos poluidores diretos e indiretos responder solidariamente pelo dano ambiental (THOMÉ, 2014, p. 546).
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AO MEIO AMBIENTE. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PRECEDENTES.
1. Mostra-se induvidosa a responsabilidade solidária e objetiva da recorrente, consoante entenderam as instâncias ordinárias, pelo que seria meramente facultativa a denunciação da lide, pois nada impede que a contratante se volte, posteriormente, contra a contratada, ou outra pessoa jurídica ou física, para o ressarcimento da reparação a que vier a ser condenada.
2. Precedentes desta Corte.
3. Recurso Especial improvido (BRASIL, STJ, Resp 67285/SP, Min. Castro Meira, segunda turma, DJ: 03/06/2004; DJe: 03/09/2007).
Quanto a irrelevante licitude da atividade econômica, por fim, mesmo que esta respeite todo o procedimento administrativo para tirar licença ambiental, por exemplo, o posterior impacto nos recursos naturais, ainda que dentro dos parâmetros estabelecidos pelas normas de segurança, faz nascer para o poluidor o dever de indenizar, em virtude de a sua atividade compor o nexo causal (NERY JUNIOR, 1984, p. 175).
Deve ser lembrado, no entanto, que o desenvolvimento sustentável é a harmonia entre crescimento econômico, proteção ambiental e equidade social. Sendo realizadas todas as etapas exigidas pela legislação para que seja concedida a licença ambiental, respeitando o princípio da prevenção, não há motivo para que os agentes econômicos sejam responsabilizados por um impacto que já estava previsto nos padrões aceitáveis.
Como já foi minuciosamente estudado, a sustentabilidade e o crescimento econômico não podem ser vistos separadamente; quando este segue os princípios da função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, busca do pleno emprego, o resultado é a redução das desigualdades sociais e, consequentemente, a proteção do meio ambiente.
2.3 Sociedade e consumo sustentável
Entendia-se, até a década de 70, estar a crise ambiental relacionada, sobretudo, ao crescimento demográfico nos países em desenvolvimento. No entanto, a Conferência de Estocolmo (1972) modificou essa compreensão, esclarecendo que a crise estava associada, na verdade, ao uso predatório de matéria-prima para produção de mercadorias e consumo excessivo nos países industrializados (FLORES, 2012, p. 32). A Declaração sobre o Meio Ambiente, instrumento firmado nessa conferência, previu que os problemas ambientais nos países em desenvolvimento têm como causa a pobreza e miséria da maioria. Adiante, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ECO-92, foi empregada a expressão desenvolvimento sustentável, cabendo a todos os Estados, de forma equivalente à degradação de cada um, proteger, recuperar e compensar o meio ambiente (THOMÉ, 2014, p. 45).
Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - Rio+20, o Brasil fez a seguinte declaração sobre os métodos de consumo capitalista (2011, p. 13):
Os padrões atuais de produção e consumo, altamente intensivos em recursos naturais e frequentemente ineficientes em seu uso, são insustentáveis no médio e longo prazos. Somente se estes padrões forem modificados, parcelas crescentes da humanidade poderão alcançar níveis adequados de bem-estar social, ambiental e econômico.
Na mesma linha, a Agenda 21, em seu capítulo 4, entende que além da pobreza exercer pressão sobre o meio ambiente, os padrões de consumo e produção insustentáveis também provocam grande impacto ambiental, especialmente nos países industrializados. Significa que a permanência no consumo insustentável e alimentação desse tipo de produção provocará o agravamento da pobreza e dos desequilíbrios ambientais (1995, p. 33). E complementa (AGENDA 21, 1995, p. 34):
A mudança dos padrões de consumo exigirá uma estratégia multifacetada centrada na demanda, no atendimento das necessidades básicas dos pobres e na redução do desperdício e do uso de recursos finitos no processo de produção.
O consumo sustentável, segundo o Ministério do Meio Ambiente, representa a aquisição de produtos que não demandaram tantos recursos naturais para sua produção, que proporcionaram emprego e valorizaram os trabalhadores, e que serão facilmente submetidos à reciclagem ou reaproveitamento. Esse novo método denega o desperdício, implantando no mercado produtos duráveis que diminuem, consequentemente, o acúmulo de lixo.
