Resumo: A contratação temporária é relevante instrumento que a Administração Público dispõe para a complementação de seu quadro de servidores. Por ser exceção à regra do concurso público, é imprescindível conhecer a interpretação jurisprudencial dos requisitos de tais contratações.
Palavras-Chave: Contratação temporária. Art. 37, IX da CF/88. STF. Requisitos. Emergencialidade.
Introdução
A Constituição da República de 1988 expressamente positivou diversos princípios para orientar a Administração Pública, como a moralidade e a igualdade. Com efeito, tocante ao ingresso dos cidadãos aos cargos e funções públicas, foram positivas regras, norteadas por tais princípios, buscando a promoção do acesso igualitário dos cidadãos ao serviço público.
Nesse sentido, o art. 37 da Carta Magna consagrou, em seu inciso I, o princípio da ampla acessibilidade, ao dispor que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”.
Já o inciso II trouxe a regra do concurso público como requisito para investidura no cargo ou emprego público, ao prever que “investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”.
O próprio texto constitucional trouxe exceções à regra do concurso público, isto é, situações em que o indivíduo pode ingressar no serviço público mesmo sem aprovação no procedimento formal do concurso público.
Como exemplos, pode-se citar os cargos em comissão (art. 37, II); agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias (art. 198, §4º) e os servidores temporários (art. 37, IX).
A norma inscrita no art. 37, IX é de eficácia limitada, visto que claramente está expresso que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado”. Conforme lecionam Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, essas são normas “de eficácia indireta e reduzida, que não receberam do constituinte a normatividade suficiente para a produção de todos os seus efeitos. Portanto, essas normas carecem de regulamentação infraconstitucional para se tornarem plenamente operativas.”[1].
Conforme o Supremo Tribunal Federal afirmou no Recurso Extraordinário 170.131/RS de relatoria do Ministro Celso de Mello (DJ, 24 de junho de 1994), norma de eficácia limitada é um “preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado”
Ao tratar da normatização do contrato temporário, a jurisprudência detalhou os critérios para a realização lícita desse tipo de contrato, conforme será visto a seguir.
Requisitos para a licitude do contrato temporário
Contratos temporários de trabalho podem ser celebrados para suprir necessidades temporários nas quais há excepcional interesse público. Tais agentes públicos seguem um regramento especial próprio, definido especificamente por cada ente da federação, tanto por conta do pacto federativo, quanto da própria literalidade do art. 37, IX[2]. Em virtude da especialidade do regime, tais contratados não exercem cargos nem empregos públicos.
As contratações temporárias feitas pelos entes possuem alguns requisitos. O primeiro é que a contratação deve ser por tempo determinado (estipulados pela lei). Em segundo lugar, as funções a serem desempenhadas não podem atender necessidades permanentes e sim temporárias. Tem que haver interesse público (motivação) e as hipóteses devem estar previstas em lei. Conforme orientação jurisprudencial, é preciso que, ao menos, haja um procedimento simplificado para a seleção dos contratados, a fim de garantir justamente os princípios constitucionais acima mencionados.
Uma primeira distinção que precisa ser feita é entre as atividades de caráter permanente e atividades de caráter eventual. As primeiras, são atividades que o estado tem que exercer regularmente, como saúde, segurança pública, controle do trânsito e educação. Já as atividades de caráter eventual não são prestadas com continuidade, visto que só existem em determinadas épocas ou circunstâncias.
Houve discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o significado da expressão “necessidade temporária” na norma constitucional. O cerne do debate consistia na possibilidade ou não do Ente Público contratar servidores temporários para atividades de caráter permanente ou se isso seria possível apenas para atividades eventuais e temporárias.
O entendimento dado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade número 3068[3] e 3247[4], foi no sentido que o art. 37, IX da Constituição permite que a Administração contrate temporariamente tanto para atividades de caráter eventual quando para atividades exercidas regularmente e permanentemente. Assim, frisou que a atividade não precisa ser temporária, mas sim precisa haver uma necessidade temporária de interesse público.
A conclusão foi no sentido que não é a natureza da função a ser exercida que determina a licitude da contratação de servidor temporário com fulcro no texto constitucional e sim a existência de excepcional interesse público que justifique uma necessidade temporária.
