Introdução
O presente trabalho tem como finalidade expor a cizânia jurisprudencial na abordagem da aplicabilidade ou não da estabilidade do art. 41 da Constituição Federal aos empregados públicos, sejam eles vinculados à Administração direta, autárquica, fundacional, ou a empresas estatais, prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividade econômica.
Ademais, pretende-se abordar a exigibilidade da motivação do ato de demissão dos referidos servidores, sob a luz dos princípios da impessoalidade e da isonomia, conforme os entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, bem como trazer uma reflexão sobre a melhor solução para o tema.
Empregados públicos e a estabilidade do art. 41 da CF/88
Questão nada pacífica entre a doutrina e a jurisprudência das cortes superiores brasileiras é a que gira em torno da obtenção, ou não, de estabilidade por empregados públicos, com base no art. 41 da Constituição Federal de 1988. Isso porque a própria Carta Maior não é clara em alguns aspectos do tema, o que acaba por abrir espaço para a cizânia.
Para iniciar a abordagem, é relevante lembrar que a doutrina classifica os agentes públicos entre agentes políticos (chefe do Poder Executivo e seus auxiliares diretos, parlamentares, membros do Judiciário e do Ministério Público, além dos integrantes dos Tribunais de Contas e da carreira diplomática); servidores públicos lato sensu; militares; e particulares em colaboração com o Poder Público. E é a segunda classificação que interessa ao presente trabalho.
Ainda de acordo com a doutrina majoritária, os servidores públicos, em sentido amplo, dividem-se em estatutários, empregados públicos e temporários. É sabido que, para os dois primeiros casos, o art. 37, II, c/c o § 2º do mesmo artigo, da CF/88 exige a investidura mediante aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. Ocorre que, embora tenham essa característica em comum, as duas categorias possuem mais diferenças que semelhanças entre si. A começar pela própria natureza jurídica do vínculo existente entre os servidores e a Administração Pública.
Se os estatutários, conforme o próprio nome sugere, por um lado, são regidos por estatuto materializado em lei de competência de cada ente federativo, por outro os empregados públicos se caracterizam por se submeterem, predominantemente, ao regime celetista.
É bem verdade que, no caso específico da Administração direta, autárquica e fundacional da União, a Lei 9.962/2000 traz algumas (na verdade poucas) peculiaridades para seus empregados públicos. Mas o próprio diploma, já em seu art. 1º, estipula que referidos agentes terão sua relação com a Administração regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, no que seus escassos cinco artigos não dispuserem diferentemente.
A submissão à CLT fica ainda mais pacífica nos âmbitos dos Estados-membros e Municípios, dada a vedação do art. 22, I, da CF/88 a que legislem sobre Direito do Trabalho.
Apesar disso, é importante ressaltar que, desde a edição da Lei 5.107/1966, a estabilidade celetária, trazida pelos artigos 492 e 494 do diploma consolidado, foi gradativamente sendo substituída pelo regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Transição que se completou com a abolição da referida estabilidade pelo art. 7º, III, da CF/88, que impôs o regime fundiário a todos os trabalhadores urbanos e rurais.
Assim, é evidente que, em relações de emprego, as garantias de manutenção do contrato a que fazem jus os trabalhadores são as trazidas pelos incisos I, II e III do art. 7º, ainda que tratemos de empregados públicos.
Em outro polo, temos o art. 41 da Carta Maior, que mune de estabilidade o servidor público que cumprir o estágio probatório de três anos. Porém, mediante interpretação sistemática e teleológica, a outra conclusão não se pode chegar senão à de que referido dispositivo se aplica tão somente aos servidores estatutários, pelo já exposto acima.
Em verdade, não paira qualquer dúvida sobre a inaplicabilidade do dispositivo aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista. Máxime no que diz respeito às estatais exploradoras de atividade econômica, que, por força do art. 173, § 1º, II, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas.
Entretanto, em posicionamento bastante criticado pela doutrina, em especial pela publicista, o Tribunal Superior do Trabalho mantém em vigor o item I de sua Súmula 390, nos seguintes termos:
Súmula nº 390 do TST
ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
Ou seja, a colenda corte superior trabalhista estende o regime do art. 41 aos empregados públicos da Administração direta, autárquica ou fundacional, ignorando a tese exposta, embora a aplique aos que laboram em empresas estatais.