Esse novo paradigma tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro nos seguintes dispositivos: a) artigo 5°, inciso XIII, alínea “b” da Lei n° 12.187/09, estabelecendo como diretriz da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) o estímulo e o apoio à manutenção e à promoção de padrões sustentáveis de produção e consumo; b) Lei n° 12.305/10, a qual instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, salientando no artigo 3°, inciso XIII, que os padrões sustentáveis de produção e consumo têm o fim de atender as necessidades das gerações atuais e permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras; c) dispõe ainda, no inciso VII do artigo 3° da mesma Lei, que a destinação final ambientalmente adequada de produtos submetidos à coleta seletiva envolve a reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação e aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes, evitando danos ou riscos à saúde pública, à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos; d) artigo 2o, inciso XIII, da Lei n° 11.445/07, o qual fixa que os serviços públicos de saneamento básico devem ser prestados com base na adoção de medidas de fomento à moderação do consumo de água; e) parágrafo único do artigo 19, Lei n° 7.802/89, asseverando que as empresas produtoras e comerciantes de agrotóxicos, seus componentes e afins, irão implantar, juntamente com o Poder Público, programas educativos e mecanismos de controle e estímulo à devolução das embalagens vazias por parte dos usuários, no prazo de cento e oitenta dias; dentre outros (PPCS, 2011, p. 25).
A Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental, repartição do Ministério do Meio Ambiente, promoveu em 2012 uma pesquisa nacional intitulada “O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável”, analisando a compreensão do povo acerca da problemática ambiental e as mudanças necessárias no cotidiano. Predomina claramente o número pessoas que enxerga a proteção ambiental como prioridade, mesmo que provoque uma desaceleração na economia (2012, p. 30). As atitudes ecológicas presentes no dia-a-dia das famílias são a “disposição para separar lixo, economizar água e energia, aderir às campanhas por redução de sacolas plásticas, fazer trabalho voluntário (maioria) e realizar mutirão, contribuir com dinheiro e até mesmo tornar-se membro de alguma organização ecológica (minoria)” (2012, p. 39). Essa noção e comportamento estão ligados a indivíduos mais escolarizados e residentes em áreas urbanas, independente do gênero e renda.
O presente estudo constatou uma irregular consciência sustentável entre os consumidores brasileiros, variando conforme a classe social e regional. Não é suficiente que a implantação do novo modelo de consumo restrinja o acesso à informação apenas à classe média e espere que ela sozinha ponha em prática; aqueles que estão à margem, vítimas diretas da poluição, devem também receber orientação dos órgãos públicos e ser incluídos nas ações governamentais e não governamentais, no intuito de ensinar novos hábitos a todos.
Por isso, com o objetivo primordial de modificar o sistema econômico, o Departamento de Produção e Consumo Sustentáveis - DPCS, integrante da Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental – SAIC, expôs em um documento as estratégias que devem ser usadas para executar o Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis – PPCS. Este plano surgiu para sistematizar os dados e informações presentes em relatórios de órgãos públicos, empresas e instituições não governamentais, servindo como manual de instruções para consolidar um mercado sustentável. Dentre as diretrizes do PPCS, vale a pena destacar a que propõe a inclusão de ações que tenham impacto no sistema cultural e educacional visando à mudança de comportamento (2011, p. 20). Desse modo, a ação a ser concretizada é o repasse financeiro pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para promover melhorias da qualidade de ensino e apoiar as escolas públicas na adoção de critérios de sustentabilidade socioambiental - PDDE Escolas Sustentáveis (2011, p. 10).
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE elaborou a Resolução n° 18/2013 dispondo o seguinte:
CONSIDERANDO que os espaços educadores sustentáveis contribuem com os esforços de prevenção de riscos ambientais e proteção das comunidades, auxiliando no fortalecimento do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituído pela Lei 12.340, de 1º de dezembro de 2010, resolve "ad referendum":
Art. 1º Destinar recursos financeiros de custeio e de capital, nos moldes operacionais e regulamentares do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), a escolas públicas municipais, estaduais e distritais que possuam alunos matriculados na educação básica, de acordo com dados extraídos do Censo Escolar do ano anterior ao do repasse, a fim de favorecer a melhoria da qualidade de ensino e a promoção da sustentabilidade socioambiental nas unidades escolares.
Percebe-se que a melhor forma de a coletividade cumprir seu papel na proteção do meio ambiente é pela readaptação do consumo, e para despertar essa compreensão nos brasileiros precisa ser feita uma mudança na base, uma remodelagem na educação.
