Resumo: O trabalho ora apresentado visa analisar a progressividade do IPTU. Para tanto, será abordado ao longo de quatro títulos, as minúcias do Imposto Predial Territorial Urbano. Não obstante o salutar introito referente a matérias como a competência constitucional, limites do município, base de cálculo e contribuintes do IPTU, será analisado o fenômeno da progressividade, com todas as suas especificidades.
Palavras Chaves: IPTU. Progressividade. Constituição Federal.
Abstract: The work presented aims to analyze the progressivity of the property tax. For this purpose, it will be addressed over four titles, the minutiae of Territorial Property Tax Urban. Despite the salutary introduction regarding such matters as the constitutional authority, municipality boundaries, basis and taxpayers of property tax, the progressive phenomenon will be considered with all its specificities.
Key words: property tax. Progressiveness. federal Constitution.
O Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) é uma espécie de Tributo não vinculada, que obriga o proprietário de imóvel urbano a remunerar o Município (ente constitucionalmente competente) pelo direito que lhe fora dado de gozar, reaver, usar e dispor do bem imóvel urbano. Não obstante, em última análise, a contraprestação pela propriedade de imóvel urbana servirá para concretizar os preceitos da função social da sociedade – art. 186 da Constituição Federal (CRFB/88).
Ato contínuo, o IPTU poderá ter base de cálculo progressiva quando da não utilização correta do bem imóvel urbano. Por esta razão, ante o inadequado aproveitamento social do bem, conferia a CRFB/88, em seu art. 156, possibilidade da municipalidade cobrar o IPTU de forma progressiva. Ou seja, o corolário da progressividade do IPTU era, antes da sobredita Emenda Constitucional, interferir no direito à propriedade, visando assegurar a sua função social, beneficiando, desta forma, a coletividade urbana.
Malgrado com o surgimento da Emenda Constitucional 29/2000, dilatou-se ainda mais o direito de o Fisco municipal cobrar o IPTU progressivo em razão do valor do imóvel, possibilitando a diferenciação da alíquota do IPTU em razão da localização e do uso do bem móvel.
Como já era de se esperar, embargos a tais liberalidades municipais existem por diversos juristas da seara tributária, que sustentam a inconstitucionalidade da referida Emenda, face a seu conteúdo não isonômico.
À evidência do embate doutrinário e jurisprudencial, serão por diante apresentadas e analisadas, à luz da CRFB/88, a progressividade do IPTU.
2. O DIREITO TRIBUTÁRIO SOB A ÉGIDE DA CRFB/88
É lugar comum que a sistematização do direito Tributário brasileiro instrumentalizou-se mormente por dois diplomas legais, quais sejam: a Constituição da República Federativa do Brasil de 1998 (CRFB/88), e o Código Tributário Nacional (CTN).
A CRFB/88, por ser a norma suprema da nação, codifica as principais regras e princípios que devem guiar o interprete e o aplicador do direito tributário. Neste diapasão, perquiriu os membros do poder constituinte originário que matérias como a competência tributária, a distribuição de receitas, a obrigação e o crédito tributário, fossem constitucionalmente normatizados, como se extrai dos artigos 145 a 162 da carta magna de 1998.
Não obstante os dispositivos expressamente dispostos na constituição cidadã, alhures mencionada, há de se destacar, por imprescindível, a relevância do Código Tributário Nacional para a regulamentação tributária em nosso país.
O CTN, positivado pela Lei nº 5.172, de 27-12-1966, fora um diploma legal criado sob forma de Lei Ordinária, antes mesmo da égide da atual constituição – instituída tão somente 22 (vinte e dois) anos após a criação do CTN.
Ocorre que, o CTN, deflagrado com o corolário de dispor sobre o Sistema Tributário Nacional, de forma a figurar como norma geral de direito tributário aplicável aos entes políticos brasileiros (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), não poderia ser, neste esteio, recepcionado pela CRFB/88, vez que esta dispôs em seu artigo 146, III, que caberá a uma Lei Complementar estabelecer normas gerais a despeito das matérias de cunho tributário dispostas elencadas expressamente na Constituição Federal.
