RESUMO: Neste artigo, analisaremos a comunicabilidade ou não dos rendimentos decorrentes de participações societárias adquiridas por um dos cônjuges antes da constância do casamento, a partir da análise dos artigos 1.659 e 1.660, ambos do Código Civil de 2002.
Palavras-chave: Comunhão parcial de bens. Comunicabilidade. Rendimentos de Participações societárias.
INTRODUÇÃO
Traça-se, como objeto de estudo, a comunicabilidade ou não dos rendimentos decorrentes de participações societárias adquiridas por um dos cônjuges antes da constância do casamento, a partir da análise dos artigos 1.659 e 1.660, ambos do Código Civil de 2002.
Para tanto, deve-se perquirir inicialmente a natureza jurídica dos rendimentos para, assim, determinar qual a norma incidente.
Da (In)comunicabilidade dos rendimentos de participações societárias no regime de comunhão parcial de bens
A sociedade empresária é formada pela união de pessoas que se organizam para exercer uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços no intuito de gerar lucro. Para que a sociedade seja constituída, seus integrantes devem disponibilizar-lhe recursos necessários para dar início às suas atividades – estes recursos são denominados capital social.
Em contrapartida à contribuição que o sócio dá ao capital social, é-lhe atribuída uma participação societária. Se a sociedade é limitada, esta participação se chama “quota” (ou “cota”); se anônima, “ação” (motivo pelo qual o sócio da S/A é chamado também acionista). A participação societária é bem integrante do patrimônio de cada sócio, que pode aliená-la ou onerá-la, se atendidas determinadas condições.[1]
O valor das quotas é que definirá, em regra, a participação do sócio nos lucros ou nas perdas da sociedade, como determina o art. 1.007, do Código Civil:
Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.
Os rendimentos obtidos em razão da participação societária são considerados bens acessórios, na modalidade frutos civis, conforme interpretação do art. 92 c/c art. 95, ambos do Código Civil, tal como leciona Maria Helena Diniz:
(...) O princípio de que o acessório segue a natureza do principal vale para os frutos, produtos, benfeitorias e partes integrantes por aderirem ao bem principal, sendo desnecessária norma expressa para tanto (...).
E segue:
Quanto à sua origem os frutos podem ser: (...) civis, se se tratar de rendimentos oriundos da utilização de coisa frutífera por outrem que não o proprietário, como as rendas, aluguéis, juros, dividendos e foros.[2]
Por via das consequências, é possível concluir que parte dos lucros gerados pela empresa pertencem ao sócio, na fração ideal de sua cota societária. Deve-se atentar que não são todos os rendimentos da sociedade empresária que constituem acréscimo patrimonial dos sócios. Pelo fato de ser a sociedade uma entidade dotada de personalidade jurídica própria, distinta da de seus integrantes, seu patrimônio também é destacado dos demais. Desta forma, os lucros de uma empresa podem ter três destinos, quais sejam: (i) constituição de reserva; (ii) incorporação ao capital social; e (iii) distribuição aos sócios, por meio de dividendos. Somente neste último caso é que se caracterizarão os frutos civis, amealhados pelo sócio.
Na hipótese de o sócio haver contraído núpcias e o regime de bens adotado for o legal, isto é, de comunhão parcial dos bens, algumas considerações devem ser feitas, a fim de evitar interpretação equivocada acerca da comunicabilidade de tais rendimentos quando da divisão dos bens, mormente quando as quotas societárias houverem sido adquiridas anteriormente à celebração do casamento, caracterizando-se bem particular do cônjuge.
Com a adoção do regime de comunhão parcial de bens, preserva-se a titularidade dos bens adquiridos anteriormente à constância do casamento, a fim de evitar o enriquecimento sem causa de qualquer dos cônjuges, como observa Maria Berenice Dias, que completa: [c]omunica-se apenas o patrimônio amealhado durante o período de convívio, presumindo a lei ter sido adquirido pelo esforço comum do par.[3] Sobre o tema, dispõe o Código Civil em seus art. 1.659 e 1.600, nos seguintes termos:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Art. 1.660. Entram na comunhão:
I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Num primeiro momento, poder-se-ia enquadrar os frutos das participações societárias no inciso I, do art. 1.659, CC, excluindo-os da meação, em virtude do princípio da gravitação jurídica prescrito no art. 92, do CC, pois se a quota societária é considerado um bem particular do sócio, todos os seus frutos pertenceriam, por consequência, ao mesmo sócio.