3. APLICABILIDADE DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Direito garantido a todos pelo Estado juntamente com a família, recebendo auxílio complementar da sociedade, a educação está disposta no rol constitucional de direitos sociais e tem como objetivo, de acordo com o artigo 205 da CF/88, desenvolver plenamente o indivíduo, prepará-lo para exercer a cidadania, assim como qualificá-lo para o trabalho. Em conformidade ao que foi estudado no primeiro capítulo, trata-se de norma programática, cabendo ao legislador especificar os meios necessários a serem desenvolvidos pelo Poder Público para alcançar esses resultados.
Em contrapartida, o capítulo VI da Constituição Federal de 1988 fixa o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como norma programática, sendo a educação ambiental a forma pela qual esse direito será efetivado. O constituinte estabeleceu a educação ambiental como instrumento preventivo que, através do conhecimento, busca ensinar o indivíduo e conscientizar a coletividade da sua obrigação em zelar pelo meio ambiente, nos termos do inciso VI, parágrafo primeiro do artigo 225 CF/88 in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
Manifesta Sauvé (2002, p. 317), contudo, que a educação ambiental não deve ser vista como simples ferramenta para solução do problema, mas como método capaz de reduzir a lacuna existente entre o homem e a natureza.
A educação ambiental leva-nos também a explorar os estreitos vínculos existentes entre identidade, cultura e natureza, e a tomar consciência de que, por meio da natureza, reencontramos parte de nossa própria identidade humana, de nossa identidade de ser vivo entre os demais seres vivos (SAUVÉ, 2002, p. 317).
O conceito de desenvolvimento sustentável, segundo Gadotti (2005, p. 13), foi bastante criticado pelo seu caráter reducionista em comparação à sustentabilidade; além disso, afirmou que no atual contexto da globalização, aquela e o capitalismo são compreendidos como termos inconciliáveis.
Como pode existir um crescimento com eqüidade [sic], um crescimento sustentável numa economia regida pelo lucro, pela acumulação ilimitada, pela exploração do trabalho e não pelas necessidades das pessoas? Levado às suas últimas conseqüências [sic], a utopia ou projeto do “desenvolvimento sustentável”, coloca em questão, não só o crescimento econômico ilimitado e predador da natureza, mas o modo de produção capitalista.
A necessidade na busca pela harmonia entre esses pilares é em razão de não haver mais condições da sustentabilidade e a economia serem vistos como extremos. Não há como retroceder aos avanços econômicos e modificar completamente os costumes dos homens em virtude do meio ambiente, assim como a exploração exorbitada da natureza não é mais um privilégio, tendo em vista que a sobrevivência da humanidade depende dela. A solução, a priori, é o equilíbrio entre as necessidades sociais e o planeta, o desenvolvimento sustentável.
Diante dessas críticas, o sucesso da luta ecológica hoje depende muito da capacidade dos ecologistas convencerem a maioria da população, a população mais pobre, de que se trata, não apenas de limpar os rios, despoluir o ar, reflorestar os campos devastados para vivermos num planeta melhor num futuro distante. Trata-se de dar uma solução, simultaneamente, aos problemas ambientais e aos problemas sociais. Os problemas de que trata a ecologia não afetam apenas o meio ambiente. Afetam o ser mais complexo da natureza que é o ser humano. (GADOTTI, 2005, p. 18).
Logo, o instrumento que torna possível a conciliação entre meio ambiente e crescimento econômico é a educação, por aproximar o homem à natureza. O Estado ao promover licitações que tem como critérios a sustentabilidade e ao responsabilizar os empreendimentos pelos danos causados ao meio ambiente está estimulando uma mudança de comportamento, não necessariamente uma consciência sustentável no setor empresarial. A educação, todavia, tem a capacidade de conscientizar os cidadãos a adotarem uma postura adequada, construindo uma cultura sustentável. O consumidor, por exemplo, saberá escolher produtos cuja fabricação respeitou os valores sociais do trabalho e não provocou grandes impactos ambientais. A reeducação social para o desenvolvimento sustentável implica na alteração do sistema econômico.
A educação ambiental implica uma educação para a conservação e para o consumo responsável e para a solidariedade na repartição eqüitativa [sic] dentro de cada sociedade, entre as sociedades atuais e entre estas e as futuras. Trata-se de gerir sistemas de produção e de utilização dos recursos comuns, tanto quanto sistemas de tratamento de resíduos e sobras. A educação ambiental integra uma verdadeira educação econômica: não se trata de “gestão do meio ambiente”, antes, porém, da “gestão” de nossas próprias condutas individuais e coletivas com respeito aos recursos vitais extraídos deste meio (SAUVÉ, 2002, p. 317).