Por este motivo é que o CTN, com o advento da CRFB/88, foi recepcionado e atualmente vigora sob a forma de Lei Ordinária, malgrado, com status de Lei Complementar, por ser incontroversamente o diploma infraconstitucional que regula as normas gerais em matéria tributária no direito brasileiro – embora com algumas defasagens decorrentes de sua precedência a CRFB/88.
Neste viés interpretativo, o constitucionalista Alexandre de Morais (2009, p. 855), concisamente articulou:
A constituição Federal de 1988 consagrou o Sistema Tributário Nacional como a principal diretriz do Direito Tributário, estabelecendo regras básicas regentes da relação do Estado/Fisco como o particular/contribuinte e definindo as espécies de tributos, as limitações do poder de tributar, a distribuição de competências tributárias e a repartição das receitas tributárias, caracterizando-se, pois, pela rigidez e complexidade.
Ultrapassadas as salutares elucidações sobre a codificação do direito tributário nacional, passemos ao objeto central do presente trabalho, qual seja, o Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU, cuja contemplação verifica-se nos dois arcabouços normativos supra-explanados - CRFB/88 e CTN.
3. CARACTERÍSTICAS INTRINSECAS DO IPTU
3.1 Da competência tributária dos Municípios
O Imposto Predial Territorial Urbano, doravante denominado IPTU, é espécie de tributo a ser instituído pelos Municípios, consoante competência constitucionalmente outorgada pela CRFB/88, em seu art. 156, I. E, a competência constitucionalmente emanada aos Municípios, como se sabe, é estritamente material, não cabendo a estes a função de legislar sobre matéria tributária, cuja competência legislativa é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal – inteligência do art. 24 da CRFB/88.
Além do mais, não poderão os Municípios nem qualquer outro ente político brasileiro abrir mão de sua competência tributária de instituir o tributo, porquanto seja esta indelegável. O que se pode delegar é tão somente a capacidade tributária de fiscalizar e arrecadas os tributos.
Neste sentido, assevera Luciano Amaro:
A competência tributária é indelegável. Ao destinatário da Competência é dado não exercê-la, ou fazê-lo parcialmente (atingindo apenas a parte do campo passível de sofrer a incidência), mas não lhe é permitido transferir (ou delegar) a competência. O princípio da indelegabilidade da competência tributária é afirmado pelo ar. 7º do Código Tributário Nacional. (AMARO, 2006).
Desarte, assim como já trazido pelas constituições anteriores, caberá aos Municípios brasileiros, e tão somente a estes, a competência para instituir o imposto decorrente da propriedade urbana (art. 156, I, da CRFB/88).
Há de se ressaltar, por salutar, que o IPTU fora um dos tributos dos quais a CRFB/88 não cuidou de normatizar de forma extensiva. Por esta razão, o legislador ordinário cuidará de trazer regramentos que aprofunde a regulamentação do IPTU – limitando-se, por evidente, as restrições constitucionalmente impostas.
Ademais, o IPTU, por expressa previsão imunizante da CRFB/88, não incide sobre os imóveis que integram o patrimônio das Entidades Públicas da administração direta e indireta (imunidade recíproca), bem com como das instituições de direito privado constitucionalmente imunes a impostos sobre a propriedade, como é o caso dos templos religiosos e dos partidos políticos.
3.2 Fato gerador, base de cálculo, contribuintes e alíquota do IPTU
Reza o art. 156 da CRFB/88: “Compete aos Municípios instituir impostos sobre: A propriedade predial e territorial urbana”. Quando a constituição de 1988 aduz “propriedade”, quer-se dizer, em verdade, outros institutos inerentes à propriedade, como o domínio útil e a posse, descritos no art. 32 do CTN. Porque mais favorável à segurança jurídica, o legislador originário entendeu por bem não trazer ao texto constitucional o sentido jurídico/técnico da palavra propriedade, mas sim o seu sentido comum.