A respeito da citada estabilidade, afirma Fernando Ferreira Baltar Neto, em sua obra Direito Administrativo, escrita em parceria com Ronny Charles Lopes de Torres para a Coleção Sinopses para Concursos da Editora Juspodivm (4ª Edição, 2014, pg. 243): “É o direito outorgado ao servidor estatutário, nomeado em virtude de concurso público, de permanecer no serviço público após três anos de efetivo exercício (art. 41 da CF, com redação dada pela EC 19/90), que dependerá de avaliação especial de desempenho do servidor, a ser realizada por comissão funcional com esta finalidade”.
O autor prossegue, criticando o verbete da jurisprudência do TST acima reproduzido: “Trata-se de entendimento rejeitado pela doutrina administrativista e que não deve ser acatado pelo Supremo Tribunal Federal” (pg. 244).
E essa parece ser, realmente, a linha seguida pelo Supremo, pelo que se infere da ementa do RE 589.998-PI, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski:
Ementa: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho.
É de se notar que, embora trate, no julgado, de empregados de uma empresa pública – qual seja, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) –, o julgado do Pretório Excelso é bem claro ao afirmar que “os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC 19/1998”.
Como se sabe, referida emenda, entre outras coisas, modificou o caput do art. 39 da Constituição para pôr fim à obrigatoriedade do regime jurídico único na Administração direta, autárquica e fundacional da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Entretanto, em sede de medida cautelar adotada no bojo da ADI 2.135-4, o STF restaurou a redação originária do dispositivo, por visualizar inconstitucionalidade formal na alteração, em decisão publicada em 18/8/2007. Mas o fez com efeitos ex nunc, isto é, restando um período de nove anos, aproximadamente, em que as administrações diretas, autárquicas e fundacionais puderam selecionar servidores por ambos os regimes simultaneamente.
E no âmbito federal, a polêmica gira exatamente em torno desse período, já que, antes e depois, o regime único a ser aplicado é o estatutário, nos ditames da Lei 8.112/90.
De tudo o quanto relatado, conforme a Suprema Corte, a estabilidade do art. 41, no tocante aos servidores arregimentados a partir de 1998, aplica-se tão somente aos servidores estatutários.
A exigibilidade de motivação na dispensa dos empregados públicos
Não obstante o entendimento pela inaplicabilidade da estabilidade aos servidores celetistas, não se pode olvidar que, mesmo para eles, a Constituição exige, em observância aos princípios da impessoalidade e da isonomia, prévio concurso público, nos termos do art. 37, II. E, portanto, por uma questão de simetria, o STF tem adotado o entendimento de que, até para impedir eventuais perseguições por parte de superiores hierárquicos, e atendendo ao requisito da motivação dos atos administrativos, seja assegurado que as dispensas dos empregados públicos – posto que, como visto, não são munidos de estabilidade – sejam, ao menos, acompanhadas de exposição de motivos. É o que também se depreende da ementa acima, em seu item II.
É de se realçar, contudo, que nos julgados em que expõe tal posicionamento, o Supremo se refere sempre às estatais prestadoras de serviços públicos, como é o caso da ECT. Porém, por uma questão de coerência e equidade, não se poderia jamais conceber que o mesmo não se aplique aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividades econômicas, já que também se submetem à exigência de prévia aprovação em concurso.
E não se venha afirmar que tal entendimento não seria condizente com a exigência do art. 173, § 1º, II, de que referidas estatais se sujeitem ao regime jurídico próprio das empresas privadas, pois a necessidade de motivação adviria exatamente de uma exceção ao dispositivo, qual seja, a obrigatoriedade de contratação mediante concurso pelas empresas públicas e sociedades de economia mista.
Ainda assim, mais uma vez o TST destoa do que parece óbvio, na Orientação Jurisprudencial 247 da sua Subseção de Dissídios Individuais I, que permanece válida:
247. SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE (alterada – Res. nº 143/2007) - DJ 13.11.2007
I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;
II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.
Todavia, note-se que, no item II do verbete, a corte veda a despedida imotivada quando se trata de empregados da ECT. Logo, pelo menos no tocante a estatais prestadoras de serviços públicos, o tribunal sinaliza, em jurisprudência já consolidada, no sentido de adotar entendimento consentâneo com o da Suprema Corte. Isto é, a exigência de prévia motivação para a dispensa.