A educação ambiental possibilita, inclusive, a “participação dos cidadãos no controle do Estado e da iniciativa privada com vistas à preservação do meio ambiente” (THOMÉ, 2014, p. 81), podendo ser feito através da ação popular, tutela processual cujo detentor da legitimidade ativa é o cidadão (THOMÉ, 2014, p. 618).
Retomando à legislação, a Política Nacional do Meio Ambiente também a tem como princípio (artigo 2°, inciso X, Lei n° 6.938/81), devendo ser promovida a educação ambiental em todos os níveis de ensino, inclusive na comunidade, capacitando-a para participar de forma ativa na defesa do meio ambiente. Elemento essencial e permanente da educação nacional (artigo 2°, Lei n° 9.795/99), a área de ensino voltada à sustentabilidade é composta por métodos que visam construir no particular e na coletividade valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências destinadas à conservação do meio ambiente (artigo 1°, Lei n° 9.795/99).
Antes da Lei que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, o ordenamento jurídico brasileiro tratava do ensino ecológico de modo simplista, como na Lei n° 5.197/67, que informa em seu artigo 35 que dentro de dois anos a partir da promulgação desta, nenhuma autoridade poderá permitir a adoção de livros escolares de leitura que não contenham textos sobre a proteção da fauna, aprovados pelo Conselho Federal de Educação. Esta visão tornou-se insuficiente, visto que a educação ambiental não pode se restringir aos livros; a consciência, principalmente nas crianças, nasce com a prática.
Independente da qualidade do currículo, trabalhar o espaço físico e com coisas palpáveis é essencial para que a sustentabilidade toque, de fato, os estudantes. Vamos fazer um exercício rápido. Pense: quantos alunos leem um conceito, uma única vez, e o compreendem? Quantos ouvem a lição e, na hora, absorvem o conteúdo? E quantos precisam experimentar uma ideia para conseguir compreendê-la completamente? Quantos abandonam a escola por causa de dificuldades no aprendizado? (LEGAN, 2009, p. 14).
Ainda que de forma genérica, a Lei n° 9.795/99 ampliou a relevância da educação ambiental no espaço escolar, dispondo que aquela deve ser desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino público e privado (artigo 9°) como uma prática educativa integrada, contínua e permanente (artigo 10), englobando a educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio); educação superior; especial; profissional; e a educação de jovens e adultos.
No entanto, regiões como o Norte do país ainda não estão implantando a educação ambiental como deveria no espaço escolar, visto que nem mesmo outras necessidades básicas são atendidas: no estado do Amazonas, por exemplo, 72,0% das crianças de 0 a 14 anos residem em bairros sem esgotamento sanitário de rede geral ou fossa séptica e 33,6% das crianças de 0 a 14 anos vivem em bairros sem abastecimento de água de rede geral (IBGE, 2014), e é importante frisar que a falta de saneamento ambiental é tanto um problema social como do meio ambiente; no Pará, enquanto que 91,5% das pessoas frequentam o nível fundamental em estabelecimento de ensino público, 8,5% frequenta o nível médio na rede pública, sendo a renda mensal domiciliar per capita da população nesse estado de 631 reais (IBGE, 2014). A carência de políticas públicas destinadas à qualidade de vida cumulada com ações desconexas, capacitações esporádicas e a descontinuidade política (GUIMARÃES, 2008) trazem à tona a discussão sobre a busca conjunta pela solução dos problemas sociais e ambientais.
Por outro lado, atividades sustentáveis estão sendo desempenhadas com êxito no âmbito escolar; a instituição Comendador Joaquim Alves em Pirenópolis, por exemplo, vem adotando projetos ambientais que estimulam o contato das crianças e jovens com a natureza. Desenvolvido pela diretora, Iolanda José Naves, e sua equipe com a ajuda dos profissionais do Ecocentro Ipec, o projeto inicialmente estimulou uma reflexão dos estudantes para os problemas ambientais e possíveis ações que deveriam ser implantadas na escola. Começaram elaborando desenhos e maquetes e algumas aspirações já foram postas em pratica, como a ampliação das áreas verdes. Os alunos de 6º a 9º ano participaram ativamente da formação do projeto e da implantação da nova praça da escola (NADAL, 2010), exercício apoiado pela maioria dos educadores, segundo Legan (2009, p. 14):
Adolescentes que participam de atividades relacionadas com o habitat melhoram suas relações interpessoais em comparação com aqueles que não se envolvem. Estas atitudes positivas acompanham os adolescentes até a idade adulta (Bunn, 1986; Campbell et al., 1997; Skelly and Zajicek, 1998; Waliczek and Zajicek, 1999).