O Código Civil de 2002 tratou de ampliar significativamente o rol das hipóteses de incidência do IPTU, haja vista que a singela “propriedade” descrita na CRFB/88, ganha elasticidade interpretativa quando se observa em conjunto o art. 32 do CTN e os artigos do Código Civil que falam dos poderes decorrentes da propriedade imóvel, como o domínio útil e a posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, a exemplo da formação de ilhas, do aluvião, da avulsão, do abandono de álveo, da plantações e construções ( BORBA, 2009).
Ato contínuo, o IPTU só irá incidir nos imóveis localizados na zona urbana do Município – parte final do art. 32 do CTN. Tal delimitação ocorre porque os imóveis situados em zona rural não sofrem a incidência do IPTU, mas sim do Imposto sobre a Propriedade Rural – ITR.
Em que pese ser competência municipal legislar sobre assuntos de interesse local (arts. 29 e 30 da CRFB/88), não seria razoável deixar ao livre arbítrio dos legisladores municipais a prerrogativa de delimitar o que seria zona urbana ou rural.
Pelo fato de serem o IPTU e o ITR tributos deveras confrontantes, fez-se necessária – com o fito de impedir conflitos de competência tributária (art. 146, I, da CRFB/88), a edição de lei complementar que versasse sobre a matéria. Esta regulamentação veio no próprio CTN, como se depreende dos dois parágrafos que compõem o art. 32.
Observa-se, portanto, a implementação de características objetivas para distinguir a zona urbana da zona rural. Aquela se constitui tanto por natureza (§1º), quanto por equiparação (§2º), do art. 32 do CTN. Por derradeiro, existindo ao menos dois dos equipamentos contidos no artigo sobredito (meio fio ou calçamento, abastecimento de água, rede de iluminação pública, escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros), estar-se-á diante de uma zona urbana. Do contrário, residualmente se configura a zona rural, passível de cobrança do ITR - tributo não mais de competência municipal, mas da União.
Em geral, a legislação municipal estabelece o momento da ocorrência do fato gerador como sendo 1º de janeiro de cada exercício financeiro, devendo-se obedecer ao princípio da anterioridade e excepcionando-se o da noventena.
Quanto ao aspecto pessoal do IPTU, problemas não há quanto a identificação de seu sujeito ativo, uma vez que a competência ativa para a instituição e cobrança do IPTU é dos municípios, a exceção do art. 147 da CRFB/88, cuja competência se estende aos territórios e ao Distrito Federal.
O sujeito passivo do IPTU será aquele que detiver a propriedade do imóvel, a titularidade de seu domínio útil ou a posse a qualquer custo, nos termos do art. 34 do CTN. Neste sentido, conferiu a sistemática jurídica pátria a faculdade de os municípios escolherem os sujeitos passivos do IPTU, como bem ressalvou a súmula 399 do STJ: “cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do IPTU”.
Corroborando com a faculdade dos municípios para delimitarem os sujeitos passivos do IPTU, acrescenta Aires Barreto:
O legislador poderá optar, para decretação do tributo, por qualquer das situações previstas no Código Tributário Nacional. Vale dizer, poderá escolher, verb gratia, o proprietário do imóvel compromissado à venda, ou o promitente comprador imitido na posse. Definindo a lei por contribuinte o proprietário, ou o possuidor a qualquer título, pode a autoridade administrativa optar pelo possuidor, no caso em que há proprietário. (BARRETO, 2010).
Não se pode olvidar que a posse descrita como incidente de IPTU não é ilimitada. Ao revés, só poderá figurar como contribuinte do IPTU aquele que possuir uma posse passível de usucapião, porquanto a mera posse de um locatário ou comodatário, que não conduzem à propriedade, não hão de gerar ao particular o ônus tributário no que cinge ao patrimônio referenciado. A jurisprudência pátria é taxativa neste sentido, como se depreende dos recursos extraordinários de nº 1.131.466/SP, DJe 05/10/2009/MG, 810.800, DJ 04/09/2006 e 792.263/RJ, Dj 24/11/2006, todos já julgados pela Suprema Corte Nacional.