Indo adiante, algumas decisões mais recentes do TST vão no sentido da exigência de motivação para a demissão de empregados públicos, ainda que prestem serviços a estatais exploradoras de atividades econômicas. Como a que se segue:
Ação rescisória. Sociedade de economia mista. Demissão imotivada. Impossibilidade. Reintegração do empregado. Submissão aos princípios previstos no art. 37, caput, da CF. Regulamento interno. Necessidade de motivação. Adesão ao contrato de trabalho. Súmula nº 51 do TST. O STF, nos autos do RE nº 589998, estabeleceu que os empregados de sociedades de economia mista e de empresas públicas admitidos por concurso público somente poderão ser demitidos mediante a motivação do ato de dispensa, porquanto necessária a observação dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública direta e indireta, previstos no art. 37, caput, da CF. Ademais, verificada, no caso, a existência de dispositivo de norma interna do Banestado prevendo a obrigatoriedade da motivação para dispensa de empregados, tal cláusula adere ao contrato de trabalho, impossibilitando a dispensa imotivada a teor do preconizado pela Súmula n.º 51 do TST. Com esses fundamentos, e não vislumbrando violação ao art. 173, § 1º, da CF, a SBDI-II, à unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário por meio do qual se buscava reformar a decisão do TRT da 9ª Região que, ao julgar improcedente a ação rescisória, manteve o acórdão que determinou a reintegração do empregado do Banestado demitido imotivadamente. TST-RO-219-22.2012.5.09.0000, SBDI-II, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 15.10.2013.
É bem verdade que, no julgado reproduzido, exarado pela SBDI-II, havia norma interna exigindo a prévia motivação para a demissão. Entretanto, ainda que assim não fosse, a parte inicial da ementa assegura a observância dos princípios do art. 37 da CF no ato da dispensa, tornando imperativa a exposição de motivos.
Por oportuno, atente-se ainda para o seguinte julgado, afetado ao pleno do TST:
Matéria afetada ao Tribunal Pleno. Servidor público celetista. Administração pública direta, autárquica e fundacional. Concurso público. Contrato de experiência. Dispensa imotivada. Impossibilidade. Observância dos princípios constitucionais da impessoalidade e da motivação. A despedida de servidor público celetista da administração pública direta, autárquica e fundacional, admitido por concurso público e em contrato de experiência, deve ser motivada. A observância do princípio constitucional da motivação visa a resguardar o empregado de possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido no poder de dispensar. Sob esse fundamento, o Tribunal Pleno, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, deu-lhe provimento, para julgar procedentes os pedidos da reclamante de restauração da relação de emprego e de pagamento dos salários e demais vantagens do período compreendido entre a dispensa e a efetiva reintegração. TST-E-ED-RR 64200-46.2006.5.02.0027, Tribunal Pleno, rel. Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira , 29.9.2015.
Observe-se que, na ementa citada, a motivação é exigida até mesmo na despedida de empregados públicos contratados por experiência. Mais um sinal depondo contra a permanência do item I da OJ 247 da SBDI-I.
Por outro lado, se admite a existência de contratos de experiência na Administração Pública direta, autárquica ou fundacional, afigurar-se-ia contraditório ao pleno do TST seguir adotando o item I da Súmula 390, posto que a estabilidade do art. 41 da CF só se adquire passados os três anos de estágio probatório. Fica evidente, portanto, que vínculo estatutário e emprego público, ainda que no âmbito da Administração direta, submetem-se a regimes completamente distintos.
Conclusão
Diante de todo o exposto, conclui-se pela necessidade de o TST rever o conteúdo do item I da sua Súmula 390, bem como o item I da OJ 247 da SBDI-1, alinhando-se ao posicionamento reinante no STF. Não custa lembrar, afinal, que cabe à Suprema Corte a última palavra na interpretação de institutos constitucionais, casos da estabilidade do art. 41 e dos princípios da isonomia (art. 5º, caput) e da impessoalidade (art. 37, caput), aplicáveis à Administração Pública, seja ela direta ou indireta.
Referências
Direito Administrativo. Coleção Sinopses para Concursos. Leonardo de Medeiros Garcia, Fernando Ferreira Baltar Neto e Ronny Charles Lopes de Torres. Editora JusPodivm, 4ª Edição, 2014.
Advogado e jornalista. Formado, em ambos os casos, pela Universidade Católica de Pernambuco. Ex-editor-assistente de Brasil/Internacional do Jornal do Commercio. Atualmente exerce a advocacia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Clóvis dos Santos. A estabilidade do art. 41 e a motivação da dispensa de empregados públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47008/a-estabilidade-do-art-41-e-a-motivacao-da-dispensa-de-empregados-publicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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