[...]
Professores relatam que muitos estudantes permanecem nas atividades de habitats porque eles melhoram a autoestima, oferecem oportunidade continuada de aprendizagem, dão a chance de se sentirem úteis e conectados a outras pessoas, além de desenvolver suas habilidades para o mercado de trabalho (Schrock et al., 2000; Meyer, 1997; Dorn e Relf, 2001). As pesquisas são sérias e demonstram benefícios indiscutíveis. Por isso é tão difícil compreender por que continuamos com um currículo tradicional. Ter um habitat na escola ajuda a colocar em prática os conceitos aprendidos na teoria e torna a aprendizagem, literalmente, mais viva.
[...]
Se o principal objetivo da educação ambiental é auxiliar os estudantes a alcançar a ecoalfabetização, então o foco da educação deve ser o desenvolvimento de habilidades que formem esse conceito. A ecoalfabetização para o cidadão é um processo de transformação, que envolve novos modos de ver o mundo e novos métodos de ação (LEGAN, 2009, p. 14).
Percebe-se que da mesma forma que a leitura e a informática são essenciais para preparar os jovens para a vida profissional, o contato com a natureza é necessário para desenvolver o indivíduo de forma plena (LEGAN, 2009, p. 14). No entanto, o fato da educação ambiental não estar na grade curricular das escolas dificulta a percepção das instituições e educadores quanto à sua relevância, e assim os estabelecimentos de ensino que aderiram essa metodologia não são suficientes para atender a demanda estudantil. Esses programas escolares, aparentemente pequenos, representam importante avanço rumo ao desenvolvimento sustentável, pois os ensinamentos passados a essa geração formarão adultos mais solidários quanto às questões socioambientais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, foi levantada no capítulo primeiro a classificação normativa da Constituição Federal de 1988. Algumas características do Texto Constitucional Português de 1976 serviram de influência para esta constituição, especificamente as normas programáticas. Observou-se que tais dispositivos são verdadeiras garantias da democracia e que, por isso, servem para impedir a atuação arbitrária do Estado. As normas programáticas fixam objetivos e diretrizes que movimentam os órgãos públicos, não dispondo simplesmente sobre sua organização.
Esse conjunto normativo atesta a previsão do parágrafo único do artigo primeiro, CF/88, dispondo que o poder emana do povo, todavia, é preciso analisar o caso concreto. A norma programática transfere aos representantes políticos o dever de aplicar sua previsão, isso significa que ao Legislativo caberá detalhar direitos e garantias constitucionais em lei específica, para posteriormente a Administração Pública materializá-los. Sendo assim a aplicabilidade dessas normas não acompanha a necessidade social de implementação de políticas públicas, realidade percebida na questão ambiental: há legislação pertinente, porém os recursos públicos destinados aos órgãos ambientais e ONGs não são suficientes para abarcar todas as diretrizes, ações e programas necessários à promoção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Verdadeira utopia querer solucionar os problemas ambientais sem interligá-los a outros assuntos. O esforço seria em vão se o dever de preservá-lo fosse unicamente do Estado, por isso mesmo que o constituinte transferiu tal obrigação também à coletividade. Da mesma forma, não seria alcançado o equilíbrio ambiental sem a efetivação da equidade social, até porque a maioria da população brasileira está abaixo da linha da pobreza, quesito que será mudado com a adequada distribuição de renda. Para que essa realidade mude, portanto, meio ambiente, justiça social e crescimento econômico precisam caminhar juntos.