Imergindo à base de cálculo do tributo em comento, é assaz imperiosa a elucidação de que o IPTU é calculado sobre o valor venal do imóvel. Com efeito, engessado está o legislador municipal de criar outra base de cálculo para fins de cobrança do IPTU.
Complementando o entendimento, frisa o mestre Edvaldo Nilo (2012, p. 199):
Normalmente, o Município edita uma lei estabelecendo a Planta Genérica de Valores, que constitui parâmetro para efeito de consideração do adequado valor venal, por representar os reais elementos do mercado imobiliário. Neste rumo, o STJ entende que a mera atualização monetária dos valores presentes nas plantas genéricas pode ser feita mediante decreto ou simplesmente ato administrativo. Contudo, em face da reserva legal da base de cálculo dos tributos, é “defeso” ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.
A alíquota representa valor que, incidente na sua base de cálculo, ensejará a quantia devida de IPTU pelo sujeito passivo da obrigação tributária. Em termos, é o montante extraído do produto valor venal multiplicado pela alíquota.
Em verdade, a CRFB/88 não fixou um limite aos municípios, no que cerne a alíquota adotada por cada entidade da federação. Outrossim, a razoabilidade e proporcionalidade do legislador municipal, aliada a condição socioeconômica de cada Município espalhado pelo país.
Quanto à progressividade da alíquota no tempo, em virtude do inadequado aproveitamento do solo, é possível através de Lei municipal a diferenciação das alíquotas. Contudo, deixar-se-á, no presente estudo, para imergir na progressividade do IPTU no tempo em momento oportuno, quando do detalhamento do objeto central do trabalho.
4. A PROGRESSIVIDADE APLICÁVEL AO IPTU
O imposto devido resulta da multiplicação da base de cálculo pela alíquota adotada pelo ente municipal para os imóveis urbanos pertencentes a sua circunscrição.
O tributo decorrente de crédito tributário devidamente constituído pelo lançamento, por sua vez, pode ser classificada em fiscal ou extrafiscal. O IPTU será fiscal quando o seu objetivo direito for a arrecadação de receita para o fisco, como bem dispõe o art. 156, § 1º, da CRFB/88.
De outra banda, o IPTU também poderá ser essencialmente extrafiscal, quando tiver o anseio de intervir economicamente em dada situação, notadamente quando não estiver se dando a adequada destinação ao imóvel urbano – inteligência do art. 182, § 4º, II, da CRFB/88.
Insta registrar também que a progressividade ora estudada diverge da denominada proporcionalidade. Nos tributos tidos como proporcionais, só existe uma variável, vez que a alíquota do tributo será fixa, o que faz com que o tributo seja majorado tão somente pela alteração da base de cálculo.
O IPTU, imposto de natureza eminentemente real, tem uma alíquota fixa (exemplo, 1% sobre o valor do imóvel). Neste diapasão, o valor do Imposto Predial Territorial Urbano só aumentaria ao passo que se aumentasse sua base de cálculo.
De forma diversa, a progressividade se caracteriza por modificar duas variáveis do tributo. Nestas dobras, a medida que se aumentar a base de cálculo do tributo, aumentar-se-á consequentemente sua alíquota.
Leciona didaticamente José Afonso da Silva:
(C.1) princípio da progressividade, referido expressamente ao imposto sobre a renda ( art. 153, §2º, I) e sobre ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana ( arts. 156, §1º, 182, §4º, II). Imposto progressivo é aquele cuja alíquota aumenta à medida que aumenta o ingresso ou a base imponível. (SILVA, 2011).
Em traços gráficos, a proporcionalidade se construiria por um gráfico com alíquotas fixas e base de cálculo variável, de forma linear. O imposto aumentaria mais lentamente.
Entrementes, o gráfico da progressividade aumentaria com a alíquota e com a base de cálculo. Logo, a progressividade tem por característica subtrair mais tributo de quem tem mais poder econômico, incidindo no princípio da capacidade do contribuinte, expressa no art. 145, § 1º da CRFB/88.