No entanto, a ressalva estabelecida no inciso V, do art. 1.660, CC, impede tal interpretação, uma vez que determina a comunhão dos frutos dos bens particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. Conjugando-se ainda com o art. 1.215, do CC, é possível concluir que todos os rendimentos gerados na constância do casamento incluem-se na comunhão do bens. Também este é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves:
O inciso V prevê a comunicação dos frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, patenteando que somente os bens é que constituem patrimônio incomunicável. Os frutos percebidos na constância do casamento, bem como os pendentes ao tempo de cessar a comunhão, sejam rendimentos de um imóvel, de aplicação financeira ou de dividendos de ações de alguma empresa, integram o patrimônio comum, como consequência lógica do sistema estabelecido, que impõe a separação quanto ao passado e comunhão quanto ao futuro, ou seja, quanto aos bens adquiridos após o casamento.[4]
Segue, ademais, lição apurada de Silvio Rodrigues:
Frutos de bens particulares se comunicam. Assim sendo, p. ex., em uma sociedade anônima, havendo participação de um dos cônjuges (acionista) nos lucros sociais, oriunda de um investimento realizado com vista à remuneração periódica do capital empregado, mediante atribuição dos dividendos, pois tem direito de crédito eventual ao dividendo ou à parcela do lucro líquido, cuja concretização dependerá da existência daquele lucro, devidamente apurado e que lhe será distribuído em moeda. Como tais dividendos são frutos civis, resultantes do capital investido em empreendimento, entrarão para o patrimônio comum do casal, comunicando-se, portanto, ao outro cônjuge (não acionista).[5]
Os Tribunais pátrios apresentam posicionamento semelhante no tangente a comunhão dos frutos dos bens particulares, senão vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. DIVIDENDOS E BONIFICAÇÕES. MEAÇÃO DOS FRUTOS DE BENS PARTICULARES. Os bens recebidos exclusivamente por um dos companheiros por herança não entram na comunhão e não são partilháveis. Porém, os valores correspondentes aos frutos desses bens devem ser incluídos na partilha dos bens havidos no período em que as partes viveram em união estável. Em vista disso, no caso, os dividendos que são frutos das ações que o agravado possui junto às empresas referidas nos autos, devem ser partilhados por representarem um acréscimo no patrimônio do casal. As bonificações, por se constituírem em produto, não ingressam na comunhão. RECURSO DESPROVIDO.
(Agravo de Instrumento Nº 70014665061, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 17/05/2006)
Naquela ocasião, o Des. Relator Ricardo Raupp, citando Arnoldo Wald, esclareceu que:
“ (...). Não há dúvida que, enquanto os dividendos das ações constituem incontestavelmente frutos, as ações dadas em bonificação são produtos, pois não decorrem necessária ou normalmente da vida societária e importam em desvalorização das ações bonificadas, que sofrem uma redução no seu preço ou valor em virtude da emissão das novas ações distribuídas gratuitamente aos acionistas...”
“Assim, tanto a doutrina como a jurisprudência sempre entenderam que a inclusão dos frutos na comunhão de adquiridos importava em exclusão dos demais acessórios e em particular dos produtos, pois a hipótese é de direito excepcional, aplicando-se a norma inclusione unius fit exclusio alterius. A inclusão na comunhão de um acessório específico (frutos) implica a exclusão de todos os demais”.
Conclui, finalmente, o eminente Professor:
“Concluímos que: no regime da comunhão parcial, comunicam-se os dividendos mas não se comunica a propriedade das ações recebidas em bonificação e durante a vigência da sociedade conjugal”.
A distinção final entre dividendos e bonificações merece ser destacada, pois estas últimas são adquiridas de forma gratuita, pela distribuição de quotas societárias aos sócios, na proporção de sua participação, amoldando-se no disposto no art. 1.659, I, CC.
No rol de jurisprudência, ainda é possível destacar o seguinte julgado:
Arrolamento - Sentença homologatória de partilha - Insurgência da convivente supérstite - Pedido de inclusão na partilha dos rendimentos da aplicação financeira em nome do de cujus - Possibilidade- Exegese do inciso V do art. 1.660 do Código Civil - Pleito de exclusão da partilha de doação recebida - Cabimento -Comunhão parcial de bens - Inexistência de vedação legal de doação entre cônjuges - Ato de mera liberalidade do doador, que dispôs de pequena parte de seus bens particulares -Recurso provido.V1.660Código Civil. (destaquei)
(1407519020078260002 SP 0140751-90.2007.8.26.0002, Relator: Luiz Antonio Costa, Data de Julgamento: 26/10/2011, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/11/2011)
CONCLUSÃO
Diante do todo já explanado, é possível concluir que os rendimentos decorrentes da participação societária do cônjuge, ainda que se trate de bem particular, é incluído na comunhão, desde que tenham sido revertidos ao patrimônio do sócio (dividendos).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 7. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil – 28 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
________. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família – 26. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010.
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 64.
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil – 28 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 382.
[3] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 7. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 230.
[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 461.
[5] apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família – 26. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 189-190.
Técnico Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Bacharel em Direito pela UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Pedro Matos de. Da (In)comunicabilidade dos rendimentos de participações societárias no regime de comunhão parcial de bens Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47047/da-in-comunicabilidade-dos-rendimentos-de-participacoes-societarias-no-regime-de-comunhao-parcial-de-bens. Acesso em: 23 dez 2024.
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