Ainda no primeiro capítulo, nota-se que o sistema constitucional vigente optou por colocar no mesmo patamar de igualdade os princípios clássicos do direito econômico, que são a propriedade privada e a livre concorrência, e os princípios humanitários da defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, e a busca do pleno emprego. Nota-se uma limitação constitucional à atividade econômica que visa somente o lucro e o acúmulo de capital nas mãos da minoria, mas, relembrando o caráter da norma programática, suas prestações positivas são de aplicabilidade mediata. Apesar de, nesse sentido, a atuação estatal ser retardada pelos interesses econômicos, com essa previsão a Constituição Federal impede que o legislador edite leis contrárias, regula os atos discricionários da Administração Pública, e estabelece direitos subjetivos ao reprimir atitudes antagônicas; situações que compõem a aplicabilidade imediata da norma programática. Ora, mesmo num Estado capitalista, a atual Constituição da República Federativa do Brasil tem um forte caráter social e democrático, concedendo uma gama de direitos ao povo e ainda prescrevendo as formas pelas quais o Poder Público irá disponibilizá-los. Programas de ação devem ser fomentados pelo Poder Público na busca pela redução da pobreza extrema no Brasil, promovendo o acesso aos serviços públicos e oportunidades de ocupação, renda, e melhoria de qualidade de vida.
O segundo capítulo da pesquisa descreve ações tomadas pelo Estado e coletividade para que a norma constitucional seja aplicada. O rol do parágrafo primeiro, artigo 225, CF/88 não é taxativo, visto que todos os serviços e atos públicos podem assumir procedimentos sustentáveis. Perquiriu-se as licitações sustentáveis, demonstrando os novos critérios assumidos pela Administração Pública no momento da compra pública. Compreende-se que ao selecionar uma proposta que não necessariamente tenha como critério prioritário o menor preço, mas inclua procedimentos de sustentabilidade, esta sim será a mais vantajosa. A contratação pública que leva em consideração o critério menor preço futuramente provocará um gasto ainda maior na tentativa de restabelecer ao status quo ante: a Administração destinará recursos públicos no combate à degradação causada; no Judiciário tramitarão ações exigindo indenização por danos morais coletivos, não respeitando a economia processual; o Legislativo editará novas leis. Licitações sustentáveis são exemplo de observância ao princípio da prevenção.
Ulteriormente, analisou-se a responsabilidade civil por dano ambiental e o posicionamento do STJ ante tal questão. Inserido nos instrumentos para alcançar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a responsabilização pelo dano não se restringe a uma obrigação pecuniária; trata-se de um estímulo à prática de atividades empresariais mais sustentáveis. Com a rica jurisprudência do STJ em prol do meio ambiente, a consciência de que as externalidades devem ser assumidas pelo empreendimento está sendo efetivamente implantada.
Quanto ao consumo sustentável, repara-se que o contingente populacional que está ciente dos problemas ambientais e se policia no momento da compra em escolher produtos que não causaram tantos danos ao meio ambiente e que serão reciclados ou reaproveitados é a minoria. Os próprios relatórios mencionados atestaram que a classe baixa não tem conhecimento sobre a situação do planeta. Compete ao poder público em parceria com organizações não governamentais promover projetos para a conscientização social. Mas a educação para a sustentabilidade não basta, a desigualdade social e regional precisa ser combatida, que será diminuída também com o auxílio do crescimento econômico, senão o desenvolvimento sustentável não será efetivado.
O terceiro capítulo tratou da educação ambiental, alternativa expressa na Constituição como ferramenta para garantir o direito ao meio ambiente. A problemática da educação ambiental está na ausência de comprometimento dos órgãos públicos na atuação conjunta com as escolas, poucos recursos e falta de estímulo dos professores, que se restringem a passar apenas o conhecimento exigido na grade curricular. Necessária uma mudança primeiramente dos educadores, devendo as universidades e os programas de governo formarem profissionais mais qualificados, trazendo-os à atualidade, para que ensinem seus alunos a questionar. Também compete a escola proporcionar, recursos, ambientes, e não se ater simplesmente às exigências do mercado de trabalho. E ao poder público resta o dever de destinar verbas para que essa educação seja implantada nas escolas.
O desenvolvimento sustentável, por fim, não é algo inalcançável. Estão sendo dados os passos rumo à tão objetivada sociedade livre, justa e solidária.
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NOTA:
[i] Orientadora, Professora de Direito Ambiental.
Advogada, Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2013).
Acadêmica do Curso de Direito, Faculdade dos Guararapes - FG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Ana Clara Carvalho Trindade de Sá. O Desenvolvimento Sustentável na Ótica da Constituição Federal de 1988 e sua Implementação no Estado Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46944/o-desenvolvimento-sustentavel-na-otica-da-constituicao-federal-de-1988-e-sua-implementacao-no-estado-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
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