Inicialmente, o artigo 156, §1º e o 182, ambos da CRFB/88, elucidam a faculdade de o Município legiferar a progressividade em razão do tempo, quando da cobrança do IPTU, em virtude da função social da propriedade.
Diversamente da Constituição brasileira de 1969, a qual autorizava o uso da progressividade do IPTU, com as únicas limitações da observância dos princípios do não confisco e da propriedade, a CRFB/88 autorizou expressamente a progressividade do IPTU quanto ao tempo, todavia, com limitações bem mais consistentes.
4.1 O IPTU progressivo no tempo
O artigo 156, §1º descreve a possibilidade de os Municípios instituírem o IPTU progressivo, na forma estabelecida em lei municipal. Ou seja, há uma liberalidade para os Municípios, muito embora com alto grau de restrição à discricionariedade estatal.
O IPTU, portanto, poderá ser progressivo quando a medida estatal for necessária e suficiente para assegurar a função social da propriedade – art. 156, I, § 1º, da CRFB/88. À evidência, o particular tem total liberdade para exercer o seu direito à propriedade, constitucionalmente previsto no art. 5º, caput, da CRFB/88. Contudo, tal liberdade deverá se condicionar à função social da propriedade, pois sua observância é direito fundamental de toda a coletividade.
Ao versar no art. 182 sobre a denominada “política urbana”, teve o legislador originário o corolário de preservar a função social da propriedade, através de mecanismos tributários extrafiscais – no caso, o IPTU progressivo.
A própria CRFB/88 deixou claro que a função social da propriedade é uma situação que deverá ser caracterizada através do plano diretor municipal, o qual formulará a ordenação de cada cidade brasileira, precisamente as que possuam mais de vinte mil habitantes.
Com esta descentralização normativa ao plano diretor, a CRFB/88 criou uma barreira à discricionariedade do legislador ordinário, ao passo em que assegurou uma uniformidade e segurança jurídica, pois o plano diretor delimitará parâmetros objetivos para consecução da função social da propriedade.
Logo, a cobrança pelo fisco de IPTU progressivo quanto ao tempo, só se alberga de respaldo legal caso não esteja sendo respeitada a função social da propriedade, nos termos descritos pelo plano diretor, cujas normas basilares sobreveio com a Lei do Estatuto das Cidades - Lei 10.257/01.
Assim também afirma o tributarista Ives Gandra Martins (1990, p. 551):
Pensar de forma diversa é entender que o constituinte, sobre ser repetitivo, prolixo e desconhecedor da técnica legislativa, fosse, fundamentalmente, um contumaz defensor das contradições, ao dizer que tanto os imóveis que cumprem a sua função social quanto aqueles que não cumprem seriam punidos pelo princípio da progressividade, punição expressa para estes e implícita para aqueles. Mais do que isto: apesar de ter gasto espaço e palavras com explicitações dos casos em que o princípio da progressividade poderia ser aplicado, haveria de se entender que, fora aqueles casos expressos, em todos os outros casos o principio da progressividade poderia ser aplicado. Como homenagem à inteligência do constituinte, não posso admitir tal nível de insensatez legislativa.
É de se enfatizar, pela imperiosidade da questão, ser a progressividade do art. 182 da CRFB/88, limitada não só pela função social da propriedade.
Além de ter de existir uma propriedade urbana e que esteja cumprindo a sua função social – nos termos do plano diretor existente, faz-se necessário ainda que o proprietário do imóvel não realize o parcelamento nem edifique o bem no prazo fixado em lei. Daí sim, poderá o Município lançar mão da medida extrafiscal prevista na constituição federal - progressividade no tempo.
O § 4º do art. 182 da carta magna de 1998 é de clareza solar quando assevera que, antes mesmo de se impor uma alíquota progressiva ao contribuinte, é curial que o sujeito passivo, notificado da necessidade de efetivo aproveitamento do imóvel, caso assim não faça, seja compelido ao parcelamento ou edificação do bem. Ao persistir na inércia, sucessivamente, haverá a alvitrada tributação progressiva por parte da municipalidade.