A Ministra Carmem Lúcia esclarece tal questão em sua obra:
“a excepcionalidade do interesse pode corresponder à contratação ou ao objeto do interesse. Pode-se ter situação em que o interesse seja excepcional no sentido de fugir ao ordinário. São hipóteses nas quais se tem uma condição social a demandar uma prestação excepcional, inédita, normalmente imprevista. Por exemplo, é o que ocorre numa contingência epidêmica, na qual a necessidade de médicos em determinada região, especialistas na moléstia contra a qual se há de travar o combate, faz com que se contratem tantos deles para fazer face à circunstância. Pode-se ter, contudo, situação em que o interesse seja regular, a situação comum, mas advém uma circunstância que impõe uma contratação temporária. É o que se dá quando há vacância de cargo de magistério antes de novo concurso para prover o cargo vago ou quando se tem o afastamento temporário do titular do cargo em razão de doença ou licença para estudo etc. O magistério tem de ser desempenhado, o aluno tem direito a ter aula, e o Estado tem o dever constitucional de assegurar a presença do professor em sala. Há, então, a excepcionalidade do interesse público determinante da contratação. Aqui a excepcionalidade não está na singularidade da atividade ou no seu contingenciamento, mas na imprevista, porém imprescindível, prestação, que impõe que o interesse tenha de ser atendido, ainda que em circunstância excepcional. A necessidade da contratação é temporária, e o interesse é excepcional para que ocorra o desempenho da função naquela especial condição”[5]
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal analisou a constitucionalidade da lei complementar do Estado do Ceará número 22/2000, que tratava da contratação temporária de professores. O art. 3º da referida lei versava o seguinte:
Art. 3º As contratações terão por fim suprir carências temporárias do corpo docente efetivo da escola, restringindo-se a atender os casos decorrentes de afastamento em razão de:
a) licença para tratamento de saúde;
b) licença gestante;
c) licença por motivo de doença de pessoa da família;
d) licença para trato de interesses particulares;
e) cursos de capacitação;
f) e outros afastamentos que repercutam em carência de natureza temporária.
Parágrafo único. Far-se-ão também as contratações temporárias de docentes para fins de implementação de projetos educacionais, com vista à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo escolar e qualificação da população cearense.
No julgado[6], a Corte Maior novamente julgou no sentido de que é possível a contratação temporária de atividades permanentes da Administração Pública, desde que haja interesse público excepcional. A jurisprudência do Tribunal reforçou ainda que o legislador tem o dever de especificar concretamente a emergencialidade que ensejaria a contratação.
No caso em tela, o Plenário considerou que as hipóteses previstas nas alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e” foram julgadas constitucionais, em que estaria presente a emergencialidade, sendo hipóteses em que a Administração Pública não teria controle. Já a alínea “f” foi considerada inconstitucional, justamente por ser genérica e não cumprir o requisito do artigo 37, IX da Constituição da República.
O parágrafo único do art. 3º também deve sua inconstitucionalidade declarada, pois a sua hipótese foi considerar um objetivo ordinário da política educacional do Estado (“de implementação de projetos educacionais, com vista à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo escolar e qualificação da população cearense”). Assim, não haveria embasamento constitucional para essa contratação, pois tal contratação não poderia ser feita através de contratos temporários, haja vista a ausência de situação excecional.
Destaca-se ainda que o Tribunal realizou a modulação dos efeitos do referido julgado, para surtir efeitos um ano após a data da publicação da ata do julgamento e que o Ministro Marco Aurélio julgou totalmente procedente o pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade, ao entender que todas as hipóteses seriam corriqueiras e sem emergencialidade, mas a tese foi vencida.
Conclusão
Conclui-se então que a contratação temporária é instituto constitucional de especial relevância para a Administração Pública, pois permite certa dinamicidade em suas relações trabalhistas, permitindo que o pessoal seja reposto mais rapidamente me situações excepcionais.
Contudo, justamente por ser exceção ao concurso público, este tipo de contratação deve ter especial atenção para o atendimento das disposições constitucionais. Por tal razão, a observação de como a jurisprudência interpreta esses requisitos é de grande relevância na definição constitucional, sendo importante observar como as normas constitucionais estão sendo interpretadas.
Referências Bibliográficas
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho; Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento. – Belo Horizonte: Fórum, 2012. -- 1. ed. -- Belo Horizonte: Fórum, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 513.
STF. Plenário. ADI 3068, Rel. p/ Ac. Min. Eros Grau, julgado em 25/08/2004.
STF. Plenário. ADI 3247/MA, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgado em 26/3/2014.
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 241-242).
STF. Plenário. ADI 3721/CE, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 9/6/2016.
[1] Souza Neto, Cláudio Pereira de Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho; Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento. – Belo Horizonte : Fórum, 2012. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Fórum, 2012.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 513.
[3] STF. Plenário. ADI 3068, Rel. p/ Ac. Min. Eros Grau, julgado em 25/08/2004.
[4] STF. Plenário. ADI 3247/MA, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgado em 26/3/2014.
[5] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 241-242).
[6] STF. Plenário. ADI 3721/CE, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 9/6/2016.
Servidor da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Assistente de Ensino no LL.M - Pós Graduação Lato Senso da Escola De Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV DIREITO RIO). Aprovado em concurso público para Procurador em procuradorias do Estado e Município. Pós Graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes/Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Breno Porto. A definição jurisprudencial do alcance dos requisitos para a contratação temporária pela Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47006/a-definicao-jurisprudencial-do-alcance-dos-requisitos-para-a-contratacao-temporaria-pela-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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