Existe uma corrente de juristas que entendem que o inciso II, do § 4º do art. 182, nada mais seria que uma sanção em face do contribuinte. Vejamos o fundamento de tal posicionamento doutrinário com as palavras do professor Valdir Rocha:
[...] em relação ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, como pena, quando, usando de faculdade, o Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4º). (ROCHA, 1992).
Um importante diploma normativo que aparecera para esclarecer a progressividade do IPTU fora o denominado Estatuto da Cidade, disciplinado na já explicitada Lei 10.257 de 2001. A referida Lei regulamentou os artigos 182 e 183 da CRFB/88, dispondo sobre normas gerais de política urbana.
O artigo 7º do Estatuto da Cidade é, sem sombra de dúvidas, um dos artigos mais importantes do diploma legal que disciplina a política urbana no Brasil. Por esta razão, segue infra o seu texto integral:
Art. 7
Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do artigo 5 desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5 do artigo 5 o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1 O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do artigo 5 desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2 Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no artigo 8.
§ 3 É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo. (BRASIL, 2001).
Observa-se, pois, que a majoração da alíquota do IPTU possui o limite de cinco anos consecutivos, além de não poder incidir excedendo o dobro do valor que se aplicara no ano anterior, chegando ao máximo de 15% do valor do imóvel.
A verdade é que existe uma flagrante inconstitucionalidade na sobredita extrafiscalidade do IPTU contida no plano diretor, porquanto o valor que podem os Municípios brasileiros extrair do sujeito passivo do IPTU, se caracterizar por confisco, ante a considerável quantia que se pode retirar do contribuinte, maculando, por conseguinte, o princípio constitucional da não tributação com efeito de confisco, previsto no art. 150, IV, da carta magna de 1988.
De fato, não está se aplicando o confisco com o IPTU progressivo quanto ao tempo. Existe, pelos valores contidos no plano diretor, uma penalização para aqueles que não estiverem verdadeiramente adequando o imóvel a função social que deveria ter.
A força tributária, em linhas diretas, é desproporcional e abusiva, pois a percentagem máxima de 15% prevista no plano diretor é desmedida.
Todavia, também há quem interprete os valores previstos no plano diretor como um forte instrumento dado pela CRFB/88, para que exista uma correta utilização da propriedade. Não se estaria, na visão de alguns tributaristas, se acontecendo um efeito confiscatório na progressividade do PITU.
4.2 A Emenda Constitucional 29/2000 e a extensão da progressividade do IPTU
O IPTU é, sem sombra de dúvidas, um imposto real – fundado na coisa tributada, e não em característica pessoal do contribuinte, como é o caso do Imposto de Renda. Tal premissa se extrai do art. 32 do CTN, no qual está previsto que o fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel urbano.
Por esta razão, havia um embate doutrinário a respeito da possibilidade de se imputar uma extrafiscalidade ao IPTU fundada na capacidade do contribuinte, pois sendo imposto real, seria um dissenso e uma ofensa à isonomia, sua aplicação em razão do imóvel.
Por isso, existe crítica, por exemplo, a cobrança progressiva de IPTU em relação ao valor do imóvel. A Emenda Constitucional 29/2000, todavia, esclareceu a dúvida que existia pela imprecisão normativa que existira.
Após a referida Emenda, houve uma nova redação ao §1º do art. 156 da CRFB/88, de forma a solucionar a dúvida a respeito da progressividade originariamente prevista para o IPTU.
Encabeçado pelo ilustre tributarista Ives Gandra, defendia a corrente conservadora que a constituição federal de 1998, veda a progressividade de impostos de caráter real – como é o caso do IPTU, pois o princípio da capacidade contributiva, como o próprio texto constitucional expressamente aduz em seu art. 145, §1º “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. (BRASIL, 1998).
De modo diverso, entende Hugo de brito machado e Marcelo Magalhães Peixoto, nos seguintes dizeres:
[...] não existe na Constituição Federal de 1998 qualquer vedação ao emprego do princípio da capacidade contributiva em relação aos impostos reais, mas, muito pelo contrário, nela existe norma expressa que o preconiza. (PEIXOTO, 2002).
A par do interminável embate doutrinário, o fato é que a Emenda Constitucional nº 29/2000, acrescentou, através do exercício do poder constituinte derivado reformador, novas hipóteses de progressividade no IPTU.
Assim, poder-se-á, com fulcro do § 1º do art. 156 da CRFB/88, sem prejuízo da progressividade no tempo, aplicar a progressividade em razão do valor do imóvel bem como será possível a aplicação de alíquotas diferentes de acordo com a localização e uso do imóvel.
Em suma: sem quaisquer prejuízos da progressividade no tempo descrita no art. 182, §4º, II, o imposto que incide sobre a propriedade urbana pode ser progressivo em razão do valor do imóvel, da mesma forma que poderá ter alíquota diferenciada em função da localização do imóvel.
4.2 O IPTU progressivo quanto ao valor do imóvel
Atualmente, com o incremento normativo inserto no art. 156, § 1º da CRFB/88, passaram a existir duas espécies de progressividade no IPTU, como bem explicita Andrei Velloso:
[...] a tradicional “progressividade extrafiscal”, ou seja, a progressividade “no tempo”, voltada à promoção do cumprimento da função social da propriedade (art. 156, § 1º, caput c/c o art. 182, §4º), a qual representa certa conotação sancionatória; e a “progressividade fiscal” estabelecida em função da variação da base imponível (art. 156, § 1º, I ), que considera o conteúdo econômico do imóvel ( signo presuntivo de riqueza). (VELLOSO, 2007).
Surge, pois, uma cobrança progressiva do IPTU, com base no valor do imóvel. Assim, um particular que tenha a propriedade (em sentido amplo) de um imóvel que custa R$ 100.000,00 (cem mil reais), poderá ter uma incidência mais onerosa (progressiva) na alíquota do IPTU, que um contribuinte que tenha um imóvel no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Ocorre, desta feita, uma verdadeira tributação com análise implícita da capacidade do contribuinte, o que para muitos é inconstitucional, vez que a CRFB/88 só autoriza a observância da capacidade do contribuinte para os tributos ditos por pessoais, e não aos reais – como já asseverado.
Após esta prerrogativa estatal de aumentar o IPTU progressivamente com base no valor do imóvel, o STF editou algumas súmulas, com o corolário de limitar a discricionariedade estatal na cobrança do tributo incidente na propriedade urbana.
Surgiu então as súmulas 668 589, ambas editadas pelo STF. A primeira passou a considerar inconstitucional qualquer lei municipal que tenha estabelecido alíquotas progressivas para o IPTU antes da Emenda Constitucional de nº 29/2000, com exceção, por evidente, da já existente progressividade extrafiscal visando o cumprimento da função social da propriedade – prevista já pelo constituinte originário.
A súmula 589 do STF, por sua vez, entendeu por inconstitucional a fixação de adicional progressivo do IPTU em função quantitativo de imóveis do contribuinte. Em outras palavras, embora tenha o Fisco municipal se beneficiado com a prerrogativa de aumentar a sua arrecadação com a progressividade baseada no valor do imóvel, o STF, para amenizar a situação do contribuinte, impediu os Municípios de criar um adicional progressivo em função do número de imóveis do contribuinte.
Portanto, independentemente de ter o contribuinte inúmeros imóveis passíveis de cobrança do IPTU, não poderá a municipalidade aumentar a alíquota do IPTU por tal motivo, nos termos da súmula 589, editada pela Suprema Corte.
Em uma análise sistêmica do ordenamento tributário pátrio, vê-se que a progressividade em função do valor do imóvel nada mais é que outro instrumento utilizado pela Administração Pública para aumentar as suas receitas em detrimento daqueles que teoricamente teriam melhores condições econômicas.
Ocorre, todavia, que diferentemente do imposto de renda – que é um tributo eminentemente pessoal, o IPTU tem por fato gerador direitos reais, como a propriedade e o domínio. Esse é o fundamento que a doutrina mais conservadora utiliza para alvitrar a inconstitucionalidade nas inclusões trazidas pela EC 29/2000.
Ocorre, entrementes, que afora os desentendimentos doutrinários, o direito tributário brasileiro continua aplicando a progressividade do IPTU em função do valor do imóvel, valorizando-se, neste esteio, a reforma constitucional existente no art. 156, § 1º, da CRFB/88.
4.3 A diferenciação das alíquotas do IPTU de acordo com a localização e uso do imóvel
Não obstante possibilidade de o ente municipal instituir alíquotas progressivas em decorrência do tempo e do lugar, também entendeu por bem a Emenda Constitucional 29/2000 autorizar a incidência de alíquotas diferentes de acordo com a localização e uso do imóvel – inteligência do art. 156, § 1º, II.
Tal inovação fora albergada de imediato pelo STF, que fixou expresso entendimento no sentido de retirar qualquer vício de inconstitucionalidade da cobrança de IPTU em razão com alíquota variada em razão da localização e uso do bem referido.
Assim, aqueles imóveis que se encontrem em bairros urbanos mais luxuosos e prestigiados ou aqueles que utilizem do imóvel para fins comerciais ao invés de residencial, poderá ter a alíquota do IPTU majorada, ante a expressa declaração constitucional, chancelado pelo próprio STF.
É bem de ver que tal inovação constitucional, na prática, não trouxe ao aplicador do direito maior distinção do que já se realizara. É que a progressividade do imposto não se confunde com a mera diferenciação das alíquotas.
O uso do imóvel trará modificações na alíquota não por causa do fenômeno da progressividade, mas sim porque todos os contribuintes que estejam em uma mesma categoria sujeitam-se a determinada carga tributária.
Com efeito, a alíquota do IPTU, nos casos do uso e localização do imóvel, cresce proporcionalmente com a grandeza do bem delineado, sendo a diferenciação das alíquotas uma simples diversificação de alíquotas em despeito a diferentes espécies do fato tributário, independentemente da sua significância econômica, como ocorre com a progressividade expressa no inciso I, do § 1º, do art. 156 da CRFB/88.
Por fim, há de se destacar que ao efeito extrafiscal do valor do IPTU de acordo com a capacidade contributiva, faz-se tão somente com a variação da alíquota.
Entrementes, o aumento da base de cálculo poderá ter efeito semelhante, pois graduar a forma de construção do bem (como popular, de classe média ou luxuoso), proporcionalmente a essencialidade do imóvel, traz mais consistência para consecução do prestígio ao princípio da capacidade contributiva.
CONCLUSÃO:
Assim, conclui-se o presente trabalho monográfico, que teve por missão delinear os principais aspectos da progressividade aplicável ao IPTU, matéria de constantes mudanças legislativas e jurisprudenciais que embora o esforço, ainda não conseguiu atender aos anseios de grande parte dos tributaristas brasileiros, por demonstrar as contradições elucidadas durante toda a análise ao longo estudo em comento.
REFERÊNCIAS:
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_______. Curso de Direito Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Progressividade e seletividade no IPTU, in IPTU. São Paulo: Quartier Latim, 2002.
ROCHA. Valdir de Oliveira. Determinação do montante do tributo: quantificação, fixação e avaliação. São Paulo: IOB, 1992.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
Advogado da União (AGU), lotado no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Mestre em Direito pelo Instituto de Direito Público de Brasília - IDP, Especialista em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pela Escola de Magistratura de Pernambuco - ESMAPE, Bacharel em Direito pela UNINASSAU e Graduado em Comunicação Social pela UNICAP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Felipe Augusto Viégas Alves e. A evolutiva progressividade do IPTU, à luz da CRFB/88 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47014/a-evolutiva-progressividade-do-iptu-a-luz-da-crfb-88. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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